Uma pequena introdução ... Se a integração nas comunicações impulsionada pelo avanço tecnológico é um fato incontestado e a globalização econômica alcançou dois terços da população mundial nos últimos vinte anos, a globalização política está distante de ser uma realidade concreta e prática na vida dos países.
Com a queda do Muro de Berlim e o fim da Guerra Fria, a livre iniciativa e o sistema de mercado se espalharam pelos países da antiga Cortina de Ferro e pelo Extremo Oriente. A onda de liberalização econômica, entretanto, não teve o mesmo impacto na arena política. As fronteiras e a soberania nacional não se alteraram e o Estado-nação continua a prevalecer no âmbito das relações internacionais. A questão de como a globalização está afetando e afetará a soberania nacional e a delimitação das fronteiras políticas dos países é polêmica. De um lado, há analistas que preveem uma diminuição e enfraquecimento do Estado-nação, enquanto que, do outro lado, há aqueles que olham com desconfiança e ceticismo para a globalização política.
Este tema já estava presente nas primeiras décadas do século XX. E. H. Carr (1939), analisando as relações internacionais no período entre guerras, descrevia a interdependência mundial com base na explicação oferecida por duas correntes de pensamento opostas: utópica e realista. O ponto de vista utópico descrevia um mundo ideal. O paradigma utópico privilegiava o direito internacional, o cumprimento das obrigações internacionais e via a paz como fruto da harmonia e do interesse mútuos dos países. A razão humana aplicada às relações internacionais conduziria à paz entre os países.
Do outro lado, o pondo de vista realista estava baseado na ideia de poder. O ideal utópico, que ignorava a política de balanço do poder entre Estados, não corresponderia a uma percepção correta da realidade internacional . A partir de uma visão pessimista da natureza humana , o realismo analisa a política como confronto de interesses em função do poder. O conceito-chave é o de Estado-nação, que representa o elemento básico das relações internacionais e, na luta pelo poder, a moralidade deve estar subordinada aos interesses políticos.
Para o ponto de vista neorrealista atual, a globalização política não passa de uma utopia. As fronteiras políticas e o poder do Estado-nação dominam e devem continuar a dominar o cenário mundial. O debate utópico-realista não teve continuidade ao longo das últimas décadas, mas a chama das divergências em torno da globalização política continua acesa. David e Held e Anthony McGraw (2001), por exemplo, resumem o debate acadêmico a favor e contra a globalização como a confronto entre duas visões: de um lado, a perspectiva dos céticos e, do outro, a dos assim denominados pelos autores como globalistas.
Os céticos olham com desconfiança para a globalização enfatizando o predomínio do Estado nacional e do poder: “frequentemente associado a essa postura cética está um sólido apego a uma ontologia essencialmente marxista ou realista”. ( Held e McGrew , 2002, p. 16). A ordem internacional - sob a égide cética -, ao estar associada à atuação das nações econômica e militarmente mais poderosa, dependeria das políticas e preferências das grandes potências. Os globalistas, por sua vez, salientam que, no novo cenário internacional, o conceito de soberania, autonomia e legitimidade do Estado está perdendo força. O Estado-nação está declinando em áreas do multilateralismo entre países: “três aspectos tendem a ser identificados na literatura globalista: a transformação dos padrões dominantes da organização socioeconômica, a do principio territorial e a do poder. Ao fazer desaparecer as limitações do espaço e do tempo nos padrões de interação social, a globalização cria a possibilidade de novas formas de organização social transnacional” ( Held e McGrew , 2002, p. 21).
O debate deverá continuar nas próximas décadas. A realidade mundial, entretanto, seguirá o seu curso, obrigando a repensar os conceitos teóricos e a reformular as teorias das relações internacionais, como de fato está ocorrendo desde o tristemente famoso 11 de setembro de 2001. O cenário atual, independentemente do que venha a ocorrer em um futuro mais ou menos próximo, é de um mundo construído com base em Estados-nações. Tal como comentava Fernando Henrique Cardoso, por ocasião da sua visita à Rússia em janeiro de 2002, “a economia está globalizada, mas a política não” (O Estado de S.Paulo , 16/1/2002, p.A3).
A mesma opinião manifestou George Kennan , experiente diplomata americano ao ser indagado pela revista Veja (10/12/97) sobre o que significava globalização: “Para mim nada. No sentido comercial e financeiro hoje há comunicações mais eficientes entre países do que em outros tempos. No campo político, ainda estamos longe disso. Graças a Deus! É uma boa política temer qualquer tipo de arranjo que se pretenda global. Sou a favor dos arranjos regionais, porque são os que realmente funcionam. Portanto, não vejo nada de novo que justifique o uso e abuso de palavras pomposas para descrever a presente situação internacional”. Um último comentário de Joseph Nye , diretor da Kennedy School of Government , de Harvard, escrevendo a respeito do poderio americano no novo século, confirma os pontos de vista citados anteriormente: “A revolução na informação, a mudança tecnológica e a globalização não deverão substituir o Estado-nação, porém deverão contribuir para complicar os atores e questões no mundo político” (The Economist , 23/3/2002, p. 25).
Uma pequena conclusão ... Conclui-se, portanto, que a globalização política, em termos práticos, ainda não passa de um projeto não realizado. O Estado-nação continua a ser o elemento-chave do relacionamento internacional.