Como ler romances

FabricioSouza12 176 views 29 slides Jun 10, 2020
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Como ler romances


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Como ler romances Adaptado de Susan Wise Bauer

COMO LER UM ROMANCE? Ler as primeiras palavras de um romance é como avistar o primeiro contorno de luz de uma porta que está se abrindo. O que haverá dentro do quarto invisível? O leitor avança, esperando que cada detalhe se encaixe no lugar apropriado do todo. O objeto intrigante do outro lado da porta se torna a borda de um biombo; a estranha mancha escura no chão se revela como a sombra de uma mesa. Finalmente, a porta se abre. E o leitor cruza a soleira, rumo a outro mundo. Susan Wise Bauer, 2015, p. 71. Como surgiu o romance? Três momentos do romance Três níveis de leitura clássica

1. Como surgiu o romance? O romance, na forma como o conhecemos hoje, emergiu no século XVIII, das mãos de Daniel Defoe, Samuel Richardson e Henri Fielding. Defoe tomou emprestadas as convenções das narrativas de viagem e produziu Robson Cruzoé ; Richardson usou a forma tradicional “epistolar”(conjunto de cartas escritas por um personagem) e o transformou em Pamela . Fielding, um dramaturgo, paralisado pelas novas leis contra a obscenidade nos palcos, passou então a escrever Joseph Andrews [...]. Essas três histórias usavam convenções antigas, mas as preenchiam com algo novo: um vislumbre da vida interior de uma personalidade individual. Até o século XVIII, histórias extensas escritas em prosa eram verdadeiros tabuleiros de xadrez, repletos de peças estáticas que representavam personagens, os quais eram arrastados por uma série de eventos com o intuito de contar a história de uma nação, explicar uma ideia ou ilustrar certa qualidade de virtudes [...]. Entretanto, Defoe, Richardson e Fielding produziram um novo tipo de livro: o Livro da Pessoa.

1. Como surgiu o romance? Eles não foram os primeiros. Na Espanha, um século e meio antes de Defoe, Miguel de Cervantes e Saavedra já havia escrito o primeiro Livro de Pessoa: a história de Dom Quixote , o fidalgo da Mancha que decidiu se tornar um cavaleiro errante. Cervantes, no entanto, era um gênio solitário. Juntos, Defoe, Fielding e Richardson deram início a um movimento literário que fez brotar um tipo de literatura inteiramente novo: a narrativa em prosa que explora a vida interior de um personagem. Essa nova forma, o “romance”, teve que competir com outra forma literária menos respeitável: o folhetim. O folhetim era mais ou menos equivalente à telenovela moderna. [...]

2. Três momentos do romance No século XIX, o romance em alta era o “gótico”, uma história de mistério e vaga ameaça sobrenatural, passada em lugares assustadores (ou na Europa Central, o que, para a maioria dos leitores, era a mesma coisa). As heroínas góticas definhavam em castelos em ruínas, ameaçadas por feitiços antigos, esposas enlouquecidas e nobres misteriosos, que evitavam a luz do sol e os espelhos. O romance do fim do século XIX não pretendia ser um produto da mente de um escritor, ele tinha a intenção de ser um registro acurado da vida cotidiana. [...] no final do século XIX e nos primórdios do século XX, o realismo desenvolveu ramificações. Dostoiévski e Kafka aperfeiçoaram um “realismo psicológico” que prestava menos atenção a detalhes físicos e mais aos psicológicos. [...] Outra forma de realismo – até mais moderna do que o “realismo psicológico” – foi o naturalismo. Escritores realistas estavam convencidos de que podiam escrever os romances puramente “científicos”. [...] O eu era apenas um produto de peculiaridades herdadas, combinadas à influência ambiental. [...] os modernistas, que escreveram entre e depois das grandes guerras, viram que os ancestrais vitorianos estavam iludidos. Os vitorianos pensavam que eram capazes de compreender a essência da vida, mas os modernistas sabiam que a “verdadeira vida”, de fato, estava além de sua compreensão. [...] A ausência de enredo tornou o romance modernista muito difícil de ler, especialmente para o leitor comum que anseia por uma história . [...] O romancista pós-moderno considerou que todas as tentativas prévias de escrever sobre o eu individual eram falhas, porque insistiam em ver o eu como essencialmente livre. Não, não, diz o pós-modernista; o eu privado [...] não é uma espécie de ser independente, livre, capaz de achar o próprio caminho em meio aos obstáculos, derrotando a hipocrisia da sociedade. Em vez disso, esse eu privado foi produzido pela sociedade.

