modesta, saltaria para as mais altas esferas, vestindo cabeçorras e cabecinhas
de deputados, presidentes de câmara, cardeais e ministros. Os dias daquela
semana passaram por encanto. Julián não foi às aulas e passou jornadas de
dezoito e vinte horas a trabalhar na oficina das traseiras da loja. O pai, rendido
de entusiasmo, abraçava-o de vez em quando e até o beijava sem dar por isso.
Chegou ao extremo de oferecer à sua mulher Sophie um vestido e um par de
sapatos novos pela primeira vez em catorze anos. O chapeleiro não parecia o
mesmo. Um domingo esqueceu-se de ir à missa e nessa mesma tarde,
transbordante de orgulho, rodeou Julián com os braços e disse-lhe, com
lágrimas nos olhos: “O avô ficaria orgulhoso de nós.”
Um dos processos mais complexos na já desaparecida ciência da
chapelaria, técnica e politicamente, era tirar medidas. Don Ricardo Aldaya
tinha um crânio que, segundo Julián, roçava o terreno do amelonado e agreste.
O chapeleiro teve consciência das dificuldades mal avistou a testa daquele
homem importante, e nessa mesma noite, quando Julián lhe disse que lhe
lembrava certos fragmentos do maciço de Montserrat, Fortuny não pôde
deixar de concordar. “Pai, com todo o respeito, sabe que eu tenho melhor
mão que o senhor, que se enerva. Deixe-me ser eu afazê-lo.” O chapeleiro
acedeu de bom grado e, no dia seguinte, quando Aldaya apareceu no seu
Mercedes Benz, Julián recebeu-o e conduziu-o ao ateliê. Aldaya, ao verificar
que quem ia tirar as medidas era um rapaz de catorze anos, enfureceu-se:
“Mas que é isto? Um garoto? Antes andar em cabelo.” Julián, que tinha
consciência do significado público da personagem mas que não se sentia
absolutamente nada intimidado por ela, replicou: “Senhor Aldaya, em cabelo
não é fácil o senhor andar, que esse cocuruto da cabeça parece a Plaza de Las
Arenas, e se não lhe fazemos rapidamente um jogo de chapéus, ainda lhe
confundem a cachimónia com o plano Cerda.”
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Ao ouvir estas palavras,
Fortuny julgou que morria. Aldaya, impávido, cravou os olhos em Julián.
Então, para surpresa de todos, desatou a rir como há anos não fazia.
“Este seu garoto há-de ir longe, Fortunato”, sentenciou Aldaya, que
não havia maneira de aprender o nome do chapeleiro.
Foi deste modo que averiguaram que don Ricardo Aldaya estava farto
precisamente até à ponta dos poucos cabelos que tinha de que todos o
receassem, adulassem e se lançassem por terra à sua passagem, com vocação
de capacho. Desprezava os lambe-botas, os medricas e toda a pessoa que
demonstrasse qualquer tipo de debilidade física, mental ou moral. Ao deparar
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Ildefonso Cerda (1815-1876) foi o autor do projecto do Ensanche de Barcelona, datado de 1859. (N.
T.)