Livro Flamengo (reparado) Julho 2016

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About This Presentation

Livro Flamengo, sua torcida e a Crônica Esportiva Brasileira, Nelson Rodrigues, Mário Filho e José Lins do Rego, pronto para publicação.


Slide Content

UNIVERSIDADE POTIGUAR – UnP
PRÓ-REITORIA ACADÊMICA
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES
CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - HABILITAÇÃO EM
JORNALISMO
DANIEL FREIRE PEDROSA FILHO
O TORCEDOR DO CLUBE DE REGATAS DO FLAMENGO:
A ALEGRIA RUBRO-NEGRA NAS CRÔNICAS DE JOSÉ LINS
DO REGO, NELSON RODRIGUES E MÁRIO FILHO
NATAL-RN
2012

DANIEL FREIRE PEDROSA FILHO

O TORCEDOR DO CLUBE DE REGATAS DO FLAMENGO:
A ALEGRIA RUBRO-NEGRA NAS CRÔNICAS DE JOSÉ LINS
DO REGO, NELSON RODRIGUES E MÁRIO FILHO
Monografia apresentada à Universidade Potiguar –
UnP como parte dos requisitos para obtenção do
Grau de Bacharel em Comunicação Social com
Habilitação em Jornalismo.
ORIENTADOR: Profº. Me. Gustavo Bittencourt
NATAL-RN
2012

DANIEL FREIRE PEDROSA FILHO
O TORCEDOR DO CLUBE DE REGATAS DO FLAMENGO: A ALEGRIA RUBRO-
NEGRA NAS CRÔNICAS DE JOSÉ LINS DO REGO, NELSON RODRIGUES E MÁRIO
FILHO
Monografia apresentada como exigência parcial
para a obtenção do grau de Bacharel em
Comunicação Social com Habilitação em
Jornalismo, à comissão julgadora da
Universidade Potiguar.
Aprovado em ______/_____/______
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________
Profº. Me. Gustavo Henrique Ferreira Bittencourt
Orientador
Universidade Potiguar -UnP
_______________________________________________________
Profº. Me. Leonardo Bruno Reis Gamberoni
Universidade Potiguar - UnP
________________________________________________________
Profª. Me. Valéria Pareja Credidio Freire Alves
Universidade Potiguar - UnP

DEDICATÓRIA
Este trabalho é dedicado a minha mãe, Gercina, que não se cansa de acreditar na
felicidade. Fé em Deus e pensamento positivo que ELE proverá! Como a senhora mesma diz;
À memória de meu pai, Daniel. Como queria ter te ajudado a alcançar a cura do
alcoolismo;
À minha esposa Valéria, companheira de todos os momentos;
Aos meus filhos Thiago e Yasmim, o amor na forma mais pura. Vocês são o que existe
de mais significativo em minha vida, meu tesouro verdadeiro. Pelo Flamengo sempre!
Às minhas irmãs Manuela e Daniela, juntos, somos mais fortes.
À Lisbela, pela fidelidade.

AGRADECIMENTOS
Ao futebol meu primeiro e permanente amigo. O teu encanto ninguém apaga. Ao
Clube de Regatas do Flamengo minha primeira paixão e amor para a vida inteira. Essas
instituições têm vida imaterial pulsante, alimento para a alma. Ao meu maior ídolo Arthur
Antunes Coimbra, sempre Zico, o cara que serve como modelo profissional e pessoal.
Obrigado por toda alegria que vocês me proporcionaram.
Aos outros inspiradores deste trabalho: Mário Filho, José Lins do Rego e Nelson
Rodrigues. O que vocês produziram com qualidade magistral, nada, nem ninguém, conseguirá
apagar. Pelo pensamento, encaminho a minha gratidão a vocês.
Aos professores que fizeram parte diretamente da produção deste trabalho, sugerindo,
apontando, opinando, discutindo e trazendo contribuição. Obrigado Manoel Pereira, professor
da fase inicial do projeto e, Gustavo Bittencourt, orientador e grande incentivador.
E aos espíritos de luz, sempre por perto para acudir. Amor e proteção que não cessa!

O Flamengo não para porque o Flamengo é uma força em marcha. Seu destino é a eternidade.
Gilberto Cardoso

RESUMO
O trabalho acadêmico tem a proposição de analisar o torcedor de futebol e suas emoções.
Como delimitação tem-se o torcedor do clube de maior torcida do Brasil, o Flamengo. Da
consulta profícua a livros, filmes, documentários, programas televisivos, radiofônicos e sítios
eletrônicos, veio o aparato para essa produção acadêmica que se dispõe a revisitar a história
do clube centenário, o papel de seu torcedor, e a pesquisar o que estes três cronistas, José Lins
do Rego, Nelson Rodrigues e Mário Filho, produziram expressivamente abordando o
Flamengo e o seu torcedor.
Sob a particularidade da hermenêutica que se configura como a interpretação de obras
textuais, e tendo o referencial teórico basal do trabalho sustentado em Ruy Castro e Mário
Filho com os seus respectivos, “O Vermelho e o Negro” e “Histórias do Flamengo”, o
trabalho se desenvolveu.
A obra está dividida em quatro capítulos. No primeiro, o futebol, seu surgimento, chegada ao
Brasil e a sua representação social, se estendendo ao papel de sua legião de seguidores, o
torcedor. Em um segundo momento, o Flamengo, a sua história e a atuação de sua torcida.
Em seguida, lançamos olhar sobre o gênero jornalístico-literário, “Crônica”, e à sua
especificação, “esportiva brasileira”. Por último, o torcer pelo Flamengo explicitado nas
crônicas esportivas de José Lins do Rego, Nelson Rodrigues e Mário Filho.
Palavras-chave: Futebol; Torcedor do Flamengo; Crônica esportiva brasileira; Nelson
Rodrigues; José Lins do Rego e Mário Filho.

ABSTRACT
The academic paper has as proposition to analyze football fans and their feelings. As baseline,
we have the supporters of the largest football fan club in Brazil, Flamengo. From fruitful
books, films, documentaries, television and radio programs and site consultation came the
apparatus for this academic paper which proposes revising the history of the century-old club,
the role of its supporters, and researching what these chroniclers, José Lins do Rego, Nelson
Rodrigues e Mario Filho, expressively produced regarding Flamengo and its fans.
Under the particularity of hermeneutics, which constitutes the interpretation of textual works,
and taking the theoretical baseline of the sustained work in Ruy Castro and Mario Filho with
their respective, "The Red and the Black" and "Stories of Flamengo", the paper was
developed.
This paper is divided into four chapters. In the first, football, how it started, its arrival in
Brazil and its social representation, extending it to the role of its legion of followers, the fans.
Following, Flamengo, its history, and its supporters’ participation. Soon after, we look at the
journalistic-literary genre, Chronicle, and also at its “Brazilian- sportive” specification. And
finally, rooting for Flamengo, explained in the sports chronicles of José Lins do Rego, Nelson
and Mario Rodrigues Filho.
Keywords: Football, Flamengo Fans; Brazilian-sportive Chronicle; Nelson Rodrigues,
José Lins do Rego and Mário Filho.

SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .........................................................................................................................9
1.1 CHEGADA NO BRASIL...................................................................................................17
1.2 O TORCEDOR...................................................................................................................25
2.1 A RIVALIDADE NOS CLÁSSICOS.................................................................................57
2.2 ÍDOLOS..............................................................................................................................63
2.3 TÍTULOS............................................................................................................................67
3.1 A CRÔNICA ESPORTIVA BRASILEIRA.......................................................................81
4 O TORCER PELO FLAMENGO NA VISÃO DOS CRONISTAS ESPORTIVOS ............87
4.1 A ALEGRIA RUBRO-NEGRA POR JOSÉ LINS DO REGO ..........................................91
4.2 A ALEGRIA RUBRO-NEGRA POR NELSON RODRIGUES ......................................100
4.3 A ALEGRIA RUBRO-NEGRA POR MÁRIO FILHO ...................................................110
REFERÊNCIAS......................................................................................................................129
CRISE EM LARANJÓPOLIS, TRICOLETAS ENTREGAM TUDO DE BANDEJA
PARA SEREM ZOADAS PELO FUDEROSÃO: Disponível em: ....................................130
DATAFOLHA. Times de preferência. Disponível em:
<http://datafolha.folha.uol.com.br/folha/datafolha/tabs/futebol_04012010_tb1.pdf> Acessado
em 06 de Maio de 2012...........................................................................................................131

9
INTRODUÇÃO
Analisar, descobrir, entender os motivos que levaram o Clube de Regatas do Flamengo
a ser propagado como o clube mais amado, de maior torcida do Brasil – e, na contramão, um
dos mais odiados - é desafiador e necessário para se fugir do senso comum. Como aceitar as
pesquisas que trazem números impressionantes sobre esse torcedor? Institutos de pesquisa
detentores de grau de confiabilidade como o Datafolha, Ibope, CNT Sensus, Pluri Consultoria
entre outros, atestam: a torcida do Flamengo é a maior do Brasil. Algumas pesquisas indicam,
inclusive, ser a maior do mundo. Checar esta afirmação e encontrar o embasamento que
desencadeou esse crescimento é um ato de compromisso com a veracidade dos fatos.
Fazendo a “leitura” dessas pesquisas chega-se a depreensão de que o torcedor do
Flamengo trata-se de um verdadeiro fenômeno. E nos leva a uma certeza. O Flamengo é um
cube nacional. O título de “mais querido do Brasil” causa natural curiosidade e daí leva à
indagação e a uma inquietude que me arrasta para o campo da pesquisa. Como esse clube
conseguiu chegar a um patamar de extraordinária altivez? Como a sua torcida se forjou e
cresceu em todo o território nacional? Sempre questionei as unanimidades, aquelas
construções históricas que são moldadas para serem inquebrantáveis. Acredito que em tudo,
em qualquer fato, sempre existe outro viés. Talvez essa característica tenha me levado ao
Jornalismo. Talvez não, tenho certeza.
Antes de estudar para entender tal condição fui sentir a pulsação e energia desse
torcedor. A primeira vez no Maracanã junto daquela massa foi uma experiência extasiante,
indescritível, de me deixar embasbacado, arrepiado, com alegria e fascínio que não se
comparam a nada neste mundo. O barulho, o colorido, a festa e a sensação de estar diante de
uma imensa família, aquela coisa de no momento do gol, quando o abraçar de um estranho, de
vários desconhecidos, se estabelece te deixando “perdido”, pela emoção, e, “resgatado”, no
propósito da união, de uma união única por ser desinteressada, espontânea, isso tudo,
magnetiza.
Esses elementos ficaram estampados na alma, na memória. O “sentir” àquela torcida,
o estar junto a ela, me trazia satisfação e abria a minha percepção para toda simbologia do
grupo, do coletivo, da massa, e da multidão, agregando valor ao meu posicionamento diante
da sociedade. Naquele “meio” eu era mais gente, mais humano, ser social, preenchido, por
assim dizer, e aprendia lições que levaria para sempre.

10
Nesta fase ainda, de adolescência, a leitura, o exercício dela habitualmente, me
atingiu, e a luz possibilitadora do conhecimento irrestrito adentrou meus poros e passou a
clarear o meu ser. Pela leitura, o mundo era meu! Quando me deparava com histórias
envolvendo o futebol e, mais especificamente, o Flamengo, a sua superação, raça, garra, a
alegria rubro-negra, o manto sagrado, sua torcida, essas conotações, eram pontos associativos
sempre abordados. Diante desses textos que inflamavam ainda mais o desejo de descobrir os
motivos que fortaleceram ao longo do tempo a exaltação a este clube eu me via como um
menino na “fantasia” descritiva do real. Era difícil controlar a minha curiosidade, o senso
precoce de questionamento, e a obstinação em apurar, em atingir as raias do entendimento das
razões para este clube se fazer tão especial.
E dentro desse seio da literatura houve um momento mágico, de descoberta. O que
senti quando li uma coletânea de crônicas esportivas de Nelson Rodrigues e o que ele falava
sobre o Flamengo foi algo como um torpor que tomava conta da alma, revelando um universo
futebolístico cheio de poesia e dramaticidade. Aproximava-se do que tinha sentido no
Maracanã no meio daquela massa enlouquecida e “embriagada” de paixão. Era a tradução
exata. Como era possível aquilo? Até aquele momento só havia tido contato com parte da
obra do Nelson Rodrigues, dramaturgo. Ícone neste segmento, e não menos brilhante na
crônica esportiva, através dela, um horizonte novo e belo se abriu a minha frente.
Nelson exclamava ser o Flamengo um fenômeno, uma força da natureza, que venta,
chove, troveja, relampeja. Que cada brasileiro vivo ou morto já havia sido Flamengo por um
instante. Que o seu torcedor era capaz de morrer com o nome Flamengo gravado no coração a
ponta de canivete. Para ele, a alegria rubro-negra não se parecia com nenhuma outra. E dizia
ainda que se Euclides da Cunha fosse vivo teria preferido o Flamengo à Canudos para contar
a história do povo brasileiro. Era muito forte, instigante. Como um tricolor assumido podia
dizer aquelas coisas sobre o rival rubro-negro? O desejo de me aprofundar no quesito
Flamengo para compreendê-lo em sua essência, continuava pedindo passagem. Outros
compromissos, no entanto, postergava essa pesquisa.
O tempo passou. Na faculdade, ao iniciar o direcionamento para a escolha do tema
deste projeto de conclusão, não existia mais dúvida. Havia chegado o momento da pesquisa.
Sobre a história do Clube de Regatas do Flamengo, de sua torcida, iria me debruçar. Em um
primeiro momento seria só o torcedor do rubro-negro carioca. Precisava, porém, criar uma
relação com o jornalismo. Nelson Rodrigues. Surgiu esse nome, esse elo. Para quem possa
não saber, Nelson antes de grande dramaturgo foi durante toda sua vida jornalista e cronista
esportivo, de mãos cheias. A crônica esportiva, portanto, me daria suporte.

11
Durante as leituras específicas para o trabalho, eis que para a minha surpresa, dois
outros nomes me saltam aos olhos, à mente, ao coração. José Lins do Rego – que eu conhecia
por “Riacho Doce” e “Fogo Morto” -, e Mário Filho – que somente o identificava como o
jornalista que dá nome ao estádio do Maracanã. Os dois, também cronistas esportivos de
grande envergadura, que me fizeram, ao primeiro contato com suas crônicas esportivas,
“babar”, ficar de queixo caído, teriam que ter espaço também. Merecido espaço. Um, era
torcedor ardente do Flamengo. O outro, referendado pesquisador, historiador, defensor do
futebol, idealizador e criador de grandes eventos relacionados ao esporte e, de certa forma,
ligado também, ao rubro-negro.
Este trabalho então, no seu ponto central, a torcida do Flamengo, pode-se dizer, é
acalentado há anos. Para desenvolvê-lo de forma criteriosa, séria, respeitável, não existia
lugar melhor, a Universidade. Para isso, era necessário expor o tema ao crivo científico. Tive
o cuidado de não me deixar levar pela emoção e pelo autossugestionamento. Desprendi-me de
qualquer sentimento unilateral que corrompesse os sentidos. Confrontei a produção de vários
autores, e trabalhei de forma racional, analítica científica – em face de reunir tudo a respeito e
criar a minha linha de raciocínio - visando obter resultado satisfatório. Sem ser “xiita”,
radical, no sentido de me manter rigorosamente o tempo todo na razão, me permiti,
entendendo não ser maléfico para o trabalho, em alguns momentos, fluir no sentimento mais
solto, natural, sem, no entanto, fugir da realidade dos fatos.
Aqui estão contidas as nuances, as sutilezas históricas, os acontecimentos fortuitos, as
interpretações e reinterpretações que ajudarão o leitor a encontrar fundamentos para saber o
porquê desse clube, chamado Flamengo, ter uma torcida gigantesca, ímpar, e de ser para este
seu torcedor, além, do “mais querido do Brasil”, um clube de simbolismo que vai sempre
mais além. Mais que uma paixão. É religião. No sentido mais abrangente da palavra, de
religar o maior número possível de pessoas à sua causa.
O que foi reunido, apresentado neste trabalho, interessa não somente ao torcedor do
Clube de Regatas do Flamengo. É de interesse para quem gosta de futebol e, mesmo com sua
inclinação para este ou aquele time, pensa sobre o tema, analisa, abre o seu campo de visão,
enxergando assim, também, a história do outro, independente do julgamento que faça.
Justifica-se, inclusive, o seu conteúdo como aceitável a uma minoria que não gosta de futebol,
isto porque, vai muito além desse aspecto único. Trata de Sociedade, Cultura, Psicologia,
História, Comunicação. Trata de gente. Retrata uma instituição que há quase 120 anos mexe
com a emoção do torcedor. Seja amando, ou odiando, o Flamengo é assunto contumaz por
todos os cantos.

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Amor, paixão, fracasso, superação, alegria, ousadia, coragem. Sentimentos inerentes
ao ser humano. Sorriso e lágrima. Pluralidade. Tudo isso está presente nesse tema. Sobre
esses pilares, a história do Clube de Regatas do Flamengo foi erguida. Inserido na
Comunicação Social, sendo frequentemente pautado no Jornalismo, o Flamengo impressiona
e qualquer investigação que trate de revelar os motivos para essa massificação do tema
Flamengo faz-se pertinente.
1 FUTEBOL, ESPORTE DE MASSA
O futebol, palavra que em sua origem vem a significar alguma coisa do tipo, “chutar
bola”, ocupa consistentemente porção considerável do planeta, seja pela prática do esporte, ou
pela abordagem do assunto, e tem lugar de destaque no item predileção das pessoas. Ele se
caracteriza como a maior paixão esportiva do planeta. O mecanismo que o rege é intrincado.
Um esporte que desperta nas pessoas paixão em doses cavalares necessita de análises
profundas para se chegar aos motivos de sua atração. Ele desemboca em um campo minado
da complexidade humana. O futebol é retrato, imagem da sociedade. O jogar do campo e da
vida são bem semelhantes, acrescenta (JÚNIOR, 2007).
Em países onde o futebol é o esporte mais popular – e são muitos – ele vem a ser mais
que uma atividade esportiva. É representação da vida, de certa maneira. Perceber essa paixão,
reconhecer sua autenticidade, sua profusão, é inteligente, e na proveitosa tarefa de
desconstruir a formatação do esporte visando esmiuçar seus detalhes, embarca-se. Sem pré-
julgamentos que podem nos fazer escorregar, tendo o cuidado diante das verdades
estabelecidas, das opiniões, apreciativas ou depreciativas, e somente com a pretensa missão de
se obter o conhecimento, projeta-se o olhar para examinar suas origens e desvendar seus
enredos.
Posicionando-se como observador dos signos que gravitam na atmosfera do futebol e
que o fazem permear o mundo e as relações humanas, chega-se a conclusão de ser o esporte
elemento fortemente representativo na sociedade brasileira. Jogando luz sobre os fatos, sobre
o homem, é certo encontrar apontamentos de significação para essa prática esportiva que
consiste em conduzir uma bola com os pés, driblando o oponente, e tendo como objetivo
central o assinalar do gol. Entrando de cabeça na simbologia do futebol chegamos a
interpretações esclarecedoras acerca de seu papel social.
O futebol tem um dom próprio. Ele faz as minorias, que estão fora da massa,
sentirem-se parte da multidão. Também afasta qualquer indivíduo da solidão do

13
sentir-se minoritário, dando-lhe uma identidade. A massa ganha uma personalidade
própria, afastando o sentimento de ser apenas mais um. (PEREIRA, 2010, p. 13).
Ele funciona como componente ingente na estrutura macro social e é detentor de
capacidade ímpar de agregar, espalhando enlevo, feitiço, deleite. O futebol explica a
sociedade. É uma instituição nacional. Banhado na metáfora, a associação com a vida se faz.
A vida não traz paralelos com uma partida de futebol? Certamente. No campo de nossas
existências, com as faltas, sofridas e cometidas; as marcações cerradas que impomos; os
deslocamentos para fugir do indesejado; as alegrias; tristezas; vitórias, derrotas, glórias, e
ostracismo, diante desses adventos, nos deparamos com situações que nos impelem a tomar
decisões bem projetadas, suprimindo riscos, e conduzindo ao sucesso. O futebol pode ser
visto como uma analogia da vida e muito do que ocorre nele traz traços desta vida que fomos
escalados a jogar.
A experiência futebol parece ser, de fato, uma experiência divertida, o registro da
ilusão, aquilo que Benjamin um dia chamou de ‘aura’. O futebol é a prova viva da
necessidade de demonstrar afeto e de transformar a realidade num instante. A
efemeridade do futebol impressiona ainda mais no momento do gol, em que nada
parece fora de lugar. Mas os pilares que sustentam a concepção de espetáculo do
futebol vão além das conquistas históricas [...]. (LOYOLA apud FREIRE, 2007, p.
98).
E quando surgiu? Como surgiu? Que desejo o inspirou? Quando se busca referências
sobre a origem do futebol histórias diversas saltitam aos nossos olhos e ouvidos. Nenhuma
delas com base de registro oficial que ateste a veracidade. Como afirmam muitos estudiosos
do assunto, é impossível determinar um momento exato em que o futebol deu o ar de sua
graça na história da humanidade.
Uma dessas narrativas, nos conta que na China, durante o período de 2000 a.C.,
guerreiros tiveram a ideia macabra de, após derrotarem o inimigo, decepar-lhe o crânio e
passar a chutá-lo visando ultrapassar a demarcação de dois paus fincados no chão. Com o
tempo, se aprimorou essa diversão que passou a ser um exercício militar disciplinador e
bastante competitivo, chamado Tsu Chu, que significava morfologicamente “chutar a bola”.
Ocorre uma mudança. E para melhor. Não mais se utilizava a cabeça do inimigo – substituída
por bola de couro com enchimento de crina.
A primeira forma documentada de futebol que se tem notícia vem da China, com o
Tsu Chu, que em chinês significa ‘lançar com o pé’ (tsu) uma bola recheada de
couro (Chu). O esporte, criado para fins de treinamento militar, foi desenvolvido por
Yang Tsé, integrante da guarda do imperador da dinastia Xia, em 2197 a.C.
(UNZELTE, 2009, p. 10).

14
Importado pelos japoneses, no século II a.C., o Tsu Chu mudou de nome sendo
chamado de “Kemari”, palavra japonesa para definir, da mesma forma que no chinês, a
prática de “chutar a bola”. No Japão ele deixa de ter um caráter de competitividade e passa a
ser um cerimonial. Na América Central, no século 900 a.C., sob o nome de Tlachitli –
espetáculo – um suposto antepassado do futebol também é identificado. Ocorria em um pátio
que separava dois templos e consistia em não deixar a bola tocar o chão. Ela, a bola, tinha de
ser introduzida em aros.
[...] os japoneses pretendiam provar que, muito antes de ser regulamentado pelos
ingleses, o futebol já era conhecido no oriente, pelo nome de Kemari (Ke = chutar;
Mari = bola). [...]. Patrocinado e difundido pelos imperadores Engi e Tenrei, esse
tipo de futebol não contava pontos e nele se proibia qualquer contato corporal entre
os participantes. (UNZELTE, 2009, p. 12).
Na cultura europeia, três atividades vêm a ser mencionadas como centelha inicial do
futebol. Na Grécia, o Epyskiros, século IV a.C. Jogado em campo retangular, com bola que
tinha no seu interior areia e com o objetivo de fazê-la ultrapassar certa demarcação. “Por volta
de 850 a.C., Homero havia escrito um livro sobre esse tipo de esporte “[...]. O parente mais
próximo do futebol era o epyskiros, disputado com os pés, em campo retangular, por duas
equipes de nove jogadores”. (UNZELTE, 2009, p. 12).
A partir da influência do Epyskiros surge em Roma, século III a.C., o Haspastum.
“Influenciados pelos gregos, os romanos também bateram a sua bolinha. O Haspastum – o
jogo da pequena bola”. (CARMONA e POLI, 2006, p. 22). Sua configuração era a de
aprimorar o aspecto atlético dos soldados e desenvolver uma estruturação tática. No século I
a.C., se desvencilha da exclusiva esfera militar e se populariza. Possivelmente, o Haspastum
foi introduzido pelas tropas romanas nas ilhas britânicas. Os diferentes jogos com bola
praticados na Inglaterra, inclusive o futebol moderno, teriam derivado dele, defendem
teóricos.
Uma tese dá conta de que em Florença – da fase Renascentista – atribuía-se ao
Haspastum a origem de um jogo com bola, praticado desde o século XIV, chamado Cálcio.
Termo consagrado e até hoje proferido pelos italianos para denominar o futebol. O Cálcio
possuía características de ser um jogo urbano praticado no principal espaço público da cidade
(Piazza Santa Croce); tinha número fixo de jogadores; utilização de uniforme; aplicação de
regras; a figura do árbitro, e posicionamento dos jogadores em certas áreas do campo.
Praticado por indivíduos de todas as classes sociais, na segunda metade do século XVI muda
de cara. Passa a segregar as camadas mais pobres e torna-se exclusividade da nobreza. Em

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apontamentos históricos percebe-se o quão apreciado era o esporte. Mesmo com a barreira
aristocrática, muita gente do povo se entusiasmava em acompanhar o evento. Existem relatos
que estimava em 40 mil o número de espectadores que acompanhavam cada partida, explicita
(CARRILHO, 2010).
Outro apontamento discorre sobre uma manifestação esportiva ocorrida na França,
século XII, o Soule – do latim Solea (calçado). O Soule viria a ser uma prática com bola,
certamente jogada com os pés – associação com “calçado” - e que tinha muitas variações
dependendo da região. “As conquistas romanas semearam filhos do Haspastum pelo mundo.
Na região da atual França, os habitantes célticos pré-romanos tinham um jogo de bola
conhecido como Seault. Do cruzamento das duas tradições surgiu o soule”. (CARMONA e
POLI, 2006, p.23).
Para maioria dos estudiosos, o futebol moderno teve sua origem na Inglaterra.
Caminhando de mãos dadas com a afirmação do poderio e da autoridade britânica pelo
mundo, o futebol desempenhou papel de destaque na proliferação desta condição inglesa. A
propagação pelo mundo do esporte, o futebol, dentre outros de origem britânica, se deu
sustentada por essa ascendência cultural inglesa e na associação à cultura ocidental cristã.
O futebol então, ligado à Inglaterra, faz enxergar nisso uma roupagem que mostra a
Revolução Industrial empreendendo no esporte alguns conceitos marcantes de suas
características, e de sua influência pelo mundo. Aspectos de um, foram desencadeados no
outro. Competição, produtividade, igualdade de chances, supremacia do mais hábil,
especialização de funções, quantificação de resultados, fixação de regras. Essas pontuações se
aplicam a ambos. Pode-se detectar pelo estabelecimento de regras políticas que a Inglaterra,
experimentando o intenso desenvolvimento das instituições, visava à organização da
sociedade. Através do fortalecimento das instituições formais e da deflagração de
regulamentações, se ordenaria bem o jogo social. Instituições servem para reger a própria
sociedade. O progresso do capitalismo exigiu um avanço no desempenho das instituições.
Para (CARRILHO, 2010), instrumento de demarcação do predomínio britânico pelo
mundo, o futebol foi envolvido pelo propósito colonizador de servir através do chamado
cristianismo britânico, entre 1820 e 1900, como autoafirmador nacionalista. Com eficaz
concepção pedagógica de desenvolvimento da estrutura moral da elite britânica, e atestador do
poderio inglês, ao se inserir em outros países o futebol e a sua aplicação era de suma
importância para proporcionar força ao corpo, consistência ao espírito, rapidez ao raciocínio,
boas maneiras, desenvolvimento, disciplina.

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Incorporando a fundamentação da teoria da evolução de Charles Darwin chamada,
“origem das espécies”, no tocante à seleção natural, e incutindo - primeiro na Inglaterra,
depois rompendo fronteiras - a ideia de que, biologicamente, temos uma base comprovada da
sobrevivência dos mais fortes, o mais apto, assim, o esporte foi elegendo os seus. A teoria
darwinista foi se difundindo nas escolas privadas e nas universidades de Oxford e Cambridge,
juntamente com o jogo praticado com bola desde o século XIV, chamado Football.
Mesmo ao passo das interdições oficiais que vieram a ocorrer, em nenhum momento o
esporte desapareceu das cidades britânicas. Tamanho foi o interesse pelo football na Inglaterra
que entre 1830 e 1870 cerca de sessenta times já haviam sido registrados. Houve então a
necessidade de padronizar, de codificar as regras do esporte, tendo em vista, que elas
variavam conforme a localidade. Em 1863 foi criada para este propósito, a Football
Association.
Identificado então como produto Made in England, os ingleses enxergavam no futebol
condições apropriadas para fortalecer ainda mais a sua imagem por outras terras. Dessa
mentalidade, um processo de exportação veio a ocorrer. Países de todos os continentes foram
apresentados ao futebol. Ridicularizado no início, não visto com bons olhos, – isto fora da
Inglaterra, deixar claro – ele, com o tempo, ganha “corpo” e solidifica-se como espetáculo,
atraindo públicos cada vez maiores.
O futebol não é um pendor de desligamento das responsabilidades, das obrigações
sociais - como alguns afirmam. Tem muito mais elementos construtivos do que destrutivos;
benéficos do que maléficos. O seu universo trabalha regido pela intensidade das emoções.
Tanto na questão da razão, como na da emoção, encontram-se motivações sólidas e conteúdo
consistente para aprofundamento de estudo.
Uma das maiores distrações da humanidade, pelo menos entre os homens, o futebol
é menos perigoso que o álcool, menos ilusório que a religião e proporciona um
senso de comunidade mais estrito que qualquer partido político. As ilusões da
lealdade podem se perder ou o êxtase da vitória pode se provar efêmero, mas, ao
início de cada novo campeonato, a esperança eterna que ocupa o coração dos fãs do
futebol pulsa novamente. Os políticos abusam dessa fé simples, os homens ricos
corrompem-na e os cínicos zombam dela, mas o futebol sobreviveu a tudo isso,
tornando-se a maior e mais sólida instituição esportiva do mundo. (MURRAY,
2000, pag. 18).
Impressionante é observar o quão natural e próprio da raça humana é a
predisposição, o impulsionamento que se tem, desde a marca inicial da vida, dos primeiros
meses de existência, para soltar o pé em uma bola, sem que ninguém haja ensinado isso. Ao
primeiro sinal de que começa a andar a criança já esboça o ato de chutar aquele objeto

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redondo. Essa inclinação existe em todo o ser que estreia em sua vivência neste planeta. No
Brasil, o futebol é uma febre que faz bem. Há mais de cem anos que se instalou por aqui e,
desde então, sua representação e significação social veio se acentuando cada vez mais.
1.1 CHEGADA NO BRASIL
Conjeturas variadas sobre a manifestação inicial do futebol no Brasil são encontradas.
Uma linha de observadores relata que já no século XVII os portugueses que aqui estavam com
o propósito de colonizar essas terras, praticavam um esporte que era jogado com uma bola de
pano e que possuía semelhança com o futebol. Outra versão levantada é a de que marinheiros
europeus, mais precisamente ingleses e franceses, teriam jogado as primeiras “peladas” na
América do sul, em 1864, em terras brasileiras.
Bailam ainda versões de que marinheiros ingleses teriam desembarcado no Rio de
Janeiro e realizado uma “pelada”, um “rachão”, em frente à residência da princesa Isabel, no
bairro carioca das Laranjeiras. E que em Itu, no interior paulista, padres haviam ensinado o
futebol aos seus alunos, entre 1872 e 1873. Duas outras explanações argumentam que Mr.
Hugh, responsável pela estrada de ferro São Paulo Railway, teria apresentado o futebol a seus
funcionários e estimulado a prática do esporte. E que em colégios confessionais, e laicos, de
São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, a prática futebolística já se aplicava desde a
década de 180.
Cresce entre os pesquisadores a defesa de que a primeira partida de futebol no Brasil
ocorreu em 1894, no bairro Bangu, no Rio de Janeiro, portanto, antes da data oficializada do
seu surgimento, 1895, pelas mãos de Charles Miller. Conta-se que na Fábrica de Tecidos
Bangu, operários estrangeiros, principalmente, ingleses, cedem aos apelos de Thomas
Donohoe, um escocês já apaixonado pelo futebol, e realizam no campo da antiga Fábrica
Bangu – hoje, o Shopping Bangu – a primeira disputa futebolística do Brasil.
O futebol definido por (BYINGTON, 1982, p.21) como “uma prática social que, como
tal, expressa a sociedade brasileira, com todas as suas aspirações mais antigas, seus desejos
mais profundos e suas contradições mais camufladas”, tem a versão oficializada de chegada
ao Brasil por intermédio da figura de um paulistano, filho de engenheiro escocês e de uma
brasileira – filha de ingleses. Seu nome, Charles Miller.
Ele que foi mandado pelos pais, aos nove anos de idade, para a Inglaterra a fim de
completar os estudos, ao retornar, em 1894, traz em sua bagagem uma série de itens
associados ao futebol: uniformes, pares de chuteiras, bolas, uma bomba de ar, um livro de

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regras, além, da obstinação em desenvolver o esporte por aqui. Charles havia jogado futebol
na Inglaterra e mostrava talento como jogador. Logo que regressou ao Brasil, teve
dificuldades para convencer os seus pares – obviamente àqueles que não tinham ido à
Inglaterra - a praticar o esporte bretão. Na sua insistência, conseguiu arrastar alguns colegas
para um campo de várzea.
Sendo sócio do São Paulo Athletic Club – o primeiro clube esportivo da capital
paulista – Charles Miller tentou fazer com que os ingleses do clube jogassem uma partida de
“football”. Sendo praticantes do críquete, os sócios descartaram de imediato. Só no ano
seguinte, 1895, o São Paulo Athletic adotou o futebol em seu quadro tendo Miller como o
principal destaque. O primeiro jogo de futebol, que se aproximou das regras oficiais, por
assim dizer, ocorreu em São Paulo, em Abril de 1895. Charles Miller foi o responsável em pôr
em campo funcionários da Companhia de Gás (The Team of Gaz Company), e da São Paulo
Railway – empresa da qual o seu pai era funcionário, cita (GUTERMAN, 2010).
É com ares de esporte estritamente elitista que o futebol se instaura na Paulicéia. Tem
aceitação forte entre os abastados, mas também, logo é visto e descoberto pelo pessoal do
baixo escalão social. Esses queriam ter o direito de praticá-lo também. Em 1898 é fundada a
Associação Atlética Mackenzie College que em tese vem a ser o primeiro time de futebol
composto unicamente por brasileiros.
Charles Miller e sua importância para o futebol, é notória. Todavia, outro nome que
não se pode esquecer é o de Hans Nobiling. Um alemão que muito contribuiu para a
organização e disseminação do futebol por terras paulistas. Estabeleceu-se em São Paulo em
1897 e, determinado a difundir a prática do futebol, fundou o seu próprio time, o Hans
Nobiling Team. Fomentou disputas envolvendo os times de até então, o seu, o Mackenzie, e o
São Paulo Athletic. Fundou outro clube, que tinha o nome de Sport Clube Internacional e, em
seguida, mais um, o Sport Clube Germânia.
[...] Charles Miller não foi apenas o principal responsável pelo aparecimento do
futebol em nosso país. Mais que isso, ele tinha o perfeito domínio das regras do
futebol naquela época, apitava jogos, além de ser jogador de extrema habilidade
técnica (...). Ao chegar ao Brasil, Charles teve mais um motivo para continuar
empolgado e divulgando o futebol: ele encontraria aqui o alemão Hans Nobiling,
chegado em 1897, vindo de Hamburgo, onde jogava pelo clube Germânia. Juntos,
passaram a organizar competições no campo de Rúgbi do São Paulo Athletic e no
velódromo, Seguia-se, a partir desse momento, uma série de jogos que reunia os
altos funcionários das empresas inglesas e a elite econômica interessada nesse
esporte. (CALDAS, 1990, p. 23).
No Rio de Janeiro, é oficialmente Oscar Cox – filho de inglês - quem dá o pontapé
inicial na introdução do futebol na cidade. Assim como Nobiling, que o propalou em São

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Paulo, Cox foi o homem que, além de introduzir, teve papel relevante na disseminação do
futebol por terras cariocas. Oscar ao retornar da suíça, em 1897, após completar os estudos,
extasiado pela febre do futebol na Europa, desembarca com uma ideia fixa. Implantar o inglês
“football” entre os cariocas e fazer dele o esporte mais admirado da cidade. O estudante tinha
17 anos. Na capital federal, nenhum traço do esporte existia e Cox enfrentou enormes
dificuldades. Os campos que haviam eram destinados ao Críquete (esporte parecido com o
beisebol). Para Oscar Cox aquele espaço era muito diferente do que havia visto na Europa.
E as pessoas sequer vislumbravam o que poderia ser o futebol. ‘Football’? Que
vinha a ser aquilo? [...] havia um campo. Sim. O clube brasileiro de Cricket tinha
um. A coisa, porém, se complicava quando Oscar Cox, balançando a cabeça, dizia
que, fora o verde da grama, não existe semelhança alguma entre o campo de cricket
e o campo de football. O campo de cricket sendo oval, o de football sendo
retangular. (RODRIGUES FILHO apud MARON FILHO e FEREIRA, 1987, p. 14).
Encomendando bolas, que vinham da Europa, Oscar Cox estimula a aproximação dos
praticantes do críquete, e dos seus pares sociais, ao novo esporte. A batalha foi árdua. O
campo teria que ser aquele mesmo, destinado ao críquete. Faltavam as traves, as redes,
inclusive, jogadores. Diante de tanta adversidade, Oscar Cox chegou a ficar um pouco
desanimado, mas incentivado por seu pai, e também pelo avô – o pai havia sido um dos
fundadores de um clube de críquete em Niterói, o Rio Cricket and Athletic Association -
continuou a acalentar o seu sonho.
Levou três anos para fundar o primeiro time carioca de futebol formado só por
brasileiros. Brasileiros esses, que haviam também ido a Europa e se encantado com o esporte.
O time pertencia ao Rio Cricket and Athletic Association. O outro clube de críquete famoso
da cidade era o Paysandu Cricket Club. O time de futebol do Rio Cricket, comandado por
Cox, enfrentou outro formado por sócios do clube, praticantes, do críquete e do tênis. O placar
de 1 a 1 deixou as pessoas meio perplexas. Que esporte era esse que aceitava uma disputa sem
um vencedor?
Importante explicar que o Rio Cricket, fundado em 1872, no bairro de Botafogo, vem
a ser o clube gerador, que deu origem, a outros dois. Na verdade, o Rio Cricket mudando suas
instalações, a sua sede, para a rua Paysandu, no bairro de Laranjeiras, passa a se chamar
Paysandu Cricket Club. Dissidentes fundam em Niterói, o Rio Cricket and Athletic
Association. Fato pitoresco a de se destacar era a presença rotineira no Paysandu Cricket Club
do casal, Conde D’eu e a princesa Isabel.
O team dos brasileiros devia enfrentar um team de ingleses. Qual o inglês que não
dera um chute em uma bola? E aí – era agosto de 1 – bem de manhã cedo, os tenistas

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do Rio Cricket and Athletic Association tiveram a atenção despertada por umas
balizas colocadas nos extremos do campo de Cricket. Eles perguntavam ainda o que
era aquilo quando apareceram os jogadores. [...]. (RODRIGUES FILHO apud
MARON FILHO e FEREIRA, 1987, p. 15).
Mesmo com desconfianças, a primeira experiência foi proveitosa e duas outras
partidas foram realizadas. Porém, para se consolidar de verdade era necessário jogar contra os
paulistas já mais adiantados na prática do futebol. Cox fez contato com um amigo que havia
estudado e praticado futebol com ele na Europa e que morava em São Paulo. Esse amigo
estava inserido no movimento futebolístico paulistano. Uma resposta positiva se deu e o time
do Rio partiu rumo à capital paulista. A receptividade foi muito boa e as partidas bem
jogadas. Foram dois jogos. Dois empates. E bom número de pessoas foi conferir o embate
entre cariocas e paulistas.
E a gente só precisava de uma coisa. De disputar um macht em São Paulo [...]. Oscar
Cox pegou uma folha de papel, molhou a pena e escreveu a carta. Quero que você
me responda com urgência se é preciso levar barra de gol e redes. Temos tanto uma
coisa como outra. A resposta veio mais animadora do que se esperava. Não
precisamos – escrevia René Vanorden, do Esporte Clube Internacional – de nada.
Temos campo. Temos barra de gol. Temos rede. Só faltam vocês para um Rio - São
Paulo. (RODRIGUES FILHO apud MARON FILHO e FEREIRA, 1987, p. 16).
Em 1902, Cox alça voo mais alto e substancial e funda o aristocrático Fluminense
Football Club. Mas, o primeiro time de futebol oficial do Rio de Janeiro foi o Rio Football
Club, surgido poucos meses antes do Fluminense. Inicialmente Cox seria o seu fundador,
entretanto, por divergências com companheiros, deixou o grupo e outro membro se
encarregou de firmar o nascimento do clube.
Com a criação formal do seu tão acalentado time, o Fluminense, Oscar Cox, sente um
quê de missão cumprida. O futebol no Rio de Janeiro começa a se fortalecer e a despertar o
entusiasmo nas pessoas. Despertar interesse entre todos, sim. Todavia, a prática do esporte era
restrita a pessoas de bom poder aquisitivo, é bom dizer. Lembrando que os esportes populares
eram o Remo e o Turfe. Nessa época, o Rio de Janeiro era tocado pelo anseio de
modernização e uma grande estruturação urbana, que visava corrigir deficiências que possuía,
foi implantada.
O Rio de Janeiro passava, naquela época, por bruscas reformas urbanas que
modificavam a disposição geográfica da maior população brasileira da época. De
acordo com Mattos (1997) os clubes também fizeram parte desse esforço
modernizador e cosmopolita que contagiou o rio na virada do século. A autora
recorreu a Needel (1993), que, em seu estudo sobre belle époque, relacionou a
criação dos clubes ao desejo de estabelecimento de um convivo social da elite,
(DAOLIO, 1997, p.22).