3. Três NÍVEIS DE LEITURA CLÁSSICA A leitura clássica tem um padrão: apreender fatos, analisá-los e expressar suas opiniões sobre eles. [...] Esses três passos separados também se aplicam à leitura. [...] Para obter sucesso em um curso de leitura, deve-se reorientar a mente para absorver novar ideias, compreendendo-as primeiro, para depois avaliá-las e, finalmente, formar suas próprias opiniões sobre elas. O ideal é não pular de um nível para outro, mas praticá-los em sequência. Eles são assim nomeados e discriminados: Primeiro nível de investigação: leitura no estágio gramatical Segundo nível de investigação: leitura no estágio lógico Terceiro nível de investigação: leitura no estágio retórico

leitura no estágio gramatical A primeira vez que você lê um romance do começo ao fim, deve procurar respostas para três perguntas simples: quem são essas pessoas [os personagens]? O que acontece com elas? Quais foram as mudanças que elas sofreram? Ao longo da leitura você deve também dobrar o canto das páginas (ou marcá-las) sempre que algo significativo acontecer. Não se preocupe em determinar o sentido desses trechos – você vai retomá-los mais tarde, depois de ter feito a primeira leitura sem interrupção. Susan Wise Bauwer , 2015, p. 86 Observe o título, a quarta capa e o sumário Elabore uma relação dos personagens ao longo da leitura Identifique brevemente o evento principal de cada capítulo Faça anotações iniciais de passagens que lhe pareçam interessantes dê ao livro seu próprio título e subtítulo

1. Observe o título, a quarta capa e o sumário Com um diário (ou outro objeto em que possa fazer registros por escrito) e um lápis por perto, leia o título e a contracapa. Se o livro possui resumo biográfico do autor e/ou tradutor, leia-o também. Lembre-se: não leia o prefácio, a menos que tenha sido escrito pelo autor (ou tradutor); do contrário, você terá uma interpretação do livro antes de ter a chance de formar suas próprias ideias. Registre o título do livro, o nome do autor e a data no topo da página em branco. Depois, leia o sumário. Após, comece a ler o capítulo 1.

2. Elabore uma relação dos personagens ao longo da leitura Você poderá criar uma lista de personagens: seus nomes, suas posições e seus relacionamentos uns com os outros. Algumas vezes (especialmente em obras russas), os personagens têm dois (ou mais) nomes; sua lista de personagens pode ajudá-lo a se lembrar deles corretamente. Se o romance trata de uma família, elabore uma tabela genealógica dos personages .

3. Identifique brevemente o evento principal de cada capítulo Ao término de cada capítulo, escreva em seu bloco de notas uma ou duas sentenças que descrevam o evento principal de cada capítulo. Elas devem representar estímulos de memória para você, e não resumos detalhados do enredo. Tente limitar-se a um evento importante por capítulo.

4. Faça anotações iniciais de passagens que lhe pareçam interessantes Ao longo dessa leitura inicial, não pare para escrever reflexões longas sobre o conteúdo do livro. Contudo, se você se deparar com um trecho que lhe pareça particularmente importante, ponha-o entre parênteses, dobre o canto da página e escreva uma nota para si mesmo em seu diário.

