DIARIO DE PALESTRAS D E 5 MINUTOS SOBRE SAUDE,
SEGURANÇA, QUALIDADE E MEIO AMBIENTE.
Dentre as histórias, lendas e narrativas que quase sempre ilustramos nos milhares
de compêndios de pregação cristã, editados pelo mundo afora, nenhuma se nos
afigura tão pungente (tão pungente e tão farta de sadio simbolismo) quanto a que
abre as páginas de uma das mais conhecidas obras evangélicas do renomado
sacerdote espanhol “A história do Cristo Mutilado”.
Conta-nos o padre Ramon que, certa vez, em Sevilha, ao visitar casualmente. O
estabelecimento comercial de próspero antiquário, ali encontrou uma imagem
mutilada de Cristo, que certamente fora profanada pelo vandalismo de algum ateu.
Após demorada discussão com o comerciante, em torno do preço pelo qual a
imagem lhe poderia ser cedida, o sacerdote comprou-a, afinal, com indisfarçável
hesitação, e levou-a para casa.
Mais tarde, ao fixar os olhos na imagem desfigurada, a qual faltavam um dos braços,
uma das pernas e o próprio rosto, o piedoso jesuíta, roído de remorsos por haver
mantido tão acesa disputa com o antiquário remitente, sobre questão de preço, como
se a imagem de Cristo fora uma mercadoria qualquer, o piedoso jesuíta assim falou
para si mesmo:
Não te importes, meu Cristo. Vou mandar restaurar-te. não quero e nem
posso ver-te, assim, mutilado. Restaurando-te, pensarei que te desagravo
por mim e pelos outros. Sim, vou mandar restaurar-te, ainda que o
restaurador me exija mil e quinhentas pesetas. não as tenho, mas hei-de
obtê-las. Mereces tudo e custa-me ver-te assim. Amanhã mesmo, levar-te-
ei `a oficina do restaurador. Aquele que está na ``Casa do Artista``, junto
ao ``Jueves``, onde te comprei.
Eis que uma voz, ao mesmo tempo doce e irada, respondeu-lhe na solidão da noite:
Não me restaure. Proíbo-te. Ouves? Proíbo-te. Espero que, vendo-me,
assim, mutilado, afinal te apercebas de que há milhares de irmãos que
convivem contigo, ignorados e distantes, e que estão, como EU, mutilados,
doentes e esmagados pelo sofrimento. Sem braços, porque não tem
possibilidade e nem meios de trabalho; sem pés, porque lhes bloquearam
os caminhos da vida; e sem olhos, porque os perderam tragicamente. Não!
Não me restaures!
Talvez que, vendo-me assim, desfigurado, os teus olhos se volvam para o sofrimento
dos teus Irmãos. Para o sofrimento dos teus Irmãos também mutilados e vencidos
pela vida.