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Na elite, e não no seio da camada mais humilde, o futebol teve seu desenvolvimento
inicial no Brasil. Era amador e aristocrático. Nisso residia um traço que era defendido por
quem o praticava: o Fair Play. Jogar limpo era necessário. Na arquibancada, o torcedor
também deveria se comportar de maneira garbosa. O futebol serviria como meio de despertar
os modos mais refinados, os bons princípios, para formar uma classe que serviria de modelo
para todo o país. A elite se dedicaria a utilizar aquele esporte para incutir a ideia de que era
fundamental prezar pelas boas maneiras para se atingir uma pretensa “civilização”.
Esporte de bacharéis num pais caracterizado por gigantesca desigualdade social,
esporte de brancos em uma sociedade com marcas ainda expostas do escravismo,
esporte associado a ícones do progresso e da industrialização numa economia ainda
essencialmente agrária, o futebol tornou-se desde o inicio um dos ingredientes mais
importantes dos debates acerca da modernização do Brasil e da construção da
identidade nacional. (FRANCO JÚNIOR, 2007, p. 61).
Um ponto era bem demarcado. O futebol deveria ser praticado por pessoas de igual
condição social e racial. Só pessoas de “boa família” seriam capazes de ter uma conduta
adequada, de portar-se com educação. Esse era o pensamento dominante. Sendo assim, só
àqueles de famílias abastadas, tradicionais, e aos “brancos”, deveria ser permitida a prática do
esporte.
Só foi esquecido que era da natural predisposição da figura humana o sentido da
competição, o alcance a qualquer custo das vitórias. Não era fácil aceitar derrotas. As partidas
foram ficando cada vez mais acirradas e a paixão pelos clubes se aflorando. A elite começou a
deixar o fair play de lado. Vez ou outra, as partidas não terminavam bem.
Pouco tempo depois, com a inserção “forçosa” dos clubes de menor expressão, notou-
se um tratamento diferenciado dispensado a esses. Destacadamente, pela imprensa da época
que utilizava dois pesos e duas medidas. Como por exemplo, criticando duramente quando
jogadores e torcida de times sem tradição e suburbanos se envolviam em confusões. Cobrava
medidas para restringir a participação destas agremiações nos eventos futuros. Já quando o ato
reprovável partia de um jogador de um time tradicional, um time “grande”; de um torcedor
fino da tribuna, a atitude era outra. A imprensa argumentava que havia sido um relapso, um
destempero normal. O tratamento dado aos times da zona sul era bem diferente ao direcionado
aos times suburbanos. É isso é o que se deduz da leitura de (PEREIRA, 2000).
A grande massa já envolvida pelo futebol, mesmo com a postura excludente
desempenhada pelos organizadores, mesmo com o não permitir aos menos favorecidos ter
acesso ao esporte, queria participar, estar perto dos eventos. Espiavam por entre os muros, do

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alto dos montículos e outeiros, trepados em árvores, as partidas jogadas pelos de boa condição
financeira. Tocados pelo encanto e atratividade que o futebol proporcionava, passaram a, em
larga escala, correr atrás de uma bola, fosse ela feita de meia, ou de outra composição
qualquer, em terrenos baldios, nas ruas, e praças.
Conta (PEREIRA, 2000) que nos primeiros anos do século XX, a capoeira foi
discriminada, atacada, e a sua prática repreendida pelas autoridades. Tendo sido associada aos
negros, era vista pejorativamente como prática repugnada pelas “famílias da sociedade”, que
viam nela um grande “mal” para a cidade. Como alternativa para delimitar, frear, banir as
festas que eram as rodas de capoeira, que reuniam a camada da população mais pobre pelas
ruas, o jogar futebol, entre os menos privilegiados socialmente, passou a ser permitido – tendo
no fundo essa iniciativa claros interesses de disciplina e controle. Ligas suburbanas de futebol
começam a surgir. O esporte toma conta dos subúrbios proletariados. No tocante à questão da
classe operária, um fato de destaque histórico proeminente foi a criação de um time, por
diretores da inglesa, “Companhia Progresso Industrial”, uma fábrica de tecidos, que permitiu
ao operariado o acesso à prática do futebol. Esse time é o Bangu Athletic Club.
Para a democratização do futebol foi de extraordinário significado a fundação do
The Bangu Athletic Club no ano de 1904. Bangu, um subúrbio do Rio de Janeiro, é
a sede de uma grande fábrica de tecidos, que mandou vir da Inglaterra os técnicos de
que precisava. Os ingleses fundaram o clube com o consentimento da direção da
fábrica, que lhes pôs à disposição também um campo situado próximo. Em virtude
da distância do subúrbio, entretanto, não foi possível aos ingleses constituírem
equipes fechadas chamando os seus compatriotas da cidade. Viram-se obrigados a
recorrer aos operários da fábrica, estimulados pela direção esclarecida, que
provavelmente soubera que os fabricantes de tecidos ingleses na Rússia fomentavam
o futebol entre os turnos para animar sua disposição ao trabalho. (ROSENFELD,
1993, p. 82).
Enraizando-se pela cidade, o futebol ganha a adesão dos pobres, alavancando-se nas
classes sociais mais baixas. Rompe fronteiras conceituais e começa a cutucar o preconceito.
Especialmente, o racial. Mesmo contra a vontade das elites, o interesse pelo futebol jogado
em alto estilo pelo negro começa a se fazer presente. Os clubes vão se curvando a este fato e
passam a eleger seus atletas pelo talento simplesmente, fazendo vista grossa para a cor da pele
dos jogadores. Ou, maquiando, de certo modo, esse traço racial. Podia-se tentar camuflar
aquela condição.
Friedenreich foi exemplo disso. Sendo o primeiro grande fenômeno negro do futebol
brasileiro, sua condição racial incomodava. Com um talento fora de série, ele foi o autor do
gol que deu o primeiro título internacional ao futebol brasileiro, no Sul-Americano de 1919,
ocorrido no Rio de Janeiro - cinco anos após a realização da primeira partida do selecionado

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brasileiro. A euforia da torcida era imensa. O Brasil tinha conseguido “bater” Argentina,
Uruguai e Chile – que costumavam levar vantagem nos confrontos com os brasileiros,
principalmente, a Argentina e o Uruguai –, e o Rio de Janeiro deu conta de realizar uma
grande competição esportiva transformando o evento em acontecimento social de imenso
destaque.
Nascido em 1892, no bairro da Luz, em São Paulo, Friedenreich sintetizava bem a
mestiçagem que é um traço de povo brasileiro. Filho de um comerciante alemão e de uma
brasileira - lavadeira e negra -, o mulato de olhos verdes possibilitou a abertura, ainda que
tímida, de espaço nos jornais e nos círculos sociais para se falar sobre o negro. Mesmo com o
sucesso, Friedenreich, involuntariamente, tinha um hábito que parecia denunciar algo. “Fried
procurava ele mesmo esconder como pôde sua condição de mulato, alisando vigorosamente o
cabelo antes de entrar em campo” (GUTERMAN, 2010, p. 44).
Outro fato racial que se tornou cheio de simbolismos aconteceu em um dos clubes
mais tradicionais do Brasil, o Fluminense. Para entrar em campo, um jogador de pele mais
escura do clube – contratado junto ao América, em 1914, - chamado Carlos Alberto, fazia
uma sessão de maquiagem para não denunciar sua condição racial. “(...) Carlos Alberto,
entrou para a antologia do futebol pelo inusitado: mulato, ele passava pó de arroz no rosto
para disfarçar a raça quando jogava pelo Fluminense” (GUTERMAN, 2010, p.44). Desde
então, as torcidas adversárias passaram a se referir assim ao clube das Laranjeiras: “pó de
arroz”.
Com a “indesejada” abertura do até então elitista futebol ao negro – e por associação
ao pobre – brigas, rompimentos, rupturas se estabeleceram e criações de ligas, de
campeonatos que abarcavam clubes ideologicamente diferentes, foram recorrentes.
(PEREIRA, 2000) destaca que o futebol já havia se enraizado definitivamente na nossa
cultura e se tornado a grande paixão do brasileiro. No Rio de Janeiro o remo ainda tinha certa
força, mas o futebol já possuía o seu brilho próprio. Depois do surgimento do Clube de
Regatas Vasco da Gama na divisão de elite do futebol carioca, em 1923, não dava mais para
negar a chegada definitiva do negro, do pobre, do operário e do trabalhador comum, ao
futebol. A aceitação do negro, e o “amadorismo marrom”, assuntos estes ligados ao Vasco da
Gama, serão comentados mais adiante.
Deve-se considerar o pensamento que “tomava forma” dentro da sociedade à época
que pregava ser o branco uma raça “pura”, e que a mestiçagem que ocorria no Brasil fazia mal
e acentuava os aspectos mais depreciativos. Felizmente, apesar de todos os contratempos, ao
longo do tempo o futebol conseguiu servir como meio para a propagação e fortalecimento,

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justamente, do contrário. A mestiçagem era marca positiva na composição cultural e social do
nosso povo e dela não poderíamos fugir.
Mesmo ainda sendo amador, o futebol deixava transparecer uma ponta do
profissionalismo, adentrando em esferas financeiras e remuneratórias. Este aspecto era
alimentado pelos patronos dos clubes. Uma das práticas à qual muito se faz referência era o
pagamento do “bicho”- um animal de valor que era dado a um atleta ou, mais comumente,
rateado entre os atletas. O caminho para a profissionalização estava sendo traçado, era
inevitável. O profissionalismo de certa forma demorou a vingar por aqui. Foi no momento em
que o Brasil começou a perder jogadores – contratados e remunerados por times de outros
países – que ele se instituiu de vez. Isso, na segunda metade da década de 1930.
O futebol também foi parte importante no fortalecimento da autoestima e da
autoafirmação dos imigrantes que para o Brasil vieram se estabelecer. Destacadamente, para
os alemães e os italianos - em decorrência da primeira e da segunda guerra mundial. E para os
portugueses, que eram vistos por aqui com maus olhos e repugnância em razão da
colonização, domínio, e exploração das terras brasileiras. Considerável parcela da sociedade
tinha certo entrevero, picuinha, aversão, na relação com os portugueses. Essa antipatia era
bem percebida. Através do futebol, os imigrantes conquistaram respeito e melhor perspectiva
social passou a se apresentar para eles.
A reunião de etnias, fortalecidas na união, na solidariedade, na homogeneidade
sentimental de defesa de seus interesses fez surgir grupos esportivos, agremiações, clubes
com características fortes de seus países. E por essa associação em torno dos times de futebol,
dirigentes, sócios, jogadores, torcedores, esses imigrantes, que acreditavam ser o Brasil um
lugar bom pra se viver, construíram uma história ditosa delineada por uma bola de futebol.
Começaram a surgir clubes formados por gente nascida em outros países. São
exemplos desse processo: o Palestra Itália, em São Paulo e em Minas Gerais – originário de
Palmeiras e Cruzeiro, respectivamente; também, o Juventude, em Caxias do Sul, no Rio
Grande do Sul. Todos esses, oriundos da colônia italiana. A colônia alemã fundaria o
Coritiba, em Curitiba, no Paraná; o Grêmio, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul e o
Germânia – hoje, Pinheiros -, em São Paulo. Os portugueses, o Vasco da Gama e o Lusitânia
– no Rio -, e a Portuguesa de Desportos, em São Paulo. O Galícia, em Salvador, na Bahia,
seria fundado por espanhóis.
Esses exemplos são de clubes que obtiveram destaque no futebol, ao passo que outros,
sem destaque no futebol, mas fortes como clubes sociais propriamente, como por exemplo, o
Esporte Clube Sírio, o Clube Monte Líbano, de imigrantes árabes, e, posteriormente, a

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Hebraica, na década de 1950, fundada por Judeus, referendam essa constatação de sucesso no
Brasil de algumas reuniões esportivas instituídas por imigrantes.
Impossível não pensar no futebol como fenômeno social, cultural, que ajudou o Brasil
a encontrar a sua identidade nacional. Deve-se gratidão ao futebol, por exemplo, pelo fato de
ter possibilitado, vencendo todas as resistências, mostrar, escancarar, uma realidade que é
própria do Brasil. O Brasileiro como um povo mestiço, fruto da mistura de raças, da fusão de
negros, mulatos, indígenas e europeus e, certamente por isso, tão rico culturalmente e
especial. Também por ter contribuído para fazer o brasileiro se sentir especial diante do
mundo a partir das conquistas mundiais da seleção. Foi por intermédio do futebol que o
brasileiro rasgou, pisou em cima, se libertou do seu “complexo de vira-latas”, criação de
Nelson Rodrigues, que via no povo brasileiro uma tendência a se colocar como menor,
inferior diante do mundo.
Um estádio de futebol é mais do que um simples espaço onde vinte e dois homens
correm de um lado para o outro atrás de uma bola. É o lugar onde, da arquibancada, uma
massa heterogeneamente formada, aglutina-se, funde-se, tornando-se homogênea, coesa e
irradiando uma vibração uníssona, arrefecida por certos traços da psicologia humana. É no
estádio de futebol que o torcedor se manifesta lançando uma surpreendente condicionalidade
humana. O estádio é laboratório, divã, palco, consultório da alma de um povo que tem nele, o
futebol, o seu santo remédio, libertador, e que ameniza suas agruras diárias.
O futebol tem a capacidade de exacerbar certas condições psicológicas. Uma derrota
pode ferir o ego. Pode mexer com o nacionalismo. O futebol é imperfeito – os resultados
improváveis se estabelecem com certa frequência. O melhor, nem sempre vence. A lógica,
vez ou outra, se esconde e, talvez por isso, pela imprevisibilidade, o futebol seja esse
elemento fascinante, encantador, cheio de significações ocultas que levam o torcedor a uma
“loucura saudável”. O torcedor é magia.
1.2 O TORCEDOR
Sendo um indivíduo que acredita, pela sua inserção na coletividade, ser possível
desvirtuar o significado, mudar o rumo, dar vida ao improvável e fazer emergir do seu torcer
apaixonado uma energia que “contamina” positivamente o futebol, retransformando a
realidade, nessa configuração curiosa, o torcedor salta para uma plataforma de destaque.
Torcer é ter a capacidade de alterar a partida que se tem diante dos olhos. O adepto de um
time, o torcedor pra valer, crê que pela sua fé e pelo seu estímulo, incorporados e

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amplificados pela massa, pode colaborar para que seus ídolos absorvam energia, envolvam-se
de elementos da divindade, abrindo as portas para a vitória.
Quando o pensamento individual infiltra, adentra, atinge o coletivo, ganhando na
adesão de um grupo, da massa, fluidez de energia, manifestando-se, propagando-se, seus
efeitos geralmente são percebidos. Na simbiose de torcida e jogador, por inúmeras vezes, foi
detectada a alteração de uma jogada, de um lance, de uma partida, em razão dessa energia
desencadeada.
Fazer parte da multidão e perder o controle de nossas emoções e de nosso
comportamento, pelo contrário, é aquilo contra o que somos advertidos desde a
infância. Em consequência disso, muitos de nós esqueceram (ou jamais souberam)
como pode ser prazeroso fazer parte da multidão. [...] As multidões anseiam pelo
momento em que sua energia se conecta à dos jogadores e faz a energia deles
aumentar. Porque naquele momento, a separação entre a torcida e os jogadores
parece desaparecer. Essa comunhão, longe de ser puramente espiritual, pode
constituir uma realidade física. Pode ter até uma base biológica bem concreta, nos
recentemente descobertos neurônios-espelho, que atuam no córtex pré-motor. Os
neurônios-espelho são ativados não apenas quando a pessoa executa uma ação, mas
também quando vê alguém a executando. (GUMBRECHT, 2007, p. 150-151-152).
Torcida e jogador são indissociáveis. Mutuamente, completam-se. Existe na relação
torcedor-time-jogador carga de gratidão, nem tanto perceptível assim em um primeiro
momento, mas nítida, ao analisar mais cuidadoso. Essa gratidão está presente nas entrelinhas
do futebol. “[...] de uma longa carreira assistindo a esportes, o que eu ‘ganhei’ foi um forte,
embora não muito bem definido, sentimento de gratidão para com os atletas que me
proporcionaram momentos de intensidade tão especial”. (GUMBRECHT, 2007, p. 161).
Protagonistas do espetáculo do futebol, cada um do seu jeito, jogador e torcida,
involuntariamente, passam a desenvolver uma funcionalidade orgânica, cerebral, psicológica,
que merece análise.
O verbo “torcer” significa virar, dobrar, encaracolar, entortar etc. O substantivo
“torcedor” designa, portanto, a condição daquele que, fazendo figa por um time,
torce quase todos os membros, na apaixonada esperança de sua vitória. Com isso
reproduz-se muito plasticamente a participação do espectador que ‘co-atua’
motoramente, de forma intensa, como se pudesse contribuir, com sua conduta aflita,
para o sucesso de sua equipe, o que ele, enquanto ‘torcida’, como massa de fanáticos
que berram, realmente faz. (ROSENFELD, 1993, p. 82).
O ato de torcer foi sendo modificado ao longo do tempo. A partir do desenvolvimento,
da expansão e consolidação do futebol dentro da sociedade brasileira, a torcida foi ganhando
novos impulsos, passando a ser mais ativa, obtendo reconhecimento e influenciando no rumo
dos clubes. A prática de incentivar o time de coração torna-se algo sólido e começa a se

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organizar. Surge então o torcer mais elaborado. Cânticos, instrumentos musicais, uniformes,
utilização de fogos de artifício, bandeiras, são introduzidos nos estádios.
Sim, porque no início se torcia de maneira pudica, comedida, com finesse. O futebol
como sinônimo de esporte da elite precisava pautar o torcer na forma comportada e refinada
como se o sujeito estivesse em uma ópera ou coisa assim. A vestimenta dos torcedores era a
de trajes finos e elegantes. Não se admitia gritos de incentivo durante a partida. O máximo da
algazarra se dava antes ou depois do jogo e o que se ouvia eram expressões do tipo, “Aleguá”-
significava, avante! -, ou um “Hip Hip Hurrah!”, seguido do nome do time – cumprimento
entusiasmado do torcedor de um clube.
As mulheres com os seus vestidos e chapéus de imenso glamour. Nos chapéus, as
fitinhas com as cores do clube – indicando com orgulho para qual time se torcia. E nas mãos,
também um pedaço de fita que a ala feminina de torcedoras do Fluminense levava ao estádio
e, ritualisticamente, ficava a torcê-la, revelando o nervosismo com a partida, e o frenesi diante
do encantamento provocado por aquele que foi o primeiro goleiro da seleção brasileira e
arqueiro tricolor, Marcos Carneiro de Mendonça. Notabilizado pela beleza física, por seu jeito
pomposo e elegante de se vestir – usava uniforme todo branco e uma fita roxa como cinto - e
pelo seu talento em realizar defesas incríveis, Marcos Carneiro é personagem destacável dessa
fase dos primeiros passos do futebol no país.
Desse costume das mulheres de “torcer a fita”, curiosa e ilustrativa é a informação
trazida por (FRANCO JÚNIOR, 2007, p. 292) de que o uso da palavra, “torcer”, introduzida
na esfera futebolística, segundo conta-se, “[...] vem do hábito de moças simpatizantes do
Fluminense contorcer durante as partidas pequenas fitas roxas, semelhantes às usadas, na
cintura, pelo goleiro do clube no período de 1914-1922, Marcos Carneiro de Mendonça”.
O goleiro, ou, como chamado na época, “Goalkeeper”, gravou seu nome na história do
futebol. Pragmático, com técnica apurada, Marcos Carneiro era seguro, preciso em seus
movimentos, e foi um admirável estudioso da profissão. Desenvolveu apurado senso de
colocação debaixo da baliza que dificultava o sucesso dos atacantes. Aristocrata, foi defensor
ferrenho do futebol amador. Contribuiu também, fora das quatro linhas, como historiador para
o acervo histórico do futebol brasileiro ao recortar de jornais e revistas daquele tempo tudo o
que saía sobre a sua presença em campo de jogo, fosse defendendo o Fluminense ou a seleção
brasileira.
Histórias da realidade amadorística do futebol no país, do período compreendido entre
1913 e o final da década de 1920, reunidas e encadernadas, geraram um material de grande
valia. Através desses recortes, que ficaram conhecidos como o “álbum”, o “grande caderno

28
pardo” de Marcos Carneiro de Mendonça, obteve-se respeitosa fonte de estudos sobre o
futebol carioca do início do século XX.
Hoje, parece utópico pensar nesse tempo de Marcos Carneiro de Mendonça como
atleta, quando o torcedor era impelido, pela imposição cultural futebolística em voga, a conter
o sentimento, aprisionando o grito, a palavra vulgar e a explosão da emoção. Em que o torcer
silencioso, passivo, era a regra geral, sendo comum durante a partida a empolgação do
torcedor se manifestando, no máximo, com aplausos e um ou outro assobio. Mas era assim
mesmo.
Essa forma contida de torcer ficou pelo caminho. O torcer vigoroso, intenso, criativo,
pedia passagem. Sobre essa maneira de torcer, barulhenta, ativa, colorida, festeira,
discorreremos mais a frente, apropriando-se da figura de um torcedor que foi referência, o
criador da primeira torcida organizada do Brasil. Esse torcer mais intenso põe em evidência as
alterações orgânicas que ocorrem tanto no torcedor, na sua apropriação ativa de torcer, quanto
no jogador, posto em performance passiva de recebimento do incentivo. O fluxo sanguíneo
aumenta, o funcionamento orgânico se altera. Ambos são tomados pela adrenalina que o
corpo inteligentemente produz
Estar em uma arquibancada torcendo pelo seu time de coração desencadeia uma série
de reações. A alma inquieta-se, o corpo estremece, enrijece. Parece que o torcedor coloca o pé
em outras dimensões. “Quando se considera a imensa carga de sentimentos que se irradia da
torcida para os times, entende-se que eles busquem abrigo em esferas sobrenaturais, para se
certificarem da estimulação benévola [...]”. (ROSENFELD, 1993, p.103).
Poucas coisas nessa vida têm uma representação tão forte quanto o futebol para o
torcedor. Ele, o torcedor, acredita que as vitórias no campo descerram uma atmosfera de
vitória e de realização pessoal. Por se sentir fazendo parte de um clube que possui sua
representação social, seja na rua, no bairro, na cidade, no estado, no país, o ser que torce,
efetivamente, por um time, vem a se sentir aceito, incluído socialmente, e flertando com o
sucesso. Descreve Daolio:
O que parece é que o torcedor vai ao jogo buscando, muitas vezes, a alegria, a
realização ou o sucesso que não conseguiu ter naquele dia ou nos últimos tempos em
sua vida. O seu time, assim, pode representar uma parte da vida que dá certo. Como
parte do clube, o torcedor tem a ideia de que “meu clube é rico”, “meu clube é
vencedor”, “os dirigentes do meu clube são poderosos e eu, torcedor, participo
disso”, “participo porque me identifiquei, sou parte, membro, presença”... O clube
acaba mediando uma relação desse indivíduo com o sucesso, com a lembrança, com
a família, com a sua origem. (DAOLIO, 1997, p.26).

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Outro aspecto que se observa no ofício do torcedor é a sua simpatia, satisfação, pelas
vitórias difíceis. Por incrível que pareça, aquele jogo no qual o seu time passou sufoco, sofreu
para vencer, reagiu no final, ganha contorno especial de sobrepujamento e deixa para esse
torcedor uma sensação mais aguçada de orgulho. “[...] O sentimento de sacrifício está
presente no torcer. A vitória suada, o gol no final do jogo, a partida difícil, a briga na
arquibancada, a derrota inesperada, etc., trazem uma marca definitiva do fato que se aloja de
vez na memória do torcedor”. (DAOLIO, 1997, p.28).
O “sentir-se” pertencente a um grupo, a uma instituição, a uma comunidade, também
tem caráter brioso, referencial, por inferir para aqueles que se agregam, ser isso, uma ligação
ao passado, aos costumes e ritos interiorizados e marcados na história de uma dada
organização. É o dar continuidade a algo plantado lá atrás e que não pode morrer. É isso o que
nos diz Morin.
A identidade individual e coletiva afirma-se, não na dependência imediata de cada
grupo, como na sociedade primática, mas sim pelo e no conjunto dos fios noológicos
que ligam o indivíduo a seu parentesco real e mítico e que dão à cultura sua
identidade singular. O nome liga a identidade individual a uma filiação
sociocultural: estabelece, ao mesmo tempo, a diferença e a dependência: quando diz
“filho de”, tem-se em mente não apenas os genitores, mas também os antepassados,
a descendência social. O mito alimenta a recordação, o culto e a presença do
antepassado, mantendo-se por isso mesmo, a identidade coletivo-individual. Este
tema do antepassado, das origens e da genealogia retorna sempre, obsessivo, nos
símbolos, nas tatuagens, nos emblemas, nos adornos, nos ritos, nas cerimônias e nas
festas. (MORIN, 1979, p.169).
Torcedor, elemento ímpar na atmosfera do futebol. Esse sujeito que tem o afã de
acompanhar, impreterivelmente, o seu time, de sentir-se como parte da equipe, doando-se de
corpo e alma e exercendo satisfatoriamente sua função de incentivador. Que pelo seu clube é
capaz de esquecer até mesmo o maior dos problemas, de sobrepor-se à limitação, seja ela,
financeira, física, ou de outra ordem qualquer, e de, por intermédio do sagrado para ele,
exercício do torcer, obter o expurgo para os males que o afligem. Com toda certeza, é um
grande objeto de estudo.
E como seria o futebol sem essas figuras devotadas que encarnam o espírito do
amadorismo e o levam até as últimas consequências? Acho que não teria a mesma
graça sem eles, que têm suas vidas e problemas, mas que deixam tudo de lado e
revelam um amor sem medir esforços, desprovido de preocupações políticas ou
financeiras. Pessoas que são a pura paixão por um clube. (ZICO apud MATTOS,
2007, orelha).
Na amplitude da população brasileira, esses seres, os torcedores, fidedignos que são,
têm suas vidas “verticalizadas” em escala crescente de esperança, de confiança, de crença.

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Pela ação da inebriante experiência do torcer por seu time de coração e, em estágio mais
homogêneo, pela seleção, são tomados pela esperança, sentimento este, que irradia para suas
vidas, apontando para uma melhor condição psicossocial que apruma os passos na caminhada
existencial.
A representação da vitória, do sentir-se vitorioso, especial, pode ser um tronco
frondoso para o melhoramento de quesitos da vida desse sujeito. O que o torcedor sente no
exercício de apoio a seu time, as energias que são movimentadas, transcendem a uma
compreensão simplista. No estonteante espetáculo da arquibancada, que “prende” o torcedor
e, em regra geral, o coloca em uma fecunda empolgação, que faz pasmar aquele que nunca se
permitiu fazer parte da massa ululante, conjunturas analíticas emotivas são reveladas.
Ela nunca tinha pisado no solo sagrado do Maracanã. Estreou num dia de Fla-Flu.
Decisão do título carioca de 1995, aquele, do gol de barriga de Renato Gaúcho de
barriga. Ela nem viu, na verdade. Porque o que acontecia no gramado não tinha a
menor importância. Ela estava extasiada com o espetáculo das arquibancadas. Foi a
primeira vez em que vi o que significava, literalmente, alguém ficar boquiaberto.
Ficou ao sair do elevador e entrar no corredor para a área das tribunas, ainda antes
da borboleta. Como eu sabia que alguma reação haveria, adiantei-me para poder
voltar e vê-la de frente. Boquiaberta. Quando se deparou com a multidão, com as
cores, com a cantoria ficou paralisada. E boquiaberta. De queixo caído, Vá lá. Ela
existe mesmo, se chama Leda e é minha mulher. Poucas vezes antes eu atinha visto
daquele jeito, talvez diante da Guernica ou da Pietá. E foi dessas reações
absolutamente naturais que dão a dimensão do que é o torcedor, do que é um Fla-
Flu, do que é o Maracanã lotado. Interpretei, também, como uma homenagem ao
meu ofício ou, ao menos, mais uma ficha que caía para compreender o tamanho da
paixão. (KFOURI, apud, MATTOS, 2007, contracapa).
Tendo esse papel tão marcante no universo do esporte e, especificamente no do
futebol, o torcedor não pode ser desprezado. Sua simbologia merece ser levada em conta.
Delimitando a pesquisa, esse trabalho direciona luz mais forte sobre uma torcida em questão.
Dita, observada, apresentada, indicada, aferida por todas as empresas de pesquisa de opinião
como a maior torcida do Brasil, o torcedor do Clube de Regatas do Flamengo vem a ser o
recorte. Em algumas pesquisas, a sua torcida chega até mesmo a ser mencionada como a
maior do mundo. Conhecendo a história do clube é que se tem base sólida para encontrar as
respostas que elucidarão a constatação da força, magnitude, carisma e sedução do torcedor do
Clube de Regatas do Flamengo. Aprofundando-se na análise, os motivos que proporcionaram
o crescimento contínuo de seus seguidores começam a aparecer.

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2 O CLUBE DE REGATAS DO FLAMENGO E SUA TORCIDA
O estudo sobre o Flamengo, seus passos e suas pontuações históricas que
pavimentaram a relação com o seu torcedor, não pode se abster de perpassar o cenário
esportivo, social e cultural do Rio de Janeiro. É indispensável também, tarefa obrigatória, a
análise de parte da história do Brasil. Vasculhar fatos escancarados, ou aqueles mais sutis,
revirá-los, buscando nova ótica, o viés pouco perceptível, ou desprezado, é tarefa frutuosa
para se encontrar fragmentos que nos façam detectar relações que serviram de influência,
referência, para o surgimento do clube, a construção de sua identidade, e vieram a determinar
a consolidação do clube e de sua torcida no gosto popular.
A história do clube, passa pela torcida, ou melhor, tem o ponto central nela. Ao se
falar sobre o centenário clube da Gávea, o que logo vem à mente é o termo: torcida. No
Brasil, ou até mesmo fora dele, quando soa a palavra Flamengo, tirando os adjetivos
pejorativos creditados ao clube pelos seus adversários, a qualificação mais pertinente que se
faz é a de ser o clube o dono de maior torcida do Brasil. Para o torcedor rubro-negro, sua
condição é tão especial, o orgulho de si, como torcida, é tão exacerbado, que ele costuma
dizer que no seu caso existe, primeiramente, uma torcida e depois um time, escancarando com
essa afirmação toda sua soberba.
É de entendimento comum que uma agremiação, um grupo, uma instituição, um clube,
torna-se grande, um ícone – no quantitativo e no qualitativo –, a partir de ações de significada
relevância no meio ao qual está instalado e que essas ações tendem a recrudescer, abrilhantar
sua imagem, creditar projeção ao agrupamento constituído, que passa a ser visto como agente
respeitável e uma acentuada entidade social. Em se tratando de um clube esportivo então, a
sustentação que se faz residirá na paixão. E se neste clube esportivo houver espaço para o
futebol, o seu traçado histórico irá se estender tendo no teor da paixão em doses cavalares, do
amor profundo, seus pilares de existência.
O Flamengo, clube surgido no Rio de Janeiro, no bairro do Flamengo, de onde herdou
o seu nome, é um caso de extremo sucesso. Fundado, originariamente, como um grupo, deu
os primeiros passos envolvido por grandes dificuldades. Cresceu, perseverou, aprimorou-se,
veio a se fortalecer e ganhou vasto espaço no esporte, tornando-se um colossal agregador
social.
Nascido de uma provocação, por assim dizer. De um sentimento de desonra, surgido
da afronta dos jovens do bairro vizinho de Botafogo aos que freqüentavam a faixa de areia da

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orla do Flamengo. A reação aconteceu e, felizmente, foi pela via do esporte. Aqueles jovens
do bairro de Botafogo, possuidor de um clube de remo, fundado em 1894, já famosos no seu
bairro, não mediam esforços para impressionar o maior número possível de pessoas. Iam
diariamente à praia do Flamengo, em especial, para paquerar as moças de lá, disso, motivou-
se, em parte, o surgimento do grupo do Flamengo. Embalando o desejo de exibição, de
conquista, esses remadores botafoguenses desfilando seus corpos bem torneados faziam
questão de deixar sua embarcação exposta na praia e se tornavam assim uma grande atração.
As mulheres da praia do Flamengo suspiravam.
A partir desse incômodo, afloraria a determinação natural dos jovens da praia do
Flamengo de impor algum tipo de limite para a ousadia do grupo de Botafogo. Precisavam
fazer algo para que aparecessem com destaque também. É então que um grupo de jovens de
classe média do bairro decide partir para o ataque. Revidariam de modo inteligente com uma
grande criação. Um clube de remo. Na verdade, este fato serviu de pretexto definitivo para os
rapazes criarem o grupo de remo do Flamengo. Já eram apaixonados pelo esporte marítimo. O
remo era o esporte em voga. O primeiro esporte no Brasil a atrair multidões. O esporte
popular.
Com relação ao esporte, nesse final do século XIX, o remo era o mais popular do
Rio. A Federação Brasileira das Sociedades de remo e os próprios clubes
promoviam disputadíssimas regatas na enseada de Botafogo. Para as autoridades e
convidados vip, eram montados pavilhões e arquibancadas de madeira. Mas o povo
queria ver também. Nas manhãs de domingo, durante as regatas, as avenidas à beira
mar eram tomadas pela multidão de curiosos. (...) não havia o termo ‘torcida’,
embora os espectadores já se manifestassem a favor de um ou de outro competidor.
Os jornais referiam-se ao público como assistência, multidão, plateia. Os homens
andavam de terno, gravata e chapéu. Parece que o mundo todo tinha e usava terno,
gravata e chapéu. As mulheres também não queriam perder as regatas. Os atletas
eram bonitões. As moças se enfeitavam com a melhor roupa, escolhiam o chapéu
mais elegante e assistiam eufóricas ao duelo de titãs, travado no braço em pleno mar,
entre os atletas do remo. Algumas chegavam a desmaiar de tanta emoção. Os
remadores eram como vikings, numa mitológica jornada. (CRUZ e AQUINO, 2007,
p. 15).
Final do século XIX, 1895. Rio de Janeiro, a capital federal. 700 mil habitantes,
aproximadamente. Todos os olhos se voltavam para lá. Era o grande centro do país. Tudo o
que acontecia na cidade era copiado. A cidade maravilhosa, sempre irradiadora de tendências,
via-se envolvida ainda pela atmosfera da proclamação da república, ocorrida seis anos antes.
Crescia vertiginosamente – recebia gente de todas as partes do Brasil e do mundo - e convivia
com problemas de urbanização e de saúde pública: epidemias de cólera, varíola e febre
amarela eram comuns.

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Concentrava a maior parte da população em poucos bairros. As regiões do centro da
cidade, da Praça Mauá, de Santa Tereza, da Lapa, e das praias de Botafogo e do Flamengo,
eram o polo habitacional. A chamada Zona Sul era uma faixa de terra perdida. Copacabana,
Leblon, Ipanema e adjacências eram lugares praticamente inabitados e que não possuíam o
menor valor comercial. No subúrbio, o mesmo acontecia. Pela topografia da cidade, e pela
não fiscalização do poder público, habitações em morros começavam a surgir e viriam a
ganhar espaço na cidade com uma rapidez impressionante.
Nestor de Barros, José Agostinho Pereira da Cunha e Mario Espíndola eram grandes
amigos. Inseparáveis. Tiveram como paixão, primeiramente, o turfe – outro esporte em
evidência na época. Contudo, quando descobriram o remo, o amor foi imediato. Em uma noite
de Setembro de 1895, os três, mais Augusto Lopes da Silveira, aprovaram a ideia de fundar
um clube de remo que traria pompas ao bairro do Flamengo. Também se livrariam do aluguel
do barco, todo domingo, para exercitar os corpos na Baía de Guanabara. Teriam o seu próprio
barco. Poderiam assim, ainda, dar o troco nos remadores de Botafogo.
No princípio, haviam até pensado em conter as investidas dos remadores do clube de
Botafogo apelando para a briga – uns bons bofetões dariam jeito – mas sendo, Nestor e seus
amigos, estudantes civilizados e de boa família, a ideia foi logo abortada. Ter um barco capaz
de disputar em pé de igualdade com os remadores de Botafogo, suplantando-os, é claro, seria
a melhor maneira de desbancá-los.
Durante a semana, esses três rapazes do bairro do Flamengo estudavam e trabalhavam.
Nos domingos, o dia era quase que inteiro junto ao mar. A pausa se dava apenas para o
compromisso religioso de ida a missa, na Matriz da Glória, e para o almoço. À noite todos se
encontravam no Restaurante Lamas – ponto de artistas, intelectuais, políticos e estudantes -
reduto inicial rubro-negro, situado no Largo do Machado, a uns três quarteirões da praia do
Flamengo. Bem ao lado do Lamas, ficava a estação de bondes.
Após reuniões, e as corriqueiras conversas na caminhada que faziam diariamente até o
Largo do Machado, cruzando ruas e residências - iluminadas ainda por grandes lampiões a gás
e a óleo de baleia -, a decisão de criar o grupo foi sacramentada. Faltava só o dinheiro para
comprar o barco. Conseguiram juntar certo valor e ao preço de 400 mil réis, valor este,
conseguido por Mário Espíndola, Felisberto Laport, Nestor de Barros, José Félix da Cunha
Menezes, Augusto Lopes e José Agostinho Pereira da Cunha, adquiriram a primeira
embarcação chamada, “Pherusa”. Logo depois, viria a “Scyra”. O barco era de segunda mão,
explica (RODRIGUES FILHO, 1966).

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Outra particularidade da cidade nesta época que trouxe surpresa positiva para a
população foi a escolha, em 1892, do Rio de Janeiro como cidade a ser contemplada com uma
inovação no transporte coletivo. A população ainda acostumada ao transporte público sendo
feito por bondes a vapor, e até mesmo pelos que eram puxados por burros e cavalos, ganha a
primeira linha eletrificada de bonde. Estabelecida a sua linha central no bairro do Flamengo –
veio a ser a primeira do Brasil e da América do Sul. Essa novidade aproximava ainda mais o
carioca do esporte que fascinava a todos, o remo.
Na tarde de 17 de Novembro de 1895, surge então o Grupo de Regatas do Flamengo -
só em 1902 haveria a troca da designação de grupo para clube. Pelo fato de o clima da
República ser o que se respirava, de ser a novidade, a nova condição do país – e por ser o dia
15, data comemorativa da proclamação da república, feriado, propício para comemorações –
seus fundadores decidiram antecipar em dois dias a fundação do grupo, passando a ser
oficialmente o dia 15 de Novembro.
Constam 18 nomes como sendo os fundadores: Nestor de Barros, Mário Espíndola,
José Agostinho Pereira da Cunha, Napoleão Coelho de Oliveira, Francisco Lucci Collás, José
Maria Leitão da Cunha, Carlos Sardinha, Eduardo Sardinha, Desidério Guimarães, George
Leuzinger, Felisberto Laport, Maurício Rodrigues Pereira, Emídio José Barbosa, José Félix da
Cunha Menezes, Augusto Lopes da Silveira, João de Almeida Lustosa, José Augusto Chaleo e
Domingos Marques de Azevedo (o primeiro presidente).
Escolheram as cores do uniforme. Azul e ouro – representando, respectivamente, o
azul celeste em fusão com a cor da Baía de Guanabara, e nossas riquezas minerais. Um ano
depois mudariam para as cores definitivas, o vermelho e o preto. Era um domingo, e no
número 22 da praia do Flamengo – um casarão - foi registrada a ata inicial de fundação. Este
casarão, que possuía no mesmo terreno uma extensão com vários cômodos, era a moradia de
um dos fundadores, Nestor de Barros. Aqueles jovens estudantes que tinham um senso
proeminente de inquietação, audácia, de perseverança e de contorno revolucionário, passariam
a se dedicar ao remo e por ele, dariam suas vidas.
Em 06 de outubro - antes da fundação, portanto - ocorre um fato que contribuiu para a
incorporação desse aspecto, dessa característica ligada até hoje à identidade do clube, a
superação. Seria este acontecimento, o primeiro, de inúmeros, que despertaria nas pessoas a
admiração pelo Flamengo. Os rapazes, Nestor de Barros, José Félix, José Agostinho, Mário
Espíndola, Felisberto Laport, Maurício Rodrigues Pereira e Joaquim Bahia, escolhidos para
pegar a baleeira, Pherusa - que havia sido restaurada na praia de Maria Angu, hoje praia de
Ramos - durante a travessia de retorno até a praia do Flamengo, viram a morte bem de perto.

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Estando o tempo climático desfavorável, com ventos fortes que prenunciavam uma
tempestade, os rapazes desprezaram as nuvens escuras que se formavam no céu e ao mar se
lançaram. O barco acabou virando e eles como náufragos resistiram bravamente ao infortúnio.
(CASTRO, 2001) relata com detalhes.
A pherusa podia ser uma beleza, mas era de segunda ou terceira mão, já passara por
mar brabo e precisava de reparos. Eles a levaram de bonde a um armador da praia de
Maria Angu, na zona norte, que a reformou por dentro e por fora. Dias depois, na
tarde de um domingo [...], sete dos rapazes foram buscá-la [...], jogaram-se ao mar,
na ponta do caju, içaram a vela e embarcaram, eufóricos, para a travessia que
deveria terminar na praia do Flamengo, em frente ao 22. Mas aquela travessia nunca
se completou. Pelo menos, não a bordo da pherusa. De repente, quando eles já
estavam, longe da costa, na altura da ilha do bom Jesus, o tempo virou: nuvens
carregadas cobriram o azul [...], raios e trovões sacudiram o céu, e a chuva caiu com
violência. O vento noroeste arrancou a vela, as ondas fustigaram o barco e
começaram a abrir buracos no casco [...], viraram a baleeira de quilha para cima e se
agarraram a ela. Um deles, Joaquim Bahia, o melhor nadador do grupo, decidiu
nadar até a praia em busca de socorro [...], pelas três horas seguintes, os outros
rapazes, agarrados a pherusa, gritaram “socorro” [...], noite fechada, quando a morte
parecia inevitável e eles já faziam suas orações, uma lancha ouviu seus gritos e veio
salvá-los. Içados para o barco e batendo os dentes de frio, eles se lembraram de
Joaquim Bahia. (CASTRO, 2001, p.30-31).
Joaquim Bahia chegando à terra firme – já era noite - não encontrou nenhuma
embarcação que pudesse prestar socorro aos amigos. Já com a sensação de que todos haviam
sucumbido à força da água do mar, sentiu-se imensamente infeliz e não teve coragem de
revelar o ocorrido aos familiares dos companheiros. Da outra parte, os resgatados, pensando
que o amigo não havia aguentado nadar por tanto tempo – e por isso o socorro não havia
chegado – supondo a morte do companheiro Bahia, estavam com remorsos e sem jeito de
contar para a família de Joaquim Bahia a desgraça que tinha sucedido. Já socorridos, em
prantos, todos atônitos, ficaram sem saber o que fazer.
Algumas horas depois, Joaquim Bahia bate na porta da casa de José Agostinho.
Recebido pela mãe de Agostinho, ouviu que o filho e os outros rapazes – mesmo eles achando
que Bahia não teria sobrevivido - estavam a procura dele pela cidade. No reencontro de
Joaquim Bahia com os outros seis remadores, lágrimas e gritos emocionados tomaram conta
do Largo do Machado.
No dia seguinte, notícia curta sobre o ocorrido é publicada em um jornal de grande
circulação do Rio de Janeiro. O boca a boca do que havia acontecido é que tomou conta das
rodas de conversa dos moradores do bairro e, pelos dias seguintes, o fato pela cidade se
espalhou. Assim, o bairro e a cidade ficaram sabendo do naufrágio e da façanha daqueles
rapazes. Uma aura de heroísmo tomou conta do grupo do Flamengo – que na verdade,
curiosamente, por não haver sido fundado ainda, nem existia formalmente.