5. dê ao livro seu próprio título e subtítulo Quando você terminar de ler o livro, volte e releia seus resumos dos capítulos. Será que eles estão lhe fornecendo um esboço claro e coerente dos acontecimentos da obra? Em caso afirmativo, você pode passar para o próximo passo: a titulação. Caso contrário, terá que reescrever seus resumos: apague todos aqueles detalhes que não lhe pareçam essenciais agora e acrescente eventos ou personagens importantes que podem ter-lhe escapado. Assim que você estiver satisfeito com seu esboço, dê um título breve ao livro e um subtítulo mais longo. Antes de poder fazer isso, entretanto, você terá de responder a duas perguntas: Qual é o personagem central deste livro? ( Se Você tiver dificuldade para responder a essas questões, pergunte-se o seguinte: há algum ponto do livro em que os personagens se transformam? Há algum acontecimento que faz com que todo mundo mude de comportamento? ) Qual é o evento mais importante do livro? ( Uma vez que você tenha identificado esse evento, pergunte-se: qual dos personagens é o mais afetado? Esse provavelmente será o herói (ou heroína) do livro ). Agora, dê ao livro um título que mencione o personagem principal, e um subtítulo que conte como esse personagem é afetado pelo evento principal do livro.

2. leitura no estágio lógico Sua primeira leitura do livro deve lhe dar uma ideia da história como um todo: um conto arrebatador que você acompanhará do começo ao fim sem parar para digerir ou verificar detalhes. Agora você vai focar seu olhar em elementos individuais do livro. A essa altura, o ideal seria que você relesse todo o romance, mas a menos que você seja uma pessoa rica (como os cavalheiros eruditos do século passado), provavelmente não o fará. Então, retome os trechos entre parênteses ou marcados que você anotou na sua primeira leitura completa. Alguns parecerão irrelevantes agora, outros de repente se revelarão centrais. Susan Wise Bauwer , 2015, p. 89 Esse romance é uma “fábula” ou uma “crônica”? O que o personagem central (ou personagens) está querendo? O que está no seu caminho? E que estratégia ele adota para superar esse obstáculo? Quem está contando a história? [narrador] Qual o cenário da história? Que estilo está empregando o autor? Imagens e metáforas Cenas de abertura e fechamento

1. Esse romance é uma “fábula” ou uma “crônica”? Esta é a primeira pergunta que você deve se fazer com relação ao romance: será que a narrativa está ocorrendo em um mundo regido por leis que governam minha existência? Ou será que há eventos fantásticos no livro que não se enquadram na realidade que eu conheço? Se esse romance se passa no nosso mundo – uma crônica, portanto – como o escritor revela essa realidade? Se o escritor está nos apresentando um mundo fantástico, qual é o seu objetivo? Será o romance essencialmente realista, mas com alguns elementos fantásticos?

2. O QUE O PERSONAGEM CENTRAL (OU PERSONAGENS) ESTÁ QUERENDO? O QUE ESTÁ NO SEU CAMINHO? E QUE ESTRATÉGIA ELE ADOTA PARA SUPERAR ESSE OBSTÁCULO? Quase todo romance (mesmo o mais moderno) constrói-se ao redor dessas questões básicas. Você pode fazê-las para quantos personagens quiser, mas comece pela pessoa que lhe pareça a mais proeminente.

3. Quem está contando a história? [narrador] O ponto de vista da primeira pessoa (eu)... oferece uma perspectiva bastante imediata, mas limitada. A primeira pessoa permite que você ouça os pensamentos mais privados de um personagem – mas, em troca, você poderá ver apenas o que acontece dentro do alcance da visão desse personagem e só pode conhecer os fatos dos quais ele tem consciência. A segunda pessoa (“Você caminha rua abaixo e abre a porta...”) não é comum, e geralmente é usada em obras experimentais (e jogos de aventura). Assim como o ponto de vista da primeira pessoa, a segunda pessoa mantém o leitor envolvido com a história e leva o senso de imediatismo para além do que uma primeira pessoa consegue levar. Entretanto, a segunda pessoa tende a limitar o escritor ao tempo presente, podando qualquer reflexão sobre o passado. A terceira pessoa limitada (também chamada de “terceira pessoa subjetiva”) conta a história de um ponto de vista de um personagem particular, investigando a mente do personagem, mas usando pronomes em terceira pessoa ( ele ou ela ) mais do que pronomes na primeira pessoa. Essa perspectiva permite ao escritor ganhar um pouco de distância da história, mas ainda o limita àqueles eventos em que o personagem, de cujo ponto de vista se lê a história, pode efetivamente ver e ouvir. Uma variante útil disso [...] é a “terceira pessoa múltipla”, que permite ao escritor usar o ponto de vista de vários personagens diferentes, pulando do “lado de dentro” de um personagem para o “interior” de outro, com o intuito de oferecer perspectivas múltiplas. “A terceira pessoa objetiva” conta a história de uma perspectiva distante, remota. O narrador pode ver tudo o que está acontecendo, como se estivesse pairando no espaço, acima da cena, mas não pode olhar para dentro do coração ou da mente de nenhum personagem. O escritor que usa a terceira pessoa objetiva ganha um tipo de perspectiva não passional, mas perde a habilidade de nos dizer o que os personagens estão pensando e sentindo; temos de deduzir isso das ações e das expressões dos próprios personagens. A terceira pessoa objetiva é o ponto de vista do diretor do filme. O ponto de vista onisciente – o mais popular até o século XIX – coloca o escritor no lugar de Deus. ele é capaz de ver e explicar tudo. É capaz de explicar tanto os grandes eventos do universo quanto os pensamentos que ocupam os cantos mais recônditos da alma do personagem. O ponto de vista onisciente é muitas vezes o ponto de vista do autor; ele permite ao autor refletir sobre a moral e registrar suas ideias pessoais sobre os eventos do livro.

