em suas relações pessoais e por causa de um temor profundamente arraigado, que se mascarava de uma
aparência calma e autoconfiante. “É tão fácil enganar as pessoas quanto à minha auto -confiança”, disse ele,
“porque elas também são inseguras”. Divorciado após quinze anos de casamento, nos últimos três ficara com
uma mesma mulher, com quem rompera e reatara algumas vezes. “A verdade é que ela não é muito
importante para mim. Mas ela me adora, é muito apegada a mim, quer estar comigo o tempo todo. É seguro
e simples. Brigamos porque não quero me casar. Eu a humilho, repreendo-a por casos passados. Ela grita
que eu tenho medo de um compromisso. Por que eu haveria de me comprometer com uma mulher que, no
fundo, não me interessa? Mas, então, por que estou com ela?”
O que vi quando olhei para o rosto daquele homem de meia-idade, com os cabelos ralos, foi um
garotinho assustado, desnorteado, angustiado e que parecia estar pedindo socorro das profundezas de algum
pesadelo do passado. Eu estava disposto a acreditar que não era assim que seus sócios o viam, mas me
perguntava como poderiam deixar de enxergar a verdade. E pensava que essa espécie de invisibilidade só
poderia estar aumentando o seu tormento.
Filho único de imigrantes russos empobrecidos, fora criado, segundo contou, sem amor, sem o menor
sinal de calor ou afeição e com uma boa dose de brutalidade física. “Mas eu sabia que era esperto e que
podia sobreviver. Sabia que podia ver coisas que as outras pessoas não vêem, como ganhar dinheiro, por
exemplo. Aos catorze, já estava realizando meu primeiro negócio de sucesso. Queria dinheiro para poder ser
livre. Hoje ganho muito dinheiro. Operar nos negócios é fácil para mim. Não sei por que, mas é. Os lances
certos simplesmente me parecem óbvios. Em termos de vida pessoal, tentei algumas vezes confiar minhas
inseguranças a um de meus sócios. Ele riu de mim, não quis acreditar, não quis nem mesmo ouvir falar no
assunto. Vivo em um apartamento de dois cômodos e não tenho interesse em amenidades. Sinto que não as
mereço. Sinto que dificilmente mereço alguma coisa... Você sabe do que eu gosto em você? Você vê o meu
medo e a minha dor e acredita, você não tem medo disso, não tenta mudar de assunto.”
“E falando nisso”, eu disse, “me pergunto como é ser um menino de 5 anos vivendo na sua casa.”
Seus olhos lacrimejaram, e ele contou-me como isso era de fato terrível. Enquanto falava, a criança
que ele fora emergia cada vez mais claramente em seu rosto.
O que se via era que Charles, quando criança, apesar de sua feroz vontade de sobreviver, formara
um autoconceito espantosamente negativo, que era responsável tanto por seu sentimento de não ser
merecedor de nada como por sua escolha de uma mulher pela qual tinha pouca consideração. Quem era ele
para ter o amor de uma mulher admirável? E, ao mesmo tempo que se permitia ganhar dinheiro, não se
permitia desfrutá-lo.
Concluí que a criança – ou, mais precisamente, o eu-criança dentro do adulto – detinha a chave para
a recuperação da auto-estima de Charles. Uma vez que o conceito do eu-criança é importante e aparecerá
novamente neste livro, façamos uma pausa para entendê-lo.
Todos nós já fomos criança um dia e, embora possamos não perceber, ainda a trazemos dentro de
nós, como um aspecto de nós mesmos. Às vezes mudamos para o estado de consciência da criança que
fomos outrora e respondemos às situações de nossas vidas adultas como se, para todas as finalidades
práticas, ainda fôssemos aquela criança, com seus valores, suas emoções, suas perspectivas e maneiras
características de processar a experiência. Às vezes essa mudança é desejável, por exemplo, quando
vivenciamos a espontaneidade e a alegria infantil. É indesejável, entretanto, quando reativamos as
inseguranças dessa criança, sua dependência e limitada compreensão do mundo.
Podemos aprender a reconhecer essa criança, a fazer amizade com ela e a ouvir atentamente o que
ela tem a nos dizer, mesmo que seja doloroso. Com efeito, podemos fazer com que ela se sinta bem-vinda
dentro de nós, permitindo que o eu-criança se integre em nosso eu-adulto. Ou podemos rejeitá-la, por medo,
dor ou vergonha, tornando-nos inconscientes de sua existência. Nesse último caso, o eu-criança, abandonado
e não-integrado, passa a atormentar nossas vidas de maneiras que provavelmente não reconheceremos:
tornando impossível que tenhamos uma vida amorosa feliz, levando-nos a comportamentos inadequados no
trabalho, negando-nos a liberdade de nos divertir de modo adulto, e assim por diante.
Quis explorar a hipótese de que os primeiros anos de Charles teriam sido tão dolorosos que ele se
anestesiara psicologicamente para poder sobreviver; de que, no processo de amadurecimento, ele teria
trancado o seu eu-criança em uma câmara hermeticamente fechada onde seus gritos mal poderiam ser