36
Após passarem por aquele martírio e quase perderem a vida, o fato de terem
continuado firmes e, mais comovedor ainda, fortalecidos no propósito de fundar o grupo de
regatas, desencadeou entre as pessoas notória admiração. Os rapazes passaram por cima da
vontade dos pais que era a de que largassem aquela “aventura”. O 22 da praia do Flamengo,
após o clube ser realmente criado, não parou de receber visitas de fascinados simpatizantes.
Essa obstinação dos rapazes em continuar acreditando no seu ideal não cessou nem quando a
Pherusa – que havia sido rebocada depois do naufrágio e iria para conserto - foi roubada.
Adquiriram outro barco, a Scyra, e ao mar se puseram a buscar os dias de glória, frisa
(CASTRO, 2001).
Os primeiros anos do Grupo de Regatas do Flamengo foram difíceis. Derrotas,
vexames, resultados pífios, um desempenho nada satisfatório. A primeira vitória só viria em
1898, portanto, três anos após a sua fundação. Mesmo com contratempos e atribulações, a
crença no projeto e a esperança de dias melhores movia aquele grupo. Determinados e com
uma mente positivista, viam, em cada mínimo avanço obtido e nas escassas vitórias que
surgiriam na fase inicial, motivos para comemorar.
Importante comentar os benefícios do remo na vida social da cidade. Além de
atividade física quase que completa e de ser motivo para reunir pessoas, aprimorando assim o
convívio social, é necessário ressalvar que o esporte colaborou para derrubar o estigma que
ainda pairava na mente das pessoas sobre o banho de mar. Até a metade do século XIX, o
banho de mar acontecia somente em casos de indicação médica para combater certas doenças.
Não era uma prática de diversão e lazer. Vista como lugar impuro, a praia não gozava da
simpatia das pessoas. As regatas realizadas na Baía de Guanabara e em toda sua extensão
trouxeram em maior escala o povo para junto do mar. Em Sobrados e Mucambos, Gilberto
Freyre anota que:
As praias, nas proximidades dos muros, dos sobrados do Rio de Janeiro, de
Salvador, do Recife, até os primeiros anos de século XIX eram lugares por onde não
se podia passear, muito menos tomar banho salgado. Lugares onde se faziam
despejos; onde descarregavam os gordos barris transbordantes de excrementos, o
lixo e a porcaria das casas e das ruas; onde se atiravam bichos e negros mortos. O
banho salgado é costume recente da fidalguia ou da burguesia brasileira que, nos
tempos coloniais e nos primeiros tempos da independência, deu preferência ao
banho de rio. Praia queria dizer imundície. (1996, p. 195).
Emenda (KIDDER e FLETCHER apud LUCENA, 2001, p.25) explicitando como
ocorria o banho de mar e trazendo indicativos de que os esportes, e por associação o remo,
tiveram realmente papel de destaque na mudança de uma cultura que desprezava o banho de

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mar como divertimento. “Os banhos de mar, para além de seu caráter profilático, como um
passatempo, não teriam sido também uma ação conquistada por aqueles que estavam voltados
para a prática dos esportes? Em princípio, parece que sim”.
A praia do Flamengo dava mais ainda ao bairro a conotação de distinção e de fama
lisonjeira. Até, pelo menos, 1920, era a praia que mais atraia pessoas para o banho de mar.
Como bairro bem situado passou a ser muito procurado para a habitação por ilustres membros
da sociedade. Por outro lado, contava também com parcela considerável de artistas – na
época, vistos por certo prisma de “marginalidade”, rotulados de vagabundos e boêmios da
cidade. Era assim um lugar nitidamente heterogêneo. Por essa reunião de segmentos sociais, o
bairro estava um passo a frente de seu tempo.
Esse conceito, presumivelmente, foi incorporado ao clube de remo do bairro.
Atestando certo ar de rebeldia, lá na praia do Flamengo, moças ousadas para a época
começaram a romper com o pensamento pré-concebido de que o banho de mar seria propício
e oportuno somente em casos de finalidade terapêutica e medicinal. Entendiam não ser o mar
tão sujo assim, como era propagado. Banhavam-se em um ritual alegre, expondo - mesmo
com roupas bem comportadas para os padrões de hoje, que se ajustavam ao corpo - curvas
corpóreas que despertavam à atenção dos homens.
Quem, pela manhã cedo, das seis as oito horas, passar pela Avenida Beira-Mar, ou
por algumas das ruas transversaes (sic) que conduzem à praia do Flamengo, poderá
ver nesses trajos summarios (sic) muita senhora e senhorinha que a outra hora do dia
ficariam ruborísadas se o vento indiscreto agitasse demais a saia do seu vestido. Esse
espetáculo matinal do Flamengo é, com certeza, o mais pittoresco que o Rio offerece
aos estrangeiros, e parece que há muitos amadores desse espetáculo, a avaliar pela
afluencia dos que se debruçam na muralha do cães para assistir à sahida do mar das
nereides e sereias e contemplar aquelle outro ‘footing’, bem mais attrahente que o da
tarde e não menos frequentado. (EDMUNDO apud LUCENA, 2001, p. 117).
O Rio de Janeiro, na gestão de Pereira Passos (1902-1906), designado prefeito da
capital federal pelo presidente da República, Rodrigues Alves, passa por um arrojado projeto
de readequação urbanística ostensiva. Avenidas foram criadas, outras, alargadas; morros
desterrados, extintos; muitas casas e prédios derrubados – ação conhecida como o “bota
abaixo” -, e uma série de obras estruturais realizadas, tendo como meta a modernização da
cidade.
Não foi só o aspecto urbanístico que mereceu um plano gestor. A saúde pública
também. Um trabalho efetivo nessa área foi implementado visando a erradicação de doenças
que matavam em progressão excessiva, epidemias, como a varíola, peste bubônica, febre
amarela e a cólera. Sob o comando do sanitarista Osvaldo Cruz, o governo instaura uma

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campanha de vacinação em massa. A intenção era das melhores, mas a forma de
aplicabilidade utilizada não agradou e causou desconforto na população. Havia invasão de
casas, pessoas na rua eram vacinadas à força. Os agentes de saúde tinham ordens de vacinar
todo mundo. O rigor era maior junto aos que moravam em cortiços e nos morros. Contra a
ação forçosa do governo, manifestações pesadas espocaram. Este acontecimento, de 1904,
ficou célebre como “A revolta das vacinas”.
É durante esse período da administração de Pereira Passos que é erguida a Avenida
Central, em 1904. Em 1905, ela é aberta ao tráfego. Tiveram participação decisiva em sua
criação, o ministro Lauro Muller e o engenheiro chefe, Paulo de Frontin. A via tornou-se um
marco na cidade e permitiu o acesso da Praça Mauá até a Avenida Beira-Mar – que era a
ligação entre o Centro, contornando o morro da Viúva, no Flamengo, até chegar ao bairro de
Botafogo. Em 1912, a Avenida Central é batizada com seu nome definitivo, Avenida Rio
Branco.
No endereço da praia do Flamengo, precisamente no casarão do 22, uma turma que
não praticava nenhum esporte, ou, melhor dizendo, o “esporte” que praticavam, era sim, o das
disputas de molecagens, brincadeiras, algazarras. Eram craques em ser gaiatos. Esses rapazes
começaram a chamar a atenção e tornaram-se conhecidos. Antes de serem classificados de
qualquer coisa, eram, acima de tudo, amantes do Flamengo e da vocação do clube de abraçar
e acolher a todos.
Essa turma criou ali uma “ordem” de engajamento ao clube, chamada “República Paz
e Amor”. No início, era só o Flamengo realizar uma boa regata que a festa estava formada.
Quando o Flamengo passou a vencer regatas, aí era uma festa fora do comum que acontecia
ali. E as comemorações iam tomando conta das calçadas, formando bloco de pessoas que
arrastavam a sua alegria pelas ruas. Era o carnaval do Flamengo. Com reco-reco e tudo.
Um detalhe pitoresco. Ao lado do casarão do 22 existia um convento. E para desatino
e “tentação” das freiras, esses rapazes do Flamengo tinham o hábito de despirem-se.
Chegavam da praia ou de outro lugar que fosse e, sem cerimônia, se libertavam das roupas e
pareciam nem estar aí para o mundo. “os rapazes jogavam pelota basca na garagem, fazendo
grande algazarra [...] começaram a subir nas árvores para colher frutas, igualmente pelados”.
(CASTRO, 2001, p. 36). As freiras tinham que fazer força para não ver aqueles corpos nus.
Os vizinhos e transeuntes já conhecendo a fama do local, evitavam o olhar para dentro
do casarão. Já precavidos, sabiam que podiam ter alguma surpresa. As madres do convento
não tinham simpatia por aqueles rapazes. Faziam de tudo para evitar que as freiras tivessem
acesso àquela imagem despudorada. Era um Deus nos acuda. E não adiantava nem acionar a

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polícia que afirmava não encontrar, em suas incursões pelo 22, ninguém sem roupa. Dentre os
que frequentavam o casarão, tinha sempre alguém com ótimo relacionamento junto às
autoridades policiais.
Só que o destino se encarregou de melhorar o julgamento que se fazia daqueles
rapazes. As pessoas puderam perceber que eles possuíam um lado bom, que eram solidários.
Não era só perversão que imperava ali. A gratidão, a admiração das freiras passou a existir a
partir de um gesto nobre, efetuado na ajuda providencial que os rapazes prestaram às
devotadas cristãs. Naquele tempo, o mar chegava bem perto do convento. A praia margeava
as casas, existindo apenas como delimitação um muro de contenção e a rua. Em 1913,
aconteceu uma grande ressaca e o convento foi invadido pela força das águas. As freiras
apavoradas não sabiam o que fazer, a não ser pedir socorro. Os rapazes do 22 não mediram
esforços para ajudar as irmãs do convento.
Mas antes que os profanos bagunçassem definitivamente o sagrado coreto das freias,
o Flamengo pôde redimir-se dos pecados de seus atletas: numa das grandes ressacas
que assolaram a praia no começo do século, o convento ficou isolado pelas águas –
não esquecer que, naquela época, o mar chegava bem juntinho ao casario. As freiras
correram perigo de vida, e ninguém de fora se mexia para resgatá-las. Pois elas
foram salvas pelos remadores do Flamengo (vestidos de camiseta e calção), que as
pegaram nos braços e as levaram de barco para lugar seguro. O povo, que já
identificava o Flamengo com a alegria de seus rapazes, via-os agora também como
heróis. (CASTRO, 2001, p.36).
A turma da República Paz e Amor se metia em todas e não aliviava. A Light era a
empresa canadense de eletricidade que controlava os bondes do Rio de Janeiro. A população
tinha uma antipatia declarada à empresa. Os rapazes do Flamengo já conhecidos pelo senso
provocativo, descomedido e sem barreiras para o divertimento, ficavam durante o dia
apreciando as mulheres que embarcavam nos bondes, no ponto bem em frente ao 22.
Galanteavam a elas, sem cerimônia. Faziam brincadeiras com as pessoas e quando
encontravam um português, se deliciavam em proferir uma série de frases engraçadas e tecer
piadas sobre os lusitanos. É preciso dizer que eram mestres em fazer sarcasmo sem atraírem
ódio. Sabiam como não ser agressivos e esbanjavam a comicidade. Por isso, gozavam mais da
simpatia do que da repugnância.
Em razão desse atrevimento dos rapazes do Flamengo, que levavam a vida
mergulhados no divertimento, a empresa já ciente do que acontecia nas proximidades do
famoso endereço, decide retirar o ponto do 22. Existia uma faixa branca no poste para indicar
que ali era ponto de parada dos bondes para embarque e desembarque. Pois bem, a companhia
canadense ordenou que aquele ponto fosse desativado e mandou pintar o poste na cor

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tradicional, descaracterizando o mesmo como ponto de parada. Era só os funcionários da
Light irem embora, e a turma do Flamengo voltava a pintar de branco o poste. Diante dessa
queda de braço, a população já não sabia mais se ali era ou não ponto do bonde. Quando
estava pintado de branco, ficavam de prontidão a esperar pelo transporte que havia de parar.
No dia seguinte, já não mais com o branco, os bondes passavam direto sem parar.
Após idas e vindas, o impasse continuava. A cidade toda já havia tomado
conhecimento da arrojada posição daquela turma. A Light orientou os motorneiros a, com
faixa branca ou não, passarem direto. Uma animosidade se estabeleceu. Os rapazes do
Flamengo, então, fizeram uma barricada com cavaletes para forçar a parada dos bondes. Um
motorneiro não conseguiu frear e atingiu a barricada. Grande alvoroço fez-se no local. A
população podia ter repreendido a atitude daquela turma da República Paz e Amor. Mas, não
foi o que aconteceu. Ficaram do lado dos rapazes do Flamengo e exigiram que a Light –
chamada de “polvo canadense” - parasse com a picuinha. O ponto de parada dos bondes foi
restabelecido, e o Flamengo conquistava mais uma “vitória”, é o que nos conta (CASTRO,
2001).
O casarão do número 22, com suas instalações em anexo e sempre abarrotado de
gente, acolheu, desde os primórdios do clube, o seu torcedor. Qualquer um que fosse rubro-
negro, sem distinção nenhuma de classe social, racial, de credo, ou de outra qualquer
ideologia, recebia guarida ali. O clube cresceu, fez-se grande e permanentemente se
preocupou em ter aquele espaço não só como garagem para os barcos, como também a servir
de aposento para o seu torcedor. O sentido de acolhimento, de albergar aos que eram
apaixonados pelo clube do Flamengo, era algo bem forte. Mais tarde, o número 22 passaria a
ser o 66. Conseguindo ampliar suas instalações, pôde acolher mais pessoas. No curso de seus
anos de existência, aquele endereço, Praia do Flamengo, 22/66, foi como um coração de mãe.
Alguma coisa tipo um grande centro de assistência social rubro-negra. Do seu jeito alegre,
barulhento e festeiro, é claro.
Juntando atletas, torcedores, simpatizantes, penetras, gente que queria apenas ajudar,
ou por ele ser ajudado, o Flamengo escreveu esse capítulo digno de elogio. Até cães, foram ali
abrigados. Dos inúmeros “hóspedes” que por lá passaram, todos, criaram, cultivaram dentro
de si, um caso de amor que mesmo com o passar do tempo não se apagou. É o Flamengo,
talvez, caso único de clube que permitiu a moradia de seus torcedores em sua sede. Essa
história incomum precisa fazer-se perene, não pode ser ignorada.
Essa simbologia do local, a receptividade, sua fama de ser um espaço de algazarra e
alegria permanentes, a configuração de estar sempre de portas abertas, a reunião extensiva de

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pessoas e as histórias inusitadas que dali se revelou, tudo isso marcou, e colocou o Flamengo
em aproximação e casamento social com o carioca. O espírito despojado, malandro, a
propriedade de brincar com a vida e rir dela - e de si próprio - desenvolvida por aqueles que lá
nos primórdios fizeram da paixão pelo Flamengo o vértice de suas vidas, serviu como ímã que
trouxe para a instituição uma legião de seres desprovidos de certa “normalidade”.
Além do Café e Restaurante Lamas, que durante os primeiros anos de existência do
clube serviu como local de agrupamento de torcedores e dirigentes, outros dois pontos de
encontro do torcedor do Flamengo foram consagrados. Inclusive, vale dizer que o Lamas
existe até hoje. Com o futebol sendo o esporte de ponta e já consagrado na vida do clube, o
Café Rio Branco serviu de reduto rubro-negro para discussões sobre futebol e outros esportes.
Por lá, imperava a junção de torcedores e cartolas que se acabavam em discussões homéricas
sobre os destinos do clube. Aquela turma vivia o Flamengo 24 horas por dia e a ele se
entregavam por inteiro. O outro ponto, a Confeitaria Colombo, local tradicionalíssimo da
cidade, que na década de 1940, diariamente, era invadida por um grupo de intelectuais,
artistas, escritores, empresários, comandados por José Lins do Rego, que se reunia para
conversar sobre o Flamengo, também muito se associou ao clube.
Esse grupo por manter proximidade com a vida política do clube e por seus integrantes
serem atuantes personagens, sempre ouvidos nas decisões tomadas por dirigentes, traçava,
vislumbrava, articulava caminhos para o sucesso permanente da instituição. Por vezes, esse
grupo demonstrou ter peso para indicar jogadores a serem contratados, e os que deveriam ir
embora do clube. Expressando, verbalizando todo o seu amor ao Flamengo em acalorados
bate-papos, ficaram conhecidos como os “Dragões Negros”.
Foi em 1911, bem ao findar do ano, que o futebol passou a fazer parte do estatuto do
clube. E isto ocorreu em decorrência de uma debandada dos jogadores do Fluminense que
haviam sido campeões invictos daquele ano. Nove jogadores, insatisfeitos com decisões
tomadas pela direção – o chamado Ground Committeé - e, inconformados ferrenhamente com
a barração de um jogador, Alberto Borgerth, líder e capitão do time, deixariam as cores
tricolores. Os jogadores honraram a camisa do Fluminense. Pactuaram que ganhariam o título
e depois iriam fundar um novo clube. Borgerth, o pivô de tudo, que mantinha relação curiosa
com os dois clubes, dá o veredicto: deveriam criar uma seção de futebol no Flamengo. Essa
decisão foi tomada em 24 de dezembro de 1911.
Em reuniões sucessivas, várias ideias teriam surgido, entre as quais a de fundar um
novo clube. Mas a tese vencedora, proposta por Borgerth, foi a de que eles criassem
uma seção de futebol no Flamengo (...), havia uma aproximação entre os dois
clubes: vários daqueles jogadores já eram sócios e torcedores do Flamengo no remo

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– ao passo que os remadores do Flamengo torciam pelo Fluminense no futebol.
Quem não se empolgou de saída com a ideia foi o próprio Flamengo, que, como
todo clube de regatas, não queria se misturar com o futebol. O futebol era elite, não
se esqueça, e o Flamengo já era um clube popular. Mas a presença de Borgerth foi
decisiva: além de craque do futebol, ele era patrão de remo – e patroava as
guarnições do Flamengo. Por causa dele, na noite de natal de 1911, o Flamengo
aceitou criar não apenas a seção de futebol, mas todo um departamento de esportes
terrestres – o primeiro clube de regatas a ter feito isso. Hoje se especula se Borgerth
não teria premeditado tudo: rubro negro de coração e tricolor por circunstâncias, ele
poderia ter insuflado a crise no futebol do Fluminense para transferi-lo para o
Flamengo. Seja como for, deu certo. (CASTRO, 2001, p.45).
A primeira partida do time de futebol ocorre em 03 de Maio de 1912, no campo do
América Futebol Clube, situado à Rua Campos Sales. Vitória sobre o Mangueira por 16 x 2.
Este é o placar oficial, entretanto, o pesquisador (ABINADER, 2010) defende que o placar foi
na verdade 15 x 2. Sob a alegação de não existirem súmulas daquele período para se
pesquisar, diz que, o único meio de verificação do placar real é a checagem dos jornais da
época. Explica o pesquisador que os jornais fizeram uma confusão danada envolvendo o
placar final da partida. E que o Jornal do Comércio, único a detalhar o jogo, gol a gol, atesta o
placar: Flamengo 15 x Mangueira 2.
A implantação do futebol do Flamengo não gozou da simpatia do pessoal do remo.
Para explicitar essa visão meio enviesada do pessoal do remo com o futebol, vale a pena citar
a exigência feita. O uniforme do futebol tinha de ser diferente do utilizado pelo remo. O
primeiro uniforme do futebol foi o chamado “papagaio de vintém”, com quatro grandes
quadrados nas cores, vermelho e preto. O segundo, com as mesmas cores, além de um
pequeno friso branco, em listras horizontais, batizado de “cobra coral”. Só em 1916, depois
do bicampeonato do futebol, em 1914 e 1915, o uniforme oficial usado pelos remadores,
listras vermelhas e pretas, em horizontal, sem o friso branco, seria permitido ao futebol.
E como seria o primeiro confronto entre o – de certa forma - criador e criatura? Isso
no âmbito do futebol, deixar claro. Flamengo e Fluminense jogaram pela primeira vez em 07
de julho de 1912, no campo do Fluminense, na Rua Pinheiro Machado, em Laranjeiras. Era
muito aguardada a partida, visto que, o time do Flamengo era composto de jogadores que
meses antes haviam deixado o clube das Laranjeiras, como campeões da cidade. E o time do
Fluminense estava desfigurado, com vários jogadores aspirantes. Pela lógica então, o
Flamengo era o favorito. Mas aí a mística do clássico nasce para nunca mais se apagar.
Conhecido como o mais charmoso do Brasil, tem nesse confronto inicial,
surpreendentemente, a vitória tricolor. Fluminense 3 a 2.

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O primeiro Fla-Flu não era Fla-Flu. Só muito mais tarde é que Mário Filho inventou
e promoveu a abreviação. O Flamengo fez tudo, tudo para ganhar este primeiro jogo.
Outro dia, conversei com um velho torcedor, mais velho que o século. E ele, falando
fino e baixinho (como uma criança que baixa numa tenda espírita), contou o que foi
o nascimento do maior clássico do futebol brasileiro. O Flamengo era o time
campeão do Fluminense, sem Osvaldo Gomes. Parece que, na partida, o futebol era
um detalhe irrelevante ou mesmo nulo. Os dois times davam a sensação de que
jogavam de navalha na liga. E, no entanto, houve um cínico e deslavado milagre: -
ninguém saiu de maca, ninguém saiu de rabecão. Mas nunca se vira, em campo de
futebol, ferocidade tamanha. E o Fluminense venceu. Vejam como, histórica e
psicologicamente, esse primeiro resultado seria decisivo. Se o Flamengo tivesse
ganho, a rivalidade morreria, ali, de estalo. Mas a vitória tricolor gravou-se na carne
e na alma flamengas. E sempre que os dois se encontram é como se o fizessem pela
primeira vez. (RODRIGUES apud MARON FILHO e FERREIRA, 1987, p. 24).
Em 1920, o primeiro ano de conquistas conjuntas do remo e do futebol nos respectivos
campeonatos estaduais. O clube passou a ser chamado de “campeão de terra e mar”. O remo
continuava coroando a instituição com grandes realizações. E em uma dessas, de proporção
bem acentuada, o clube se via novamente envolvido em moldura de pomposa formatação
heroica. A travessia Rio-Santos reafirmou a vocação do clube para grandes feitos. Encarar o
mar por dias, tendo uma embarcação que não era nenhuma maravilha e imprópria para tal
feito, foi encarado por muitos como uma coisa de louco. Nesse fato, descrito a seguir, está
presente a inabalável intrepidez dos atletas rubro-negros.
[...] os remadores do Flamengo continuavam capazes das proezas mais
surpreendentes. Em janeiro de 1928, dois deles fizeram o então impensável: a
travessia Rio-Santos, a bordo de uma baleeira. Os remadores eram João Segadas
Viana, diretor de regatas do clube e já então com mais de quarenta anos, e o jovem
Antônio Ribeiro, filho do escritor João Ribeiro. A travessia levou nove dias, dos
quais 92 horas remando. Mas, na chegada a Santos, eles foram aclamados pelos
paulistas. A polícia do porto carioca achou aquilo uma loucura e proibiu que
façanhas de gênero fossem tentadas de novo. E, então, em janeiro de 1932, num
lance quase suicida, outros três remadores do Flamengo – Angelu, Boca Larga e
Engole Garfo – anunciaram que iriam do Rio a Santos numa iole. O desafio agitou a
cidade, e a polícia prometeu agir. No dia e no horário marcados para a largada, ela
cercou a praia do Flamengo, para decepção da massa que, horas antes, já se
concentrava para assistir. Os remadores tapearam a polícia e saíram da praia do
Leblon, direto em mar aberto. Durante os primeiros dias e noites, a iole (não por
coincidência chamada Flamengo) foi considerada perdida. Sem comunicação com
eles, achou-se que Angelu, Boca Larga e Engole Garfo podiam estar morrendo. O
jornal dos sports, lançado naquele ano pelo jovem Mario Filho, soltava várias
edições diárias sobre o heroísmo dos atletas. [...] dias depois, quando a iole do
Flamengo chegou a Santos com todo mundo vivo e apenas três horas de atraso em
relação ao tempo previsto, podia-se ouvir o país respirar aliviado. Mais uma vez, os
remadores do Flamengo foram aclamados em Santos e, de volta ao Rio pelo
cruzador Bahia, desfilaram em carro aberto pela avenida Rio Branco. (CASTRO,
2001, p. 65-67).
O futebol do Flamengo – que completou 100 anos de atuação, em 2012 - escreveu
capítulos deveras representativos na história do clube e é para o seu torcedor o mais gostoso

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alimento. E de onde vem esse amor transbordante pelo Flamengo? Um dos fatos que talvez
mais ajude a entender essa coisa do Flamengo de “ser de todos”, de ter um gigantesco número
de pessoas que o acompanham, seja o evento que remete à falta de campo para treinamento
que o clube enfrentou na implantação do futebol em seu quadro esportivo. Dessa adversidade,
brotou uma coisa excepcional. As pessoas se aproximaram do clube, se sentiram parte dele.
Queriam acompanhá-lo sempre.
Existia uma praça próxima à praia do Russel. E foi nessa praça que o rubro-negro
passou a treinar. Lugar aberto, proximidade com as pessoas, era assim, nessas condições, que
o clube se preparava para os jogos e as pessoas adoravam aquele contato. “O Flamengo foi
quase que compelido a ir para a rua, a espalhar-se”. (RODRIGUES FILHO, 1966, p.13). O
pretinho da favela, o bem vestido e educado menino de família rica, os estudantes de
instituições públicas e privadas, o jovem e o idoso, todo o tipo de gente, frequentava as praças
públicas da cidade. Era um local democrático. Se na praça tivesse um campo de futebol então,
aí a aglomeração era pra valer. E tendo que treinar em uma praça pública, o Flamengo se
sentiu abraçado por todos.
Uma vez Alberto Borghert me disse que a popularidade do Flamengo viera dos
treinos do campo do Russel. A prefeitura mandara fazer um campo de futebol, com
gramado, balizas e tudo, no Russel. Aquele campo dava uma ideia da importância
que adquirira o futebol. Era um campo mais para a garotada e não era o único –
peguei um em Copacabana, ao lado do túnel, antes da Rua Barata Ribeiro – e não
para um time de primeira divisão, como o Flamengo. Mas o Flamengo não tinha
campo ainda e era obrigado a treinar em praça pública. [...] os jogadores saíam do 22
[...] onde mudavam de roupa, e vinham pela calçada, as chuteiras rangendo no
cimento, até o campo do Russel. A garotada acompanhava o time [...] para Alberto
Borghert, ali estava a explicação de tudo. Assim, a falta de campo fez o Flamengo
misturar-se com o povo, aproximar-se dele. Os garotos, em busca de ídolos,
encontravam-nos bem à mão, o campo do Russel. Podiam tocá-los, com os dedos
tímidos, podiam devolver-lhes as bolas [...] e haviam de contar em casa, na escola,
que conheciam o Neri, que tinham batido nas costas do Amarante, que tinham
apertado a mão do Baiano. (RODRIGUES FILHO, 1966, p.12).
Observem as características originárias dos clubes cariocas. O Fluminense é o símbolo
da aristocracia e tradição; o Vasco tem laços históricos com a colônia portuguesa e seus
abundantes e opulentes comerciantes; o Botafogo não é oriundo nem da aristocracia,
tampouco da elite, nem das camadas popularescas. Sua identidade é vaga, enigmática e de
latente configuração. Já o Flamengo e seu torcedor têm ramificações diversas e bem
preenchidas. Apresenta-se como clube de desmedido atrevimento, de vibração incontida,
juvenilidade permanente, de senso libertário, e de coragem, acentuados. Sabendo transitar
entre o viés elitista e o popular desenvolveu estratégias para se jogar nos braços de qualquer

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mortal. Carregando essas particularidades, deixou-se amar por gente de qualquer variação
existencial. Por isso, gerações não param de admirar o clube.
O crescimento de sua torcida em todo o território nacional foi pensado e trabalhado
por alguns dirigentes. O olhar para fora do Rio de Janeiro era constante. Não bastava ter
somente o carioca ao seu lado, o Flamengo sempre quis o Brasil. Seria mais ou menos a coisa
de ter o maior número de pessoas felizes por fazerem parte daquela “Nação” que dava certo.
A partir da década de 1930 o desenvolvimento da torcida deslancha. Foi nesse período que o
clube começou a trabalhar efetivamente visando atingir e conquistar as grandes massas. De
maneira exitosa, o Rádio também foi instrumento de suma importância no desenvolvimento
da torcida rubro-negra país afora. Pelas “ondas sonoras”, o nome Flamengo foi propagado e
atingiu, pela extraordinária aptidão do veículo de comunicação para alcançar cada pedacinho
do Brasil, o coração de milhões de brasileiros.
O ponto de partida para esta busca é a descrição do espírito de juventude que fundou
a República Paz e Amor, na praia do Flamengo, um ato imerso em um sentimento
jovial de uma república recém-proclamada no Brasil. Aquele espírito malandro
ganhou a simpatia dos cariocas e ali fincou a sinergia com a multidão, já nos
primórdios do clube. O Rio de Janeiro, que naqueles tempos era forjado como
espelho da brasilidade, projetou essa paixão para todos os cantos do território
brasileiro e o fez de uma forma que nenhuma outra paixão nacional até os dias de
hoje experimentou. [...] Entre 1936 e 1950 o clube solidifica seu apela popular e
mexe com as paixões em nível nacional. Inicialmente, por conta de um bem
arquitetado plano estratégico para se tornar o maior do Brasil. Eram tempos em que
os jogadores argentinos constituíam figurinhas repetidas dentro de campo no
Flamengo, e havia treinador europeu no banco de reservas. O espírito rubro-negro
fervia desde o Café Rio Branco até a Confeitaria Colombo. O Flamengo não era a
elite rica, nem classe média, nem a camada mais pobre. O Flamengo não
representava a zona sul, apesar de estar nela, e jamais foi zona norte. Mas o
Flamengo tocava no espírito do Rio de Janeiro – carnavalesco, malandro, descarado,
libertino – e com isso penetrou a elite rica, a classe média, a massa, o povão, da zona
sul à zona norte. Conquistou o Rio inteiro. A cidade que era a capital federal, que
era onde se encontravam os representantes de todos os estados do país, que era o
berço do samba, a pérola do Atlântico, onde Hollywood vinha passar suas férias. A
alegria festiva das arquibancadas, que a torcida rubro-negro, desde os primórdios,
fazia como ninguém, correu o Brasil pelas ondas do rádio, fazendo brasileiros de
todos os cantos fantasiarem aquela festa que não era tão comum em seu cotidiano.
(PEREIRA, 2010, p. 10-11).
A classe social menos favorecida, discriminada historicamente pela sociedade, se
aproximou do Flamengo porque encontrou no clube, através do comportamento despojado
daqueles personagens da fase inicial, de suas bagunças sadias e das travessuras de estudantes
que se permitiam estar na rua, junto do povo, afastando qualquer barreira social, certa ligação.
Habitando os afastados e pobres subúrbios, as favelas, em profusão pela cidade, e os rincões
de pobreza, essa gente esquecida, aspirava ascender socialmente, enxergando na irreverência
– qualidade inerente ao clube - uma forma eficaz de sair da invisibilidade.

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O torcedor do Clube de Regatas do Flamengo acostumou-se a ver o clube em ebulição
permanente, porque lá tudo é mais possante e aceso. É certo que nem só de alegrias são os
dias do seu torcedor. Nas derrotas, a dor é aguda, o sofrimento pesado. A gozação vem em
carga descomunal. No Flamengo se aprende que é preciso encarar as turbulências, os apuros e
apertos, confrontando-os com firmeza, e pondo em prática nesses momentos sua infalível
estirpe de sobrepujar com garra impetuosa todas as dificuldades.
E o Flamengo é muito mais que o futebol. Sempre foi referência em esportes variados.
Remo, Natação, Basquete, Vôlei, Judô, Atletismo, Esgrima, Bocha, Polo aquático, Nado
Sincronizado, Tênis, Futsal, Ginástica Artística, Tiro, Futebol de areia, Futevôlei. Hoje em
dia, praticamente imbatível no novo esporte, o “showbol” – que reúne ex-jogadores de futebol
em campos reduzidos de grama artificial. Dando os primeiros passos, já com sucesso, no
“Futebol Americano”, enfim. O Flamengo é um clube esportivo forte, consolidado,
referencial, que sempre teve no seu quadro e, especialmente, se preocupou em revelar,
esportistas de destaque para o cenário esportivo brasileiro. Por participação efetiva em várias
modalidades esportivas, conseguiu chegar às pessoas, que simpatizavam e tinham predileção
por outros esportes, que não o futebol, cativando-as, e aflorando a admiração delas pelo clube.
Em 1936, o clube começou a construir o seu estádio no bairro da Gávea. Foi na gestão
de José Bastos Padilha. Até então, havia sido um clube sem um campo próprio para jogar.
Teve, cedido pela família Guinle - tradicional família da sociedade carioca, declaradamente
tricolor - o campo da Rua Paissandu, durante o período de 1915 a 1932. Mas, não tinha aquela
coisa de ser seu, de ter construído. Jogou como mandante no campo do Botafogo, em General
Severiano; no do Vasco, em São Januário; em Laranjeiras, do Fluminense; em Campos Sales,
do América.
Desde 1926, o Flamengo corria o risco de ser despejado pela família Guinle da Rua
Paissandu. O presidente rubro-negro, Faustino Esposel, começou uma campanha entre os
sócios para aquisição de dinheiro visando à construção de um estádio. A prefeitura do Rio de
Janeiro ajudou também e indicou, “emprestou”, um terreno na chamada, “Freguesia da
Gávea”. Houve resistência dos sócios para a construção do estádio naquele local e, por esse
motivo, a obra demorou a ser iniciada.
Contrariando algumas pessoas que acreditavam ser aquela região totalmente
inadequada para se erguer um estádio, visto que, não existia quase nada por ali - era
conhecido como o areal da Gávea -, José Bastos Padilha bancou o projeto. Queria mostrar que
o Flamengo muito traria de contribuição para o desenvolvimento daquela região,

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compreendida pelos bairros da Gávea, Leblon e Lagoa, e que teria bônus consideráveis no
futuro. A inauguração ocorreu em 1938, em partida contra o Vasco da Gama.
Estando presente na galeria dos grandes presidentes da história do clube, José Bastos
Padilha, além da construção do estádio da Gávea, trabalhou inteligentemente para alcançar as
grandes massas, expor o nome Flamengo como sinônimo de brasilidade. Empreendeu, em
1937, ação de grande ousadia que proporcionou ao futebol brasileiro se modernizar. Relata
(CASTRO, 2012) que trazendo da Europa um treinador húngaro que era a sensação por lá -
Dori Kruschner - uma revolução na forma de se jogar veio a ocorrer. Ele, Kruschner,
introduzindo conceitos inovadores como o esquema “WM” – três zagueiros, dois médios de
apoio, dois meias de ligação, e três atacantes - e os treinamentos táticos, era a síntese da
modernidade no futebol. Por ser tão revolucionário, não foi bem compreendido. E também
por ter mudado a posição de jogo do jogador, Fausto, um dos grandes nomes do time, a
torcida não o aceitou por muito tempo.
Percebido, admitido como o presidente que se esforçou em tornar o clube “o mais
popular”, o time com a cara do povo brasileiro, Bastos Padilha, queria conquistar o torcedor
de todo o território nacional. Em uma estratégia ousada levou para o clube, jogadores mulatos
e negros em larga escala, tendo como pilares, Domingos da Guia (Divino Mestre), Fausto
(Maravilha Negra) e Leônidas da Silva (Diamante Negro). Os maiores jogadores do futebol
brasileiro na época. Em 1937, Waldemar de Brito, o homem que no futuro descobriria Pelé,
também chegou.
José Bastos Padilha pode ser percebido como um visionário, um homem
empreendedor, focado e obstinado em tornar o clube cada vez maior, com admiradores aos
montes por todas as partes do país. Juntamente com ele, outros presidentes, como, Fadel
Fadel, Gustavo de Carvalho, Faustino Esposel, Hilton Santos, Márcio Braga – o que
conquistou os títulos de maior expressão – e, certamente, o mais fervoroso entre todos,
Gilberto Cardoso, todos esses, tomaram assento na galeria de grandes dirigentes do Flamengo.
Gilberto Cardoso morreu pelo Flamengo: enfarte fulminante aos 49 anos, causado
pela alegria de uma vitória rubro-negra no último segundo. E não de uma vitória no
futebol, mas no basquete. Mas assim era Gilberto Cardoso: não havia competição
em que tomasse parte um atleta do clube a que ele não estivesse presente. Vivia o
remo, o basquete, vôlei, a natação, a esgrima, o tiro, o judô, o atletismo, a ginástica
olímpica e todos os esportes amadores do Flamengo tanto quanto o futebol. [...] Para
ele, que era médico, não havia atleta insignificante no Flamengo: era capaz de sair
de casa de madrugada, com chuva, para socorrer um infantil da esgrima que desse
um espirro na véspera de uma competição. O basquete era um dos orgulhos do
Flamengo nos anos 50. Sob o comando do treinador Kanela [...] seria decacampeão
carioca e base da seleção que conquistaria os primeiros títulos internacionais. Mas
Gilberto não viveu para ver esse deca do basquete, nem o hexa, nem mesmo o tetra.
Morreu exatamente na final do tri, no Maracanãzinho, na partida contra o Sírio-

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Libanês, quando o Flamengo foi campeão por um ponto, com a cesta da vitória
tendo sido marcada no último segundo. De certa forma, aquele foi também o último
segundo da vida de Gilberto Cardoso. A bola caiu, a torcida explodiu, e o seu peito
junto com ela. Morreu pouco depois, no pronto-socorro, ao lado do padre Góes e de
d. Helder Câmara, outro padre rubro-negro. No dia seguinte, os profissionais e
amadores do Flamengo choraram no seu sepultamento – que o clube teve de pagar,
porque a família de Gilberto (acredite ou não) não tinha dinheiro. O Maracanãzinho
e uma rua do Leblon, perto do clube, têm desde então o nome de Gilberto Cardoso.
(CASTRO, 2001, p. 128-129).
Ao lado do estádio da Gávea, existiu uma favela com a qual o Flamengo conviveu
durante um bom tempo. A favela da Praia do Pinto interferiu positivamente na relação clube-
torcida. Era um orgulho para a comunidade ter no seu quintal o estádio do Clube de Regatas
do Flamengo, “o mais querido do Brasil” e celeiro de grandes craques. Da mesma forma, o
Flamengo mantinha um elo sadio com aquela gente humilde. Se fosse outro clube, não teria
aceitado a doação daquele terreno em lugar considerado como “um areal de fim do mundo”,
cercado pela favela, que se constituía como uma das maiores do Rio de Janeiro de então.
Dessa proximidade, algum fator pode ter vindo a contribuir para a aproximação, ainda maior,
do Flamengo ao lema de ser ele, um clube do povo.
A favela da praia do pinto conviveu com a rotina do clube rubro-negro até o final de
1960, quando um plano de urbanização da cidade do Rio de Janeiro que previa a remoção de
favelas e o encaminhamento de seus moradores para regiões mais afastadas, deu fim à vida
daquela comunidade. Além dessa intenção governamental, um incêndio, com causas
discutíveis, suspeito, posto em via de propositalidade, forçou as famílias a deixarem o lugar.
O título de “o mais querido do Brasil” que sua torcida abraçou, teve início de uma
forma que põe em evidência o ar de malandragem e senso de irreverência, inerentes ao
carioca, e por associação, ao rubro-negro, que tornou a conquista dessa alcunha ainda mais
saborosa por ter envolvido um rival histórico. (PEREIRA, 2010), conta que o Jornal do Brasil,
em 1927, realizou um concurso para saber qual era o clube de maior torcida, Vasco ou
Flamengo? Esse concurso foi patrocinado por uma prestigiosa empresa, a água mineral
Salutaris. O vencedor conquistaria a taça Salutaris e seria celebrado como “o mais querido do
Brasil”. Os torcedores teriam de depositar os rótulos do produto - preenchidos com o nome do
time para o qual torciam - na sede do jornal.
Vale enfocar que nesta época, esses concursos tinham participação massiva da
população e eram divulgados amplamente. O Vasco possuía torcida muito volumosa e os
comerciantes portugueses, com bom poder aquisitivo, se mobilizaram. Enchiam sacolas e
mais sacolas com os rótulos e tinham a certeza de que sairiam vitoriosos. Os rubro-negros
tiveram uma ideia surgida a partir de sua característica de criatividade, de mente tão

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inventiva, já conhecida de todos. Disfarçaram-se de portugueses vascaínos, usando peças de
roupa que remetiam ao time da cruz de malta e utilizando até mesmo o sotaque luso. Se
posicionaram em pontos estratégicos e, no mais estratégico de todos, em frente à portaria do
jornal a recolher as sacolas que os portugueses levavam aos montes. Fingiam ajudar.
Recolhiam as sacolas e, sorrateiramente, despejavam os votos vascaínos nos vasos
sanitários, no poço dos elevadores, enfim, davam sumiço nas cédulas que apontavam a
escolha pelo Vasco. No final, o resultado: o Flamengo vence esmagadoramente. Pelo
revestimento que tomou conta da vitória rubro-negra - o uso da picardia –, um carnaval
invade a cidade. Já para os vascaínos, revolta. O Vasco denunciou o jogo sujo que havia
ocorrido, mas, estava sacramentado: Flamengo, o “mais querido do Brasil”. Essa armação, ao
invés de pesar negativamente, contribuiu para o aumento da popularidade do clube. As
pessoas viam nisso ares de imaginação fértil, astuteza, jeito arteiro e matreiro de ser do rubro-
negro, que assim, se vingava das artimanhas vascaínas na prática do “amadorismo marrom”.
Uh! Uh! Uh! Flamengo é urubu! Com esse grito pejorativo, os torcedores dos outros
times se acostumaram a rotular o rubro-negro. E o torcedor do Flamengo nem aí para tal
zombaria. Exerciam a sua alegria e a reverberavam em seus cânticos incessantes. Exercendo
criatividade em todos os instantes, chega o dia em que, orgulhosamente, a torcida vem a
assumir esse apelido definitivamente. O urubu passa a ser o seu mascote.
‘Urubus’, era assim que as torcidas rivais chamavam os torcedores do Flamengo na
década de 60. O termo era ofensivo e fazia alusão à grande maioria de adeptos
rubro-negros serem afro-descendentes e pobres que compunham a torcida. Mas esse
tabu acabou num domingo, 1 de junho de 1969, frente ao botafogo no maracanã. O
flamengo não vencia o rival há quatro anos. Nas arquibancadas a torcida do
botafogo gritava, como sempre, palavras ofensivas contra o time dos ‘urubus’. O
flamengo já não vencia o botafogo há nove jogos. Até que os torcedores Luiz Otavio
Vaz, Romilson Meirelles e Victor Elerry resolveram levar um urubu verdadeiro para
o estádio e soltá-lo na arquibancada com uma bandeira rubro-negra nas patas. O fato
provocou risada entre os torcedores rivais, mas o resultado final favorável ao
mengão, 2 x 1, quebrou o tabu e fez com que o urubu tomasse o lugar do Popeye
como mascote do Flamengo. (PEREIRA, 2010, p. 183).
O Flamengo, com o advento do profissionalismo no futebol, a cada início de
temporada, passou a fazer com mais frequência excursões pelo país, e também ao exterior. E
olhem que as viagens duravam dias, semanas, quase sempre por mar. O time principal
colocava-se a realizar jogos de exibição onde quer que fosse. Um time de reservas, mesclado
com jogadores amadores, representava o clube no início do campeonato estadual. Esta ação de
excursionar, assim como, a transmissão dos jogos do time, através da mídia de comunicação,
o rádio, e sua capacidade espantosa em atingir públicos distantes, e a Rádio Nacional, mais

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especificamente, com sua abrangência em quase todo território brasileiro, contribuíram para
que o Flamengo viesse a ser mais e mais conhecido e admirado.
Em 1926, bem no findar daquele ano, um episódio envolvendo a ajuda do Flamengo a
um tradicional coirmão da capital paulista, o Paulistano, já mostrava o forte apelo popular do
clube rubro-negro. O Paulistano, insatisfeito com o amadorismo marrom, presente também no
futebol de São Paulo, bateu de frente com a Associação responsável pela organização do
campeonato paulista. Por esse comportamento, foi punido. Deveria ficar sem jogar. O
Flamengo abriu suas portas, disponibilizou o seu campo para que o Paulistano realizasse
amistosos. E, por ser solidário, foi castigado pela Associação Metropolitana de Esportes - o
caso chegou até a CBD (Confederação Brasileira de Desporto) - que alegou ter o Flamengo
agido de forma errada por ter interferido na decisão de outra federação. Veredito: exclusão do
Flamengo das competições oficiais.
Devido à participação da sociedade, a punição direcionada ao clube, que duraria 1 ano,
foi derrubada. Houve clamor popular pela participação do rubro-negro no campeonato
carioca. Não sendo possível conter o avassalador apoio popular ao clube, o veto caiu. Pelo
fato de ter dispensado seus jogadores, no momento inicial da punição imposta, o Flamengo
ficou sem time para disputar o campeonato. Relevante, impressionante surpresa foi ver gente
aos montes se prontificando a servir ao Flamengo.
Com um time fraco, inexperiente, montado às pressas, até com ex-jogadores, já
aposentados do futebol, o inacreditável aconteceu. Vitória após vitória, o título veio. Só Deus
sabe como. É desse evento, da campanha surpreendente e magistral realizada pelo clube, que
surge a mística da camisa rubro-negra, “o manto sagrado”, a camisa que joga sozinha. “Onze
cabos de vassoura, com a camisa do Flamengo vermelha e preta, ganhariam o campeonato da
mesma forma”. (RODRIGUES FILHO, 2003, p.154). Pereira faz sua observação.
Em 1927 o Flamengo viveu o primeiro grande exemplo de superação no campeonato
carioca. A história começa em São Paulo. Uma briga entre o clube Athletico
Paulistano e a Associação Paulista de Sports Athleticos resulta no afastamento do
clube do campeonato paulista. O Flamengo resolve ajudar o Athletico Paulista
disponibilizando o seu campo, na Rua Paysandu, para que o clube possa realizar
amistosos contra equipes argentinas. Mas a Associação Metropolitana de Esportes
Athleticos resolve punir os rubro-negros com o afastamento do campeonato carioca,
considerando que o clube interferiu na decisão de outra Associação. Vários
importantes jogadores, temendo a possibilidade de ficarem sem jogar, abandonam o
Flamengo. A superação começou aqui: a justiça popular encarregou-se de recolocar
o Fla na disputa do campeonato carioca e o técnico Juan Bertoni iniciou a heróica
missão de reconstruir o time. Jogadores veteranos como Nonô ou Moderato juntam-
se aos reforços Angenor ou Rubens e ao recém-promovido Flavio Costa. Renascido
das cinzas, o flamengo conquista o campeonato através de uma campanha heroica.
Ficou célebre a história de Moderato que, operado (...) a uma apendicite, jogou a
partida decisiva frente ao América com uma cinta no abdômen e ainda marcou o gol

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da vitoria (2 x 1) que deu o título de campeão carioca de 1927. (PEREIRA, 2010, p.
20).
Ao se falar sobre a torcida do Flamengo, um torcedor símbolo vem à tona. Jayme de
Carvalho. Esse baiano que chegou ao Rio, em 1927, ainda adolescente, tomado de fascínio
pela cidade, da terra de São Sebastião nunca mais sairia. Mesmo com as dificuldades iniciais,
sentia-se acolhido na cidade. Jayme foi vendedor de bala no trem e mascate. Anos depois, iria
conquistar um lugar no serviço público. Alcançaria destaque, pra valer, como torcedor. Foi o
torcedor “oficial” do Flamengo e da seleção brasileira durante anos.
Logo que chegou ao Rio de Janeiro se aproximou do remo, esporte que já praticava.
Todavia, o seu esporte predileto era o futebol. Torcia pelo Fluminense. Um acontecimento
revelador com aspecto de segregação o fez mudar de time. Jayme havia ido ao estádio das
Laranjeiras, acompanhar o treino do tricolor. Foi barrado e percebeu que isto havia ocorrido
porque era mulato e pobre. Sendo clube aristocrático da cidade, o Fluminense tomava
algumas medidas no sentido de controlar com rigor o acesso às suas dependências. Jayme se
sentiu humilhado. Atravessou a rua e foi para o campo da Rua Paissandu, ali bem perto, onde
treinava o Flamengo. Diferentemente do Fluminense, o Flamengo treinava bem à vista do
povo, em aprazível estádio cercado por palmeiras. O acesso era liberado a qualquer um. A
partir daquele dia, ao Flamengo se doaria por inteiro.
Contrai matrimônio, em 1936, com Laura e, no mesmo ano, passa a ser sócio atleta do
clube, praticante do remo. Em 10 de outubro de 1942, durante almoço em sua casa, ao qual,
tinha convidado um grande amigo, também torcedor do Flamengo, Jayme teve uma ideia.
Queria ajudar o time de alguma maneira. No dia seguinte, o Flamengo decidiria o título
carioca contra o Fluminense, nas Laranjeiras. Bastava um empate ao rubro-negro para ser
campeão. E o que fez Jayme? Comprou duas faixas grandes; uma vermelha, a outra, preta.
Pediu para a esposa costurar as duas, juntando-as. E pintou em branco os dizeres, “Avante
Flamengo”. Depois do jogo, o plano seria pular, ele e seu amigo, para dentro do campo,
comemorando o título, relatam (CRUZ & AQUINO, 2007).
Fizeram tudo o que foi planejado. Chegando ao estádio, abriram a faixa bem no meio
da torcida. Cada um segurou em uma ponta. Os presentes ao estádio começaram a reclamar
sem entender muito bem aquilo que estava acontecendo. Ninguém tinha visto nada parecido.
Não existia essa coisa de faixas e bandeiras nos estádios. Cedendo à pressão, decidiram
pendurar a faixa no gradil. O Flamengo sagrou-se campeão. Invadiram o campo e deram a
volta olímpica segurando a faixa. Das sociais do Estádio das Laranjeiras, surgiram os

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primeiros aplausos. Os jogadores campeões saíram correndo atrás de Jayme e de seu amigo. O
presidente do Flamengo, então, chamou os dois para organizarem a primeira torcida oficial do
clube rubro-negro.
Honrado, aceitou o convite. A torcida organizada foi ganhando adeptos. Jayme queria
continuar inovando. Como gostava muito de música, resolveu reunir alguns amigos músicos
para tocar instrumentos como clarim, trompete, pistom e tambor, durante os jogos do
Flamengo. Iam para o estádio com a camisa do clube – na época, ainda era habitual todos
irem aos estádios em trajes finos – e se colocavam atrás da baliza do adversário, atormentando
a vida dos goleiros.
Como não eram músicos profissionais, desafinavam com frequência, o que rendeu o
título e nome definitivo de Charanga. Batizada assim pelo célebre compositor e radialista,
rubro-negro roxo, Ary Barroso, a Charanga era um foco de animação. “Meu amigo, isso não é
um conjunto de música nem aqui nem no caixa-prego. Isso mais parece uma charanga”
(BARROSO apud CRUZ & AQUINO, 2007, p.35). Essa charanga transformou-se na
Charanga do Jayme e fez história. Foi a primeira torcida organizada e uniformizada do Brasil.
Modelo exemplar!
Jayme de Carvalho adotou algumas práticas que tiveram significação acentuada e
serviram para aproximar torcida e jogador. Atraiu a simpatia dos jogadores, comissão técnica,
dirigentes, de torcedores. Seu lema era o de incentivar o time o tempo todo, sem parar, e,
particularmente, os jogadores que estivessem mal. Reprimia os palavrões e o uso de fogos de
artifício dentro dos estádios. Criou um sentimento de fraternidade no convívio entre
torcedores do clube ao propagar que: “onde se encontrasse outro rubro-negro, ali, terias um
amigo”.
Foi a algumas copas do mundo como o representante oficial da torcida brasileira. Em
1950, durante toda a copa do mundo do Brasil, embalou a alegria do povo brasileiro no
Maracanã. No dia da decisão do campeonato mundial - dia trágico pela inesquecível derrota
para o Uruguai -, lá estava Jayme, e, no final da partida, aos prantos, teve forças para
conseguir convencer pessoas atônitas e angustiadas diante daquela derrota fatídica a não
fazerem besteiras. A vida tinha de continuar.
Incutiu ideias de solidariedade, respeito, união, organização, dentro do ato de torcer.
Era admirado, respeitado por todos os torcedores adversários porque os enaltecia e nunca a
eles faltou com respeito. Durante 33 anos, o servidor federal, agente de portaria, se dedicou ao
Flamengo. Nunca usou o clube para conseguir nada. Pelo contrário, usou sua vida para dar
tudo o que de mais precioso podia destinar ao seu clube de coração: amor.