4. Qual o cenário da história? Toda história acontece em um lugar físico. Esse lugar é natural ou construído pelo homem? Se for natural, até que ponto as florestas, os campos e céus refletem as emoções e os problemas dos personagens? Ou será a natureza indiferente às lutas do herói? As respostas a essas perguntas vão revelar para você como o romancista vê a relação humana com o mundo físico. Cenários construídos por homens – uma cidade, uma casa, um quarto – também podem refletir a vida interior dos personagens: ordenada e limpa, desarrumada e confusa. Procure outros trechos descritivos e pergunte a si mesmo: quem está presente na cena? Qual o aspecto do cenário? Como o personagem o percebe? O que isso tem a ver com o seu estado mental?

5. Que estilo está empregando o autor? Escolha um parágrafo longo e conte as palavras de cada sentença. Qual é a sentença mais curta? Qual a mais longa? Qual é a quantidade média de palavras por sentença? No mesmo parágrafo, conte o número de substantivos e verbos que tenham três ou mais sílabas. Quantos substantivos no parágrafo se referem a coisas concretas (povos, cenários, animais, vestuário, comida, etc.), e quantos se referem a ideias abstratas? Quantos verbos no trecho descrevem atividade física (correr, pular, escalar, corar) e quantos descrevem atividade mental (preocupar-se, antecipar-se, alegrar-se)? Esses exercícios mecânicos podem ajudá-lo a começar a avaliar se o estilo do escritor é “simples” (curto, palavras comuns, sentenças simples) ou mais complexo e ornamentado. Agora, considere trechos de diálogos de três personagens diferentes e compare-os, usando o exercício acima [proposto por Edward Cobert ]. Será que todos esses personagens têm falas semelhantes [...]? Ou será que seus padrões de discurso refletem o fato de que eles têm contextos diferentes, trabalhos diferentes, vidas diferentes?

6. Imagens e metáforas Há alguma imagem particular frequentemente repetida? Os personagens se veem constantemente atravessando rios e caminhando por florestas? Há alguma cor em particular (um vestido branco, uma rosa branca, um céu branco) que ocorre mais de uma vez? Uma vez que você tenha identificado uma imagem que se repete: pergunte-se: isso é uma metáfora? Em caso afirmativo, o que ela representa? Uma metáfora é um objeto físico ou ato que representa outra coisa – uma atitude, uma situação, uma verdade. Uma metáfora é diferente de uma alegoria. Uma alegoria envolve uma correspondência equivalente entre diferentes elementos da história e as realidades que eles representam; uma alegoria é um conjunto de metáforas relacionadas, enquanto a metáfora é uma única imagem que pode veicular múltiplos sentidos.

