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O espasmo tônico da musculatura expandiu-se para o tórax e o alto abdômen. Nessascrises, era
como se uma força interior o levantasse do divã contra a sua vontade e o mantivesse erguido. Os
músculos da parede abdominal e do tórax pareciam tábuas. Levei algum tempo para entender por que
não ocorria uma posterior expansão de excitação mais para baixo. Eu esperava que a excitação
vegetativa se expandiria agora do abdômen para a pélvis, mas isso não aconteceu. Em vez disso, houve
fortes contrações clônicas da musculatura das pernas e uma intensificação acentuada do reflexo patelar.
Para minha absoluta estupefação, o paciente me disse que experimentara as contrações da musculatura
das pernas de maneira muito agradável. Muito involuntariamente, lembrei-me dos clonismos epiléticos,
e confirmei a minha opinião de que em ambos, nas convulsões epiléticas e nas epiletiformes, se trata da
liberação da angústia, que só pode ser experimentada de uma forma agradável, i. e., como um prazer.
Houve momentos no tratamento desse paciente em que eu não tinha certeza sobre se estava, ou não,
enfrentando um epilético. Superficialmente, ao menos, os ataques do paciente, que começavam
tonicamente e às vezes diminuíam clonicamente, apresentavam pequeníssima diferença dos acessos
epiléticos. Quero salientar que, nessa fase do tratamento, que se desenvolveu no máximopor três meses,
a musculatura da cabeça, do peito e do alto abdômen, e também a musculatura das pernas,
principalmente dos joelhos e da parte superior das coxas, haviam adquirido mobilidade. O baixo
abdómen e a pélvis eram, e permaneciam, imóveis. A lacunaentre as ações musculares e a sua
percepção pelo paciente também permanecia inabalada. O paciente sabia do ataque. Podia compreender
o seu significado, mas não o experimentava emocionalmente. A questão principal continuava a ser: o
que causava a lacuna? Tornava-se cada vez mais claro que o paciente estava resistindo à compreensão
do conjunto em todas as suas partes. Nós dois sabíamos que era muito precavido. Não era só na sua
atitude psíquica que essa precaução se expressava; nem só no fato de que até certo ponto cooperava, e
se adaptava às exigências do trabalho; e no fato de que se tornava meio inamistoso e frio quando o
trabalho ultrapassava certos limites. A "precaução" se continha também na sua atividade muscular; era,
por assim dizer, duplamente preservada. Ele próprio descrevia e compreendia a sua situação do seguinte
modo: é um garoto que está sendo perseguido por um homem que quer bater-lhe. Enquanto foge,
esquiva-se para os lados inúmeras vezes, olha apreensivamente por sobre os ombros e encolhe as
nádegas, como se quisesse puxá-las para fora do alcance do perseguidor. Na linguagem analítica
convencional dir-se-ia que, por trás do seu medo aos socos, há o medo de um ataque homossexual. De
fato, o paciente havia levado praticamente um ano na análisede interpretação do sintoma e nesse tempo
a sua homossexualidade passiva havia sido continuamente interpretada. "Em si mesma", a, interpretação
fora correta. Do ângulo do nosso conhecimento atual, entretanto, está claro que fora insignificante.
Havia muitos fatores no paciente que se opunham a uma compreensão realmente afetiva da sua atitude
homossexual. Por exemplo, a sua precaução de caráter e a fixação muscular da sua energia, que ainda
estava muito longe de ser resolvidas.
Comecei a tratar agora dessa precaução, não do lado psíquico, segundo costumava habitualmente
fazer na análise de caráter, mas do lado somático. Por exemplo, inúmeras vezes mostrei-lheque,
embora na verdade revelasse a sua cólera nas ações musculares, nunca fora além disso; nunca,
realmente, dera um murro com aquele punho fechado e erguido. Inúmeras vezes, bem no momento em
que o punho estava a ponto de socar o divã, a cólera desaparecia. De então emdiante, concentrei o meu
interesse no bloqueio da conclusão da ação muscular, sempre guiado pela compreensão de que era
precisamente essa precaução que ele expressava na inibição. Depois de trabalharmos com persistência
na defesa contra a ação muscular, durante várias sessões, ocorreu-lhe de súbito o seguinte episódio do
seu quinto ano de vida: quando pequeno, vivera junto de um penhasco que descia em declive bastante
íngreme até o mar. Um dia, profundamente absorvido em fazer uma fogueira na beira das rochas, tão
mergulhado estava no seu brinquedo que corria o risco de cair ao mar. A mãe apareceu na entrada da
casa, viu o garoto, assustou-se e procurou afastá-lo do penhasco. Ela sabia que ele era uma criança
hiperativa e, por essa razão precisamente, estava com muito medo. Atraiu-o com voz amável, prometeu-
lhe um doce. Quando o menino correupara ela, em vez de cumprir a promessa, deu-lhe uma surra
tremenda. A experiência impressionara-o profundamente; agora podia entendê-la em conexão com a sua
atitude defensiva quanto às mulheres e com a precaução que demonstrava quanto ao tratamento.
Assimmesmo, isso não encerrou o assunto. A precaução continuou. Um dia, no intervalo de duas
crises, disse-me com humor que era um entusiástico pescador de trutas. Deu-me uma descrição muito
impressiva das alegrias de pescar trutas; fazia os gestos correspondentes descrevendo a maneira como