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Deveria ter uma praça ou rua, nas imediações da Gávea ou do Maracanã, os templos
consagrados por ele, com o seu nome. Nenhum torcedor foi tão importante quanto o
Jayme de Carvalho. Ele conseguia ser reverenciado pelas outras torcidas, jogadores
e dirigentes. Ele foi o super-herói rubro-negro, sem capa ou espada, que se
alimentava de pão com mortadela nos dias de jogos e, junto com a família, fazia do
seu amor pelo Flamengo a sua arma mais poderosa. Ele escreveu uma das páginas
mais bonitas da divina história do Clube de Regatas do Flamengo. O Jayme foi tão
importante que uniu pretos e brancos, ricos e pobres, flamenguistas e
‘framenguistas’, mas todos com um único objetivo, o de adorar o Flamengo. Essa é
a grande força dessa paixão. (CRUZ & AQUINO, 2007, P. 11).
Para fazer jus à expressividade do “mais querido do Brasil” e àquela alegria rubro-
negra - atormentadora para os adversários que, inconscientemente, em segredo, no fundo, no
fundo, os faz ter, certa admiração -, vejam o que um torcedor de outro time, descreveu ser
aquela massa rubro-negra. Esse outro time para o qual esse torcedor do relato torce, é o
Fluminense. Sem meias palavras, destaca o seu amor pelo tricolor das Laranjeiras, mas,
evidencia aquilo que Nelson Rodrigues pautou nos escritos de diversas crônicas: a
grandiosidade, a representatividade fora do comum e o jeito diferente de ser da torcida do
Flamengo.
Citando a Raça Rubro-Negra – torcida que já chegou a contar com 60 mil sócios e é
referência em assunto de torcida organizada -, Claudio Lampert, deixa de lado o fanatismo,
posicionamento maléfico que cega e impede a observação de aspectos positivos em outro
clube, e descreve o que vem a ser um jogo contra a torcida do Flamengo. Sim, porque para ele
essa torcida joga junto. Esse relato está disponível no blog do Arthur Muhlenberg, o blogueiro
oficial do Flamengo, do site globoesporte.com
[...] Ontem o meu filho Daniel começou a descobrir que existem duas coisas nesse
mundo. Uma, é o futebol. A outra é o Fla-Flu. Descobriu que esse adversário odiado
é mais do que um simples time de futebol. É um time de futebol seguido por uma
horda de loucos fanáticos, que se agrupam e fazem gol. Entram em campo e fazem
gol. Fazem o segundo, o do empate e o da virada. Numa única tacada ele descobriu
o medo e o respeito que se deve ter dessa instituição e desse jogo, clássico de
apelido garboso, colorido interminável e lotado de almas fanáticas. É coisa para
gente grande. [...] É só nesse dia de Fla-Flu que eu enxergo o contraste que existe
entre as patricinhas sem sutiã da torcida tricolor e a tropa de marginais guerreiros da
Raça Rubro-Negra e da Torcida Jovem. [...] sempre existiu uma coisa que me deixa
perambulando entre o mistério e o pânico. Aliás, não é “coisa” coisa nenhuma. É
metafísica. É o Sobrenatural de que tratava Nélson. É perturbante. É aquela massa
uniforme pulando do outro lado. 23 minutos, 1×3, e eles não paravam de pular;
ninguém saía do seu aperto; ninguém ia embora. Eles nunca vão embora. Eles nunca
arredam o pé. Eles não se sentam, não param de gritar. Eles não sossegam. Me
perseguem, me sufocam, me habitam os pesadelos e me causam pânico. Quando eu
olho para o outro lado é isso que eu sinto. Eles acreditam mais do que os outros.
Mais do que eu e todos os outros juntos. E disso, meus caros, eu me borro de medo.
Eles jogam com 12. E jogar com 12 deveria ser proibido. [...] Dentro do táxi, uma
frase de uma criança de sete anos ficou estalada no meu tímpano: ‘papai, eu tenho

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nojo deles’. Eu também tenho. É só o que posso dizer hoje. Mas se não fossem eles
essa mágica não existiria. (MUHLENBERG, 2010).
Em carta do juiz de direito, Eliezer Rosa, dirigida ao seu amigo, João Antero de
Carvalho, advogado, jornalista e escritor, na qual, Eliezer, torcedor do América do Rio de
Janeiro, demonstra sua admiração pelo Flamengo, curiosamente, algumas sugestões são
apresentadas para que a felicidade tomasse conta do povo. Esta carta foi publicada pela
primeira vez no jornal “O DIA”, em 29-06-1969. A carta também faz parte dos livros: "Uma
Nação Chamada Flamengo", de Ivan Alves, lançado em 1989; e de “Crônicas do Futebol
Pitoresco”, onde João Antero revive estas palavras proferidas por Eliezer.
[...] Ainda não volvi a mim, à minha calma interior, desde aquele tormentoso
domingo em que o Flamengo perdeu para o Fluminense. Não que eu seja flamengo,
como você sabe e todo mundo sabe, mas, a verdade é que eu gosto do Flamengo e
não sinto prazer, quando ele perde. Nisso de futebol, sou ecumênico, se a palavra tão
amável cabe em tal assunto. Gosto de todos os clubes, embora tenha minha religião
pelo nosso América. Ouça bem, meu caro Antero: O Flamengo não é somente um
clube, uma organização esportiva. O Flamengo é uma religião, uma seita, um credo,
com sua bíblia e seus profetas maiores e menores. O Flamengo é um amor, uma
devoção, uma eterna comunhão de sentimentos. Por ele muitos deram a vida,
alienaram a liberdade, destruíram amizades, arruinaram lares, com homicídios e
suicídios. O Flamengo, o flamenguismo, para ser mais exato, é uma cardiopatia. O
Flamengo dá febre, dá meningite, dá cirrose hepática, dá neurose, dá exaltação de
vida e de morte. O Flamengo é uma alucinação. Deveria ser feita uma Lei Federal
que obrigasse o Flamengo a jogar em todo o Brasil, toda semana, e ganhar sempre.
Quando o Flamengo vence, há mais amor nos morros, mais doçura nos lares, mais
vibração nas ruas, a vida canta, os ânimos se roboram, o homem trabalha mais e
melhor, os filhos ganham presentes. Há beijos nas praças e nos jardins, porque a
alma está em paz, está feliz. O Flamengo não pode perder. Sua derrota frustra,
entristece, humilha e abate. A saúde pública, a higiene nacional, exigem que o
Flamengo vença, para bem de todos, para felicidade geral, para o bem-estar
nacional. Aqui vai um anteprojeto de Lei: Lei nº... Dispõe sobre normas de saúde
pública. Art. 1º O Flamengo jogará semanalmente em todos os Estados da
Federação. Art. 2º O Flamengo vencerá todas as partidas. Art. 3º Revogam-se as
disposições em contrário. Saiba que esta é uma Lei necessária. Ela deverá vir o
quanto antes. Algum dia, ela poderá ser revogada em favor do América. O
importante é o precedente legislativo. (ROSA apud CARVALHO, 2004, posfácio).
No Campeonato Brasileiro de 2007, o Flamengo terminou a competição na terceira
colocação geral, conquistando vaga para a Taça Libertadores da América de 2008. Até aí,
nada demais. O Feito ganha em relevância quando se esclarecem as condições em que isto
aconteceu. Tal colocação foi conquistada após o time empreender uma arrancada que entrou
para a história, tendo sua torcida papel de destaque. O sítio eletrônico da Federação
Internacional de Futebol, a FIFA, destacou o feito.
O time passou 13 rodadas na zona de rebaixamento. Tudo parecia nebuloso. O risco de
não permanecer na primeira divisão do futebol brasileiro era enorme. Aí, na reta final do

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campeonato, houve um pacto entre torcida e time. O torcedor pedia só raça em campo, em
troca de seu apoio. Com a ajuda de sua torcida, o time conseguiu o improvável. Nos jogos no
Maracanã, em especial, - mesmo com o time jogando mal em alguns momentos e sem tantos
jogadores de qualidade técnica no elenco -, a torcida compareceu, tomou conta do estádio,
jogou junto, empurrou. Assim, as vitórias aconteceram e o time foi subindo na tabela até
conseguir terminar na terceira posição – 1 ponto atrás do vice-campeão.
Esse desempenho arrasador fez com que as autoridades, de forma justa, prestassem
homenagens ao clube. E, mais especificamente, ao seu torcedor, que é o maior patrimônio do
Flamengo. O seu torcedor foi declarado patrimônio cultural carioca. O texto de defesa para a
criação da lei que instituía ao torcedor do clube essa condição pregava que: “a maior torcida
de um time de futebol do Brasil, a do Flamengo - no reconhecimento do futebol como uma
paixão nacional - merecia todo o crédito e justificaria a homenagem por indiscutivelmente
promover nos estádios cariocas e brasileiros, espetáculos de impressionante alegria”. O poder
público, nas esferas Municipal e Estadual, e a CBF (Confederação Brasileira de Futebol),
entidade máxima do futebol nacional, se curvaram à evidência de ser o torcedor do Flamengo
uma instituição - dentro da própria instituição, o futebol - de relevada atuação no cenário
esportivo e social.
Lei e decreto creditaram ao torcedor o título de Patrimônio Cultural Carioca (esfera
Municipal), sendo o seu dia, o 28 de outubro – dia do padroeiro do clube, São Judas Tadeu. E
na esfera Estadual, o seu dia é o 17 de novembro, dia da fundação do Clube de Regatas do
Flamengo – a data real, mas não a oficializada. Em 10 de Outubro de 2007, o presidente do
clube, Márcio Braga, após ler documento no qual um torcedor-conselheiro solicitava o não
mais uso da “camisa 12”, passando esta, a ser exclusivamente do torcedor, entendeu como
justíssima a solicitação e acatou o pedido. Determinou, então, que nenhum jogador utilizaria
mais a camisa 12. Ela passou a ser da “nação rubro-negra”. O torcedor do clube mais popular
do país recebia concretas deferências.
Não é esse clube apenas um clube de pobre, do povão, do negro. Ele é de todos. Não
existem barreiras que separem o Flamengo de quem vive nos ambientes acadêmicos,
científicos, com suas teses e dissertações; no ponto mais alto da pirâmide social, com seus
abastados que moram nos endereços mais suntuosos; ou ainda, entre aqueles que ocupam os
cargos mais importantes do país. Dos que, levam a vida na luta frenética da classe média;
daqueles que comem feijão, arroz e farinha, a semana inteira, nos grotões de pobreza; ou
mesmo, dos que na favela precisam todo dia escrever capítulos de superação.

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O Flamengo é amálgama desses seres. Por isso, o torcedor do Flamengo não se prende
em rótulos. Esses seres de diferentes patamares sociais se incorporam, através do universo do
futebol, formando uma massa coesa, a coletividade delirante, que na complexa esfera da
paixão encontram alento existencial e, inebriados, por carregarem o orgulho de ser rubro-
negros, se fortalecem para enfrentar os obstáculos impostos pela vida. E esses seres estão por
todos os lados.
A oposição não se conforma, mas não pode fazer nada: o Flamengo é um caso de
amor entre milhões e o Brasil. Um dia, quando se mergulhar de verdade nos fatores
que, historicamente, ajudaram a consolidar a integração nacional, o Flamengo terá
de ser incluído. Durante todo o século 20, ele uniu gerações, raças e sotaques em
torno de sua bandeira [...] poucas instituições serão tão abrangentemente nacionais
quanto o Flamengo – a Igreja Católica, sem dúvida, é uma delas, e, talvez, o jogo do
bicho. E olhe que o Flamengo não promete a vida eterna nem o enriquecimento
fácil. Ao contrário, às vezes mata de enfarte e, quase sempre, só dá despesa. Mas
uma coisa ele tem em comum com a religião e o bicho: a fé. Essa é a matéria-prima
de que as três instituições se alimentam. Mas com vantagem para o Flamengo,
porque a Igreja só paga dividendos depois da morte e o bicho tanto pode dar quanto
não dar – já o Flamengo costuma pagar seus dividendos espirituais toda quarta e
domingo. (CASTRO, 2001, p. 17-18).
Segue corroborando (CASTRO, 2001) que no Nordeste e no Norte o número de
torcedores rubro-negros é de cair o queixo. E que não é um clube regional. Por toda dimensão
territorial do Brasil, o nome Flamengo está presente. Nascido no Rio de Janeiro, ele pertence
ao Brasil. Suas cores se espalham por toda a parte. Em qualquer categoria de atividade
profissional, a torcida se faz representar. Entre juízes, desembargadores, delegados, políticos.
Junto aos famosos da sociedade, e ao cidadão anônimo, comum, o espaço dedicado ao
Flamengo é cativo. Seja pedreiro, arquiteto, advogado, jornalista, engenheiro, militar,
motorista, atendente de balcão, peão de obra, ou, em qualquer outra profissão que se pense, o
nome Flamengo soa sempre alto. Nas pesquisas de opinião, os números cravam que o
Flamengo detém a maior torcida do Brasil e quiçá do mundo, oscilando entre 33 e 40 milhões
de torcedores.
Até entre os adversários o Flamengo é maioria. Entenda-se que quem não o ama, o
detesta aos montes. É, possivelmente, o clube mais odiado do Brasil. A rivalidade sadia é uma
das coisas mais sublimes do futebol. O Flamengo fez-se grande por ter superado notáveis
adversários. E até mesmo por ter sido suplantado por eles em determinadas ocasiões.
Encontrou nisso, motivação para ser maior, melhor, mirando assim, o aprimoramento. É claro
que a derrota, abate, dói, faz sangrar. Mas por outro lado, ela também proporciona a
percepção da grandiosidade do clube. Quando o torcedor do Flamengo se depara com a

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comemoração do adversário, nas vitórias sobre o rubro-negro, a plenos pulmões, estridente,
de maneira aguda, inesquecível para o opositor, nessa observação, o denotar do quão
representativo é o Flamengo fica evidente.
2.1 A RIVALIDADE NOS CLÁSSICOS
Sendo vice-campeão em seu ano de estreia no futebol, 1912, o primeiro título do
Flamengo nos gramados chegaria de certa forma cedo. Foi em 1914. As conquistas de
campeonato, o “levantar” de taças é o grande objetivo a ser alcançado em qualquer esporte.
Isto é fato. Todavia, existem partidas isoladas que não valem título nem nada, apenas a
pontuação da vitória, ou do empate, que por algum fator entram para a história.
Desde o mais longínquo tempo, os eventos nos quais o Flamengo estava presente eram
vistos como um acontecimento a não se perder. E dentro dessa perspectiva de “jogos soltos”,
os clássicos, especialmente os locais, destacadamente, independem da disputa de título para
serem especiais. Tendo o Flamengo essa aptidão para o “conquistar” das pessoas, a forte
marca de superação, a sina de ficar mais forte ante as dificuldades, a obstinação em ser
referência nacional, já em 1923, houve o dia em que o clube rubro-negro poderia representar o
Brasil.
Era notória - e sempre foi - a insatisfação do brasileiro com a sua condição histórica na
relação com o colonizador. O repúdio a toda exploração portuguesa aqui efetuada, à conduta
reprovável de membros da família real diante de nossa cultura e de nossas terras, onde o que
interessava eram as riquezas naturais, é fato conhecido. E vencer, superar isso, curar as feridas
do passado na relação com Portugal, poderia acontecer por intermédio do futebol e, mais
precisamente, pelo Flamengo. E aconteceu.
O Clube de Regatas Vasco da Gama, criado pela grande, e bem estruturada
financeiramente, colônia portuguesa que vivia no Rio, surgiu no Remo, em 1898. No futebol,
dá início à sua caminhada vitoriosa, em 1916, após fusão com um clube que já praticava o
futebol desde 1914, o Lusitânia, que, como o próprio nome denuncia, era português desde a
raiz. Diferentemente do Flamengo, o Vasco começou na 3ª divisão e só chegou ao grupo
seleto do futebol carioca, em 1923. Já nesse primeiro campeonato disputado, surpreende, e,
vitória após vitória, deixa todos boquiabertos, perplexos com o seu desempenho. Ocorria que,
principalmente, no 2º tempo das partidas, o Vasco atropelava todo mundo. Os jogadores
demonstrando fôlego incomum para a realidade do futebol daquele tempo, não tomavam
conhecimento dos adversários.

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Para justificar essa característica, eis a explicação. Com o futebol sendo elitista e
amador, é preciso compreender que os jogadores dos times pertenciam a famílias tradicionais,
com recursos financeiros declarados. Quem praticava o esporte era em regra, estudante
universitário, médico, advogado, engenheiro, enfim, profissionais de áreas destacadas, a
priori, de boa remuneração, ou os ricos de berço. Não poderia existir remuneração para jogar
futebol, então. Era um hobby. Por essa condição, treinavam pouco.
Com os primeiros movimentos de defesa do advento do profissionalismo no futebol, o
Vasco usou de um artifício inteligente para se fortalecer. Os comerciantes portugueses
“fingiam” contratar funcionários para os seus estabelecimentos comerciais. Esses funcionários
não eram vistos atrás dos balcões, atendendo aos fregueses. Recebiam o salário para, às
escondidas, treinarem com afinco e darem a vida pelo Vasco no futebol. Os jovens eram
humildes, vindos de famílias pobres e em sua maioria, negros e mulatos. Essa abertura social
proporcionada pelo Vasco lhe conferiu a condição de instituição eminentemente democrática,
assistencial, e fez sua torcida entre os brasileiros crescer bastante – a colônia portuguesa em
peso já havia aderido às cores do clube – complementa, (RODRIGUES FILHO, 1966).
Pois bem. O primeiro campeonato em que Vasco e Flamengo se enfrentariam, o
primeiro confronto entre os dois, tinha conotação de autêntica disputa, Brasil versus Portugal.
E, por todo campeonato, só deu Vasco. O rendimento do time impressionava. O que parecia é
que seria o campeão invicto, no seu primeiro ano de 1ª divisão, 1923. Não perdia para
ninguém. O Flamengo havia sido derrotado no 1º turno. Vasco 3 x Flamengo 1. No confronto
do 2º turno, o Flamengo teria a chance de desbancá-lo. O sentimento antilusitano – em razão
da conduta mercantilista, exploratória, desrespeitosa em alguns pontos, do colonizador sobre
o colonizado - estava em evidência, em face da comemoração, no ano anterior de 1922, do
centenário da Independência.
O jogo foi no estádio das Laranjeiras, o grande palco da época. Durante toda a semana
não se falou em outra coisa. O estádio ficou abarrotado. A partida foi um acontecimento
social. E o Flamengo exauriu, sabe-se lá de onde, todas suas forças, conseguindo uma vitória
épica, 3 x 2. É certo que essa derrota não impediu o título do Vasco. Só não o foi de forma
invicta, por causa da interferência do Flamengo. Naquele dia da vitória do Flamengo, algo
bem característico da sua torcida, o festejar em doses inigualáveis de euforia, agitou a cidade.
Entusiasmados, os jornais registraram o fato: ‘Há uma semana que em todos os
círculos desta cidade em outra cousa não se falava. O match era motivo de todas as
conversas. [...] Mais de 35 mil pessoas, sem exaggero, enchiam as vastas
dependências do tricolor, contou ‘O Imparcial’. Jamais, nesta capital, affluiu igual
concurrência em jogos de football. [...] Não havia um único lugar no ground.

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Calculamos em cerce de 55 mil pessoas o número de espectadores verificado
hontem, garantiu o ‘Jornal do Comércio. A partida assumiu a proporção de um
vultoso acontecimento, que ultrapassou os limites do mundo sportivo, para
interessar, fora desse âmbito, à toda a cidade, descreveu o ‘Correio da Manhã’.
(ASSAF e MARTINS, 1999, p. 30-31).
A festa promovida pela torcida do Flamengo, como sempre, levou o povo para a rua e
ganhou cara de carnaval. Saíram pela cidade comemorando o feito e causaram à colônia
portuguesa uma grande dor de cabeça. Foram aos principais pontos de reunião dos patrícios e
tripudiaram dos gajos; colocaram um tamanco gigante e uma coroa funerária em frente à sede
do Vasco; rodearam com muitas cebolas a estátua de Pedro Álvares Cabral; comerciantes
portugueses ficaram alguns dias sem abrir as portas de seus estabelecimentos comerciais.
Comenta (CASTRO, 2001, p. 60-61) que “o resultado final, consagrador, foi Flamengo 3 a 2
– uma vitória que converteu muita gente para as sua cores [...], nunca a cidade comemorara
tanto o resultado de um jogo”.
Dos duelos contra o Botafogo, especificamente do período da década de 1960, o
Flamengo não guarda boas recordações. Era a época em que o clube alvinegro tinha um time
fortíssimo, uma verdadeira seleção. Pensar no Botafogo era lembrar de que na ponta direita do
time de General Severiano existia um jogador fenomenal, chamado Garrincha. O camisa 7
aterrorizava os adversário e era a estrela mais reluzente de um time que contou na sua
composição com nomes do quilate de Manga, Didi, Nilton Santos, Zagalo, Quarentinha,
Amarildo, Gérson e Jairzinho, entre outros. Garrincha colocava no chão qualquer esquema
que se propusesse marcá-lo e conter suas investidas. Quando se fala em futebol arte,
espetáculo, Garrincha é um dos maiores nomes do futebol brasileiro e mundial. Patrimônio do
Brasil.
Na década de 1970, precisamente, em 1972, mais vexame. Os rubro-negros foram
motivo de chacota para os botafoguenses que os tripudiaram sem cessar durante nove anos. E
o fato que desencadeou isso, aconteceu justamente no dia do aniversário do Flamengo. Um
presente de grego, por assim dizer. Botafogo 6 a 0, em 15 de novembro de 1972. Desde esse
dia, os rubro-negros passaram a viver ansiando pelo dia de dar o troco. Era questão de honra.
Doía demais para todo rubro-negro chegar ao Maracanã e ver na torcida do Botafogo uma
faixa que estampava, em tom imensamente provocativo, o 6x0. O torcedor do Flamengo se
via aturdido diante daquela mensagem humilhante. Era como se, em todo o confronto contra o
Botafogo, o torcedor rubro-negro tomasse um choque paralisante de alta voltagem.
Ano a ano, a faixa sempre estava lá. O torcedor do Flamengo, demonstrando seu
atributo de sempre acreditar e apoiar o time, comparecia ao Maracanã nos jogos contra o

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Botafogo esperando que naquele dia houvesse o “lavar da alma”. O Flamengo fazia 1 a 0 e a
torcida aos berros começava a pedir, “queremos seis”, “queremos seis”. Era uma fixação para
o seu torcedor devolver o escore dos 6 a 0. Mas a decepção, mesmo com vitórias do rubro-
negro, era continuada. As vitórias, por placares magros, não conseguiam apagar no torcedor
do Flamengo o desejo de desforra.
A espera de quase uma década era dolorida demais para o rubro-negro. Até que em 8
de Novembro de 1981 - ano mágico e o maior de todos para o Flamengo -, nesse dia, o time
proporcionaria ao seu torcedor a desvairada alegria de restituir ao Botafogo a goleada sofrida
nove anos antes. Aquela maldita faixa estendida pelos botafoguenses sumiria de vez do
Maracanã. Ao término do 1º tempo, 4 a 0 para o Flamengo. A torcida pressentia que o
“troco”, daquele dia não passaria. No segundo tempo, o Flamengo em cima do alvinegro,
pressionando, encurralando o Botafogo no seu campo de defesa. Para deixar o torcedor rubro-
negro ainda mais nervoso, Mendonça e Jairzinho perdem chances de marcar para o Botafogo.
Se o alvinegro fizesse gol, não teria graça. Tinha de ser 6, 7, 8 a 0. E tome o Flamengo a
atacar.
Impaciência, ansiedade, avidez. O torcedor rubro-negro já não se aguentava. Eis que
por volta dos trinta minutos da etapa final, sai o quinto gol. A partir daí o que se vê no
Maracanã é a torcida em polvorosa, gritando, se descabelando, berrando a plenos pulmões:
“Mais um”, “mais um”. “Queremos seis”, “queremos seis”. A torcida parecia reger o time e
jogava com ele. 42 minutos. Boa parte da torcida do Botafogo já havia ido embora. A do
Flamengo só faltava enfartar, apreensão forte, e ninguém arredava o pé, é óbvio. O time todo
do Botafogo na defesa. O Flamengo trabalhava a bola tentando encontrar espaço. Adílio, pelo
lado esquerdo de ataque, lança a bola sobre a área alvinegra. A defesa rebate. Andrade acerta
da entrada da grande área um chutaço, um “balaço monumental”, descrito assim pelo narrador
esportivo, Jorge Cury. Flamengo 6 a 0. O Maracanã presencia a catarse do torcedor do
Flamengo.
O Jornalista Roberto Assaf conta em entrevista ao sítio eletrônico,
magiarubronegra.com, que um amigo seu “surtou”, ficou enlouquecido neste dia. No sexto
gol do Flamengo, esse sujeito, contido, moderado, deu um salto e grito, impressionantes,
jogou-se ao chão e chorou como uma criança separada dos pais. Alucinado, saiu do Maracanã
e foi a pé até a Praça da Bandeira – uma distância de aproximadamente 4 km - repetindo sem
cessar impropérios contra os botafoguenses e aquela faixa infame que era um açoite para os
rubro-negros. Estava decretado o fim daquela maldição. De alma lavada, a torcida em êxtase

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fazia repercutir pelos quatro cantos da cidade a sua alegria. Aquela vitória é de certa forma
um título que a torcida rubro-negra carrega e que guardará, para sempre, com todo o carinho.
Vem de uma partida contra o Botafogo também – no último ano da década de 1960 –
um fato marcante. A adoção do urubu como o legítimo e, assumidamente com orgulho,
mascote rubro-negro. O público do Maracanã, com 150 mil pessoas, antes do início da
partida, teve a surpresa de ver um urubu com uma bandeira do Flamengo amarrada em suas
patas, sobrevoando o estádio.
A ideia partiu de dois torcedores rubro-negros, Luiz Octávio Vaz Pires e Romílson
Meirelles. Se unindo a Victor Ellery e Erick Soledade, puseram em prática aquilo que tinham
em mente. Pôr no gramado do Maracanã um urubu a fim de que com esse ato pudessem
demonstrar que a torcida do Flamengo se vangloriava pelo apelido. Pois, sabia-se que a
intenção dos adversários com esse apelido era direcionar ao Flamengo ofensas de cunho
racial. Acreditavam que ao assumir essa condição, a torcida estaria defendendo uma boa causa
e, além do mais, quem sabe a assunção do apelido pejorativo de urubu, deflagrado pelos
torcedores rivais, não viesse a trazer sorte? Dito e feito. Vitória sobre o poderoso Botafogo.
Flamengo 2 a 1. Algum tempo depois, o cartunista Henfil, rubro-negro assumido, ajudou com
suas charges e cartuns a consolidar o urubu como mascote do clube mais popular do Brasil.
Flamengo e Fluminense. Fla-Flu. Esse clássico é denominado de “Clássico das
Multidões” por ter reconhecidamente a capacidade de reunir grandes plateias. Na primeira
metade do século XX, o jogo até era encarado pelos cartolas como uma estratégia, um
pretexto para se atrair público. Os confrontos entre rubro-negros e tricolores possuía sentido
de apelo, de chamamento irresistível para as pessoas, era uma grande ocorrência social.
Houve época, logo depois da construção do estádio de São Januário – estádio do Vasco da
Gama, considerado o maior da América do Sul –, isso em 1927, que se marcava um jogo entre
o time do Vasco e o Boca Juniors, ou o River Plate, no estádio de São Januário, para que o
Vasco mostra-se a sua força e atestasse ser aquele evento o principal da cidade.
Acontece que os cartolas de Flamengo e Fluminense, para seus times não ficarem sem
o foco, marcavam para o mesmo dia um Fla-Flu, no estádio das Laranjeiras. E o que
acontecia? O estádio enchia rapidamente. Arquibancada abarrotada. O entorno era tomado por
uma multidão. Gente do lado de fora querendo entrar. É claro que a capacidade de São
Januário era maior, mas, o que se via nas Laranjeiras era uma profusão de torcida. Se juntasse
os de fora com os que estavam dentro do estádio, daria um público, no mínimo, igual ao de
São Januário.

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O clássico ganhou ao longo do tempo o revestimento de extraordinariedade. Uma
peculiaridade do confronto é sua predisposição para o acometimento de lances surpresos e
inexplicáveis, que serviram de inspiração para Nelson Rodrigues criar o personagem do
“Sobrenatural de Almeida”. Este personagem simbolizava a ocorrência daqueles lances
espíritas, fora de compreensão, que pareciam ter sido gerados em outra esfera, como se
houvesse a ação do “outro mundo”, que Nelson dizia surgir quase sempre para prejudicar o
Fluminense.
Beleza. Festa de cores. O Fla-Flu é isso. Considerado o clássico mais charmoso do
Brasil, nada se compara ao colorido que se forma quando as equipes entram em campo e o pó
de arroz, atirado da arquibancada tricolor, baila pelo ar, serve como maquiagem, e se junta ao
festival de papel picado, às faixas e bandeiras vermelhas e pretas, à fumaça das mesmas cores,
lançadas por sinalizadores, articulados pela torcida do Flamengo.
Mantendo relação consanguínea, de certo modo, “clubes do mesmo sangue, carne da
mesma carne, irmãos do esporte”, como declara (RODRIGUES FILHO apud MARON
FILHO e FERREIRA, 1987, p. 107), Flamengo e Fluminense desde a primeira partida, em
1912, travaram confrontos emocionantes, épicos. E respeitando essa familiaridade, somente
em parte, o clássico foi sempre cercado de acirramentos e de ânimos à flor da pele.
Nelson Rodrigues e seu irmão, Mário Filho, são responsáveis por criar toda a
atmosfera mágica, de grande glamour, que está por detrás do clássico. O Fla-Flu é um
acontecimento feérico, estupefaciente. “[...] Eu queria dizer que o Fla-Flu apaixona até os
neutros. Ou por outra: - diante do formidável clássico não há neutros, não há indiferentes. [...]
Não interessa que seja ou não um grande jogo. Só as partidas medíocres precisam ter
qualidade. O Fla-Flu vale emocionalmente”. (RODRIGUES apud MARON FILHO e
FERREIRA, 1987, p. 111).
O Fla-Flu da Lagoa de 1941, por exemplo, que decidia o campeonato e foi
conquistado pelo Fluminense, se assenta sobre carga mítica. O futebol, aliás, por vezes,
passeia pelo mítico. Conta-se que as águas da Lagoa Rodrigo de Freitas chegavam bem perto
do muro do estádio da Gávea. O empate era do Fluminense. Após está vencendo por 2 a 0, o
tricolor cede o empate faltando seis minutos para o final.
Diz a lenda – ou não lenda - que daquele momento em diante os jogadores do
Fluminense, para segurar o resultado que garantiria o título ao tricolor, passaram a chutar a
bola em direção a Lagoa. Para marcar os minutos da partida, havia a figura do cronometrista.
O tempo era interrompido quando a bola saía. Mas o que ficou daquela partida foi esse mito
de que a bola por diversas vezes atirada na Lagoa, gerando a paralisação da partida, foi

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esfriando o jogo, minando o ímpeto dos jogadores e da torcida. E que depois de intermináveis
minutos e de inúmeros recomeços, o fato contínuo torrou a paciência do árbitro e do
cronometrista que, sem ter como evitarem as paralisações, decidiram encerrar a partida. Flu,
campeão.
Houve ainda o Fla-Flu de 1963. 0 a 0. Título do Flamengo. Quase 200 mil pessoas no
Maracanã. Essa partida é emblemática por ser a que registrou o maior público em um estádio
num jogo entre times. Os duelos de 1969, 1983, 1984, 1985, são inesquecíveis, para os
tricolores. Bem como, aquele Fla-Flu, no centenário do Flamengo, em 1995, com o
atormentador, para os rubro-negros, gol de barriga de Renato Gaúcho, aos 42 do segundo
tempo. O Flamengo que jogava pelo empate, saiu perdendo, levou dois gols. No 2º tempo,
heroicamente, havia conseguido o empate, 2 x 2, e o título já parecia definido. O triste placar
de 3 a 2 para o Fluminense, frustrou o tão sonhado título no ano do centenário rubro-negro. É
da lembrança que se tem desse Fla-Flu, de 1995, que brota um acontecimento cercado de
emoção aflorada.
Daquele dia, extrai-se uma cena patética, carregada de beleza. No término do jogo,
uma criança com aproximadamente 10 anos, chorava copiosamente no colo do pai. Os dois,
rubro-negros. E, naquele momento então, perdedores. O menino, soluçando, pelo choro que
lhe tomava conta, perguntou para o pai o porquê daquela derrota no ano do centenário rubro-
negro. O pai, como um sábio, proferiu alguma coisa que se aproxima dessa ideia: “Todos nós
precisamos de derrotas para fortalecer o sentido das façanhas conquistadas. O Flamengo é o
que é porque aprendeu que derrotas vão existir ao longo da caminhada e que elas podem abrir
feridas. A cura sempre vem pela certeza de saber que o Flamengo é diferente de tudo que
existe e que a condição de ser rubro-negro traz a inerente propriedade de persistir,
enxergando, já no dia seguinte, o apontamento para dias de alegria”.
2.2 ÍDOLOS
Na galeria histórica do Flamengo, um punhado de ídolos permeou a vida do clube.
Zico, Dida, Zizinho, Leônidas da Silva, Fausto, Domingos da Guia, Moderato, Nonô, Jarbas,
Rubens, Waldemar de Brito, Borgerth, Píndaro, Biguá, Amado, Valido, Evaristo, Rondinelli,
Júnior, Renato Portaluppi, Bebeto, Romário, Adriano, Petkovic. E por aí vai. Cada um em seu
tempo foi elemento de atração, soube cativar, e possibilitou o arrastamento de torcedores para
suas cores. Talentosos, uns mais do que outros, esses jogadores, aprenderam que no Flamengo
era preciso se doar cem por cento em campo. Noventa e nove por cento não bastava. Sabiam

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também que só com o talento – com raras exceções, é claro -, a torcida não se contentaria. Se
o jogador, mesmo mediano em sua técnica, impusesse a raça, “o suar da camisa”, o dar a vida
em campo pelo clube, ganharia o coração do torcedor rubro-negro.
Dentre tantos ídolos, Zico é tido, por grande parte da torcida, como o deus, o herói
maior da história do clube. Foi ele o principal responsável em dar ao Flamengo o título mais
importante de sua história: campeão mundial interclubes. A equipe era uma plêiade de
craques. Zico era o regente dessa constelação. Para ter noção do grau de importância
creditado ao jogador - nascido no subúrbio de Quintino, no Rio de Janeiro - na história do
clube, vale dizer que alguns torcedores comemoram duas datas de Natal. A tradicional, dia 25
de Dezembro; e o 3 de Março, nascimento de Zico, o messias, assim chamado pela torcida.
O torcedor do Flamengo não o esquece. Fazendo gols, conquistando vitórias, os títulos
mais significativos do clube, defendendo o Flamengo com amor, seriedade, profissionalismo;
mantendo com a torcida, com os dirigentes, técnicos, companheiros, lisura constante, e
sabendo carregar com ele a humildade, foi natural tornar-se ídolo. Zico trabalhou na
construção de uma era de ouro na história do clube e proporcionou ao torcedor belos
espetáculos. Jogo do Flamengo com ele em campo era sinônimo de futebol arte, estádio
lotado, e quase sempre vitórias. É o maior artilheiro da história do clube.
Ele que chegou ainda garoto ao Flamengo, em 1967, saiu do clube uma única vez, e
contra a sua vontade, em 1983, para a modesta equipe da Udinese da Itália, que pagou uma
quantia vultosa para tê-lo, vencendo a concorrência de times tradicionais como Roma e
Juventus. Em Udine, apesar de ter jogado apenas duas temporadas pelo clube da região, time
que por sinal era fraco e pouco competitivo, Zico marcou muitos gols, - foi vice-artilheiro do
campeonato italiano, 1 gol atrás de Michel Platini, da Juventus, que havia jogado umas seis,
sete, partidas a mais que Zico -, desfilou seu talento, ofertando em série, seus dribles,
lançamentos e cobranças exímias de falta. Por lá, também foi ídolo. Retornou ao rubro-negro,
em 1985.
Zico foi referência também na seleção brasileira. Envergando a camisa 10, de forma
incontestável, por aproximadamente uma década, disputou três copas do mundo. Não
conseguiu ser campeão mundial com a amarelinha. Para muitos jornalistas, a perda da copa do
mundo de 1982, na Espanha, pela seleção brasileira, é uma das maiores injustiças do futebol
mundial de todos os tempos. O melhor jogador, o craque daquele escrete que encantou o
mundo – vista por alguns especialistas do futebol como a terceira melhor seleção brasileira de
todos os tempos –, Zico, foi um exemplo de profissional. Disciplinado, determinado,
perfeccionista e persistente, tudo o que fez na carreira, fez bem.