7. Cenas de abertura e fechamento O início do romance deverá atraí-lo imediatamente para o problema central de uma história. Será que o escritor está sugerindo um mistério, ao começar a esboçar um cenário incompleto que você não consegue entender imediatamente? Será que o livro começa com violência e cor, prendendo-o pela ação pura? Ou será que ele começa com passividade ou estagnação? Agora que você considerou a abertura, vá ao final. John Gardner [...] sugere que as histórias têm dois tipos de final. Temos a resolução , quando “nenhum acontecimento adicional pode se dar [...]”. Em contraste a esse tipo, temos o final da exaustão lógica , em que os personagens alcançaram “o estagio da repetição infinita; mais eventos podem se seguir..., mas todos eles vão expressar a mesma coisa – por exemplo, o aprisionamento dos personagens em rituais vazios ou alguma reação bastante errada em relação às pressões de seu ambiente.”

3. leitura no estágio retórico Suas respostas no estágio lógico devem começar a revelar as ideias que estão no âmago de cada romance. Ao longo do estágio retórico, você terá de decidir se concorda com aquelas ideias ou não. Susan Wise Bauwer , 2015, p. 100 Você simpatiza com os personagens? Com quais e por quê? A técnica do escritor lhe dá uma ideia de sua “tese central” – de sua compreensão da condição humana? Seria o romance autorreflexivo? Será que o escritor foi influenciado por sua época? Há alguma tese nesse livro? Você concorda? [A verossimilhança] O que pretende uma obra ficcional?

1. Você simpatiza com os personagens? Com quais e por quê? Você é capaz de achar algum ponto de empatia (identificação emocional ou intelectual) com cada personagem principal? O dilema dos personagens, ou sua reação ao dilema, precisa provocar algum tipo de reconhecimento. Mesmo nos personagens mais bizarros e maníacos deve haver alguma coisas que posamos reconhecer. Em um grande romance, mesmo os malfeitores possuem alguma emoção ou motivação com que o leitor possa se identificar. O bandido do romance é um vilão não por ser um monstro, mas porque alguma qualidade real dele foi distorcida e exagerada, até se tornar destrutiva. De maneira semelhante, a heroína não deve possuir uma bondade em estado puro, ninguém se identificaria com um personagem assim. Sua grandeza deveria resultar da sua vitória sobre defeitos que podemos compartilhar ou com os quais nos identificamos. Tente identificar qual traço de personalidade lhe permite simpatizar ou não com cada personagem: [...]. Você sente essa qualidade em si mesmo, ou a observa nos outros? Será que essa qualidade se encontra distorcida, ou exagerada, ou de alguma forma infringindo as regras do romance? Que tendência oposta a destrói, ou se coloca no caminho de seu florescimento completo? Você também reconhece esse impulso contrário em si mesmo? Depois, reflita: se o autor escolheu essa qualidade como característica central do personagem, será que está fazendo uma afirmação, através dessa escolha, sobre a condição humana? Sobre os desejos universais que todos os seres humanos compartilham, e a oposição que todos nós também encaramos quando tentamos satisfazer esses anseios?

2. A técnica do escritor lhe dá uma ideia de sua “TESE CENTRAL” – DE SUA COMPREENSÃO DA CONDIÇÃO HUMANA? Por exemplo, o ponto de vista (o narrador): os narradores oniscientes, em que os escritores assumem a posição de Deus, como é comum nos romances do século XIX, apontam para uma crença tradicional em Deus, que tudo vê e tudo determina. Mas sem o ponto de vista onisciente, não há ponto de vista “padrão” único, normal; cada personagem tem uma perspectiva diferente sobre o que está acontecendo, e nenhum ponto de vista é definido como verdadeiro . Se o romancista acredita que somos produtos do nosso meio – que o espaço e o tempo em que vivemos determinam quem somos -, ele prestará atenção redobrada aos cenários físicos. No entanto, se ele crê que o homem é uma alma livre, com poder de controlar o seu entorno, será mais provável que se concentre no que se passa dentro da cabeça dos personagens. Em vez de descrições minuciosas do cenário físico, produzirá registros não menos detalhados das emoções, pensamentos e estados de espírito.

3. Seria o romance autorreflexivo? Descobrir mais sobre a condição humana a partir do romance: isso é mesmo possível? Histórias sobre as pessoas podem veicular verdades? Será que as palavras escritas podem comunicar algo de verdadeiramente significativo sobre a consciência? Se o romance for autorreflexivo, ele afirma que a narração de histórias pode levar a uma declaração dotada de sentido sobre a existência humana – ou será que ele questiona essa possibilidade?