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Abandonou os gramados, profissionalmente, em 1989. No seu jogo de despedida, em
06 de Fevereiro de 1990, uma terça-feira, na noite deste dia, o Flamengo, o futebol brasileiro,
davam adeus ao ídolo. E o torcedor, tomado pela emoção, tentava expressar gratidão àquele
artista que saía de cena. No Maracanã com cem mil pessoas era possível ver na extinta geral –
lugar místico destinado ao torcedor de menor poder aquisitivo – muito torcedor que já era
figura marcada daquele espaço, chorando copiosamente e, em tom imensamente triste,
pronunciando palavras que traziam em si, conteúdo de orfandade: “Zico você vai deixar a
gente! A partir de agora, de onde iremos tirar a nossa alegria?”
Não ficou muito tempo parado. Já no ano seguinte, 1991, recebe convite para
realização de ousado projeto no Japão. Com o propósito de inserir fortemente o futebol na
cultura local, o Japão, já uma potência em outras áreas, vislumbrava obter destaque também
no futebol. Contratado por um clube japonês, o Sumitomo Metals - depois transformado em
Kashima Anthlers -, para fazer um trabalho de desenvolvimento, profissionalização e
aprimoramento do futebol japonês, obteve notabilizado êxito. Atingiu imenso sucesso. O
futebol japonês tornou-se competitivo. Zico chegou ao posto de técnico da seleção nipônica.
Ele no Japão também é ídolo.
Alagoano, Dida, o segundo maior artilheiro do clube – e ídolo de Zico – jogou no
Flamengo de 1953 a 1966. Era o camisa 10 absoluto da seleção, durante a segunda metade da
década de 1950. Em 1958, às vésperas da copa do mundo, ao se contundir, abriu caminho
para um menino de 17 anos que viria a se tornar o craque daquela copa e, posteriormente, o
maior jogador de futebol de todos os tempos: o rei do futebol, Pelé.
Zizinho foi o ídolo da infância de Pelé. Jogou no Flamengo de 1939 a 1950 e ficou
conhecido como “mestre Ziza”. Fez parte do time que conquistou o primeiro tricampeonato
do clube e sentiu na pele o peso da derrota da seleção na copa de 1950 para o Uruguai, em um
Maracanã com 200 mil pessoas. Mesmo com a derrota, foi considerado o craque da copa e
daquela partida. Jogou na seleção nas décadas de 1940 e 1950. Para muitos entendidos do
futebol, depois de Pelé, foi o jogador mais completo do futebol brasileiro.
Domingos da Guia vestiu a camisa rubro-negra de 1936 a 1943. Apelidado de “divino
mestre”, fazia maravilhas com a bola nos pés. É quase uma unanimidade quando se pergunta
quem foi o maior zagueiro de todos os tempos do futebol brasileiro. De estilo extremamente
técnico, tinha uma capacidade fora do comum de sair driblando os adversários no seu campo
de defesa. Nunca dava chutões. A bola grudava nos seus pés. Juntamente com Leônidas, foi
destaque na copa do mundo de 1938, na França, na qual o Brasil foi o terceiro colocado.

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Romário chegou ao Flamengo em 1995, com o status de ter sido eleito o melhor
jogador do mundo do ano anterior. Foi o craque e o principal jogador na conquista do tetra
campeonato da seleção brasileira, nos Estados Unidos, em 1994. Contratado junto ao
Barcelona da Espanha, sua contratação pelo Flamengo foi um grande acontecimento. O
torcedor rubro-negro ficou em polvorosa, cheio de expectativas e confiante em muitos títulos.
Mesmo não tendo conseguido no Flamengo conquistar títulos tão expressivos - bem aquém do
que o torcedor previa -, Romário não economizou em fazer o que sabe: gols e belas jogadas.
Tem a terceira melhor média de gols da história do clube e, mesmo só jogando no Flamengo
por cerca de quatro anos, figura como o seu 4º maior artilheiro.
Em 1998, ao ser cortado da seleção, em face de uma contusão, dias antes da estreia na
copa do mundo da França, a torcida do Flamengo realizou vários protestos e se colocou a
favor de Romário e contra Zico – o então diretor técnico da seleção. Zico foi responsável, não
pelo corte, erroneamente interpretado desta forma pela torcida, mas, pela divulgação do
desligamento, que foi acordado entre toda a comissão técnica. Botaram na conta do Zico,
numa atitude irresponsável e covarde.
Outro fato que ajuda a mensurar o que representou Romário para o Flamengo pode ser
percebido na presença maciça de torcedores em treinamentos, em jogos, amistosos, eventos
diversos, em qualquer parte do país, e até mesmo fora, nos quais, Romário estivesse presente.
O cachê pago ao Flamengo, em amistosos, subiu de forma considerável.
Impressionantemente, houve o declínio de vendas da camisa 10 - sempre a mais vendida –, e a
11 de Romário atingiu altas vendagens, passando a ser a mais vendida. Teve a torcida a seus
pés. Curvou-se também a ela e proferiu em tom de reverência: “Tenho carinho e admiração
pela torcida de todos os clubes pelos quais passei. Porém, a torcida do Flamengo é de outro
mundo”.
Nenhum ídolo, no entanto, teve escala maior de importância para popularização do
Flamengo do que Leônidas da Silva. Esteve no Flamengo entre 1936 e 1942. Conquistou
muito torcedor, atraiu muita gente para o clube. Levou o povo para junto do Flamengo. Da
mesma forma, intelectuais, artistas e políticos se entrelaçaram ao clube da Gávea. Possuía
forte magnetismo. Através da figura dele, em 1938, durante a copa do mundo, disputada na
França, ao ouvir pelas ondas sonoras a narração de Gagliano Neto, estupefata, empolgada,
pelas travessuras de Leônidas, José Lins do Rego, que até então não se interessava por
futebol, descobriu Leônidas e o Flamengo. Desde então, um amor sem medidas, incontrolável,
intenso, pelo Flamengo, que era o clube de Leônidas, envolveu toda sua alma. E Ary Barroso?
Esse, da mesma forma, “babava” por Leônidas.

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Elevado ao posto de ídolo nacional, no final da década de 1930, ele figurava entre os
três homens mais representativos do país. Ao lado de Getúlio Vargas, o presidente do Brasil, e
de Orlando Silva – o cantor das multidões -, Leônidas da Silva, banhado pela fama, causava
alvoroço aonde fosse. (RODRIGUES FILHO, 2003) continua a destacar que um pedido de
Leônidas a Getúlio era prontamente atendido. O chocolate “Diamante Negro”, e o cigarro
“Leônidas”, foram lançamentos inspirados no astro e tiveram grandes proporções de venda. O
ídolo rubro-negro era capa de revistas, de jornais. Personagem frequente nos programas de
rádio – a grande novidade da época. Com frequência, aparecia ao lado do presidente da
república, e de mulheres importantes da sociedade. Recebia milhares de cartas. Era seguido,
ovacionado, imitado, amado, idolatrado.
E como se falava em Leônidas o tempo todo, por associação, o Flamengo também não
saía da boca das pessoas. Despontando no modesto Bonsucesso F.C., passou por Vasco,
Botafogo, São Paulo, Peñarol, Boca Juniors. No Flamengo, atingiu o seu auge. O jogador, o
craque, a figura carismática, o ser revestido de grande magnetismo, foi um caso fulgurante
dentro da história do clube, e quando se busca as explicações para tamanha popularidade do
Flamengo, Leônidas é um ponto que deve ser analisado. Negro e pobre, ele foi muito além e
tripudiou do destino comum, de convivência com a miséria, que parecia ser o norteador dos
seus dias. Sucesso, fama, renome. Craque capaz de realizar jogadas impensadas, improváveis.
Um jogador insigne, uma estrela reluzente. Essas adjetivações recaem muito bem sobre a
figura de Leônidas da Silva.
2.3 TÍTULOS
Além de acontecimentos fortuitos, que alavancam o crescimento de uma torcida, que
são capazes de conduzir um clube à condição de clube amado, popular, reside na tríade, jogos,
ídolos e títulos, fragmentos que costuram o grau de importância de qualquer clube. Com o
Flamengo, não foi diferente. De cada um desses três tópicos aqui dispostos, emergiram
nuances, formatações portentosas que conceberam a aceitação, toda admiração e reverência ao
clube e que fizeram o seu torcedor, orgulhoso, tocado por exitosa presença do Flamengo na
terra e no mar, acalentar esse amor.
Um ponto, porém, não pode ser esquecido. E certamente essa característica foi
herdada dos velhos tempos da República Paz e Amor. É lógico que títulos são e serão sempre
importantes, bem como, metas permanentes para os clubes. Todavia, o torcedor do Flamengo
nunca ficou muito preso a conquistas de campeonatos para que o seu orgulho se mantivesse

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em alta. Cada vitória era o que importava. Isso acontece desde a época em que o Flamengo
era só Remo. Vitória do Flamengo significava festa, e era das “pequenas” alegrias que o
torcedor vertia o seu alimento. Dissabores existiram, jejuns de títulos, fracassos, derrotas
acachapantes, mas, o amor de seu torcedor continuava intacto e, incrivelmente, mais
fortalecido. Essa é uma das facetas do seu torcedor.
No tocante a títulos, o que primeiro deve-se destacar é a força, a simpatia, o glamour, a
referência que foi – infelizmente, hoje, o panorama é outro – o campeonato carioca dentro do
cenário do futebol brasileiro. O futebol do Rio sempre rivalizou com o de São Paulo.
Defender o posto de Estado detentor do melhor futebol, da melhor estrutura; reunir os maiores
craques; colocar o maior número de jogadores na seleção, enfim, ser o polo de excelência do
futebol, essas metas, eram obsessões para os dirigentes esportivos dessas duas federações.
Destacadamente, o futebol do Rio posicionou-se como palco de alarde, de vertente elogiável
e de envolvimento singular com a magnitude cênica do esporte.
O Flamengo é o clube com maior número de títulos, do campeonato carioca,
conquistados. De 1914, ano do primeiro título, até hoje, 2014, foram 33 conquistas no futebol
profissional. Os cinco tricampeonatos estaduais vencidos pelo clube podem vir a ser
considerados como os mais proeminentes, em se tratando da esfera regional. São eles:
42/43/44; 53/54/55; 78/79/79; 99/2000/2001; 2007/2008/2009. Por questões políticas,
divergências entre a FERJ (Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro), e a CBD
(Confederação Brasileira de Desporto), houve em 1979 dois campeonatos estaduais. A FERJ,
surgida em 1978 para organizar o campeonato de 1979, é advinda da fusão das duas
federações que existiam no Rio de Janeiro, a (FCF) Federação Carioca de Futebol – times da
capital; e a (FFD) Federação Fluminense de Desporto – times do interior.
Quando o assunto recai sobre os títulos nacionais, o período da década de 1980 é o
mais representativo para o clube. Importante frisar que as disputas entre clubes de diferentes
regiões do país só teve início em 1959, com a criação de um torneio - que substituía os
campeonatos de seleções estaduais. Chamado de Taça Brasil, esta competição tinha formato
de disputa que punha em confronto apenas times pertencentes a uma mesma região –
instituído nesse modelo pela distância nas locomoções. Juntamente com essa Taça Brasil, o
torneio Roberto Gomes Pedrosa – antigo Torneio Rio-São Paulo - que abriu espaço para a
disputa entre os principais clubes do país, tendo início em 1967, pode ser considerado o
embrionário do nosso Campeonato Brasileiro.
O rubro-negro carioca possui 6 conquistas de Campeonato Brasileiro; 3 de Copa do
Brasil; 1 Copa dos Campeões - competição que reuniu representantes das cinco regiões do

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país e que teve só três edições, de 2000 a 2002; inúmeros títulos em torneios no exterior; a
Copa Mercosul; e os dois mais importantes títulos de sua história: campeão da Taça
Libertadores da América – a maior competição do Continente –, e o Mundial Interclubes. Os
dois, em 1981.
É um pouco complexo relatar quais foram os ídolos, as conquistas, que mais se
sobressaíram, de maior importância para o torcedor. É certo que cada torcedor tem sua
predileção sustentada por razões afetivas e pela memória eletiva. Há de se considerar a
formatação do futebol no Brasil, ganhando mais solidez e abrangência na disputa das
competições a partir da década de 1970. Relacionar os títulos por ordem de importância é
difícil, até porque como já dito, cada conquista tem uma singularidade. De forma que todas
são especiais. Não obstante, é inegável que o Flamengo viveu a sua fase mais produtiva, em
termos de títulos, na década de 1980. Neste trabalho, apresenta-se parte dessa vasta lista de
conquistas.
No primeiro título do Flamengo, em 1914, o time era formado pela base da primeira
equipe de futebol do clube. Alguns dos remanescentes: Baena, Zé Pedro, Píndaro, Nery, Galo,
Arnaldo, Miguel, Curiol, Amarante, Bahiano e Borgerth. O campeonato contou com sete
participantes e a campanha rubro-negra teve oito vitórias, três empates, uma derrota. O
uniforme era o chamado “cobra coral” – listras horizontais, vermelha e preta, e filete em
branco. O artilheiro da equipe foi Riemer com 9 gols. Na última partida, o Flamengo empata
em 4 a 4 com o São Cristovão e, com dois pontos a frente do América, levanta a taça.
A camisa cobra coral, mesmo com vida curta – dois anos, aproximadamente –, deu
sorte, pois, levou o clube também à conquista invicta em 1915. Foi aposentada em 1916, por
guardar semelhança com a bandeira do Império Alemão – A Alemanha era criticada, mal
vista, em face de sua atuação na 1ª guerra mundial. Dos onze jogadores, dez, eram
acadêmicos. Cursavam Medicina e Direito. Só um jogador, Galo, não tinha formação
acadêmica.
Em 1927, o título que trouxe à tona a mística da camisa. O Flamengo praticamente
sem um time, estropiado, montado às pressas, na base da superação mesmo, levantou o
caneco. Como havia sido punido e excluído do campeonato de 1927, por haver cedido o seu
campo para treinos e jogos do Paulistano de São Paulo – com sanção da Liga de São Paulo
que o proibia de jogar -, o Flamengo se desfez do seu time.
Moderato foi o grande herói. Jogou algumas partidas com uma apendicite em vias de
arrebentar, morrendo de dores e no sacrifício. Após uma partida, Moderato sai de campo e vai
direto para o hospital. Algum tempo depois da cirurgia, em fase de convalescença ainda, entra

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em campo na final do campeonato contra o América e, com uma cinta envolvendo desde a
região abdominal até a parte pélvica, marca o gol do título. Naquela época, com os recursos
da medicina bem limitados, em uma comparação com os dias hoje, uma cirurgia de apendicite
era algo delicado, não tão simples assim. Reforça (CASTRO, 2012, p.61) “A ideia de que
Moderato pudesse morrer em campo, com os pontos estourados e o sangue confundindo-se
com o vermelho da camisa – tudo isso pelo Flamengo – era demais para o homem comum”.
O Flamengo tinha um time bastante limitado e a entrega dos jogadores foi de uma
altivez nunca imaginada. Surge a mística da camisa que joga sozinha. O Placar do jogo final
contra o America foi: Flamengo 2 a 1. Gols de Nonô e Moderato. Amado, Benevenuto,
Vadinho, Fragoso, Japonês, Cristolino, Angenor e Flávio Costa são alguns dos protagonistas
desse capítulo epopeico.
Após 12 anos de jejum, vem o título de 1939. Era a gestão de José Bastos Padilha.
Leônidas e Domingos da Guia, personagens desse time. Três anos depois, viria o primeiro
tricampeonato da história do clube, 1942, 43 e 44. A decisão de 1944 tem um enredo
dramático e ganhou ares de uma grande saga. O personagem é o argentino Valido. Em um
estádio da Gávea lotado, Flamengo e Vasco decidem o título. O Vasco tinha uma equipe
brilhante, muito forte – começava a formar o “expresso da vitória”- esquadrão cruzmaltino
que fez história na década de 1940, até 1952. O time de São Januário jogava pelo empate. O
Flamengo se superando na raça. O time do Vasco era muito bom, mas o do Flamengo não
ficava para trás. Do grupo que participou das três conquistas, 1942/43/44, temos: Jurandir,
Newton, Biguá, Jaime, Zizinho, Pirilo, Vevé, Perácio, Jacy, Quirino, Artigas e Jarbas.
Agustín Valido chegou ao Flamengo em 1937. Adorado pela torcida, decide, em 1943,
se aposentar. Tornou-se comerciante e tinha aberto uma gráfica. Durante uma pelada na
Gávea, em que jogava o time da gráfica de Valido, o técnico do Flamengo, Flávio Costa - um
dos mais expressivos da história do futebol brasileiro - ao ver Valido em campo – que nem ia
jogar, só jogou porque substituiu a um funcionário seu que não apareceu na pelada – se
encanta com o desempenho do argentino e acredita que Valido ainda reúne condições de jogar
pelo time do Flamengo. O convite é feito. O atacante poderia ser útil na reta final do
campeonato. Valido tenta demover Flávio da ideia, dizendo não reunir mais condições físicas.
Depois de muita insistência do treinador, Valido, alegando amor ao Flamengo, acaba
aceitando o desafio. Vai para a penúltima partida contra o Fluminense. Sai de campo com
dores musculares absurdas que travaram o seu corpo, tamanho o seu esforço.
A partida final contra o Vasco, uma semana depois, reserva a Valido o maior momento
de sua carreira. Disposto a não jogar, em razão de ainda se recuperar das dores pelo corpo e

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de estar com febre, com a saúde combalida, por assim dizer, é convocado por Flávio Costa a
entrar em campo. Aos 44 minutos do segundo tempo, após cruzamento na área de Vevé, sobe
mais do que toda a defesa do Vasco e - em um lance discutido até hoje, segundo alguns, se
apoia no zagueiro Argemiro - cabeceia para o fundo das redes. Gol do título e frenesi no
estádio da Gávea. Segundo contam alguns livros, Ary Barroso, que narrava à partida, larga o
microfone e invade o campo de jogo não se contendo em alegria.
Em 1953, 54 e 55, o segundo tricampeonato. O Flamengo com um time chamado de
rolo compressor e sob o comando do técnico paraguaio, Fleitas Solich – chamado de “El
brujo”, pelas proezas que realizava – não toma conhecimento dos adversários. Garcia,
Dequinha, Pavão, Jordan, Rubens, Índio, Joel, Evaristo, Zagallo, Benitez, Esquerdinha, eram
alguns que defendiam as cores rubro-negras.
O presidente que comandou o Flamengo nesse tricampeonato foi Gilberto Cardoso.
Obstinado em fazer o Flamengo maior e cada vez mais forte, fosse, no futebol, ou no esporte
amador, não pôde soltar o grito de campeão em 1955. Morreu três meses antes da final. Nessa
partida final de 1955, contra o América, Fleitas Solich decide apostar todas as fichas em um
jovem chamado, Dida. O garoto alagoano acaba com a partida. Marca os quatro gols da
vitória de 4 x 1.
Em 1963, contra o Fluminense, naquele que é considerado o jogo com maior público
em confronto entre clubes, 177 mil pagantes – e 195 mil presentes -, o rubro-negro empata em
0 x 0, e consegue o título daquele ano. Marcial – o herói da final -, Carlinhos, Nelsinho,
Espanhol, Paulo Henrique, Airton, Luís Carlos, Oswaldo, Ananias, formavam o plantel.
Craques como Dida, Gérson e Jordan, também fizeram parte do grupo, mas foram afastados e
não disputaram a fase final do campeonato.
No ano de 1978, o torcedor é brindado com o início do terceiro tricampeonato do
clube e vê o esboço do que seria o maior time do Flamengo de todos os tempos. Chegando no
Flamengo, no final de 1976 - e após perder o campeonato de 1977-, o técnico, Cláudio
Coutinho, defensor da implantação de metodologias europeias na formatação do sistema de
jogo, com visão tática revolucionária, dá o passo inicial para o ciclo vitorioso, comandando a
geração de ouro que começava a se formar e que viria a escrever o capítulo de mais destaque
na vida do Flamengo.
A decisão de 1978 foi contra o Vasco, que jogava pelo empate para ganhar o returno e
só então decidir o campeonato contra o mesmo Flamengo. O Flamengo já vencedor do 1º
turno precisava da vitória para conquistar o campeonato. O jogo estava 0 x 0. Aos 42 do
segundo tempo, escanteio a favor do Flamengo. Rondinelli – o Deus da Raça - sai em

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disparada do seu campo de defesa, atravessa todo o campo como um raio, e salta entre os
zagueiros vascaínos para desferir uma cabeçada indefensável, marcando o gol antológico
daquela conquista. Essa imagem não sai da cabeça de nenhum torcedor rubro-negro e sempre
que é mencionada essa conquista, a emoção ecoa pelo ar. Esse grupo de 1978 ia manter a base
de todas as conquistas do Flamengo até 1983: Raul, Cantarele, Júnior, Adílio, Zico, Tita;
acrescida, em 1979 e 80, de Leandro, Andrade, Lico, Marinho, Mozer, Nunes. Rondinelli e
Carpegiani seguiram no elenco até 1981.
Em 1979, por desentendimentos políticos entre a Confederação Brasileira de Desporto
e a Federação de Futebol do Rio, são realizadas duas edições do campeonato carioca no
mesmo ano. O Flamengo papa os dois. Mesmo diante da bagunça na organização do
calendário do futebol brasileiro, e para derrubar todas as argumentações infundadas dos
adversários de que a conquista dupla do Flamengo seria ilegal, vejamos, pelos números
obtidos, na temporada de 1979, que quase nada deteria o Flamengo nesse ano: 82 jogos; 62
vitórias; 13 empates e 7 derrotas. Incrível aproveitamento de 80,9%. Não fosse o apagão
sofrido no jogo contra o Palmeiras, pelas quartas de final do campeonato brasileiro, em pleno
Maracanã, (4 x 1), por sinal, a única derrota na competição, o Flamengo poderia ter brigado
pelo título, mesmo tendo que encarar a super máquina colorada do Internacional – campeão
daquele ano de forma invicta.
E aquela história de que torcida ganha jogo? Pois bem, em 1981, na decisão do
Campeonato Carioca, Flamengo e Vasco decidem, em melhor de três partidas, quem seria o
campeão. Em 6 de Dezembro – uma semana antes da decisão do Mundial Interclubes, no
Japão – o Flamengo entra em campo para o terceiro jogo decisivo com a corda no pescoço.
Havia perdido as duas partidas anteriores.
O time rubro-negro – de grande qualidade técnica - estava ansioso pela decisão do
título mundial interclubes e os jogadores também se recuperavam do trauma pela morte de seu
ex-comandante, Cláudio Coutinho. Mesmo havendo deixado o Flamengo no final de 1980,
gozava de enorme carinho, respeito e admiração por parte de todos do clube. Coutinho morreu
uma semana antes desse jogo final contra o Vasco. Durante a prática da pesca submarina -
mergulho de apneia - nas ilhas Cagarras, no Rio de Janeiro, Claudio Coutinho, que praticava
com frequência esse hobby e era um expert, perde a vida.
O Flamengo faz 2 a 0. O Vasco, aos 38 do 2º tempo, diminui e passa a sufocar. A
torcida rubro-negra, então, entra em campo, literalmente. Ou melhor, um torcedor. Este é:
Roberto Pereira, que ficou conhecido celebremente como o “ladrilheiro”. Ele esfriou a reação
vascaína. Os jogadores do Vasco tentavam o tirar a força do campo, com empurrões e

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sopapos. Os do Flamengo intervieram. O certo é que com o ladrilheiro ou sem ele, era difícil
alguma coisa dar errada para o Flamengo naquele ano mágico de 1981.
Em 1999, 2000 e 2001, outro tricampeonato. Destaque para o gol de falta, em 2001, do
sérvio, Dejan Petkovic, aos 44 minutos do segundo tempo, contra o grande arquirrival, o
Vasco da Gama. O Flamengo precisava vencer por dois gols de diferença. O Vasco, com um
time melhor que o do Flamengo, perdia por 2 x 1. Contudo, estava conquistando o título. Isto,
até os 43 minutos da etapa final.
A torcida cruzmaltina cantava, vibrava, já fazia festa. A do Flamengo era um
nervosismo só e implorava aos deuses e ao seu padroeiro, São Judas Tadeu, que mais um
golzinho saísse. 44 minutos de 2º tempo. Falta marcada a favor do Flamengo, na entrada da
área. No momento da cobrança de falta, Petkovic e torcida, em sintonia, são alcançados por
uma dessas coisas fascinantes do futebol. A bola vai fazendo uma curva e entra no ângulo, no
único espaço entre a mão do goleiro do Vasco, Hélton, e a curvatura da trave com o travessão.
Alegria enorme. Desmaios, euforia inflamada, choro, apoteose, delírio. O Maracanã presencia
uma tarde inesquecível para o torcedor do Flamengo, que carrega na memória, envolvido em
papel de seda, este momento pra sempre. Júlio César, Alessandro, Juan (zagueiro), Gamarra,
Beto, Edílson, Roma, Leandro Ávila e Reinaldo, são jogadores que participaram da
campanha.
Fechando a série de tricampeonatos, 2007, 2008 e 2009. O time do momento a ser
batido: Botafogo de Futebol e Regatas. Nesses três anos, a final repetiu-se e o clube da estrela
solitária ficou com a incômoda condição de tri vice-campeão. Condição esta, que o Vasco já
havia experimentado, em 1999, 2000 e 2001. São os anos que coroam o pentatricampeonato
do Flamengo. O goleiro Bruno – preso em 2010, condenado pela participação na morte de sua
amante -, Fábio Luciano, Obina, Toró, Léo Moura, Ronaldo Angelim, Juan, são alguns dos
personagens dessas três conquistas.
O ano de 1980 é o marco inicial das grandes conquistas nacionais. Na final do
Campeonato Brasileiro daquele ano, contra o Atlético Mineiro, o Maracanã, com mais de 150
mil pessoas, é palco perfeito para a primeira conquista brasileira do Flamengo. O jogo estava
2 x 2.O Atlético, jogava pelo empate. Aos 37 do segundo tempo, Nunes, chamado de “João
danado”, por sua técnica limitada e, paradoxalmente, pela insistência em fazer gols decisivos,
e, por vezes, bonitos, marca o gol do título. Flamengo 3 x 2.
E depois vieram as conquistas de 1982, contra o Grêmio, em Porto Alegre – 1 X 0,
novamente gol de Nunes. E a de 1983, contra a equipe do Santos, no Maracanã. O público de
quase 160 mil pessoas não se contém de alegria após o apito final. 3 x 0, Flamengo. Zico,

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Leandro e Adílio, marcaram os gols. Depois deste título, nos anos seguintes, o time vai
perdendo peças importantes daquele grupo vitorioso. Raul, Zico, Júnior, Nunes – este, ainda
em 1983 -, e Marinho, deixam o clube.
Em 1987, com Zico que havia retornado da Itália em 1985 e lutava contra uma séria
contusão no joelho, sem as melhores condições físicas, porém, ainda brilhante, preciso,
“cirúrgico”, o Flamengo levanta o seu quarto título brasileiro. Na partida final no Maracanã, 1
x 0 sobre o Internacional de Porto Alegre, gol de Bebeto. O grupo era composto da mescla de
jovens talentos com jogadores bem tarimbados. Zico, Andrade, Edinho, Leandro, Renato
Portallupi, Bebeto, Zé Carlos, Aldair, Leonardo, Zinho.
Em 1992, sem Zico, mas com Júnior, o maestro, que tinha regressado do futebol
italiano em 1989, o quinto título nacional. O adversário foi o Botafogo. Após um 3 x 0 na
primeira partida – Júnior, Nélio e Gaúcho; empate em 2 x 2 na partida final que sela a
conquista. Gols de Júnior e Júlio César. Gilmar Rinaldi, Charles Guerreiro, Júnior Baiano,
Djalminha, Marcelinho, Paulo Nunes, Gottardo, Piá, Gaúcho, compunham o elenco.
Após 17 anos na fila de espera, vem o título de 2009. Tendo Andrade como técnico e
nomes como, Bruno, Léo Moura, Juan, Kleberson, Emerson Sheik, Maldonado,Willians,
Adriano, Zé Roberto e Petkovic, mais um campeonato brasileiro é conquistado. O
campeonato brasileiro que passou a ser disputado, a partir do ano de 2003, no sistema de
pontos corridos - não necessitando ter quartas de final, semifinal, final, essas coisas, tem o
Flamengo como Hexacampeão Brasileiro. No último jogo contra o Grêmio, no Maracanã,
vitória por 2 a 1. Gols de David Braz e Ronaldo Angelim.
Somados a estas conquistas de campeonato brasileiro; os títulos da Copa do Brasil de
1990, 2006, 2013; da Copa dos Campeões, em 2001, completam os títulos nacionais de maior
relevância do rubro-negro. Em 1990, na final da Copa do Brasil, o adversário foi o Goiás. Na
partida decisiva, em Goiânia, 0 x 0. E por ter vencido o primeiro jogo por 1 x 0, gol do
zagueiro, Fernando, o título é consumado. Sob o comando de Jair Pereira, Zé Carlos, Júnior,
Renato Portaluppi, Djalminha, Uidemar, Gaúcho, Zinho, estiveram à frente daquele grupo.
Na final de 2006, o Vasco decidiu o título com o rubro-negro. Destaque para Obina e
Luisão – que marcaram gols no primeiro jogo da final -, e Juan, marcando o gol no jogo
decisivo. Além de nomes como, Renato Abreu, Léo Moura, Ronaldo Angelim, e o garoto,
Renato Augusto, lançado na reta final da competição pelo técnico, Ney Franco. Nos dois
jogos, vitória rubro-negra, por 2 a 0 e 1 a 0.
O Atlético Paranaense foi o adversário a ser superado na final de 2013. O 1 a 1, no
primeiro jogo, em Curitiba; e o 2 a 0, no Maracanã, deram o tricampeonato da Copa do Brasil

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ao Flamengo. Os gols na final foram marcados por Elias e Hernane (Brocador). O técnico
Jayme de Almeida contou com nomes como, Felipe, Hernane, Paulinho, Elias, Cáceres,
Wallace, André Santos, Amaral, Léo Moura, Luis Antônio, Gabriel.
Pela Copa dos Campeões em 2001, na final, Petkovic, repetiu contra o São Paulo a
bela cobrança de falta, da final contra o Vasco pelo campeonato estadual. O time era
praticamente o mesmo que havia conquistado o carioca, dois meses antes. Pelo fato de ter
vencido a primeira partida por 5 x 3, no segundo jogo, mesmo com a derrota por 3 x 2 para o
tricolor paulista, o título é conquistado pelo Flamengo. A partida foi realizada em Maceió,
Nordeste brasileiro, e a “nação rubro-negra” tomou conta do estádio. Parecia uma partida no
Rio.
Em 1981, ano dourado para o rubro-negro, os dois títulos mais significativos para os
clubes da America do Sul, a Libertadores da América, e o Mundial Interclubes, foram
pinçados e saboreados pelo Flamengo. Assim, o Flamengo passa a ser o 2º time brasileiro
campeão mundial interclubes. Antes, só o Santos de Pelé havia atingido essa condição. Na
final da Libertadores, supera o violento time chileno do Cobreloa. Foram três partidas. Na
primeira, no Maracanã, Flamengo 1 a 0; na segunda, no estádio Nacional, em Santiago,
Cobreloa 1 a 0; no terceiro e decisivo confronto, realizado em campo neutro – no caso,
estádio Centenário, em Montevidéu -, 1 a 0 Flamengo, gol de Zico.
Com o passaporte carimbado para a final do mundial interclubes, na época, realizada
em Tóquio, no Japão, o adversário seria o campeão europeu, o Liverpool. O time inglês era a
grande sensação da Europa. Campeão inglês em sequência – 1976, 77, 79 e 80; campeão da
Liga Europa da UEFA – 1975/1976; bicampeão europeu – 1977 e 1978 – ganhou também a
Champions League 1980/1981 de forma invicta, marcando 24 gols e sofrendo só 4. Superou
na semifinal e final, respectivamente, o Bayern de Munique, e o Real Madrid. Com esse
retrospecto todo o Liverpool era o franco favorito. O Flamengo não metia medo.
Ao apito inicial do árbitro, o que se viu em campo foi uma aula do time do Flamengo
de como se deveria jogar futebol. Atônitos, incrédulos, sem forças para reagir, os ingleses
levaram um passeio. O Flamengo só precisou de 45 minutos para liquidar a partida. 3 a 0, no
primeiro tempo. Nunes, duas vezes, e Adílio marcam os gols. No segundo tempo, só toque de
bola do Flamengo, que põe o poderoso Liverpool na roda, abrindo mão de abrir um placar
mais elástico.

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3 A CRÔNICA
Fazer crônica é se permitir pôr um dos pés, ou os dois, na seara da fantasia, do
extraordinário, que repousa nas entrelinhas de uma vida ou de uma situação. É ter o olhar
apurado, o ouvido notavelmente captador, uma alma solta e liberta. Crônica é sentimento. É
captação do que é – está - escondido e o trazê-lo à tona. É sustentar o real em camadas de
fantasia que não atuam, necessariamente, interferindo no descaracterizar da realidade. Fazer
crônica é desenvolver relação imaginária, de pegar na mão do leitor e levá-lo para passear.
A influência da Literatura no Jornalismo é observada nos registros longínquos do
tempo e ganha sustentação no século XIX. O jornalismo, que surgiu da necessidade natural e
incontrolável do homem de falar, de contar, de interagir - a isso chamamos de Comunicação -
e pelo anseio de vencer o medo do desconhecido, é rico instrumento de comunicabilidade e
informação. Da necessidade de falar, emerge outra, a de escrever. Assim, as primeiras páginas
da comunicação impressa deram o ar de sua graça.
Pela inserção e consequente aceitação da construção narrativa do cotidiano, que
prendia a atenção do leitor, ganhando e conquistando gradualmente espaço cativo nos jornais,
os escritores e jornalistas perceberam estar diante de uma perspectiva que permitia a eles falar
da sutileza dos fatos e reinventar a escrita. A crônica rompe paradigmas, se instaura na mídia
impressa, criando um elo entre Literatura e Jornalismo. Mas como ela surgiu? Onde? E em
que período? Talvez seja mais fácil encontrar a resposta de quais as motivações de seu
surgimento. O lugar, e o período certo, é algo mais difícil. Desde a idade média, a crônica
recebe menção. Existem relatos de que no século XV, em Portugal, a arte de escrever crônica
já era utilizada. Um pouco da história dela:
O ano de 1418 é considerado o início, em Portugal, do humanismo, época de
transição da Idade Média para o Renascimento. E o marco desse início foi a
nomeação de Fernão Lopes como guarda-mor da torre do tombo. Essa torre era um
arquivo de documentos e de velhas escrituras do Reino, e a tarefa do arquivista seria
apenas conservá-los. Será, no entanto, muito mais: em 1434, por ordem do então rei
D. Duarte, Fernão Lopes é também nomeado cronista-mor do Reino, com a
obrigação de (...) fazer o registro dos feitos dos antigos reis de Portugal até o reinado
de D. Duarte. E de que esse registro era chamado de “caronyca”, ou seja, crônica.
(BENDER e LAURITO, 1993, p. 11-12).
É através do folhetim que a abertura para essa forma de escrita, que incute cores e
oxigena o real, se institui nos jornais. Essa ingerência teve início na França, no século XIX. A

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entrada dos escritores na esfera jornalística veio a trazer ganhos consideráveis em vários
aspectos. Um exemplo claro: pela publicação nos jornais de narrativas literárias que tinham a
característica de sequenciar um caso, capitulando seus desmembramentos, e com isso,
instigando nos leitores a curiosidade, a vontade de conhecer mais, veio a ocorrer aumento das
vendas. Também, como o livro era caro, restrito a uma minoria, e o jornal, mais acessível para
a grande população, não poderia existir meio melhor para que crônica chegasse a um maior
número de pessoas.
Com o aquecimento das vendas e o consumo ampliado, os jornais puderam baratear o
seu preço final, atraindo mais leitores, de classes sociais diferentes. Por outro lado, os
escritores passaram a ser muito mais (re)conhecidos, passando a ter ganhos financeiros
melhorados. E por fim, os anunciantes seriam beneficiados, também. Pela lógica, tendo maior
exposição de suas marcas, teriam que pagar mais por seus anúncios, mas, em contrapartida,
abocanhariam um público maior e poderiam explorar novas fatias da população,
consequentemente, podendo ter seu produto muito mais vendido. É isso o que nos aponta
(PENA, 2008).
Pela narrativa envolvente, tendo o seu desenrolar fragmentado, a história contada
através de recortes, com pausa, o folhetim mexia com a imaginação das pessoas e estimulava
o antever de várias possibilidades para o final. O leito aderiu prontamente ao gênero. O
recurso pontual do “plot” - (ponto de virada) -, criador de uma situação de elevada carga de
mistério que aguçava a curiosidade das pessoas, fazendo, logo em seguida, o corte brusco,
arrastando sua continuidade para o dia seguinte, levava as pessoas a um grau de avidez que as
arrastava diariamente, ou, semanalmente, para a página folhetinesca do jornal, a fim de
acompanhar a trama. “[...] A ação era sempre interrompida no momento culminante. A hora
do beijo, a descoberta do assassino ou o flagrante do marido". (PENA, 2008, p.29).
O termo, crônica, tem sua origem na palavra grega, Chronikós, que vem a significar
“tempo”. Durante o período medieval, os cronistas utilizavam o gênero para relatar
acontecimentos marcantes e enaltecer reis. Quando de sua chegada ao Brasil, encontrou aqui,
solo fértil para se disseminar. Tendo enorme potencial de simpatia, o gênero crônica, é
revelador e vasculha o pulsar, a “sentimentalidade” dos fatos. Na apropriação dela, o que não
se pode dizer diretamente ganha abordagem poética. Sendo "trabalhada" no pendor criativo da
linguagem escrita, introjeta nos leitores, pela via da compreensão advinda da aplicação do
recurso do eufemismo literário, as maravilhas, bem como, os dramas da condição humana.
A crônica, no sentido em que o termo é comumente usado hoje para designar um
texto jornalístico que aborda os mais diversos assuntos, nasceu de um filão que

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começou no século XIX, na França, e que se transplantou com sucesso para o Brasil.
Esse filão era chamado de folhetim (do francês feuilleton). (...) era um espaço livre
no rodapé do jornal, destinado a entreter o leitor e a dar-lhe uma pausa de descanso
em meio à enxurrada de notícias graves e pesadas que ocupavam – como sempre
ocuparam – as páginas dos periódicos. Com o tempo, a acolhida do público com
relação a esse espaço foi aumentando, e o folhetim passou a ser um chamariz para
atrair leitores. (BENDER e LAURITO, 1993, p. 15).
A crônica como gênero jornalístico tem a característica de possuir um texto curto,
objetivando a leitura breve, rápida, delongas e servindo como uma pausa, um suspiro, sobre as
notícias de maior peso, como as de Economia, Política, Polícia, etc. Nomes importantes do
gênero como os franceses, Balzac, Victor Hugo e Alexandre Dumas; os ingleses, Charles
Dickens e Walter Scott; o russo Dostoievski; os brasileiros, Machado de Assis, José de
Alencar, João do Rio, Olavo Bilac, Coelho Neto, Lima Barreto, entre outros, por intermédio
de suas construções literárias dentro do jornalismo, souberam informar convincentemente e de
modo agradável.
O folhetim teve papel ponderoso na democratização da Cultura. É certo que ajudou
também a despertar o interesse pela alfabetização entre os “marginalizados” sociais. O acesso
à leitura foi estimulado pelas histórias em série e bem contadas. Vejamos outra contribuição
do folhetim: com o engajamento em uma escrita de teor crítico, denunciativo das explorações
sociais, os escritores proporcionaram o despertar para a realidade capitalista. Exemplo claro
disso enxerga-se na figura de Charles Dickens que foi com sua atuação na Inglaterra o
precursor da escrita folhetinesca delativa. Relatando, denunciando a precariedade das
condições de trabalho e o analfabetismo imperante entre os operários ingleses, seus escritos
contribuíram para a implantação de políticas de redução do analfabetismo e para alguma
melhoria nas condições de trabalho.
No Brasil, inicialmente, a crônica, posicionada no rodapé das páginas de jornal, era
somente desdobramento das traduções originárias do francês. Em um momento seguinte, já se
passou a escrever alguma coisa que abordasse nossos aspectos, nossos traços sociais, mas a
roupagem de característica francesa ainda era bem perceptível. Não demorou muito para que
nossos autores imprimissem uma escrita, na qual, assuntos de nossa realidade fossem
“desenterrados”, abordados e esmiuçados. Alguns escritores, sabiamente, na labuta de seus
textos folhetinescos, com ironia fina, com humor, fazendo uso de metáforas, apontavam as
mazelas e a sordidez da sociedade. Manuel Antônio de Almeida, José de Alencar, Machado
de Assis, são nomes que impuseram suas marcas em uma produção folhetinesca destacável.
Estudiosos da crônica literária brasileira assinalam o seu nascimento com o marco
de 2 de dezembro de 1852, data em que Francisco Otaviano inaugura no jornal do

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comercio, do RJ, a seção, a semana, ou seja, os folhetins literários do romantismo.
[...] Convém notar que, mesmo antes da assinalada data de 1852, ainda na década de
40, já o comediógrafo Martins Pena, em folhetins do mesmo jornal do comercio,
exercia a função de crítico dos espetáculos líricos da corte. [...] nesses folhetins, ele
extrapolava a mera apreciação das operas levadas à cena, entremeando não só
digressões pessoais como intervenções hilariantes e de fina ironia, que podem ser
interpretadas como embriões das crônicas de humor [...]. (BENDER e LAURITO,
1993, p. 29).
Durante o período do Modernismo, duas correntes de estilo se revezavam nas
preferências dos leitores. Pelo lado conservador, Coelho Neto e Humberto de Campos; do
lado renovador, Paulo Barreto (João do Rio) e Lima Barreto. O Rio de Janeiro e toda sua
efervescência era o grande centro do país. Na cidade se reuniam os mais célebres cronistas.
Durante a Belle Époque carioca, a crônica retratou com maestria os costumes e pormenores
desse período. Surge nessa época uma referência de cronista que rompia com aquela coisa de
escrever trancafiado nas redações de jornais, abordando somente temas que diziam respeito às
pessoas do topo da pirâmide social, e que passavam longe da realidade das pessoas comuns.
Dando lugar ao relato de suas andanças pelas ruas históricas do Rio, como a Rua do Ouvidor
e a Avenida Central; pelos subúrbios; pelas faixas de moradia dos relegados sociais nos
morros e cortiços, traziam ao conhecimento as dificuldades enfrentadas pela população mais
carente. Muito se utilizava desse artifício, Paulo Barreto, o João do Rio.
O grande cronista da cidade e o grande João da época, no entanto, vem a ser o
inquieto andarilho do rio e digno representante da belle époque carioca, com suas
rodas boemias e cafés e as ideias efervescentes do pós-primeira grande guerra: João
do rio, ou seja, o jornalista, contista e cronista Paulo Barreto. Assumindo o
pseudônimo que o popularizou, Paulo Barreto representa a corrente renovadora da
crônica pré-modernista, que tira o cronista do gabinete ou da redação do jornal e o
leva às ruas, transformando em reportagem de campo os flagrantes, depoimentos e
impressões dos mais variados aspectos da vida urbana. João do rio não só fez a
crônica leve e mundana da vida social do rio de seu tempo, como também registrou
e denunciou os contrastes de uma cidade em que conviviam a beleza da paisagem e
as mazelas sociais, como a insalubridade, o vicio e a miséria.
(BENDER e LAURITO, 1993, p. 35).
Um nome de ponta do gênero no Brasil foi Machado de Assis. Egrégio cronista,
jornalista, escritor, sábio literato, ele soube fazer um interessante paralelo entre a crônica e a
História. “A história é uma castelã muito cheia de si e não me meto com ela. Mas a minha
comadre crônica, isso é que é uma velha patusca, tanto fala como escreve, fareja todas as
coisas miúdas e grandes, e põe tudo em pratos limpos”. (ASSIS apud NEVES, 2001, p. 21).
A crônica, identificando-se com o jeito brasileiro de ser, com o perfil de jornalistas e
escritores da terra tupiniquim, ligando-se à população pela contundente abordagem cultural do

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país, criou a ideia de que era um fenômeno concebido pelo brasileiro. Alguns estudiosos
afirmam que no Brasil a crônica ganhou roupagem e adereço especiais. Um jeito único de ser.
E é no Rio de Janeiro que ela encontrou melhor acolhimento. Pela quantidade de autores, pelo
estilo, constância e qualidade dos cronistas do Rio de Janeiro, ela, a crônica, passa a ser
apontada como produto cem por cento carioca. É isto o que destaca (MOISÉS, 1982).
O cronista imerge nas pulsações cotidianas. Com fortalecedor fôlego, capta, recolhe
possibilidades e trás à tona aspectos não tão comuns, e por isso, tão especiais. Alguns
cronistas pautaram a sua escrita na descrição de particularidades latentes dos acontecimentos
que gravitam certos círculos sociais, como as histórias da vida nas favelas; a informalidade
dos gabinetes políticos; os crimes; os rituais das doutrinas religiosas. Essa faceta fortaleceu o
grau de interesse do leitor pela crônica.
Na descoberta do Brasil, conta-se que esse acontecimento foi relatado por meio de
uma crônica. Existia na época o costume de as embarcações dos desbravadores terem um
contador de histórias, o sujeito que ficaria responsável pelo armazenamento dos fatos em
linhas escritas. Este sujeito devia ser fidedigno ao que acontecia. Os portugueses sentiam
necessidade de registrar todas as impressões que permeavam suas viagens. Precisavam,
forçosamente, descrever para o rei tudo o que havia na nova terra.
A pré-história literária brasileira começa com uma crônica. Isso, dizem os
estudiosos. Com efeito, crônica, no velho sentido da palavra, é a carta de Pero Vaz
de Caminha, o escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral, que relata ao rei D.
Manuel os lances da descoberta do Brasil em 1500. Como a carta só chegaria ao
destinatário tempos depois do evento, os acontecimentos relatados no momento
mesmo da descoberta já se constituíam, por si, um registro do passado. Nesse
sentido, Caminha comporta-se como um cronista à moda do quinhentismo
português. No entanto, comporta-se também como um cronista no sentido atual da
palavra – o de flagrador do tempo presente – na medida em que o seu relato é
contemporâneo dos acontecimentos que narra. Caminha é o cronista do cotidiano do
descobrimento, ou seja, do ‘hoje’ de 1500. (BENDER e LAURITO, 1993, p. 12).
Livros conhecidos tiveram, inicialmente, suas publicações em jornais, através do
estilo: romance–folhetim. O Guarani, de José de Alencar; Memórias de um Sargento de
Milícias, de Manuel Antônio de Almeida; O Ateneu, de Raul Pompéia; Triste Fim de
Policarpo Quaresma, de Lima Barreto. Nelson Rodrigues, na década de 1940, ressuscitou o
gênero. O escritor - sob o pseudônimo de Susana Flag - publicou folhetins na imprensa
carioca, entre 1944 e 1947, nos Diários Associados. E como esquecer, “A vida como ela é”,
publicada no jornal Última Hora, durante as décadas de 1950 e 1960? Esse modelo de crônica,
chamado de folhetim faz sucesso até hoje e, estrondosamente, conquistou outra mídia, a
televisão.

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Como instrumento que pelo seu modelo atrativo é capaz de fazer o leitor enxergar uma
“outra verdade” que repousa sobre todo e qualquer aspecto do cotidiano, assim, a crônica
pode ser entendida. O cronista examinando o que vai ser descrito se aprofunda de tal maneira
que afronta o real formalizado e, descobrindo novos horizontes que não deixam de ser facetas
da realidade, sai do convencionalismo e revela um universo ainda não perceptível, defende
(SÁ, 2002).
Em se tratando de futebol, a aproximação com a crônica foi coesa, próspera,
iluminativa, significantemente valorosa. Diante do aguçamento sobre os fatos, revelando
assim toda a poética e dramaticidade do esporte, o gênero conseguiu atingir os corações dos
milhões de apaixonados do futebol. Por intermédio das crônicas esportivas o entendimento de
que o futebol é uma instituição nacional foi claramente propagado, fincando raízes na
sociedade. A crônica esportiva brasileira contribuiu para o dilatar da paixão do torcedor,
insuflando a compreensão de ser este ato, o de torcer, um grande exercício social.
3.1 A CRÔNICA ESPORTIVA BRASILEIRA
A crônica esportiva no Brasil tem registros esparsos de existência datados do final do
século XIX. É no início do século XX que passa a ser perceptível nos periódicos brasileiros e,
principalmente, nos do Rio de Janeiro. Mas não a crônica da forma que se conhece hoje em
dia. Era bem diferente. O que existia nos jornais era na verdade um reduzidíssimo espaço
destinado à informação - geralmente posterior ao evento em si – de qualidade reles,
minguada, com um estilo que prezava pela escrita rebuscada e o uso de terminologias de
origem inglesa.
A compreensão do que era escrito, o interesse pela leitura, ocorria somente entre os
letrados. A linguagem inacessível ao povo o fazia passar longe daquele curto espaço
destinado aos eventos esportivos. Aquela abordagem fria não traduzia a atmosfera do evento
em si. Os esportes em evidência eram o Turfe, o Remo, o Críquete, o Ciclismo e o Atletismo,
que recebiam cobertura tímida e inexpressiva na imprensa. Inicialmente, nomes como Olavo
Bilac, Coelho Neto e João do Rio encontraram na crônica esportiva uma base que poderia se
constituir como instrumento eficaz de defesa da prática do esporte. Posteriormente, o futebol
vencendo resistências, rompendo preconceitos, iria se situar definitivamente dentro da
imprensa, conquistando o seu lugar, e o rol de cronistas esportivos seria alargado.
Na década de 1900, com o futebol no Brasil em início de sua construção histórica,
gerando o surgimento de times, dos primeiros campeonatos regionais, a crônica esportiva,

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ainda incipiente, quase não falava sobre o esporte. E quando falava, era só para informar
sobre o placar de partidas já realizadas. E nada mais. Na década de 1910, os periódicos
começaram a informar, diariamente, os locais e horários de treinamento das equipes, e das
partidas que seriam realizadas. Informação relativa a estádios, ao público presente, às
escalações das equipes, também vinha a ocorrer. Portanto, já havia certo avanço, uma
conquista inicial.
Entre o final da década de 1920, e durante toda a década de 1930, a crônica esportiva
torna-se uma realidade, com o futebol já fixado na sociedade. As redações começam a ganhar
jornalistas interessados em trabalhar na editoria de Esportes, outrora, desprezada. Passa-se a
enxergar o futebol como assunto que, se melhor explorado, poderia cativar o leitor, trazendo
ganhos consideráveis ao veículo de comunicação.
Muito da insertação, afirmação, e consolidação da crônica esportiva deve-se ao
trabalho dedicado, ousado, desbravador, do jornalista Mário Filho. Ele que acreditava ser o
esporte, e com maior vigor o futebol, instrumento de transformação social, com grande
poderio para encantar e proporcionar esfuziantes alegrias, tendo um papel extremamente
sadio, é figura precursora. Em outro patamar, a de se destacar a atuação do paulista, Thomaz
Mazzoni. O também cronista esportivo, que começou na década de 1920 a trabalhar no
jornalismo esportivo paulistano, introduziu conceitos e formas novas no trato do futebol como
notícia. Em livros e artigos registrou muita coisa importante.
Da mentalidade de Mário Filho, que não se cansava de perceber o futebol como
atividade redentora para o homem, a crônica esportiva brasileira é reinventada. A crônica
esportiva consegue creditar o futebol como exponencial assunto e o faz se revestir de valor-
notícia. Trazendo para a redação esportiva, talentosos profissionais da escrita, da
diagramação, da fotografia, e inovando nas construções textuais e de imagens, Mário Filho
revolucionou a crônica esportiva brasileira por completa. É na década de 1940 que a crônica
esportiva se estabelece, conquista de vez o leitor e demarca o seu lugar nos impressos.
Mário Filho inventou uma nova distância entre o futebol e o público. Graças a ele, o
leitor tornou-se tão próximo, tão íntimo do fato. E, nas reportagens seguintes, iria
enriquecer o vocabulário da crônica de uma gíria irresistível. E, então, o futebol
invadiu o recinto sagrado da primeira página [...]. Tudo mudou, tudo: títulos,
subtítulos, legendas, clichês. Abria-se a página de esporte e lá vinha o soco visual: -
o crioulão do Flamengo enchendo a página [...]. O jogador aparecia em pleno
movimento, crispado no seu esforço. E as figuras plásticas, elásticas, acrobáticas
davam às páginas tensão e dramatismo. E, com isso, o diretor, o secretário e o
gerente descobriram futebol e o respectivo profissional. O cronista esportivo
começou a mudar até fisicamente. Por outro lado, seus ternos, gravatas e sapatos
acompanharam a fulminante ascensão social e econômica. (RODRIGUES, 2007, p.
75).

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Ele foi o primeiro jornalista a reconhecer a importância, não só do personagem, o
jogador, o atleta, mas também, do torcedor. Dando voz, espaço, visibilidade ao jogador, e ao
torcedor de futebol, desprendeu-se da narrativa comum e usual e pôs em curso um estilo no
qual a deferência a esses personagens do futebol era muito bem empregada. Seu enfoque não
recaía somente sobre circunstâncias comuns de uma partida de futebol. O choro do perdedor;
o riso solto do vitorioso; a dor dilacerada da contusão; o olhar compenetrado do torcedor; a
vida do atleta fora das quatro linhas, nada disso, passava despercebido. Mário Filho ia muito
além. Tratava o futebol como espetáculo. Os seus agentes, os do campo e os da arquibancada,
alcançaram prestígio nunca tido antes. Seus anseios, suas vidas, a intensidade de suas
emoções, de ambos, jogador e torcedor, esses fragmentos, saltaram para as páginas dos
jornais.
Mário Filho fomentou muitas ações que visavam defender, promover a prática
esportiva entre o povo. Estimulou disputas sadias e ajudou a levar públicos consistentes para
os estádios de futebol porque conseguiu fazer o torcedor enxergar a sublimidade do esporte.
Promoveu inúmeros concursos/sorteios para trazer maior apelo às partidas. Mário
desenvolveu, revigorou a crônica esportiva brasileira e teve a preocupação de não deixar no
esquecimento a narrativa dos acontecimentos do futebol brasileiro ocorridos no início do
século XX. Resgatou essas histórias e em livros e crônicas, gravou para a posteridade as
primeiras manifestações do futebol carioca. Do futebol brasileiro.
[...] Mário Filho é, sem dúvida, o maior nome da imprensa brasileira ligada ao
futebol. Para muitos ele é o verdadeiro criador da imprensa e da crônica esportiva
brasileira. Na direção das páginas de esporte de A Manhã (1927), A Crítica (1928 e
1929) e O Globo (1931 a 1942), e como proprietário de O Mundo Esportivo (1931 e
1932) e do Jornal dos Sports (1936 a 1966). Mário Filho revolucionou a imprensa
esportiva brasileira, ampliando enormemente seus espaços, colocando os jogadores
no centro da cena, publicando entrevistas, biografias e fotos dos atletas em ação, ao
invés de poses em terno e gravata, etc. Em seus textos, Mário Filho forjou a
linguagem da crônica de futebol e abalou os costumes linguísticos de toda a
imprensa esportiva. Os clubes passaram a ser chamados por seus nomes populares, o
jargão futebolístico, até então falado em inglês, foi abrasileirado e o futebol ganhou
um tratamento lírico, dramático e humorístico que até então era inédito. Além do
trabalho em jornais, Mário Filho publicou vários livros, entre eles o clássico O negro
no futebol brasileiro, considerado uma das obras mais importantes da literatura
futebolística brasileira. (CASTRO, 1996, p. 122).
O brasileiro sendo um ser que respira futebol, que se alimenta dele, que tem esse
esporte cravado em suas entranhas, parece sentir-se mais resistente na vida, por levar para
esta, lições absorvidas do futebol que parecem auxiliar na formatação de sua compleição
social, psíquica e sentimental. Na crônica esportiva, encontra o seu repouso diário, a sua

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historiadora mais confiável, o agente estimulador das emoções. Pensa também assim,
(ANTUNES, 2004, p.40): “O futebol foi utilizado pelos cronistas como uma possibilidade de
observar e discutir o estilo emocional dos brasileiros, que pensavam a sua comunidade
nacional por meio do futebol”.
O jornalista Nelson Rodrigues, irmão de Mário Filho, logo também, foi tocado pela
possibilidade de fazer o seu texto primoroso beber da fonte da crônica esportiva. Teve a ela
como companheira até a sua morte. Contraiu com ela uma relação intensa e muito produtiva
que enriqueceu a “vida” do futebol brasileiro e de seu torcedor. E Mário Filho intensificou em
Nelson esse gosto pela crônica esportiva. Com uma escrita notável, arguta, perspicaz, que
transbordava no papel, linhas e linhas de inigualável clarividência, de beleza ímpar, Nelson,
era um farol. Enxergava um jogo diferente, mas que era, o jogo real – mais amplo - que unia
elementos do campo de jogo com os da vida.
As crônicas de futebol de Nelson Rodrigues são mais do que um exemplo desse
processo pelo qual o texto cronístico torna-se um lugar privilegiado para a
construção e cristalização dos sentidos que o imaginário coletivo brasileiro atribui
aos acontecimentos, personagens e instituições do mundo do futebol. Nelson
Rodrigues foi, ao lado de Mário Filho, um dos grandes artífices da mitologia
futebolística brasileira. Talvez porque suas crônicas, extravagantes, polêmicas e tão
apreciadas pelo público, sejam aquelas em que a interpretação do futebol se faz de
forma mais radicalmente livre da objetividade jornalística. Nas crônicas de Nelson
revela-se, para além dos aspectos objetivos, que ele chamava de ‘termos chatamente
técnicos, táticos e esportivos’ toda uma outra dimensão do futebol: as interferências
do sobrenatural, o dramatismo dos grandes jogos, o lirismo do estilo dos craques, e
todo um mundo particular em que os acontecimentos, personagens e instituições do
universo futebolístico tornam-se signos de um universo mais amplo, que é a própria
vida do homem. (SILVA, 1997, p. 40).
Do passo precursor dado por Mário Filho, da reinvenção da crônica esportiva, ocorreu
o crescente interesse pelo o que se escrevia sobre futebol nos jornais. Os empresários, donos
de jornais, enxergaram que o futebol era um grande “negócio”. Precisavam,
permanentemente, nivelar por cima aquele espaço e a qualificação dos profissionais
responsáveis por tratar do assunto era uma necessidade. Dessa exigência, brotou o estímulo
para que os jornalistas que viessem a enveredar pela editoria de esportes buscassem a
especialização para melhor descrever os fatos.
Comenta (COSTA, 2001) que a editoria de esportes, antes, um ofício para iniciantes,
começa a passar por uma reestruturação e os profissionais são selecionados a dedo – os
melhores – para aprenderem sobre o assunto futebol. Esses profissionais teriam de ter
conhecimento de regras, estudar a história do futebol e de seus personagens, se aprofundar no
tema, para que as implicações sociais deste esporte em nossa cultura fossem compreendidas.

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Aos jovens cronistas esportivos de hoje pode parecer incrível que um dia as páginas
dedicadas ao futebol por nossos jornais fossem tão sem vida. Os noticiários dos
clubes não passavam de burocráticos boletins, o relato dos eram desprovidos de
qualquer emoção, tratava-se o futebol como hoje se tratam as corridas de cavalo:
colocações, tempos, nomes dos jóqueis, dos proprietários, pules, tudo em forma de
fichas. E a emoção onde ficava? Os principais personagens das páginas esportivas
de antigamente, quando acontecia de se trocar, números por nomes eram os
“cartolas” e não os craques. Como se estes não passassem de coadjuvantes no
apaixonante drama do futebol. As coisas eram realmente assim. Quer dizer, antes de
Mário Filho entrar em campo. Não há qualquer exagero em se dizer que Mário é o
pai da moderna crônica esportiva brasileira, aquele que descobriu no futebol uma
fonte permanente de histórias admiráveis, das quais heróis eram os jogadores. Hoje
pode parecer obvio que assim seja, mas há 40,50, anos, o papel de Mário foi de fato
pioneiro, para não dizer revolucionário. Inventando a mitologia do futebol, ele
reinventou a crônica. Do que este o negro no futebol brasileiro é um (e talvez o mais
eloquente) exemplo. (MÁXIMO apud RODRIGUES FILHO 2003, p.15).
Ao se estudar a história da crônica esportiva no Brasil perpassa-se por célebres nomes
que souberam colocar o futebol em patamar de destaque nas páginas de jornal. Através de
suas crônicas, que recriavam o cenário consorciando formosura, embelezamento, aguçavam
os sentidos, fazendo fluir o encanto do esporte e o seu papel destacado no cotidiano da vida de
sua hoste de amantes. Esses cronistas souberam dar passagem, em tapete vermelho, ao
comovente espetáculo do futebol.
São ícones da crônica esportiva brasileira, entre vivos e mortos, figuras como
Armando Nogueira, João Saldanha, Luiz Mendes, Sócrates, Juca Kfouri, João Máximo,
Teixeira Heizer, Fernando Calazans, Ruy Carlos Ostermann, Henrique Pongetti, Sandro
Moreyra, Sérgio Porto, Tostão. Os que não oficiosamente tinham o compromisso diário da
escrita sobre futebol, mas que, por vezes e vezes, como amantes que eram do esporte, não se
privaram de trilhar pela crônica esportiva: Paulo Mendes Campos, Rubem Braga, Carlos
Drummond de Andrade. E os de hoje, Luis Fernando Veríssimo e Xico Sá, com maior
frequência; Nelson Motta; Arthur Dapieve; Nando Reis, só para citar alguns, que
esporadicamente fazem questão de exercitar a escrita sustentabilizada no futebol.
Demarcando o assunto da crônica esportiva brasileira no tocante à aproximação com o
torcedor do clube de maior torcida do país, o contorno destacado, fortemente traçado, salta
aos olhos e apresenta as crônicas de José Lins do Rego, Nelson Rodrigues e Mário Filho,
escritores prodigiosos que souberam com primazia, talento ímpar, descrever o torcedor do
Clube de Regatas do Flamengo. Revestindo esse torcedor de grossas camadas cintilantes,
construídas com grandes medidas de alegria, amor, suor, lágrimas e a entrega desmedida ao
clube. Com aura peculiar, de carregada e incomparável satisfação que o arrebata e o faz

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bradar com todo o orgulho que a sua alegria, a alegria rubro-negra, é a mais pura, a mais
intensa, incomparável. Assim, com altivez, o torcedor rubro-negro é apresentado.

87
4 O TORCER PELO FLAMENGO NA VISÃO DOS CRONISTAS ESPORTIVOS
A crônica esportiva brasileira e o Flamengo, mutuamente, potencializaram-se.
Agraciados pela força expositiva, de um e do outro, tornaram-se, pela aproximação
estabelecida, promotores recíprocos, e com isso, mais consumidos. A crônica ajudou a
espalhar os grandes feitos do clube e contribuiu para, de certa forma, tornar o clube mais
admirado e amado. O Flamengo deu aos veículos de comunicação, de todos os segmentos e,
em particular, ao impresso, no caso os jornais, amplas vendagens. É de extremada ignorância,
pouco inteligente, relutar em aceitar, em pleno século XXI, que desde sempre os meios de
comunicação foram, são e continuarão sendo corporações que assentam a sua preocupação
central sobre quesitos econômicos, financeiros e de lucro. Se pautar em notícias chamativas,
de forte apelo, é prática comum. Não tem para onde fugir. É a lei da sobrevivência de
mercado. Daí a noção de valor-notícia.
Pensar dentro desse paradigma é normal e aceitável. A mídia busca por notícias
vendáveis, essa é a máxima. Contudo, mesmo com essa mentalidade empresarial, não se deve
desacreditar os meios de comunicação, achando que o descompromisso com a verdade seja
imperante. O exercício jornalístico goza de autonomia, liberdade, e não deve se estabelecer
pela interferência de interesses escusos. Ele só se mantém vivo porque o seu oxigênio é o
compromisso com a veracidade dos fatos. Essa é a regra.
O Flamengo se reveste de histórias avultadas, sólidas, atraentes, valorosas, reveladoras
de seu “estado existencial”. Por isso teve, tem e sempre terá espaço na mídia. O clube é
incontestável elemento de repercussão. É de amplitude nacional. As suas façanhas, a torcida
apaixonada e festeira, as personalidades que ao Flamengo se entregaram de corpo e alma, as
vitórias, os dramas superados, tudo isso, determinou a exposição constante do clube na
imprensa esportiva. Além, é claro, do fato de os veículos de comunicação terem percebido o
melhor de todos os aspectos, comercialmente falando, quando o assunto é o Flamengo. A
torcida do clube. Pela sua proporção em escala desdobrada, alargada, múltipla, extensa,
numerosa ao extremo, configura-se como vasto e potencial consumidor.
Ao estudar o Clube de Regatas do Flamengo e o tratamento dado a ele pela crônica
esportiva brasileira, verifica-se que o tema, Flamengo, – formatado na união instituição-
torcida – aqueceu, arrefeceu e germinou com força dentro do jornalismo esportivo. Pelo traço
simples, mas não superficial, inteligente, evocativo, de plena vazão à voz da alma, comum ao
estilo de escrita da crônica, o Clube de Regatas do Flamengo encontrou um fabuloso canal
permitidor de formação constante de novas fatias de torcida.

88
No período das décadas de 1930 e de 1940, o que se viu foi a crescente exploração de
qualquer viés noticioso que fizesse menção ao Flamengo pelos veículos de comunicação, pela
Literatura, Música, Cinema, Rádio, Televisão, e por aí vai. Na mídia impressa, três
exponenciais cronistas esportivos, José Lins do Rego, Nelson Rodrigues e Mário Filho, se
apropriaram com maestria do espaço entregue a eles nos maiores jornais do país e
brilhantemente souberam trabalhar o assunto Flamengo e seu torcedor. Nos jornais O Globo,
Última Hora, Jornal dos Sports, Correio da Manhã; na revista Manchete Esportiva, jorraram a
verve jornalístico-literárias em produções de notável valor.
Pelo desejo comum de estimular nas pessoas o captar da importância do futebol como
meio de se chegar ao âmago de nossa identidade nacional, foram atuantes e incisivos na
valorização da autoestima de nosso povo. Pela personalidade, a lisura de caráter, a imagem
límpida concebida, o status nacional alcançado, escreviam o que queriam, do jeito que
convinha às suas certezas, para apresentar suas percepções mais verdadeiras. Nunca aceitaram
interferência no que vieram a produzir.
Impuseram paixão em tudo o que se propuseram a descrever e como baluartes da
escrita penetrante e inteligente, despejada na Literatura e no Jornalismo, em altíssimo padrão,
exaltaram, não só o Flamengo, mas, todo o futebol brasileiro, o nosso escrete verde e amarelo.
Colocando o sentimento de brasilidade em estágio altaneiro, agindo como gerador de orgulho
nacionalista e desencadeador da salvadora absorção pelo povo da percepção de, através do
futebol, se sentir como potência no mundo. Foram irretocáveis estimuladores da aceitação
pelo brasileiro de sua condição especialíssima, de característica distinta, constituída pelo traço
significativo da mestiçagem, da fusão de raças, de credos, que torna o brasileiro diferente,
positivamente falando.
Torcedor assumido do Flamengo, José Lins do Rego escreveu por longos anos no
“Jornal dos Sports” – quase a totalidade de suas crônicas esportivas foram geradas nesse
periódico. Na coluna, “Esporte e vida”, deu vida a crônicas recheadas de exaltação ao clube
rubro-negro que patenteavam todo o seu sentimento de amor vigoroso. Foi colaborador de
Apparício Torelly, - o Barão de Itararé – no lendário jornal, “A Manha”, que misturava
comicidade e acidez de forma contundente. Não confundir esse jornal, “A Manha” – que foi
um dos mais populares jornais de humor do país – com o jornal, “A Manhã”, de Mário
Rodrigues.
José Lins do Rego foi um examinador social e se aprofundou na compreensão dos
motivos que levavam o torcedor a tão vibrante postura diante do seu time de coração. Lógico,

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usou o torcedor do Flamengo como objeto de análise. Lançava-se nas arquibancadas buscando
atingir a sintonia com a massa, abstraindo dela significados ocultos da vida. Mesmo vendo o
futebol como possibilitador de certa civilidade, passional que era, transformava-se em crítico
contumaz dos que enxergavam o futebol como algo “menor”, e o ofício do torcer como uma
insanidade, um ato raso e desnecessário. Contra esses, soltava o verbo. Não tinha papas na
língua. Se a crítica, então, era ao Flamengo a resposta vinha como uma defesa acalorada da
instituição rubro-negra, sob a qual, segundo ele, repousavam traços da brasilidade mais pura.
“O Flamengo começou como uma brincadeira de rapazes para se transformar na grandeza dos
nossos dias, no clube que é a soma de todas as qualidades e defeitos do brasileiro”. (REGO,
15.11.1947, JORNAL DOS SPORTS).
Por doze anos suas crônicas permearam as páginas de cor rósea do Jornal dos Sports.
Parte dos academicistas sempre tentou diminuir a relevância das crônicas esportivas dentro da
obra de José Lins, classificando essa produção como uma distração desinteressante. Existia
preconceito dos letrados com o futebol. O escritor paraibano ria dos maledicentes. Dizia se
realizar escrevendo crônicas de futebol. “A um escritor muito vale o aplauso, a crítica de
elogios, mas a vaia, com a gritaria, as laranjas, os palavrões, deu-me a sensação da
notoriedade verdadeira. Verifiquei que a crônica esportiva era maior agente de paixão que a
crítica literária ou o jornalismo político”. (REGO apud COUTINHO, 1995, p. 39). Para o
cronista a relação de aproximação existente entre o Flamengo, o Nordeste brasileiro e a
identidade nacional, era uma constatação e, em cima dessa premissa, ele construía seus
enredos saborosos de louvação ao clube de seu coração.
Nelson Rodrigues, o cronista dramático, afeito a recorrências místicas, ao desbravar da
alma humana, conseguia de um fato comum haurir grandes significados. Dessa habilidade, ia
fundo em suas considerações sobre o futebol brasileiro encontrando no grande espetáculo das
arquibancadas, e naquele do campo de jogo, heróis em suspenso, que exalavam patéticos
registros de existência. Em uma partida de futebol, Nelson enxergava um outro jogo. O jogo
metafórico, associativo com a vida, cheio de emoções, com as alegrias, quedas, superações,
dramas, traumas que adentram o campo da psicologia humana e transitam pelo universo do
futebol. Conseguia descrever um lance, uma partida, um personagem, vitórias e derrotas, com
embelezamento e poesia, instigantes.
Era frequentador assíduo do Maracanã. Todo domingo, depois do almoço, era
programa obrigatório à ida ao estádio. Soube fazer uma “leitura” antológica do torcedor do
Flamengo. Mesmo sendo o Fluminense o seu time do coração, não se privava de realizar
observações profundas que destacavam o jeito único de ser do torcedor rubro-negro. Colocou

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o clube em grau excelso de excepcionalidade. Sua produção de crônicas esportivas que
tinham o Flamengo com adjetivação valorosa, despejadas nos jornais, O Globo, Jornal dos
Sports, Última Hora, e na revista Manchete Esportiva, tem chance acentuada de ter
contribuído para a conquista de novos torcedores para o Clube de Regatas do Flamengo.
Notabilizado pela implantação de uma “nova crônica esportiva”, pelo interesse em
registrar histórias do futebol, por dedicar-se em desenvolver eventos esportivos, para todos os
gostos, Mário Filho foi outro cronista salutar para a construção da imagem destacada do
Flamengo e de seu torcedor. Para o povo de uma cidade imensamente esportiva, o Rio de
Janeiro, foi inegavelmente, esmerado artífice, o “arquiteto” cabal de grandes acontecimentos
substanciais para o bem estar da população. Um fomentador de emoções.
Defensor do esporte e da acessibilidade das pessoas à sua prática, acreditava ser
possível encontrar o contentamento, alcançar a satisfação, por intermédio da prática esportiva,
mais ainda, pelo futebol. Entendia que através do futebol o cidadão comum poderia encontrar
significados que seriam úteis para a vida inteira. Incentivou a população a acompanhar de
perto o futebol. Fosse pela leitura da editoria de Esportes, ou pela ida ao estádio, as pessoas
deveriam se deixar levar por essa paixão. Tratou de aproximar do povo, os ídolos dos clubes e
da seleção. Trouxe a realidade deles ao conhecimento do torcedor. Assim, o torcedor pôde os
conhecer melhor. Trabalhou como talentoso “promoter” do futebol e do esporte, por assim
dizer.
Teve a preocupação de preservar a história do futebol brasileiro do início do século
XX. Publicou em livros, boa parte dela. Presenteou o Flamengo com uma obra prima, o livro
“Histórias do Flamengo”, item raro, valioso, de inestimável relevância para o clube e seu
torcedor. Foi autor também de um livro exponencial que revela a inserção, contra todas as
forças da sociedade, do negro no futebol brasileiro. Esse livro é algo tipo, “Casa Grande e
Senzala” da nossa literatura esportiva. “O Negro no futebol brasileiro”, é livro referência para
estudiosos do futebol, jornalistas, historiadores, sociólogos, quando se busca conhecer a
relação do esporte com o tema racial.
Muito reservado, Mário Filho não revelava claramente para qual time torcia. Algumas
pessoas próximas que conviveram com ele afirmam que o Flamengo era o clube do seu
coração. Ele não assumia esta condição em público, talvez, por dois motivos. Por ter sido
habilidoso e fino, um gentleman, no trato com as pessoas ligadas ao futebol, independente do
clube para o qual torciam. Pensava ser necessário não se declarar torcedor deste ou daquele
time, a fim de preservar o bom relacionamento com todos. E o outro motivo era o fato de
quase toda a sua família ser Fluminense.

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Escreveu livros que abordaram o universo do futebol: Copa Rio Branco, Histórias do
Flamengo, O Negro no futebol brasileiro, O Sapo de Arubinha, Romance do Football, Viagem
em torno de Pelé. Utilizou uma metodologia de contar histórias que era pautada na
sustentação de suas lembranças, na busca do relato oral de quem havia vivenciado o tema
proposto. E aí confrontava essas informações com as de livros, com os registros históricos –
com tudo o que existia em arquivos - e voltava a ouvir seus entrevistados. Acreditava que
deste modo, a sua produção seria mais fiel, representativa, estampa clara, inequívoca dos
fatos.
Os três cronistas citados foram inseridos no panteão dos grandes representantes do
gênero no Brasil. Da cristalina observação, da sensibilidade apuradíssima de José Lins do
Rego, Nelson Rodrigues e Mario Filho, a história, o papel esportivo e social do Clube de
Regatas do Flamengo, e, em especial, a fulguração de sua torcida, são reunidos, interpretados
e postos em evidência. O Flamengo tem no seu torcedor, proclamado como o seu décimo
segundo jogador, ou, por certo prisma, o primeiro, metaforicamente falando, sua
representação mais exata.
4.1 A ALEGRIA RUBRO-NEGRA POR JOSÉ LINS DO REGO
José Lins do Rego é sinônimo de Nordeste, Brasil, Paixão, Povo, Literatura e
Flamengo. Nascido em um engenho açucareiro na cidade de Pilar, em 03 de Junho de 1901,
esse paraibano é reconhecidamente um dos maiores escritores de nosso país. No recurso de
rememorar sua infância, descreveu com primor o auge e o declínio dos engenhos e usinas de
cana de açúcar do nordeste brasileiro.
O traço regionalista foi sempre marcante na sua produção literária. Sua escrita era de
uma espontaneidade admirável. Produziu em larga escala, com qualidade reverenciada, e seu
nome figura na lista de notáveis da Academia Brasileira de Letras. José Lins era um obcecado
em defender a ideia de que vinha a residir na nossa mestiçagem valor profundo, que tornava o
nosso povo diferente de todos os outros.
Criado nos engenhos do avô materno, na Paraíba, conviveu desde cedo com o
sentimento da solidão. Foi uma criança triste. Perdeu a mãe cedo - nove meses após ter
nascido - e seu pai o abandonou, após a morte da progenitora. O avô destinara as outras filhas
para cuidar da criança. Tia Maria foi a primeira. A saúde fragilizada por crises frequentes de
asma também o manteria recluso. Nesse período, sua maior diversão era se juntar aos filhos
das serviçais para brincar e tomar banho de rio.

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Formou-se em Direito, em Recife, no ano de 1923. Contudo, o ofício que gostava
mesmo era o da escrita literária. Após morar em Minas Gerais e Maceió, ocupando cargos de
promotor público e fiscal de bancos, respectivamente, chega ao Rio de Janeiro, em 1935, para
assumir a função de fiscal do imposto. Na cidade maravilhosa viveria, em definitivo. Três
anos após a sua chegada ao Rio, durante a copa do mundo da França, em 1938, que
acompanhou pelo Rádio, como em um desabrochar, se apaixona avidamente pelo futebol e,
mais ainda, pelo Clube de Regatas do Flamengo. O ídolo da seleção brasileira, Leônidas da
Silva, jogava no Flamengo.
Seu arrastamento ao Flamengo seria de tal magnitude que chegou a ter participação na
vida do clube como dirigente. No entanto, foi como torcedor, colaborador efetivo,
dedicadíssimo, que ele ficou conhecido na história do clube. Zé Lins, carinhosamente
chamado assim, era celebrado pelo torcedor do Flamengo por, sendo um homem letrado, da
elite intelectual, ter feito da arquibancada o seu lugar predileto.
Marcado por romances consagrados como Menino de Engenho, Doidinho, Banguê,
Água mãe, O Moleque Ricardo, Riacho Doce, Fogo Morto, entre tantos outros, inegável foi
sua contribuição para a crônica esportiva brasileira. Nelas, a pujança sentimental, a veemência
da escrita, o raciocínio fervilhante, a paixão, em mais alto grau, pairaram sem cessar. Foi
autêntico ao extremo e sobre elas derramou, sem receios ou pudores, todo o pendor clubístico
e o seu ufanismo comovente.
O Flamengo foi tratado, aclamado, revelado, exaltado em larga escala em suas
produções. Dizia que sua vida sem o Flamengo era um vazio só. “Graças ao Flamengo,
cheguei a compreender muitas coisas, inclusive a aproximar-me ainda mais de Deus [...] O
Flamengo sempre me fez tão alegre que chego a me confessar triste de não ser Flamengo há
mais tempo”. (REGO, apud COUTINHO, 1984, p.45). Com destreza, com propriedade,
laureou a torcida rubro-negra com seus escritos. Possuía sensibilidade aberta e gostava de
estar no meio do povo. Foi o cronista-torcedor, sem disfarces, e entregue à paixão pelo
Flamengo. Era capaz de qualquer coisa pelo clube.
Detestando a utilização da fala difícil dos bacharéis, sua preocupação era conseguir
tocar o coração do povo. Deu as costas à escrita rebuscada e com uma linguagem que o povo
entendia viu suas ideias fluírem, a aceitação popular acontecer, e a torcida rubro-negra
endeusá-lo. Amava tanto o Flamengo que chegava a passar mal durante os jogos, sendo, em
dado momento, proibido pelos médicos de acompanhar futebol. Claro que esse conselho
entrou por um ouvido e saiu pelo outro. Só nos últimos dias de vida, internado no Hospital
dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro, é que teve de se controlar pra valer.

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Ocupou a cadeira de número 25 da Academia Brasileira de Letras. Passou a ser
membro, a partir de 1955. Conviveu pouco tempo naquele ambiente que não era muito do seu
feitio e ao qual, em seu discurso de posse, já havia proferido críticas contra o comportamento
de seus membros. A frieza da intelectualidade, a academia em afastamento do povo, muito o
incomodava. Faleceu dois anos após entrar para o círculo acadêmico, em 1957, aos 56 anos de
idade. Consta como causa mortis, cirrose do fígado, síndrome hepatorrenal e acidose urêmica.
Foi sepultado no cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro, no mausoléu da Academia
Brasileira de Letras. Uma enorme bandeira do Flamengo envolveu o caixão e não foi mais
retirada. Seguiu com Zé Lins.
Durante todo o tempo em que ficou internado - aproximadamente quatro meses -
esteve ao seu lado, o amigo e poeta, Thiago de Melo, chamado por José Lins do Rego,
carinhosamente, de “Seu De Melo”. No documentário, “O Engenho de Zé Lins”, do diretor
Vladimir Carvalho, Urca Filmes, 2007, o poeta declara que o cronista recebia visitas diárias.
O povo ia visitá-lo, as autoridades, artistas e intelectuais.
Thiago de Melo conta que em alguns momentos barrava o acesso das pessoas para não
expor muito a saúde já debilitada do amigo. Quando Zé Lins descobria que “Seu De Melo”
havia proibido o acesso de qualquer torcedor do Flamengo, o mais humilde que fosse, ficava
possesso, enfurecido, brigava com o amigo, exclamando: “como que você pôde impedir que
um irmão rubro-negro entrasse para me dar um abraço?” Esse era José Lins do Rego, o
intelectual que assumia, orgulhava-se, em ser do povo, e que era o mais ardoroso defensor e
representante “coroado” do Clube de Regatas do Flamengo e de sua torcida.
Era o Flamengo. [...] Todas as cordas do meu coração se afrouxaram como se num
cabo-de-guerra um dos lados cedesse, de repente. Senti-me capaz do grito da vitória
e podia abrir o peito no desabafo total. [...]. Então eu pude ver a cidade na alegria
maior. As estrelas faiscavam no céu e uma lua cortada ao meio aparecera bem em
cima da praça de esportes, uma lua que jamais esquecerei porque viera de propósito,
para beijar os heróis da contenda. E com as estrelas e a lua, a doce música carioca
baixou dos morros, das praias, das ruas, para louvar aos que lhes eram amigos do
coração. Era o Flamengo no mastro da vitória, no convívio do povo que é ele
próprio. [...]. Por toda parte o povo na efusão de uma alegria maciça, de uma alegria
capaz de fazer esquecer as desgraças do mundo e as incertezas do Brasil. Há no
Flamengo esta predestinação para ser, em certos momentos, uma válvula de escape
às nossas tristezas. Quando nos apertam as dificuldades. Lá vem o Flamengo e agita
nas massas sofridas um pedaço de ânimo que tem a força de um remédio heróico.
Ele não nos enche a barriga, mas nos inunda a alma de um vigor de prodígio. [...].
Não há exageros naquela hora. Por todo o Brasil, dos territórios aos confins do Rio
Grande, havia gente assim como aqueles que batiam nos tambores com o coração
lavado de júbilo pela glória daquela noite. Flamengo! [...]. (REGO apud
COUTINHO, 1984 p.12).

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José Lins do Rego nesta crônica se derrete de amor ao Flamengo. Faz um relato
emocionado do que o clube provoca nas pessoas, da regimental ação despendida nas vitórias
que vai cingindo todos os cantos da cidade de brilho, festa e alegria. Não só da cidade, mas do
país. Descreve com propriedade o ato de torcer pelo Flamengo. Ele reverbera a voz do
torcedor e põe em evidência a alegria rubro-negra. Para ele, o Flamengo era capaz de mexer
com a funcionalidade orgânica de seu corpo, fazendo trepidar o íntimo, gerando impulsos
alucinados. Com sua admirável capacidade descritiva, poeticamente, adorna o cenário
consorciando as estrelas, a lua, o clima, a pulsação da cidade, com as vitórias do Flamengo.
Tudo para o cronista, ganha contornos especiais nas vitórias rubro-negras.
Tece comentário sobre a capacidade do torcedor rubro-negro de se reinventar, de
redobrar as suas forças nos momentos de dificuldade, de recarregar a “bateria”, sempre que o
Flamengo supera o adversário. Numa simbiose que não se desfaz, o clube e seu torcedor
seguem abrindo caminho para sorver a glória. A felicidade inexplicável, a reunião de gente, a
festa, o caos criativo, o clube perto do povo, a mistura, o entrelaçamento, esses aspectos,
explicitam a psicologia do seu torcedor. Parece que o amar ao Flamengo se configura como
um mágico estímulo que faz o torcedor sobrepor qualquer dificuldade e fortalece sua conduta
alegre e inabalável, tornando o Flamengo capaz de, como um remédio, curar as eventuais
deficiências existenciais.
Salientando os eventos em que o Flamengo saía a excursionar pelo Brasil - já em
1914, dois anos após a implantação do futebol, essa iniciativa foi descerrada -, Zé Lins,
oportunamente, apresenta a faceta que tem relação direta com a popularidade do clube e o
grande número de seus torcedores Brasil afora. Jogar fora do Rio sempre foi visto como algo
importante para aproximar as pessoas de todos os lugares ao Flamengo. Para dimensionar essa
iniciativa do clube, pertinente se faz informar que naquela época as viagens duravam dias,
eram longas e muito cansativas, mas o Flamengo não se privava de jogar em outros estados e
lançava-se aos braços do brasileiro.
Volta o Flamengo de uma grande campanha ao norte. Vitorioso em campos baianos,
pernambucanos e rio-grandenses. A grande torcida rubro-negra, espalhada pelos
quatro cantos do Brasil, teve a oportunidade de aplaudir a flâmula gloriosa que é um
autêntico troféu nacional. Clube algum, neste Rio de Janeiro, poderá fazer o que faz
o Flamengo, por onde andar. Isto é, ser em campo, nas pelejas que trava, não um
clube de fora, mas um clube da própria terra que pisa. E se na Bahia joga com
qualquer time local, haverá uma torcida flamenga para os aplausos aos rubro-negros.
E o mesmo acontecerá em Recife, em Porto Alegre, em Belém. Porque por toda
parte há o Flamengo. E isto dói em muita gente mordida de inveja. Mas que
continue a doer. (REGO, 2002, p. 85).