4. Será que o escritor foi influenciado por sua época? [Os] romances são muito mais do que reflexos sobre seu próprio tempo; vê-los em princípio como mini-histórias da cultura seria reduzi-los. O leitor sensível deverá optar pelo caminho do meio, assumindo que o escritor tenha sido influenciado pela sabedoria aceita pela sua época, mas também conceder-lhe o benefício da imaginação. Talvez ele tenha sido capaz, quanto a alguns aspectos do romance, de dar um salto imaginativo que o pôs à frente dos seus contemporâneos. Como parte de sua discussão no estágio retórico, você poderá querer ler uma breve história dos tempos em que o escritor viveu. Esse não precisa ser um projeto enorme; algumas poucas páginas de um texto básico lhe darão uma ideia dos tempos do escritor. Uma boa regra de ouro é ler as obras publicadas vinte anos antes e vinte anos depois do lançamento do livro em questão [...]. Se isso for demais para você, pode pular essa parte do estágio retórico concernente a leituras complementares. É melhor ler o romance e deixar a parte histórica de lado do que desistir de todo o projeto. Por outro lado, você não entenderá As aventuras de Huckleberry Finn completamente sem antes ter lido sobre a lei dos escravos fugitivos; e 1984 não terá sentido completo se você não souber alguma coisa sobre política e cultura britânicas de 1949, quando George Orwell escreveu seu texto pessimista.

5. Há alguma tese nesse livro? Agora, tente reunir essas diferentes considerações em uma declaração final: o que exatamente o escritor está lhe dizendo? Um romance não é uma tese, e uma história nunca deve ser reduzida a um silogismo. O propósito mais importante do romancista é conduzi-lo através da experiência, em vez de convencê-lo de alguma coisa. O escritor, ao descrever a vida de um personagem em particular, faz uma declaração sobre a condição humana em geral. Então, pense sobre o que acontece aos personagens principais e por que. Há alguma questão discutida em torno da sorte do herói (ou da heroína), ou da queda do vilão?

6. Você concorda? Agora, você pode fazer aquela pergunta derradeira sugerida acima: essa obra está dizendo a verdade ? Aqui você deve considerar dois sentidos da palavra verdade. Um romance que é convincente, vivo, atraente, cuidadosamente escrito, de modo que cada detalhe corresponda à realidade; um romance que o chama para dentro do seu mundo e o mantém interessado no destino dos seus personagens – esse romance é real e reflete nossas experiências do mundo. Contudo, uma obra pode ser verdadeira nesse sentido e, ao mesmo tempo, apresentar uma ideia sobre como a experiência humana deveria ser e que seja contrária às nossas convicções. Ou então a obra pode retratar em cores vivas um aspecto da existência humana, ao mesmo tempo em que sugere que esse é o único nível de vida que os homens podem ter. Uma história pode ainda sugerir que sequer existe um “deveria ser” – nada existe pelo que lutar além daquilo que vemos, nada para acreditar além do que já existe. Podemos rejeitar essas ideias com todas as forças, sem, no entanto, deixar de achar o livro “plausível”. Então, em que sentido pode o livro ser considerado verdadeiro?

7. O que pretende uma obra ficcional? A troco de que você está lendo ficção, afinal? Você esperava descobrir alguma verdade sobre a natureza humana? Um romance deve revelar alguma verdade dura, difícil de encarar sobre nós mesmos? Será que os romances revelam o fim inevitável de certas linhas de conduta? Ou será que são, pelo contrário, agentes de mudança moral? Será que eles nos propõem modelos para que possamos alinhar com os nossos? Não compete ao romance fornecer modelos. Ele simplesmente explora realidade: ele abre inúmeras portas para você perscrutar, mas não sugere quais limiares você deve cruzar.

Referência bibliográfica BAUER, Susan Wise . Como educar sua mente: o guia clássico para ler e entender os grandes autores . Trad. Gabriele Greggersen . São Paulo: É Realizações, 2015.
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