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O alastramento sem fronteiras do torcedor rubro-negro, o amor por todos os lados, a
noção de o Flamengo não ter uma casa, de ser do mundo, de todos, esses aspectos são
comentados. Zé Lins pontua ser o Flamengo um clube nacional, impressionando por onde
passa. O fato é que mesmo sendo adversário, pertencendo à outra torcida, deve se considerar
os números formais divulgados por empresas da área de censo, respeitadas, que apontam para
a expressividade do tamanho da torcida do Flamengo em todo o território nacional. No Norte
e Nordeste, então, nem se fala. Além de Brasília, Goiás, Paraná, Santa Catarina, Minas
Gerais, Espírito Santo, onde o clamor pelo clube é atestado.
Para os que fazem força em não compreender essa máxima de volume e de
especialidade do torcedor do clube - essa constatação de ter o Flamengo torcedores por todos
os lados - e se alimentam da inveja, do vilipêndio, a única alternativa que sobra é: viver na dor
de não aceitação da grandeza do Flamengo. Assim comenta Zé Lins.
O Flamengo, como todos os clubes da cidade, é um elemento de preparação do
espírito nacional. E mais do que qualquer um vive, por todos os recantos do Brasil,
nos entusiasmos de seus adeptos que são uma verdadeira legião. Se há um clube
nacional, este será o Flamengo, criação do mais legítimo espírito de brasilidade.
Flamengos são brasileiros de todas as cores, de todas as classes, de todas as
posições. Flamengo é o Sr. Eurico Gaspar Dutra, é o Sr. Nereu Ramos, é o Sr. Juraci
Magalhães, é o meu rapaz do jornal, é o meu apanhador de bolas no tênis, é o
Grande Otelo, é o pintor Portinari, é o Brasil de todos os partidos. E se o Flamengo
tiver o seu estádio gigante é porque merece mais (REGO, 2002, p. 65).
No fragmento desta crônica que vem a seguir, o autor de “Água-Mãe” – romance
tendo o futebol inserido como pano de fundo - se apresenta sensibilizado, comovido por estar
sendo homenageado pelo clube que tanto ama. Pouco depois de sua chegada ao Rio, o caso de
amor com o Flamengo brotou e esse sentimento se consolidou como uma das grandes alegrias
de sua vida. Além de sócio, o cronista participou ativamente da vida política do clube, chegou
a ter cargo na diretoria. Manifestava-se, assumidamente, exclamando ser a sua participação
como torcedor arraigado, sua melhor ocupação. Servir ao Flamengo era o seu lema.
O meu amigo Raul Dias Gonçalves quis me fazer sócio proprietário do Flamengo e,
generosamente, à boa forma lusa, deu-me de presente um título. Muito obrigado ao
caro amigo Raul. Sou-lhe mais uma vez grato. Respondendo, porém, ao pequeno
discurso do presidente Orsini, que me passava às mãos a honrosa dádiva, eu lhe
disse: ‘meu querido presidente, antes de ser sócio proprietário que hoje sou, já era
sócio escravo do Flamengo. E escravo quero continuar a ser. (REGO, 2002, p. 105).
Veneração manifesta ao rubro-negro, euforia incontida, deleite, o sentimento
de realização toma conta de Zé Lins, após a vitória sobre a equipe inglesa do
Arsenal – considerado um dos melhores times do mundo. Era 1949. A partida

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aconteceu em São Januário. Placar: 3 x 1 para o rubro-negro. Era grande, não só a
torcida do Flamengo, mas também, a do Vasco que torcia obviamente para o
fracasso do seu maior rival. Foi nesta partida que estreou vestindo as cores rubro-
negras, o goleiro paraguaio, García, que viria a cair nas graças da torcida, jogando
aproximadamente 280 partidas e participando do tricampeonato de 1953, 54, 55.
Zé Lins ainda destaca a raça do time e a presença fidelíssima de sua vasta torcida.
Respeitoso, sensato, reconhece também a relevância do arquirrival Vasco e,
demonstrando ufanismo, afirma que o futebol brasileiro, tinha sim, muita
expressividade.
Meus amigos e meus inimigos, em futebol tudo está acabado. A vitória do Flamengo
lavou o meu coração de todas as mágoas, de todos os recalques, de todas as amargas
derrotas. Agora só existe a vitória de domingo, a maravilhosa vitória do meu amado
Flamengo sobre os donos do futebol do mundo. Revejo, um a um, os detalhes do
combate vigoroso. Revejo o primeiro gol, como uma punhalada no coração, mas ao
golpe mortal reagiu o Flamengo, como leão na selva. Todo o time recuperou os
sentidos para mostrar que não temia a violência do gol dos primeiros minutos. A
bravura do Flamengo atendeu a sua grande torcida. E a nossa rapaziada foi para o
campo e mostrou que a nossa glória é aquela do hino, é lutar, é combater até o fim.
Os que foram ao campo à espera de uma derrota, e muitos foram com essa
disposição ao estádio do Vasco, devem ter voltado de cara amarrada. O Flamengo,
como o Vasco, mostrou que há futebol aqui por estas terras cálidas do Brasil.
(REGO, 2002, p. 110).
Visceral, profundo, paixão em estado bruto. Expressando todo o arrebatamento que o
clube da Gávea o proporcionava, José Lins do Rego, embevecido, o parabeniza por mais um
ano de existência. Tomado de desvanecimento por ser Flamengo e por se colocar como um
irrestrito torcedor, desprezando qualquer ação que visasse seu posicionamento no pedestal da
fama, como homem suntuoso socialmente, ele espalhava sua convicção de ser o Flamengo um
clube exemplo, exuberante, de espírito radiante, de brio forte, que propiciava ao seu torcedor
o se sentir especial. Para ele, o clube deixava transparecer para quem quisesse saber que se fez
grande porque soube conquistar todo e qualquer cidadão. O Flamengo “se abriu”, fazendo
vista grossa para quesitos como raça, religião, sexo, classe social. O Flamengo queria sim, a
pluralidade e a multiplicação irrestrita.
Mais um ano do meu querido Flamengo. Amo-o como um dos mais ardentes amores
de minha vida. E por ele este meu coração de 50 anos bate no peito com as 120
pulsações dos minutos apertados da torcida. Sinto-o na angústia e não me amargo
com isso. Aí está a minha paixão incontida, o meu maior arrebatamento de homem,
confundido na multidão. E é por tanto amor que me dói a injustiça dos que não
sabem conter as malignidades e se concentram contra um clube sem arrogância, tão
camaradesco, sem bobagens, tão largado nas exuberâncias. Mais um ano do meu
Flamengo. E ele cada vez mais no coração do povo brasileiro. Não queremos maior
troféu nem maior glória. (REGO, 2002, p. 134).

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No aniversário de comemoração pelo cinquentenário do clube, uma crônica
celebrativa da data é produzida por Zé Lins e o que se vê é a colocação do sentimento rubro-
negro como algo transcendente e de natural manifestação pela “simples” existência do clube,
não dependendo, propriamente, do êxito permanente dentro das quatro linhas. Nela, pontua
ser o Flamengo uma instituição nacional que congrega muita gente em torno de sua aura
garrida e acolhedora. Frisa que o seu torcedor mesmo com derrotas e perda de títulos se
compraz pela glória maior de poder ter o Flamengo em todos os dias de sua vida.
“Faz hoje 50 anos o grande Flamengo. Muita gente me pergunta por que sou
flamengo. E a muita gente eu tenho dito que sou flamengo como sou romancista:
pela força de meus bons instintos. Há no Flamengo uma grandeza de alma que me
atrai. Não é um clube de regatas ou de football: é uma instituição nacional. Há todo
o Brasil no Flamengo, todas as raças, todos os credos, todas as classes, todas as
paixões generosas. Sou assim flamengo pelos meus impulsos e pelas minhas
reflexões. Sou flamengo de corpo e de alma, a todas as horas, em todos os instantes.
O que me domina no Flamengo é a sua extraordinária universalidade. É o clube do
povo. Do povo que vai de Mário de Oliveira, homem de muitos milhões, ao ‘Vai na
bola’, o mais pobre dos homens. É por isto que não há os que rasgam carteira no
meu clube. Há os que choram e morrem de paixão pelas nossas derrotas e os que
cantam pelas suas glórias, que são muitas. 50 anos de glórias, 50 anos de vitórias.
Podem dizer tudo o que quiser, podem encher o mundo com todos os campeonatos e
todas as faixas. Há o Flamengo e enquanto existir o flamengo não há glória maior e
pendão mais soberbo.”(REGO, JORNAL DOS SPORTS, 15 de NOVEMBRO de
1945, p. 3).
Em excursão que o rubro-negro realizou, em 1951, à Escandinávia e à Europa, Zé Lins
foi escolhido pelo presidente do Flamengo, Gilberto Cardoso, para chefiar a delegação.
Detalhe, o Vasco com um time formidável, o chamado “Expresso da vitória” – década de
1940 até 1952 - que havia sido a base da seleção brasileira na copa do mundo do ano anterior
no Brasil - de triste lembrança para os brasileiros - tinha sido o time convidado e recusou o
convite para excursionar pela Europa. Azar do Vasco!
Os gringos então convidaram o Flamengo. O clube como adorava se apresentar em
qualquer lugar do planeta, de imediato, aceitou. Essa viagem para Zé Lins era muito
representativa. Com o seu fervor patriótico e sua paixão ao clube da Gávea - que era naquele
momento representante legítimo do Brasil - destacou, que se sentia como se fosse o chefe de
uma missão diplomática. “Vamos levar à Europa uma autêntica força nacional, gente de fibra
e gente com a melhor classe do nosso ‘assocation’. Não perderam os suecos com a
substituição. O Flamengo dará, lá fora, uma demonstração capaz de orgulhar as cores do
Brasil”. (REGO, 1951, apud, ANTUNES, 2004, p. 90).

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Na seara do entendimento do que vem a ser o torcedor rubro-negro, ao se deparar com
José Lins do Rego e sua tradução acerca do clube e de seu torcedor, clara é a imagem captada
que traduz a torcida do Flamengo como uma massificação hercúlea. Derramando palavras de
galardão que acentuam a representatividade do Flamengo na vida de seu torcedor, Zé Lins não
diminui em momento algum sua empolgação com o clube de seu coração e sua torcida.
Independente de ser intelectual, homem letrado, dirigente, do cargo ocupado, de sua condição
social, o seu maior orgulho era assumir sua condição de torcedor podendo àquela massa
delirante se atirar. O amor pelo clube estava no seu DNA. Inexplicavelmente, esse sentimento
havia ficado adormecido até os seus 37 anos de idade.
Tenho o Flamengo no sangue (não fosse este vermelho como uma de nossas cores),
e desde que me chamam para o seu serviço, não sou mais do que o seu escravo.
Admirável paixão que nos arrasta aos entusiasmos mais extremos e às tristezas
profundas, mas paixão que nos ajuda a viver, que nos congrega em torcidas que não
temem a chuva e o sol, que se sobrepõem aos nossos interesses particulares, para ser
somente um flamengo, um simples homem de arquibancada, disposto a tudo. Sou
grato ao Flamengo, e por ele darei tudo o que puder. (REGO, 1951, apud,
ANTUNES, 2004, p. 90).
Da excursão de 1951, fatos pitorescos são colhidos. O cronista discorre sobre detalhes
que ocorreram nas cidades em que o Flamengo esteve e, em particular, em uma partida
realizada no território francês. O torcedor daquelas terras havia ficado encantado com o
futebol apresentado pelo Flamengo e com a postura dos jogadores que se puseram a saudar a
torcida local, no início, e no final da partida, denotando respeito ao público. Fora das quatro
linhas, os jogadores também foram agraciados e a imprensa muito bem falou sobre o clube. O
Flamengo nesta excursão à Europa jogou na Suécia, (sete vezes), Dinamarca, Portugal,
França. Teve atuações magistrais. 10 jogos. 10 vitórias. Bom lembrar que esta excursão
vitoriosa, realizada alguns meses após a sofrida, trágica para os brasileiros, copa do mundo de
1950, serviu para acariciar o ego do brasileiro, exorcizar o fantasma da perda do título
mundial, em pleno Maracanã, e para fazer vislumbrar o futebol brasileiro conquistando
definitivamente o mundo em pouquíssimo tempo.
Chego da Suécia convencido de que o football é hoje produto tão valioso quanto o
café, para as nossas exportações. Vi o nome do Brasil aclamado em cidades
longínquas do norte, vi em Paris aplausos a brasileiros, com mais vivo entusiasmo.
Disse-me o querido Ouro Preto: ‘Só Santos Dumont foi tão falado pela imprensa
desta terra, sempre distante de tudo que não é europeu, quanto os rapazes do
Flamengo’. E, de fato, os milhares de franceses que permaneceram, no estádio,
mesmo com o término da partida, aplaudindo os nossos rapazes, queriam demonstrar
uma quente admiração por essa turma de atletas que tinham feito uma exibição
primorosa. E a nossa bandeira tremulava no mastro do estádio, naquela noite
esplêndida e primavera. O football brasileiro deu aos mil brasileiros, que ali
estavam, a sensação de que éramos os primeiros do mundo. Para mim, mais ainda,

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porque ali estava o meu Flamengo, de todos os tempos. (REGO, 1951 apud
ANTUNES, 2004, p. 92-93).
Tendo ocupado cargo de destaque até mesmo na extinta CBD (Confederação
Brasileira de Desportos), ratificando assim ter sido um homem dedicadíssimo ao futebol, José
Lins do Rego não media esforços para servir ao seu clube de coração e ao seu país. Não tinha
“freios”, não se continha para comentar sobre qualquer coisa que dissesse respeito ao
Flamengo, a seleção e ao povo. Quando abria a sua boca, ou quando sobre o papel se
manifestava, as palavras num fluxo carregado de faciosismo, formatavam o discurso.
Era incisivo, duro, direto, agudo, quase sempre. Polêmico, provocativo, queria com
essa postura, tirar as pessoas do senso comum, estimular o debate. Gostava das réplicas,
tréplicas. Usava o espaço das crônicas como um “lugar” para discussões sadias. Era um
consistente expositor. Varreu para bem longe a hipocrisia. Sempre se posicionava, não era de
ficar em cima do muro. Pelo Flamengo, pela seleção, era muito mais veemente, a paixão em
estado bruto. Decerto, foi traído por ela em algumas ocasiões, o que lhe gerou situações
desconfortáveis. Mas não estava nem aí. Para ele, o Flamengo fazia bem e isso era o que
interessava.
Seja qual for o time para o qual se torça, vale o aplauso a esse homem. Corajoso,
sincero, transparente, autêntico, intenso, despido de vaidades, brasileiro ao extremo, Zé Lins
foi mestre no uso da palavra. Amante do futebol, do torcedor, acreditava ser o esporte uma
ferramenta capaz de pôr o cidadão em vivência ativa, dentro do seu papel social. Em
consonância com o entendimento de manter o futebol “braços” complexos de relação social,
defendia ser assim possível radiografar a chapa psicológica do povo brasileiro. Além das
crônicas nas quais o Flamengo era exaltado, com discurso parcial – que o orgulhava mesmo -,
nas crônicas nacionalistas, afastando o senso clubístico, podemos perceber em Zé Lins a
envergadura exalada pelo profundo sentimento pátrio. Por intermédio de analogias feitas com
a seleção, ele desejava incutir na população a especial condição compositória da formação do
brasileiro.
José Lins do Rego e Flamengo: parcialidade manifesta. E para falar sobre parcialidade
versus imparcialidade, uma frase célebre: “Só acredito na isenção do sujeito que declarar que
a própria mãe é uma vigarista. Ninguém fará isso, porque ninguém é imparcial”. Eis que a
porta se abre e dela surge o mestre Nelson Rodrigues, autor dessa pérola. Em uma crônica,
dentre tantas, lineares e qualitativas, que compõem sua larga obra, ele profere essa máxima e
diz ter ouvido isso de um sujeito na rua, e que desde então passou a carregar essa certeza.

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4.2 A ALEGRIA RUBRO-NEGRA POR NELSON RODRIGUES
Cerca de três meses após o surgimento do Departamento de Esportes Terrestres do
Clube de Regatas do Flamengo, diga-se Futebol, vinha a este mundo, em Recife, capital
pernambucana, Nelson Rodrigues. O pai, Mário Rodrigues, jornalista ativo, polêmico, de
língua afiada – apesar de ser gago – e detentor de retórica e texto, apreciados, fortes e
destemidos. Devido a conflitos políticos, Mário Rodrigues deixa a família em Recife e parte
para o Rio de Janeiro. Corria o ano de 1912. Entre idas e vindas, em 1916, se estabelece de
vez na cidade maravilhosa. Sua esposa, Maria Esther, desembarca neste mesmo ano de 1916
na capital federal com seus seis filhos, Milton, Roberto, Mário Filho, Nelson, Stella e Joffre –
a lista de filhos chegaria a catorze.
A infância de Nelson Rodrigues foi vivida no subúrbio carioca de Aldeia Campista,
hoje acampado, pelos bairros da Tijuca, Maracanã, Andaraí. Na rua de nome “Alegre”,
Nelson teve suas primeiras experiências marcantes de menino. Aos treze anos de idade
começa a trabalhar no jornal de seu pai. No “A Manhã”, Nelson estreou na seção policial e
cobrindo as tragédias, cercadas de todo o teor sombrio da compleição humana, já cedo,
impressionava pela escrita fulgurante que ia fundo nas motivações e tocava nos meandros do
comportamento humano descabido.
Percebendo que geralmente os crimes ocorriam motivados por sexo e dinheiro, sem
amarras, com desenvoltura, invade o submundo trágico e passa a relatar os assuntos mais
“escondidos”, da sociedade. Descreve os crimes passionais, os pactos de morte entre casais
apaixonados, com senso agudo de interpretação. Impressiona a forma como aquele jovem
constrói seus textos. Depois de algum tempo, Nelson é “promovido”. Sai da editoria de
Polícia e passa a escrever um artigo semanal.
No final de 1929, já trabalhando no jornal “Crítica” - também de seu pai que havia,
por endividamento, em decorrência de postura perdulária, perdido para o seu sócio o controle
do “A Manhã”, em 1928 - sua vida sofre um grande revés com o assassinato de seu irmão,
Roberto. Poucos meses depois, no início de 1930, o pai também vem a falecer em face de
problemas de saúde, agravados certamente pela perda do filho, Roberto. É no jornal “Crítica”
que Nelson, por intermédio do irmão Mário Filho, começa a ter contato com as crônicas de
futebol na editoria de Esportes. Mário Filho por sinal foi quem tocou, comandou, juntamente
com Milton, – outro irmão, o mais velho - o jornal, após a morte do pai.

101
A família Rodrigues perde a empresa jornalística – durante a revolução de 30. Não por
incompetência dos filhos de Mário Rodrigues, mas sim, pela postura crítica desenvolvida pelo
pai ao longo dos anos contra determinados grupos políticos. Os homens de Getúlio Vargas
depredaram e incendiaram a sede do jornal. Todo o dinheiro ganho pela família – que era
guardado em um cofre na sala de Mario Rodrigues – foi perdido. Os Rodrigues enfrentaram
momentos dificílimos. Sem recursos financeiros, a família vai morar em uma casa menor. Só
conseguem se alimentar porque se desfazem de quase todos os móveis da casa. Sem ter mais o
que vender, chegam a passar fome. Maria Esther, a viúva, teve que tirar forças lá do fundo da
alma para driblar as dificuldades e sustentar uma penca de filhos.
Por causa das questões políticas, atreladas à figura do pai, Nelson, Mário, Milton e
Joffre – os que efetivamente já trabalhavam - tiveram dificuldade em conseguir emprego.
Mesmo com o talento dos filhos de Mário Rodrigues já reconhecido, os donos de jornais
temiam por contratá-los imaginando represálias que sofreriam do governo. O jornal “O
Globo”, através de seu diretor-chefe, Roberto Marinho, foi quem abriu as portas à família
Rodrigues, em 1931.
Torcedor ferrenho do Fluminense, Nelson escreveu inicialmente sobre futebol, em
1936, no Jornal dos Sports. No entanto, a escrita de forma mais efetiva e regular, só no início
da década de 1950, no jornal Última Hora. Ao se falar em Nelson Rodrigues, o mais difícil é
definir em que área ele foi melhor. Era expert, dotado de categoria extraordinária para
escrever, fosse como cronista, escritor, jornalista, dramaturgo.
É o responsável pelo surgimento do Teatro Moderno Brasileiro. Irreal é falar em
Teatro no Brasil, sem mencionar por associação, Nelson Rodrigues e suas criações teatrais da
estirpe de Vestido de noiva, Bonitinha, mas ordinária, A mulher sem pecado, Toda nudez será
castigada, O Beijo no asfalto, Boca de ouro, Dorotéia, Senhora dos afogados, entre muitas
outras. Algumas destas ganharam adaptações para a TV, e as telas de cinema. A dama do
lotação, Dona flor e seus dois maridos, figuram entre as dez maiores bilheterias do cinema
nacional de todos os tempos.
Nelson era de um profissionalismo, de um talento, fora de série. Escrevia com
naturalidade, parecia ser o ofício da escrita algo muito normal para ele. Por isso, concebia
com espantosa rapidez os seus textos. Escrever era o seu oxigênio. Não conseguia ficar
distante da escrita nem por um dia sequer e teve como companheira efetiva, a máquina
datilográfica. Só deu um tempo na sua produção, durante os períodos em que ficou internado
em razão da tuberculose. Em suas obras, a tragédia estava sempre presente. Certamente ela, a

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tragédia, adentrou a esfera profissional pelo fato de ter marcado, acompanhado e se mostrado,
insistentemente, por toda a vida de Nelson.
O criador do teatro moderno também é referência quando o assunto é a crônica
esportiva brasileira. Suas crônicas falavam do futebol como sendo um grande palco onde a
paixão humana lindamente desfilava e encenava atos desconcertantes. Para ele, no futebol
encontrava-se uma força existencial, significados múltiplos, representações ululantes
esclarecedoras, que iam muito além do nulo sentido percebido pelos “idiotas da objetividade”-
termo consagrado por ele para designar àqueles que falavam, escreviam sobre futebol,
suplantando a emoção, apagando a magia, a “graça” que se assentava sobre o esporte. Ele
usava o futebol para falar de gente. Do sentimento humano.
Faleceu em 1980, aos 68 anos, vitimado por problemas respiratórios – desenvolvidos
pela tuberculose que teve de aturar e carregar desde cedo – e por complicações cardíacas.
Deixou uma obra vastíssima e de qualidade irrepreensível. A genialidade de Nelson
Rodrigues atravessa o tempo. A interpretação e reinterpretação do futebol, riquíssima por
sinal, através da figura de Nelson, ficou rasa, sem aquele brilho intenso e a crônica esportiva
brasileira nunca mais foi a mesma depois da saída de cena de Nelson Rodrigues. No ano de
2012, o ano de seu centenário de nascimento, a surpresa positiva deu-se pela reedição de
várias de suas publicações, aproximando sua obra das novas gerações.
De todos os clubes que abordou em suas crônicas, o Flamengo tinha lugar cativo. De
forma corriqueira, especialíssima, o clube era descrito como uma entidade sobrepujante de
força apelativa fora de série e sua torcida como a “alegria em essência”. Creditava ao
Flamengo uma característica de permanência continuada no campo do feitiço que parecia
fazer efluir do vermelho e preto de seu uniforme, ações sobrenaturais. Via no Flamengo um
impulso natural para nadar nas raias da extraordinariedade, repousando sobre o clube uma
inclinação a ser envolvido, arrastado para grandes façanhas.
[...] Mas eis o mistério do Flamengo: – a derrota o transfigura, a derrota o viriliza.
[...] o Flamengo é o time inaufragável. A goleada recente, em vez de afogá-lo, de
asfixiá-lo, pelo contrário: – serviu-lhe de insuperável afrodisíaco. [...]. Duzentas mil
pessoas viram o espasmo do time rubro-negro diante de cada “goal”. [...] não
tenhamos dúvidas: – o Flamengo humilhado é imbatível. [...] o jogo de ontem, acima
de tudo, foi uma noite de amor. De Chamorro a Zagalo, todos tinham um pouco ou,
antes, todos tinham muito de Gilberto Cardoso. Cada jogador rubro-negro foi,
ontem, um jovem Gilberto Cardoso, com a mesma sofrida, exasperada fidelidade ao
clube. Sim amigos: – Gilberto Cardoso deu a vida pelo Flamengo. E ontem, se fosse
preciso, o Flamengo morreria pelo tricampeonato. (RODRIGUES, Última Hora,
1956, p.28).

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Conseguindo sempre em suas análises jogar luz sobre o recôndito, mostrava
significados, potencializados, e com comovedora carga dramática, despejada nas crônicas
esportivas, histórias amolecedoras dos sentidos e atiçadoras de sentimentos variados.
Frequentemente, essas histórias, já conhecidas que eram, ganhavam em Nelson um brilho
incomum. Neste trecho apresentado acima, Nelson faz menção ao tricampeonato do
Flamengo, conquistado nos anos de 1953, 54 e 55, em especial, ao jogo final que deu o título
de 1955. Essa é a 2ª série de tricampeonatos da história do clube. A tão alardeada característica do
clube de se revestir da raça, da garra e da superação, manifesta-se nessa crônica. Nelson diz
que o Flamengo sempre que é ferido volta muito mais forte.
Detalhe: o campeonato de 1955 só teve o seu término em 1956. A final foi contra o
América. Foram três jogos. No primeiro, vitória rubro-negra, 1 x 0. No segundo, o América
impusera ao Flamengo uma humilhante derrota, 5 x 1. Diante do revés, o sonho do
tricampeonato rubro-negro parecia ter ficado distante. Mas aí surge essa pontuação feita por
Nelson de ser o Flamengo, ferido, uma entidade indomável. No terceiro e último jogo o
Flamengo consegue emplacar uma goleada, respondendo à ousadia do América. O placar de 4
x 1 a seu favor é o resultado do último ato. Vale a ressalva de que América e Bangu eram
duas forças do futebol carioca. Do futebol brasileiro. Hoje, para tristeza do futebol, vivem em
ostracismo e não encontram forças para reagir.
O título do campeonato foi dedicado a Gilberto Cardoso, presidente do clube – um dos
maiores de sua história - que havia falecido no final de 1955. Gilberto Cardoso morreu em
razão de um enfarto, iniciado nos minutos finais de uma partida de basquete entre o Flamengo
e o Sírio Libanês. Era a decisão do campeonato estadual, no Maracanãzinho, e uma cesta nos
últimos segundos do jogo, convertida pelo jogador Guguta, sela a conquista do título. Aquela
emoção toda era demais para o coração de Gilberto Cardoso. Mesmo com fortes dores no
peito, saiu do ginásio, entrou no seu carro, e tentou chegar até o hospital. Socorrido no meio
do caminho chegou ao hospital, mas poucas horas depois, respirou pela última vez.
Nelson defendia a ideia de que a torcida do Flamengo parecia dar cria, não parava de
crescer. Que devia ser admirada por sua entrega, por sempre ir adiante, não desacreditando
das suas cores nunca. Considerava a alegria e a ousadia do torcedor rubro-negro, únicas, e que
ao Flamengo tudo era possível. Para ele, o Flamengo mesmo diante do Santos de Pelé, não
precisava se curvar. O fato de ser Flamengo, puramente por isso, já bastava para se fazer
respeitado e não temer a ninguém. Vejamos:
[...] Éramos 130 e tantos mil caronas, gratíssimos e deslumbrados. Por outro lado, o
jogo valia a pena, íamos ver o Santos, que voltou a ser o melhor time do mundo; e o

104
Flamengo, o clube que é apenas Flamengo, e repito: basta-lhe ser eternamente
Flamengo e só. [...] E quê dizer do Flamengo? Cada brasileiro é um pouco rubro-
negro. [...] Antes de prosseguir, porém, eu queria dizer duas palavras sobre a brutal
euforia flamenga. Supõe-se que todas as alegrias se parecem. Mas na verdade é que
a alegria rubro-negra não se parece com nenhuma outra. Não sei se é mais funda, ou
mais dilacerada, ou mais santa. Só sei que é diferente. [...] nada se comparou à pura,
total, monstruosa alegria rubro-negra. Sujeitos subiam pelas paredes como lagartixas
profissionais. Outros queriam se pendurar nos lustres. Mas eu pergunto: – foi justa a
vitória Flamenga? Mais do que justa. [...]. Ora, o Flamengo nasceu em 1911, ou
1912, sei lá. Era o tempo do Kaiser, de Mata Hari, tempo em que as senhoras tinham
tais quadris que precisavam se pôr de perfil para atravessar as portas. Mas o que eu
queria dizer é que desde então, o Flamengo tem sido o clube das reações furiosas.
Muitas vezes, parece agonizar em campo, e, de repente, eis que se levanta dos seus
estertores deslumbrantes [...]. (RODRIGUES, 1964, p.18).
O tricolor Nelson Rodrigues fazia questionamentos a respeito dos motivos reais que
levaram ao desligamento de nove jogadores do Fluminense de 1911 e a consequência disso.
Essa turma daria vida, fundaria, o futebol do Flamengo. Como aceitar que o seu clube, ou
melhor, que jogadores que envergaram a camisa do seu Fluminense, tenham tido a ideia de
dar vida a uma instituição social de destaque singular? Imaginava que o Flamengo poderia
nem mais existir hoje, ou ser, na melhor das hipóteses, um clube social qualquer, comum, se
não fosse a entrada do futebol em seu quadro esportivo. Desde então, o clube se revestiu de
fulgor, resplandecência, força, e sedimentou sua condição no cenário social e esportivo.
Para ele, os dois clubes, Flamengo e Fluminense, mantinham relação estreita, tinham
vínculos, e disso, benefícios consideráveis haviam trazido ao futebol brasileiro. Ao mesmo
tempo em que sofria com a existência do Flamengo, possuía, em maior escala, estima, sentia-
se orgulhoso por saber que o seu Fluminense havia tido participação, de certa forma, nesse
processo criativo. Não se esquivava de expressar a condição diferenciada que acreditava ter o
torcedor do Flamengo. Se apropriando de personagens conhecidos da obra do autor que era
uma de suas influências, no caso, o russo, Dostoiévski, ele cita os irmãos Karamazov, para
fazer uma analogia entre Flamengo e Fluminense.
[...] era o Fluminense, sempre Fluminense. Até que, um dia, não foi o Fluminense.
Imagino que o leitor esteja fazendo a impaciente pergunta: - ‘E o Flamengo?’. Hoje,
o Rubro-Negro, por onde vai, arrasta multidões fanatizadas. Há quem morra com o
seu nome gravado no coração, a ponta de canivete. [...] o Flamengo nem sempre foi
Flamengo. Cada brasileiro, vivo ou morto, já foi Flamengo por um instante, por um
dia. Vale a pena voltar a 1911, ou 12, não sei. Como eu dizia, o Flamengo era ainda
Fluminense. Eu disse que o Flamengo era ainda Fluminense e já retifico. Antes do
futebol, o Rubro-Negro foi remo ou, melhor dizendo, foi ‘domingo de regatas’. Até
que, um dia, houve uma dissidência no Fluminense. Eu gostaria de saber que gesto,
ou palavra, ou ódio deflagrou a crise. Imagino bate-bocas homicidas. E não sei
quantos Tricolores saíram para fundar o Flamengo. Hoje, nos grandes jogos, o
estádio Mário Filho é inundado pela multidão rubro-negra. O Flamengo tornou-se
uma força da natureza e, repito, o Flamengo venta, chove, troveja, relampeja. Eis o
que eu pergunto: - os gatos pingados que se reuniram, numa salinha, imaginavam as

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potencialidades que estavam liberando? Há um parentesco óbvio entre o Fluminense
e o Flamengo. E como este gerou no ressentimento, eu diria que os dois são os
irmãos Karamazov do futebol brasileiro. (RODRIGUES apud MARON FILHO e
FERREIRA, 1987, p. 12).
A mística da camisa do clube da Gávea é descrita por Nelson de forma tão cativante,
tão bem “costurada”, que ganha um aspecto crível, o sujeito vai acreditando nela. A simbiose
entre time e torcida é observada no trecho a seguir. Para Nelson, as cores, vermelha e preta,
envolvendo aquele distintivo do clube, estampado na camisa, formavam uma “peça” que
possuía extremada aptidão para seduzir e gerar sintonia na captação de energia, de forças que
se materializavam sobre ela. Qualquer adversário ficaria absorto com insigne sortilégio,
ponderava Nelson, não economizando em alegorias. Na via dessa descrição emblemática
houve momentos, sim, – como aquele de 1927 quando o clube com um time de amadores e
veteranos sem condições físicas, conseguiu conquistar o campeonato - em que o Flamengo,
com times medíocres, entrava em campo e, como se ocorresse uma magia mesmo, a garra
exauria dos poros dos jogadores, o suor encharcava a camisa, e a lógica saía de campo
fazendo o adversário, superior, travar.
O Flamengo joga, hoje, com a mesma alma de 1911. Admite, é claro, as convenções
disciplinares que o futebol moderno exige. Mas o comportamento interior, a gana, o
élan são perfeitamente inaturais. Essa fixação no tempo explica a tremenda força
rubro-negra. Note-se: não se trata de um fenômeno apenas do jogador. Mas do
torcedor, também. Aliás, time e torcida completam-se numa integração definitiva. O
adepto de qualquer outro clube recebe um gol, uma derrota, como uma tristeza
maior ou menor, que não afeta as raízes do ser. O torcedor rubro-negro, não. Se
entra um gol adversário, ele se crispa, ele arqueja, ele vidra os olhos, ele agoniza, ele
sangra como um césar apunhalado. Também é de 911 (sic), da mentalidade anterior
à primeira grande guerra, o amor às cores do clube. Para qualquer um, a camisa vale
tanto quanto uma gravata. Não para o Flamengo.para o Flamengo, a camisa é tudo.
Já tem acontecido várias vezes o seguinte: - quando o time não dá nada, a camisa é
içada, desfraldada, por invisíveis mãos. Adversários, juízes, bandeirinhas tremem,
então, intimidados, acovardados, batidos. Há de chegar talvez o dia em que o
Flamengo não precisará de jogadores, nem de técnicos, nem de nada. Bastará a
camisa, aberta no arco. E diante do furor impotente do adversário, a camisa rubro-
negra será uma bastilha inexpugnável. (RODRIGUES apud MARON FILHO e
FERREIRA, 1987, p. 103).
Ary Barroso, autor da clássica, “Aquarela do Brasil”, era outro notável personagem do
meio artístico a torcer pelo Flamengo. Ele é retratado por Nelson como um sujeito tomado de
amor infindo pelo clube, impulsivo, autêntico. Aponta os motivos que levaram o artista ao
Flamengo. Além de célebre compositor, Ary era narrador de futebol. Sem constrangimento,
modificava o tom de voz, a empolgação crescia ou diminuía, dependendo se o Flamengo
atacava, ou, se sofria a investida do adversário. As oscilações, inflexões na voz, não deixavam
dúvidas para qual time torcia.

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Tinha o hábito de, durante as narrações, tocar a sua gaitinha. E chegava a torcer
descaradamente nos ataques do seu Flamengo. Estando o adversário em vias de marcar um
gol, ele utilizava a expressão, “não quero nem ver”, indicando todo o seu sofrimento ao
iminente perigo de gol do adversário que poderia “ferir” as redes do seu amado Flamengo.
Nesse aspecto de parcialidade foi parecido com José Lins do Rego. Conta-se que Ary Barroso
no auge do sucesso havia recebido um convite de Walt Disney para trabalhar em Hollywood.
Um brasileiro trabalhando em Hollywood? Não era para qualquer um. Ary ficou na dúvida.
Pensou em ir. Quando se deu conta de que iria ficar longe do Flamengo, recusou sem titubear,
e por aqui continuou bem perto do seu amor.
Ari Barroso tornou-se ‘speaker’ de futebol por causa do Flamengo. Num gol do
Flamengo a gaitinha do Ari chegava a gargalhar. Era para isso que a usava, embora,
algumas vezes, tivesse que tocá-la mais baixo, sem entusiasmo, num gol do outro
clube. E Ari Barroso fora tricolor. Em Álvaro Chaves, sentia-se em casa, até o dia
em que, depois de uma derrota, vieram chamá-lo, como se não tivesse acontecido
nada, para distrair os sócios, ao piano, num chá-dançante. Naquele momento o
compositor da Aquarela do Brasil descobriu que era Flamengo desde criancinha.
Pretextos não faltavam para quem quisesse ser flamengo. O amor do povo pelo
Flamengo, como que secreto, desabrochou com a força de uma primavera. Deu para
aparecer flamengo por todo lado. Parecia uma praga. (RODRIGUES apud
MARRON FILHO e FERREIRA, 1987, p. 107).
Um gol de placa foi marcado pelo presidente rubro-negro José Bastos Padilha, durante
a sua gestão, de 1933 a 1938. Padilha este, que vem a ser o avô do hoje aclamado diretor de
cinema, José Padilha, conhecido pelo sucesso do filme nacional campeão de bilheteria,
“Tropa de Elite”. O propósito de consolidar o Flamengo como sendo o time da massa, do
povo, foi estrategicamente pensado, orquestrado e posto em prática com toda solidez nesses
cinco anos em que esteve à frente do clube. Funcionou em cheio. A partir da gestão de
Padilha, se havia dúvida quanto à adoração do clube pelo povo, essa dúvida se esvaiu. Os três
maiores jogadores do Brasil, negros, famosos, que eram jogadores da seleção, vestindo a
camisa do Flamengo, era tudo. Estratégia muito feliz.
Enquanto o Fluminense trazia para Álvaro Chaves os grandes jogadores do futebol
paulista, quase todos brancos, muitos com nome italiano, o Flamengo levava para a
Gávea os grandes jogadores do futebol carioca, todos, pretos, Fausto dos Santos,
Leônidas da Silva, Domingos da Guia, brasileiros até no nome. E se o Flamengo ia a
São Paulo era para buscar um Arthur Friedenreich, mulato, um Valdemar de Brito,
preto [...]. O Flamengo queria ser o clube mais popular, mais querido do Brasil, não
podia deixar o preto de fora. Indo em busca do preto, o Flamengo ia ao encontro do
gosto do povo, escolhendo Fausto, Leônidas e Domingos, já escolhidos pelo povo,
como ídolos. Fazendo a sua transfusão de popularidade. Muita gente ficou Flamengo
por causa disso, entendendo mais o Flamengo na rua, fazendo o seu carnaval, do que
o Fluminense trancado no palácio de Álvaro Chaves. (RODRIGUES apud MARON
FILHO e FERREIRA, 1987, p. 61-62).

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Fazendo menção à diferença entre o torcer pelo Flamengo e por outro time, deixando
qualquer um perplexo, por sua franqueza, exortava a conduta especial desenvolvida pela
torcida do Flamengo. Incorria em ressalvas e reprovações ao modo de torcer da torcida do seu
clube, o Fluminense. Reconhecia essa excepcionalidade do rubro-negro, todavia, era ao
tricolor das laranjeiras que se doava e amava. Fazia questão de estampar isso. Deixava claro
que a admiração ao outro não incompatibilizava e não anulava o seu amor ao Fluminense.
Sem a “cegueira” da rivalidade depreciativa e odiosa, reconhecia no outro, suas
virtudes. Magistralmente, derramando elogios ao time rubro-negro e à sua conduta como
agremiação esportiva, Nelson se apresentava como premonitório, sagaz, abalizante,
inescurecível, transparente, inteligência ao extremo. Mesmo quando fazia críticas - sabia fazê-
las, era admiravelmente sutil - e sendo assim, atraia a admiração, não da unanimidade, é claro,
que para ele era burra e desinteressante, mas, de parcela considerável da população; dos
tricolores; de toda a massa rubro-negra.
[...] o povo sentiu-se Flamengo. Gente de todas as classes ia para o campo como
para uma batalha de confete, como uma festa de São João. Armando barraquinhas na
arquibancada, levando clarins para a geral. Nada de confete. Confete estava bom
para a torcida do Fluminense. O time do Fluminense aparecia, recebia uma chuva de
confete. A torcida do Fluminense querendo vencer a torcida do Flamengo com
confete, com serpentina, com balões de borracha, desses coloridos, de soprar. Muito
bonito: aparecia uma bandeira imensa do Fluminense, de balões de borracha. O que
não impedia a vaia do outro lado. O torcedor do Flamengo, da geral, da
arquibancada, enfiava dois dedos na boca, fiau. Ou então gritava pó de arroz. A vaia,
o torcedor do Fluminense aguentava. Para isso, tinha o seu clássico uh! Uh! Não
aguentava era o pó de arroz. Um grito de pó de arroz partia, dela, um grito de pó de
carvão partia, de cá. O torcedor do Fluminense querendo dizer que preferia ser pó de
arroz a ser pó de carvão. Podia preferir, mas se ofendia com aquele pó de arroz. O
torcedor do Flamengo não, nem se incomodava com o pó de carvão. Orgulhava-se
dos pretos que vestiam a camisa rubro-negra. Até mesmo dos que tinham sido
escorraçados dos outros clubes, como Leônidas. (RODRIGUES apud MARON
FILHO e FERREIRA, 1987, p. 61-62).
Essa particularidade que o Flamengo possui – que leva os adversários a escarnecerem
muito - de atrasar salários e coisas do tipo, de ser devedor, por assim dizer, foi sabiamente
tratada por Nelson que encontrava nisso similaridade do clube com o brasileiro. Atesta-se
assim que esse comportamento do clube de ser em alguns momentos, “irresponsável”
financeiramente e inadimplente vem de época distante. Alguma explicação para esses “passos
dados em falso” pode se encontrar no fato do clube ter seguido sempre uma linha conceitual
de pagar salários acima da média, denotando nisso, talvez, a obsessão em se fazer grande em
qualquer frente de disputa. Por isso, em alguns momentos, não resistindo ao peso de suas
obrigações financeiras, deixou a desejar. Ao menor indicativo de que um mês de salário está
atrasado, gozações começam a surgir.

108
Interessante observar que muitos são os clubes que enfrentam esse problema
financeiro no final do mês. No entanto, quando se trata do Flamengo, tudo ganha contornos
maiores, proporções gigantescas. Sendo esta realidade financeira – de viver com uma “corda
no pescoço” - uma situação muito próxima do brasileiro, o Flamengo encontra também nisso
uma associação com o povo brasileiro. Não que isso seja certo, longe disso, mas, é uma
realidade que, infelizmente, acompanha os hábitos do brasileiro há muito tempo. Revelando
não só suas virtudes, mas seus defeitos também, o Flamengo, pela não omissão de seus traços
falhos, até assim, ganha adeptos.
Deixando de lado a questão financeira vivenciada pelo clube, o ato imperfeito, e
voltando-se para o seu melhor lado, para o que dá certo, no caso, o seu torcedor, Nelson
Rodrigues o retrata como sendo um ser que na individualidade pode até não assustar, não
representar muita coisa, mas que, era na coletividade que passava a vigorar e se manifestar
como fenômeno, capaz das mais admiráveis e inacreditáveis realizações.
Clube irritante, o Flamengo: De vez em quando, há quem cochiche pelas esquinas: -
‘O Flamengo deve’. Eu ouço e calo. Entre parênteses, sou o admirador enternecido
de todos os que devem, seja gente, seja clube. De resto, olhemos o território
nacional, em toda a sua extensão. Difícil encontrar um brasileiro sem dividas.
Insisto: - um brasileiro sem divida é o que há de mais utópico, inexequível e,
mesmo, indesejável. Que clube ou pessoa poderia atirar no Flamengo a primeira
pedra? Ninguém. Nós vivemos e sobrevivemos à base das dívidas que contraímos,
com uma espontaneidade tão amorável e tão brasileira. Além disso, porém, o
Flamengo é irritante por outros motivos. Um deles, é a sua torcida. Uma vez, eu
estava no maracanã, em tarde de vitória rubro-negra. À saída, eu vi passar a
multidão flamenga. Virei-me para um amigo próximo e rosnei-lhe: - ‘Foi essa turma
que fez a Revolução Francesa’. Talvez um rubro-negro, individual e isoladamente,
seja um ser como qualquer outro. Mas quando se incorpora à torcida do clube, não
sei que toque, que retoque o transfigura. Os rubro-negros quando se juntam são, de
fato, irresistíveis. Deem-lhes um 14 de julho e eles derrubarão bastilhas a pontapés.
O Flamengo também é irritante por causa de sua tremenda popularidade. [...] De
fato, nenhum clube é amado por tantos. E se, na verdade, deve como dizem, sejamos
justos: - suas dívidas acrescentam-lhe um traço, a mais, de inenarrável simpatia.
(RODRIGUES, 2007, p. 188-189).
O termo, “o óbvio ululante”, foi criação de Nélson Rodrigues. Serve para designar
aquelas manifestações que carecem dos sentimentos profundos da alma para atestarem sentido
às ações, que são imperceptíveis em um primeiro momento, mas que estão pelo ar com feitio
vivo e que são ocultadas ou, forçosamente, não vistas pelos boçais. No trecho a seguir se
despede do amigo José Lins do Rego. Em crônica escrita uma semana após a morte de Zé
Lins, a homenagem mais que justa a uma figura que soube como poucos labutar na palavra de
modo a fazê-la ser semente, a dar frutos, e que amou o futebol e o Flamengo, com todo
ímpeto.

109
Nelson, e também Mário Filho, usavam com frequência os exemplos de José Lins do
Rego, do presidente Gilberto Cardoso – e até mesmo de um Ary Barroso - para fazer um
retrato nítido do que era o torcedor rubro-negro. Se doando, servindo ao clube em tempo
integral sem nada dele querer, a não ser a sua existência. Inteligentíssima a cutucada dada nos
escritores que desacreditavam o futebol, que o criticavam, sem nada dele entender.
Geralmente, o bom escritor brasileiro não acredita em futebol, é um desconfiado do
futebol. E conta-se o caso daquele poeta que, levado à força para um jogo, apontava
o campo, aos berros: - ‘Que é aquilo? Que é aquilo?’ Foi socorrido e descobriu-se
que ‘aquilo’ era a bola. Zé Lins não pertencia a esse tipo de intelectual [...] e fez-se
íntimo do esporte que é a paixão do povo. E não ia para o campo com a displicência
superior de quem se coloca muito acima da plebe ululante, da plebe alvar.
Absolutamente. Ele torcia tanto ou mais que qualquer torcedor ignaro. E ninguém
mais passional, ninguém com maior capacidade de se entregar à torcida, como se um
gol do Flamengo fosse a coisa mais transcendente do mundo. Sim, amigos: - quem o
conheceu sabe que ele vivia cada gol, cada pênalti, cada falta, direi mais, cada
lateral. [...] Era algo de patético, de inesquecível. Nas perpétuas, na tribuna de honra,
ou, anonimamente, nas arquibancadas, ele fazia um esforço físico e emocional maior
do que o dos jogadores em campo. [...] Havia entre ele e o torcedor anônimo, o
torcedor pé-rapado, o torcedor borra-botas, uma confiança, quase carinho. Para a
multidão, não era o ‘doutor’, nem mesmo o escritor, mas o Zé Lins. [...] o torcedor
rubro-negro estava habituado ao seu riso imenso. Nas vitórias do time, valia a pena
ouvi-lo rir. Era uma gargalhada como não houve outra na terra: - de violento sotaque
nordestino, mas tão pessoal, tão dele, tão inalienável. Normalmente, seria um triste.
Mas que alegria rubro-negra quando o quadro vencia! O Flamengo mandou pôr sua
bandeira à meio pau. Mas essa manifestação oficial não foi tudo. O que importa é a
dor, ou espanto, ou a incompreensão do torcedor diante do grande homem que
deixou de rir. E sempre que o Flamengo vencer lá estará o silêncio da gargalhada
que não se escutará nunca mais. (RODRIGUES, 2007, p. 274).
O torcedor de futebol é enaltecido como o mais fervoroso integrante do espetáculo. A
energia avassaladora, resistente, a dramaticidade colhida da arquibancada, a entrega
desmedida do torcedor ao seu papel dentro de uma partida de futebol, tem delineamento
genial traçado por Nelson. O do Flamengo é expresso como aquele que se eleva ao grau maior
de veneração ao clube. Não é só nas vitórias que ele atinge o patamar do mais sublime
sentimento. Na derrota, o sentimento é intenso da mesma forma. Ele arranca a pele, sangra
nas entranhas e sente sua alma chorar, contudo, tem a destreza de logo se reequilibrar, se
recompor e continuar a caminhada, ainda mais fortalecido.
[...] O torcedor está em primeiro lugar. O leitor pode perguntar: - ‘E o craque?’ Eu
sei que o craque é uma figura de alta transcendência. Mas não há santo sem devoção
e o torcedor é, justamente, o devoto, o crente fidelíssimo do jogador. Portanto,
andou bem Antero de Carvalho quando pôs o torcedor no coração da ópera
futebolística. [...] O futebol tem o apelo, o patético, o dramatismo da ópera. Pode
parecer, aos menos esclarecidos, que só o craque molha a camisa. Doce e ledo
engano. O torcedor faz um esforço físico muito mais pesado. Uma vitória, ou uma
derrota, pode assassinar o desgraçado que torceu. Lembro-me de uma cena que me
parece antológica. Era a finalíssima Bangu x Flamengo. [...] O Estádio Mário Filho

110
era um mar, uma flora de bandeiras flamengas. [...]. No primeiro minuto o rubro-
negro fica com dez. [...]. A colossal torcida emudeceu. [...] Mas o Flamengo, ainda
assim, luta, ferozmente. [...] O Flamengo perdeu o jogo e o bicampeonato. Mas o
que eu queria dizer era o seguinte: - ao meu lado, estava um enorme crioulão
flamengo – plástico, lustroso, ornamental. Daria um espetacular escravo núbio num
filme de Cecil B. De Mille. Pois a frustração derrubou o gigante. Ele desabou como
um fuzilado. Aos meus pés, arquejava como se aquilo fosse a dispneia pré-agônica.
Por aí é que se vê que o torcedor vive mais o lance do que o craque. Nas suas
reações tempestuosas, ele dá arrancos triunfais de cachorro atropelado; ou sobe pela
parede como uma lagartixa profissional. (RODRIGUES, prefácio, apud,
CARVALHO, 2004).
Talvez a grande simpatia de Nelson pelo rubro-negro tenha se dado pelo fato de ter
sido o Flamengo o time do coração de seu irmão, Joffre, que faleceu em 1936, aos 21 anos,
acometido pela tuberculose. O Flamengo arcou com todas as despesas do enterro, não deixou
faltar nada. O jornalista Joffre Rodrigues frequentava o clube e todos sabiam de seu carinho
pelo rubro-negro. Nelson sofreu muito com a perda do irmão. Sentia-se, de alguma forma,
responsável pelo ocorrido. Acreditava ter transmitido a tuberculose para Joffre.
O sentimento de culpa já havia rondado a cabeça de Nelson Rodrigues. O assassinato
do irmão, Roberto, na redação do jornal do pai, Crítica, em 1929, deixou sequelas em Nelson.
Roberto morreu no lugar do pai, Mário Rodrigues, que era o alvo da jornalista e escritora,
Sylvia Seraphim Thibau. Nelson estava na redação de Crítica, ao lado dos irmãos, e achava
que ele poderia ter ido, no lugar de Roberto, atender àquela mulher que adentrou o ambiente
dizendo querer falar com Mário Rodrigues. Sylvia se sentia prejudicada pela publicação da
notícia de seu desquite – assunto proibido na época - motivado por suposta traição dela. Mário
Rodrigues não estava e, tomando a iniciativa de recebê-la, na sala do pai, Roberto
covardemente foi atingido com um tiro.
Nelson tinha amor ilimitado, exagerado, tocante e puro pelos irmãos. Agora, quem
mais o inspirava, aquele a quem ele via como ídolo, com quem sonhava ser igual, diante do
qual se sentia pequeno, tamanha era sua admiração, este, era Mário Filho. A relação dos dois
era contemplativa, altruísta e mutuamente assistida por declarações de carinho. A paixão pelo
futebol os mantinha ainda mais unidos. Era ponto aglutinador.
4.3 A ALEGRIA RUBRO-NEGRA POR MÁRIO FILHO
Corria o ano de 1908. Aos três dias do mês de Junho, em Recife, Pernambuco,
estreava para a vida, Mário Rodrigues Filho. Aos oito anos de idade – o terceiro dos catorze
filhos do casal Mário Rodrigues e Maria Esther – na companhia da mãe e dos irmãos, chega

111
ao Rio de Janeiro. Com dezessete, vai trabalhar no jornal de seu pai, “A Manhã”. Já em um
prenúncio de seu dom de controlador, coordenador e gestor, passa a tomar conta de toda a
parte gerencial-financeira da empresa do pai. Contrariando o que era o desejo do seu
progenitor, que sonhava ver Mário Filho trabalhando como repórter na cobertura de fatos
políticos, se envereda pela editoria de Literatura. Pouco tempo depois, já no jornal Crítica,
assume a editoria de Esportes, que era desprezada por todos. “a menos importante do jornal”
(CASTRO, 1992, p.59).
O Jornalista e escritor teve a trajetória profissional ligada, em paralelismo, com a do
irmão, Nelson Rodrigues. Começaram juntos no jornal do pai e durante toda a vida, sempre
estiveram presentes, um na vida do outro. Ousado, visionário, carismático, empreendedor,
com gosto acentuado pela literatura e pelo futebol, acreditava ser possível converter a editoria
de Esportes em algo bastante atraente. Rompendo com paradigmas editoriais, insere o futebol
em plano de destaque. Começa a operar grande transformação. Se o assunto é crônica
esportiva - como a conhecemos hoje - o seu precursor é Mário Filho. O pai da crônica
esportiva brasileira.
Reconhecidamente o primeiro jornalista a “brigar” por espaço maior do futebol nas
páginas de jornal, reinventou a forma de se falar sobre o esporte. Extraiu o linguajar frio, as
construções frasais que tornavam difícil para o povo o entender do que era exposto na página
esportiva - que se fazia incompreensível pelo uso repleto de terminologias inglesas, usadas
para definir jogadores, torcedores, esquemas táticos, técnicos, lances, posições, o próprio
esporte, por assim dizer. O “football”, até então escrito assim, dá passagem ao “futebol”. Toda
a abordagem, a formatação, o conceito, são modificados.
Quando no final da década de 1920 entrevistou o goleiro do Fluminense e da seleção
brasileira, Marcos Carneiro de Mendonça, que depois de uma parada estava voltando ao
futebol, Mário Filho instituiu um marco na crônica esportiva brasileira. Começava ali, a
implantar uma revolução. A entrevista tinha uma descritiva com viés humanizado e ocupava
quase que a página inteira do jornal. Tratamento diferenciado também foi dado à fotografia.
Os jogadores até então apareciam nos jornais como em um retrato 3x4. A angulação se tornou
mais reveladora. Essa ação inovadora iria conquistar muitos leitores.
Mário Filho lançou um jeito novo de enfocar os jogadores de futebol. Sendo eles,
quando abordados, colocados em um patamar de artistas, deuses, inacessíveis, o cronista
mudou completamente a forma de abordagem. Fazia questão de entrevistá-los esmiuçando
detalhes da vida, da conjuntura humana, dos anseios, sonhos e frustrações. “Despia” os atletas
da condição de olimpianos, ou seja, figuras irretocáveis, perfeitas, e na observação e

112
exploração da faceta que ia além da mera atuação esportiva, como cidadãos comuns, mortais
seres humanos, eram apresentados. Apropriando-se do artifício de realizar entrevistas em tom
de informalidade, usando como ponto de encontro um famoso café da época, o Nice, bem ao
lado do jornal O Globo - onde trabalhava -, Mário conseguia colher a informação que
quisesse.
O torcedor – visto como o artista da arquibancada – também ganhou novo tratamento.
Foi dimensionado, retratado em proporção ampliada de relevância, posto como atuante
destacável, suas ações, carregadas de conteúdo informativo, merecendo ganhar as páginas dos
jornais, coisa nunca imaginada até então. O torcedor ganhou espaço no jornal. Era o seu
objetivo “Ouvir corações dos jogadores, 'medir a fé dos teams em choque', 'debruçar-se
diariamente na alma da torcida" (SILVA, 2006, p.111).
Houve melhorias na repaginação, gerando diagramação criativa, introdução de títulos,
subtítulos, legendas, o aprimoramento da fotografia. O paradigma de escrita tornou-se muito
mais atraente. Esse processo iniciou-se, timidamente, no “A Manhã”; passou pelo jornal
Crítica, e se instaurou de vez no O Globo, em 1931. Aí se cristalizou de vez e outros jornais
passaram a seguir o modelo inovador de Mário Filho. Em 1936, já como dono do lendário e,
por suas mãos, consagrado, Jornal dos Sports, Mário Filho gozava de bastante
respeitabilidade.
Escreveu crônicas esportivas de magnificente qualidade. Livros dedicados
exclusivamente ao futebol. Mário Filho desenvolveu ações que visavam estimular a prática do
esporte entre toda a população – o acesso das pessoas ao esporte deveria ser possibilitado a
qualquer custo. Lutou muito por isso. Promovia, incentivava, estimulava a ida do torcedor aos
estádios para incentivar seus times.
Um dos primeiros jornais do Brasil integralmente dedicado ao esporte foi criação sua.
O jornal, “O Mundo Esportivo”, de 1931, apesar de ter vida curta – oito meses apenas – foi,
na personificação de Mário Filho, quem lançou o primeiro concurso de escolas de samba do
Brasil, dando início ao colossal evento, consagrado nos dias de hoje, conhecido no mundo
inteiro, que toma conta da Sapucaí, no Rio de Janeiro.
Promoveu competições que se tornaram grandes acontecimentos na cidade do Rio de
Janeiro, dentro dos mais variados esportes. Em 1956, trouxe uma guarnição mundial de remo
da Universidade de Cambridge e colocou meio milhão de pessoas na Lagoa Rodrigo de
Freitas. “Só um homem da imaginação e da audácia de Mário Filho poderia lembrar-se de
trazer a guarnição de Cambridge”. (RODRIGUES, 2007, p. 110). Era só o futebol entrar em

113
recesso, e lá vinha Mário Filho com a promoção de outros eventos esportivos. Eram disputas
de Remo, Natação, Boxe, Jiu-Jítsu, Automobilismo.
Da mente brilhante dele surgiu a ideia de aproveitar as belezas naturais do Rio, usando
o maravilhoso, o de beleza sem igual, cenário paisagístico da cidade como moldura para a
realização de uma competição automobilística. O Circuito da Gávea, como ficou conhecido,
foi inesquecível, um marco, para a cidade e o país. Após a primeira edição, em 1933, que não
teve grande adesão popular, Mário Filho observou as falhas e viu que havia faltado uma
melhor promoção do evento, a ampla divulgação. A partir da etapa seguinte, a adesão foi
imensa. “O Globo” chegou a tirar sete edições no dia do evento, em 1934. “[...] a partir de
1935, o ‘Circuito da Gávea’ entrou para valer no calendário esportivo brasileiro. No ano
seguinte, o duelo Von Stuck x Pintacuda levaria mais de duzentas mil pessoas à Gávea".
(CASTRO, 1992, p.133).
Idealizador e maior defensor da construção do estádio do Maracanã, – que por sinal
leva o seu nome - Mário Filho lutou pela profissionalização do futebol e semeou o
acirramento sadio entre paulistas e cariocas quando deu vida, de forma regular, ano a ano, ao
Torneio Rio-São Paulo, em 1950. Em 1967, a competição começou a ter a participação de
times de outros estados e passou a se chamar Torneio Roberto Gomes Pedrosa. O campeonato
brasileiro de hoje é originário do Torneio Rio-São Paulo.
Organizou a Copa Rio, realizada em 1951 e 1952 – que reunia os campeões do Rio e
de São Paulo contra times campeões de outros países. A Copa Rio, infelizmente, teve somente
duas edições, devido ao custo gigantesco para trazer equipes de fora. Trouxe grande alegria ao
torcedor brasileiro. Foi o prenúncio da competição hoje conhecida como Mundial de Clubes
da FIFA.
Outra memorável ação de Mário Filho foi a criação e promoção de competições
populares como os Jogos da Primavera, (1947), “Uma olimpíada carioca reunindo atletas dos
clubes e colégios, algo que mobilizasse a juventude e a atraísse para o esporte” (CASTRO,
1992, p. 224); os Jogos Infantis, (1951), e o Torneio de Pelada do Aterro do Flamengo
(década de 1960). Até campeonatos de jogos de botão ganharam vida e tiveram larga adesão
participativa. Sim, ele criava, desenvolvia, organizava e conseguia - com pouca ajuda
financeira, praticamente sozinho, por intermédio de seu jornal – tornar esses eventos bem
sucedidos.
O jornalismo esportivo tem em Mário Filho o seu expoente, o homem revolucionário,
empreendedor, vanguardista. O grande memorialista. Na construção de uma “nova” crônica
esportiva, no desenvolvimento e aprimoramento da imagem de jogadores, torcedores e

114
dirigentes, a lembrança de Mário Filho é pertinente. Ele trouxe ao conhecimento de todos a
realidade da vida destes personagens. Não estando imunes aos aspectos dificultosos, comum à
existência de todos, eram apresentados com suas histórias patéticas, tocantes, descritas de
modo poetizado e exacerbado – um dos recursos da crônica – trazendo à tona alegrias, dramas
e flagelos. Jogadores que morreram miseráveis, abandonados e esquecidos como aconteceu
com Jaguaré e Fausto, servem como exemplo.
Mário Filho levantou o véu que escondia o lado obscuro das relações. Seu trabalho
incansável de revelar o tratamento nada respeitoso direcionado aos negros por parte dos
dirigentes de clubes e pela sociedade merece o aplauso mais caloroso. Sua relevância no
contexto esportivo, jornalístico, social, incontestavelmente, deve ser reconhecida. É triste
saber que poucas pessoas hoje conhecem a sua obra.
Uma analogia com a Semana de Arte Moderna, de 1922, pode ser feita, utilizando-se a
figura de Mário Filho, para referendar a sua atuação marcante no concernente ao esporte no
Brasil e à crônica esportiva. Ele sozinho quebrou as correntes estabelecidas e deu vida nova
ao jornalismo esportivo brasileiro. Defendeu uma editoria de Esportes pomposa, espaçosa,
verdadeiramente noticiosa e cativante, que pudesse revelar, propriamente, nuances de vida.
Sua contribuição para que o futebol se desenvolvesse como espetáculo de massas é
indiscutível.
Promoveu – não criou, faz-se essa ressalva - a célebre sigla Fla-Flu que tornou o
embate, Flamengo e Fluminense, cercado de glamour, magnetizador, e o lançou ao plano
configurativo de o clássico mais charmoso do futebol brasileiro. Por ter durante todo o tempo
avivado, afervorado nas pessoas o posicionamento de se exercitarem no ato de torcer,
comparecendo religiosamente aos estádios de futebol, recebeu a alcunha de “O Criador de
Multidões”.
Por gozar de prestígio perante todas as rodas da sociedade, manteve aproximação com
dirigentes de todos os clubes, políticos, ministros de Estado e com os presidentes Getúlio
Vargas e Juscelino Kubitschek. Era um diplomata, uma eminente figura do futebol. Achava
que não podia desapontar a ninguém. Por isso tinha muito cuidado quando falava sobre os
clubes. Não escreveu muitas crônicas que abordassem o Flamengo de forma apaixonada, mas
deixava sempre transparecer a sua estima pelo rubro-negro, pontuando o valor histórico do
clube.
Na verdade, o livro “Histórias do Flamengo”, escrito por Mário Filho, é denunciativo
de sua paixão pelo Flamengo. Por que Mário – que alguns desconfiavam torcer pelo
Fluminense -, escreveria um livro de exaltação ao Flamengo e não ao Fluminense? Esse livro

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pode ser classificado como documento histórico da vida do clube e serve como a mais
representativa homenagem ao rubro-negro. Era imenso o orgulho de Mário Filho com este
livro. No seu íntimo, a cada vitória rubro-negra, sorria e fazia sua festa, interiormente. Essa
alegria que se vê hoje em dia no torcedor do Flamengo já existia há muito tempo. É Mário
Filho quem diz
[...] E Jaime de Carvalho correndo de um lado para outro, avisando todo mundo. A
torcida do Flamengo irá a pé, da Gávea até à sede do clube, como um rancho, a
estação primeira, a caminho da praça onze. [...] O torcedor do Flamengo tinha era de
se espalhar, de sambar, de pular, de puxar cordão, alegrando todas as ruas, fazendo
escancarar todas as janelas. [...]. A multidão encheu a praça. Os lotações
fonfonavam. De longe se viam os bondes carregados de gente. [...] Jaime de
Carvalho deu o sinal, todos a caminho. E a multidão movimentou-se, cantando e
dançando. Os automóveis e os bondes passavam na frente do bloco do Flamengo.
Havia gente que saltava para engrossar a multidão, entrar no brinquedo. As janelas
se abriam: Jaime de Carvalho tinha certeza que elas iam se abrir. Abriam e
enfeitavam-se de sorrisos. Havia flamengos em toda parte: a cidade era do
Flamengo. Garotos corriam na frente do bloco [...]. (RODRIGUES FILHO, 1966, p.
237-238).
Observa-se a mesura, a palavra carinhosa, ofertado por Mário Filho àquele que foi um
símbolo de torcedor – do Flamengo e da seleção brasileira. Criador da primeira torcida
organizada do Brasil, a “Charanga do Flamengo”, em 1942, Jayme de Carvalho, foi um dos
maiores personagens da arquibancada e nesse ofício de torcedor se sentia “nas nuvens”. Essa
comemoração apresentada por Mário Filho diz respeito a uma vitória sobre o Vasco. Ele diz
que havia torcedor do Flamengo por todos os cantos. Os bondes não davam vazão para
transportar o torcedor rubro-negro. E iam a pé mesmo, fazendo festa, cada vez mais pessoas
se juntando ao grupo. Com alegria proporcional ao tamanho daquela gente rubro-negra, a
massa cantava, dançava, gritando o nome “mengo” em uma caminhando que ia da Gávea,
estádio do Flamengo, até a sua sede na praia do Flamengo. Um trajeto considerável.
O Flamengo não era só a bagunça, a farra, a ausência completa de retidão
comportamental. O torcedor tinha seus momentos de sintonia com o divino. Recolhia-se para
pensar em coisas boas, trabalhar no bem, e clamar a Deus pelas bênçãos. Mário Filho,
conhecedor desta qualidade, adentra a esfera da religiosidade para dimensionar a
multiplicidade do seu torcedor e a significação do clube em sua vida.
O Flamengo era um caminho para a vida, um caminho para a morte, um caminho
para Deus. São imperscrutáveis os desígnios da Providência. O Flamengo, que
obrigara, certa vez, um colégio de freiras a se mudar, era o mesmo que numa hora de
aflição ia se ajoelhar ao pé do altar se São Judas Tadeu. (RODRIGUES FILHO,
1966, p. 42).

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O cronista toma como referência a máxima de ser o Flamengo o clube mais amado do
Brasil para expressar o seu ponto de vista sobre o papel desempenhado pelo torcedor de
futebol. Esse sujeito que vive para o seu clube na frequência altíssima da entrega, da emoção,
do amor, da fidelidade irrestrita, tem sua atuação analisada por Mário Filho. Entendendo
existir no torcedor, nessa relação com o clube de coração, carga de simbolismo bem definida,
de profundidade ampla, inevitável era o despontar do interesse pela busca de respostas. O
clube na vida do torcedor tem as raízes cravadas e desde o brotar desta semente, a perenidade
desta relação passa a vigorar. Mário Filho discorre:
Ninguém discute que o Flamengo seja o clube mais popular do Brasil. Quem é
Flamengo prefere dizer o mais querido. Está certo. Escolhe-se um clube como se
escolhe uma mulher. Para toda a vida ou até que Deus separe. É mais difícil deixar
de amar a um clube do que a uma mulher. Qualquer um de nós conhece, de ouvir
falar nem se fala, mas de conhecer mesmo, mais bígamos ou polígamos do que
torcedores que mudaram de clube. Ou que traíram, mesmo em pensamento. Talvez
porque o clube nunca se entrega a um torcedor. O torcedor é que se entrega ao clube
ou ao amor do clube. Também pode ser porque o sex-appeal do clube não se
desgasta com os anos. Daí que exija, sempre, um amor como de lua-de-mel,
violento, absorvente, exaustivo. Não leva à tísica, mas dá enfarte. Muito médico,
hoje, proíbe futebol a torcedores que têm de fazer dieta de amor. Podem amar o
clube, mas de longe, por assim dizer de memória, num amor suave, pacificado.
Geralmente se ama sem saber por quê. Tantos caminhos levam ao amor que é quase
impossível apontar um como a rota dos descobridores. Isto é verdadeiro, tanto em
relação a uma mulher, como a um clube. E mais em relação a um clube do que a
uma mulher, já que nenhuma mulher é tão variadamente amada como um clube.
Nem mesmo uma Brigitte Bardot, mais desejada do que amada. (RODRIGUES
FILHO, 1966, p. 7).
Difícil encontrar outro jornalista que tenha se interessado tanto em ir fundo na história
esportiva e social para descobrir as razões do Flamengo ter tornado-se esse clube de torcida
gigantesca, tão abusada, presunçosa e de enorme soberba. Mário Filho conseguiu vasculhar a
história, criteriosamente, para colher respostas. (RODRIGUES FILHO, 1966, p. 8) diz, “O
Flamengo era um clube de remo de sessenta sócios, se tantos, poucos pagando a mensalidade,
e sem um campeonato. Mas tinha a vaidade, de Grande da Espanha”.
Na compreensão de Mário Filho a condição de “Ser Flamengo”, transverte em seu
torcedor um estado de espírito, uma ideologia, um objetivo comum de se comprazer no amor
ao clube para seguir pela vida, fortalecido. O torcedor rubro-negro carrega a certeza de que
sendo Flamengo ele se faz solto na vida, abraçando as emoções, flertando com a alegria, não
se intimidando ante os desafios. O Clube e sua torcida desenvolveram ao longo do tempo
talento para se autopromoverem.
O Flamengo usou todos os recursos da sedução que possuía. Como um Don Juan,
cada conquista que fazia tornava-o ainda mais irresistível. Não havia um dia em que

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os jornais não publicassem uma grande notícia do Flamengo. As vezes para que se
falasse nele, ou não se deixasse de falar nele, o Flamengo contratava um jogador
para um match. Apresentava tal estardalhaço que a gente acabava achando mesmo
que se tratava de uma celebridade ignorada. Por culpa nossa. Nenhum clube em
tempo algum explorou tanto a publicidade. Os muros das avenidas, as paredes dos
edifícios, enchiam-se de cartazes: uma vez Flamengo, sempre Flamengo. Preparava,
assim, um concurso de slogans. Só para crianças. O que acontecia era que toda a
família ficava pensando no Flamengo. Numa frase, e caprichada, sobre o Flamengo.
A imaginar coisas bonitas para o Flamengo. Para virar Flamengo era um passo. O
garoto, o pai, a mãe. O resultado foi que o Flamengo ficou cheio de slogans: o
Flamengo ensina a amar o Brasil, sobre todas as coisas; onde encontrares um
Flamengo encontrarás um amigo; ser Flamengo é ser forte na adversidade. [...]
aparecia na pista um escafandrista, de escafandro autêntico, pesadão, como se
carregasse pés de chumbo. Trazia um cartaz: Flamengo, até debaixo d’água. Logo
depois se ouvia um barulho de motor de avião. Olhava-se para cima e via-se descer
um pára-quedas trazendo uma galinha morta com as cores do Fluminense. E
charangas tocavam o Flamengo, Flamengo, tua glória é lutar. De tarde, por causa do
Flamengo, o Fla-Flu era um carnaval; de noite, um São João. O Flamengo trazia as
festas mais populares para o futebol. (RODRIGUES FILHO, 1966, p.30-31).

O neto de Mário Filho, Mário Rodrigues Neto, contou no programa especial sobre o
centenário do clássico Fla-Flu, exibido no canal SPORTV, em Julho de 2012, que em certa
ocasião percebeu, teve então a certeza de que o avô torcia mesmo para o Flamengo. Em um
jogo no Maracanã contra o Botafogo, em 1955, estavam os dois, lado a lado, na tribuna de
imprensa. O Flamengo marcou o gol. Mário Neto viu, no gol do Flamengo, o avô vibrar
muito, dar saltos de alegria. Ao passar de alguns segundos, o cronista se deu conta de que o
neto estava ali e, meio sem jeito, rapidamente se recompôs. Gostava de ser discreto.
Permaneceu durante todo o resto do jogo com uma alegria diferente. No final do jogo, sem
convencer, falou para o neto que torceu fervorosamente daquela forma porque sabia que se o
Flamengo vencesse, a venda de jornal no dia seguinte seria muito boa.
Na verdade, ele não queria que o garoto soubesse que, no fundo, no fundo, era o
Flamengo o time do seu coração. Nascido em uma família cheia de tricolores, o Flamengo
havia o conquistado. Saiu do Maracanã desconfiado de que o neto fosse abrir a boca mais
cedo ou mais tarde. Daí concluiu: era melhor “comprá-lo”. No dia seguinte, ao acordar, o
menino levou um susto agradável. Tinha uma bicicleta no seu quarto e um papel pequeno,
colado nela, escrito: "Fiz a minha parte." A bicicleta era a parte dele, Mário Filho. A parte do
neto seria não contar para ninguém o que havia presenciado no Maracanã no dia anterior.
Outro acontecimento que entrega para qual time torcia Mário Filho foi relatado por
Castro (1992). Em um Fla-Flu, de 1959, logo na entrada do Maracanã, Mário Neto havia
pedido para o avô uma bandeira do Fluminense – torcia, por influência da família, para o
tricolor, só passando a torcer pelo Flamengo algum tempo depois. Mário Filho comprou, mas,
forçou o neto a levar uma do Flamengo também. Detalhe: a do Flamengo era muito maior que

118
a do Fluminense. O Flamengo perdeu o jogo por 2 x 0 e Mário Filho, triste, amuado, não
deixou, na volta para casa, o neto balançar a bandeira do Fluminense pela janela do carro.
O Maracanã em jogos do Flamengo era festa do início ao fim. Não havia jogo em que
a sua torcida não comparecesse em número maciço. Mário Filho ia ao estádio em jogos de
todos os times. Mas, nos jogos do clube da Gávea “fazia força” para ser aquele sujeito que era
conhecido por se manter em postura estritamente polida. Era cortejado por todos por ser uma
pessoa extremamente polida, cortês, cerebral, bem comportado no trato com todos do futebol,
que, como ele mesmo dizia, buscava sê-la para manter-se sem aproximação com um clube
específico, objetivando o alcance da fidedignidade do que escrevia sobre futebol, atingindo a
pretensa imparcialidade.
Na hora da decisão ele foi Flamengo, o Flamengo de tua glória é lutar, o clube e o
time da bandeira, da legenda; do samba, da marcha; da anedota, de tudo que é
Flamengo [...] E não se pode isolar essa vitória do Flamengo ao campo. Ela também
nasceu e se fez nas gerais e nas arquibancadas, nas cativas, nas numeradas e nas
perpétuas. Desde cedo que se viam a caminho do Maracanã automóveis, bandeiras
do Flamengo já desfraldadas. O estádio estava como na Copa do Mundo. E tudo
aquilo, as bandeiras, a charanga, a cuíca roncando, os tambores chorando, os
pandeiros rindo, podia trabalhar nos nervos dos jogadores. Os jogadores do
Flamengo pisaram o campo como autuados; tinindo, como se diz. Onde, depois de
longa, de quase interminável campanha do tri, só pode ter sido no Flamengo, na
mística da camisa, na outra mística que agora nasce dos calções negros, de luto por
Gilberto Cardoso. Porque desde o primeiro momento se sentiu que eles estavam
dispostos a tudo, esquecidos de si mesmos, pensando só no Flamengo, que era para
eles o sinônimo de vitória. [...] Então é que a multidão tirou o lenço do bolso para a
revoada da vitória do Flamengo. É que a charanga não parou mais de tocar. É que os
foguetes deram para assoviar. Das arquibancadas soltaram serpentinas, das gerais
chuveiros que se curvavam, lá em cima, como girassóis, e pareciam olhar a festa cá
embaixo para se abrirem e se despetalarem como rosas de fogo. Era o carnaval do
Flamengo que nascia e que ia tomar conta da cidade. E chegava como o são-joão,
com a grande vitória do Flamengo [...]. Havia gente no bar do estádio também
chorando e beijando a bandeira do Flamengo. Ninguém perguntava que horas eram.
Era a vigília da vitória, do tricampeonato do Flamengo. Ali, embaixo das rampas do
Maracanã, nas ruas, por todo o caminho de volta. Até crianças nas filas, à beira das
calçadas, senhoras, os flamengos que tinham ficado de fora e que agora queriam
gritar Flamengo, à passagem do Flamengo, ou de tudo o que lembrasse o Flamengo.
Os carros com bandeiras do Flamengo, os carros sem nada, só com gente dentro,
mas que traziam alguma coisa da vitória. Os gritos de Flamengo eram como filas de
sons ao longo das ruas e das avenidas. E mesmo quase de manhã, a gente acordava
com um Flamengo! ‘Era a vitória continuando, não acabando mais’. (RODRIGUES
FILHO, 1956, p. 38).
Na emblemática, arrojada, refinada, inesquecível revista Manchete Esportiva, de
propriedade de Adolpho Bloch - grande empresário da Comunicação - Mário Filho, que foi
um dos seus idealizadores e era quem coordenava, dirigia a revista, além de labutar no ofício
de cronista, reconstitui o clima que tomou conta de jogadores e torcida na final do
campeonato de 1955, que selou o tricampeonato do clube.

119
Interessante observar que essa decisão de 1955, talvez, tenha sido a decisão mais
inspiradora que desencadeou uma série de crônicas. Mário Filho relembra que naquele dia o
time jogou com a alma, pela necessidade de se homenagear Gilberto Cardoso – o presidente
do clube, falecido meses antes. Pontua que os jogadores se desdobraram em campo e que a
cidade foi tomada por comemorações que espocavam por todos os cantos. Jornais da época
registraram que após o jogo, torcedores do Flamengo saíram do Maracanã e foram a pé até o
cemitério São João Batista, em Botafogo, colocar a faixa de campeão no túmulo de Gilberto
Cardoso, comemorando assim, “junto” ao presidente rubro-negro, a conquista do
tricampeonato.
Mário Filho faleceu em 16 de Setembro de 1966. Uma trombose gerada por problemas
cardíacos interrompeu uma jornada de aproximadamente 40 anos de significativa produção. O
Rio de Janeiro, cidade que o acolheu aos oito anos de idade, perdia aquele que soube como
ninguém proporcionar grandes alegrias e emoções ao seu povo. “Mário Filho teve adeus de
rico e pobre. Milhares de pessoas, desde o representante do presidente da república (...) até o
mais humilde torcedor carioca, estiveram ontem no Jornal dos Sports para a última
despedida”. (JORNAL DOS SPORTS, 17 set. 1966).
Com relação ao seu Jornal, o Jornal dos Sports, vale o registro: O Jornal dos Sports,
fundado em 1931, por Argemiro Bulcão, foi um dos mais expressivos periódicos de esportes
do Brasil. Esteve presente com destaque no cotidiano dos brasileiros durante décadas e
considerável contribuição deu ao esporte. Adquirido, em 1936, por Mário Filho, com a ajuda
financeira dos amigos, José Bastos Padilha, Arnaldo Guinle e Roberto Marinho, trilhou um
caminho de sucesso de crítica e de venda. Grandes nomes passaram por ele. Como arena
aberta para debates sadios sobre o rumo do esporte no país e como veículo que patrocinava
eventos esportivos pela cidade, alavancou muito mais o interesse nas pessoas pela prática
esportiva.
Em 1967, após o suicídio da viúva de Mário Filho, Dona Célia, que com a morte do
marido havia ficado a frente do jornal, Mário Júlio, o único filho do casal, passa a comandá-lo
até 1972, quando perde para o alcoolismo a batalha pela vida. Nesse ano de 1967, o Jornal dos
Sports, conhecido como JS, lança um suplemento chamado Sol, um caderno cultural que
exalava inquietação, resistência contra ditadura militar e no qual a contracultura era a
mentalidade predominante. De vida curta, mas de densidão e consistência, reconhecidos, o
Sol ficou eternizado na canção de Caetano Veloso, Alegria, Alegria: “O Sol nas bancas de
revista/Me enche de alegria e preguiça/Quem lê tanta notícia”?

120
Depois da morte de Mário Júlio, coube a sua segunda esposa, Cacilda Fernandes de
Souza, controlar a empresa. Ela implementa mudanças radicais na linha editorial do jornal.
Depois de oito anos, vende o jornal para a família Velloso que se manteve no comando até
1999. Na década de 2000, já sem a mesma força de antes, cambaleia, tenta se reerguer, mas,
em 2010, sai definitivamente de cena.
Não se pode “medir” Mário Filho de forma comum, habitual. A largura, o
comprimento, o teor de sua atuação e obra, varam a esfera do mirífico, da excelência. A frase
a seguir de Nelson Rodrigues sentencia a importância de Mário Filho para o Flamengo, o
futebol, o jornalismo, e para a vida social-esportiva do povo brasileiro: “Meu Deus, eu
gostaria de dar uma ideia da extensão, dinamismo e profundidade de sua obra. Mas antes
preciso dizer que Mario Filho era um desses homens fluviais que nascem de raro em raro.
Disse fluvial e explico: imaginem um rio que banhasse e fertilizasse várias gerações”,
(RODRIGUES apud MARON FILHO e FERREIRA, 1987, p. 137).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Toda história é tradução seletiva de aspectos que transitam na dualidade, Bem e Mal.
A história oficial, ostensiva, difundida, é o atestado definitivo de uma pessoa, instituição, de
determinado evento. Ela fica para sempre. Ou pelo menos tem essa intenção. Pela pesquisa, é
possível chegar a outras possibilidades adormecidas. Novos ângulos de interpretação,
minúcias, particularidades escondidas. Por esses outros direcionamentos, pelo
reenquadramento da história, colhe-se resíduos valiosos. Na verdade, por vezes, esses
resíduos tendem a potencializar, ou, em alguns casos, diminuir um dado acontecimento. O
certo é que as reinterpretações históricas são válidas, importantes e quase sempre não
desmentem a história constituída.
A história do Clube de Regatas do Flamengo é marcada por heroísmo, rebeldia,
persistência, superação, irreverência, astúcia e aproximação com as camadas populares. Isto é
fato. O crescimento, de certa forma, rápido, maciço e ininterrupto de sua torcida, intriga. Essa
vastidão da torcida rompeu fronteiras estaduais e o fez um clube nacional. O colossal
desenvolvimento de sua torcida, o senso de “especialidade” creditado a ela, essa configuração,
é o mote central desse trabalho. Encontrar razões que levassem à compreensão dessa
conquista de “maior torcida do Brasil”, associando a essa massificação, o olhar, o crivo, o
posicionamento da crônica esportiva brasileira diante do torcedor do Clube de Regatas do
Flamengo, é a meta estabelecida. Nos fragmentos das crônicas expostas nesse trabalho
detectam-se traços resistentes, extensivos, altaneiros, que dão corpulência hercúlea ao
torcedor do Flamengo.
Com riqueza de detalhes, os três cronistas selecionados, José Lins do Rego, Nelson
Rodrigues e Mário Filho, descreveram o Rio de Janeiro dos séculos XIX – final dele - e XX,
seus costumes, cultura, transformações. Trouxeram a tona fatos que vieram a contribuir no
forjar inicial da imagem do clube de Regatas do Flamengo. Resgataram a história – até
mesmo aquelas banalizadas - e extraíram delas, o arguto, o detalhe despercebido, que ajuda a
entender o resultado final, o Flamengo sendo clube popular, o mais amado e de maior torcida
do Brasil. Identificaram a tal da “alegria rubro-negra”, a alegria que não cessa, a presunção de
seu torcedor, sua opulenta atuação, alguns pontos que vem a corroborar a tese de ser o
torcedor do Flamengo um fenômeno.
Alguns dirão: existe exagero na descritiva da imagem do clube. Pode ter ocorrido, sim.
Contudo, essa transcrição dilatada dos fatos não pode em hipótese alguma ser enxergada
como irrealidade, teoria ficcional, criação infundada. A Crônica se utiliza desse recurso de

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potencializar, de exacerbar a escrita, aquecendo o fato, mas não se apresenta nisso desvios, o
passar distante da verdade. A intenção é a valoração do fato e não o fantasiar desmedido.
Nenhuma pessoa em sã consciência atacaria o talento, a análise meticulosa, o compromisso
com a verdade - com o que acreditavam ser a verdade -, a ilibada conduta profissional, o grau
do intelecto, sem contar a obra sólida, dessas personalidades da Literatura e da crônica
esportiva do Brasil.
Infere-se, não ter existido premeditação de conquistar com as crônicas escritas
torcedores para o clube rubro-negro. A alma desses cronistas é que se manifestava livremente,
sem nenhum intento da conquista de seguidores para o Flamengo. A única conquista que
ansiavam era a do prazer dos leitores pela leitura de suas crônicas. O desejo era o de abrir
passagem para o sentimento da paixão. Agora, que, naturalmente, pelo excepcional traço
atrativo da escrita, pelas frases e orações comovedoras que evocavam o Flamengo, pelo
enlevo que proporcionavam, pela paixão intensa empregada, pela “promoção” do clube, o
“mostrar dele” naquele espaço, pode ter a crônica deles, realmente, acertado em cheio o
coração daqueles torcedores indecisos, arrastando-os para o Clube de Regatas do Flamengo,
disso, não se pode duvidar.
É de ordem natural que mudanças ocorram e que o mundo nos apresente novas
tecnologias, novas tendências, novas realidades que induzam a um novo olhar, a um novo
modo de vida. O novo sempre vem. Ele é reorganizador, salutar. Entretanto, o novo não
destrói nunca o que ficou como marca no tempo, e sim, se alicerça, se alimenta, ganha
contornos e é moldado pela interferência, influência, ou, referência, do que ocorreu e se
instituiu em outros tempos. Saudosismo é bom, sim. Diferente do que muitos pensam.
Lembrar, reviver, flertar com o passado é um exercício que devemos fazer para não esquecer
a história que se ergueu no ontem e que o hoje se encarrega de ratificar. O futuro terá páginas
rabiscadas de elementos do passado. Importante é manter a mente aberta para aceitar o que é
de cada tempo e ter a certeza de que pela fusão do ontem com o hoje, serão geradas as
tendências do futuro. É assim. Nessa marcha evolutiva, é preciso lançar-se.
O futebol mudou, os costumes mudaram. A crônica esportiva também. Impressiona a
rapidez com que a novidade bate à porta da humanidade. Mídias, tecnologias, invenções,
adaptações impressionantes e frenéticas, atualizações que ocorrem em um piscar de olhos.
Notícias que chegam de todos os cantos com uma velocidade estonteante. A Informação
relevante? A pretensa verdade? Continua a pulsar teimosamente – não cessará nunca. Mesmo
nos escamoteios de uma imprensa nem sempre tão correta e por vezes perdida, distante do seu
propósito principal, de ser aliada, defensora, expoente da veracidade e comprometida com o

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bem estar social, a verdade sempre surgirá. Este é um processo continuado, por isso, sem fim.
E o aprimoramento, uma ordem natural, um direcionamento, uma necessidade.
O que não muda é o amor desses seres que se debruçam, se atiram, se dão às
maravilhas do futebol. O garoto, do mais humilde, ao cercado de riquezas, continua a sonhar
com o dia em que pisará o gramado de um estádio de futebol, vestido com a camisa do seu
clube de coração e, quem sabe, com a da seleção brasileira, caracterizando-se como um
autêntico “profissional da bola”. Se não conseguir esse status de profissional, a simples
“pelada” em um campo de grama sintética – sim, é triste pensar que não existem mais campos
de terra – já será um deleite para esse garoto que, num piscar de olhos, será o adolescente e,
sem perceber, pela velocidade do tempo que nos corta, o adulto que pela vida caminhará. O
futebol continuará exercendo o seu papel coalescente, de valioso capacitador das relações
humanas, caminho para o alívio das tensões e lente formatada de passionalidade, que revelará
gradações do ser humano e do meio social.
Torcer será sempre um ato encharcado de paixão. Não mudará. O sentimento a um
clube de futebol, nessa premissa passional, permanecerá brotando. Seja em estádios, bares, na
rua, no colégio, no trabalho, na praia, em casa, o coração do torcedor continuará batendo mais
forte quando o seu time estiver em ação. Pode ser no bairro chique de classe alta, naqueles
que reúnem a classe média, ou nas favelas com seus becos em profusão, nessas delimitações
sociais, o torcedor desfraldará sua camisa e não se privará da fidedignidade emocional ao seu
time. Essa ação do torcer independe de classe social, de cor, raça, credo, sexo, das opções de
vida que se faça.
Será possível ainda se deparar com o indivíduo que no domingo, após uma semana de
trabalho intenso, acorda cedo, toma café, come o pãozinho com margarina, “fila” o jornal -
mais especificamente, o espaço destinado ao futebol – e sintoniza a estação de rádio que sobre
esportes fala; com aquele que vai para a rua sentir o clima das discussões sobre futebol; com o
que não se esquiva de bater bola com o(s) filho(s) e que com todo esforço proporciona à
família o almoço especial de domingo – especial por ter no lugar do ovo frito, um frango, ou
uma carne de 2ª qualidade, um refrigerante no lugar de um copo d’água.
Esses personagens todos, que ao adentrar da tarde de domingo – ou em qualquer outro
dia e horário -, se deslocam até o ponto de ônibus ou à estação ferroviária a fim de irem a um
estádio de futebol. E que, com o coração agitado, batendo a mil por baixo da camisa de seu
clube, cantando, gritando, pelo encanto da arquibancada deixam-se levar. Que
inevitavelmente, sentem a necessidade de transferir esse “gosto” aos filhos. E que mesmo com
toda limitação financeira, arrastam esses mesmos filhos, até a esposa, a companheira, a uma

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partida de futebol, reunidos nessas características, esses seres servirão de inspiração e
espargirão a mágica arte do torcer . Não só aos desprovidos financeiramente, mas também aos
de excelente poder aquisitivo, essa avidez abarcará.
Com júbilo vão acompanhar o seu time, ser o 12º jogador, torcer, apoiar, berrar,
xingar, cantar, sorrir e chorar. Receber o que nenhum dinheiro consegue comprar, a emoção
do futebol. Passarão 90 minutos – em alguns casos, 120; os minutos da cobrança de pênaltis -,
em sintonia com o espetáculo do futebol, extasiados, sem mesmo sentir o desejo de comer.
Comer pra quê, se a satisfação da alma parece fazer esquecer uma pretensa fome? Ali na
arena, o estádio de futebol, se alimentam da transfusão de energia e absorvem lições
estabelecidas pela partida que o ajudarão de alguma forma ao longo da semana.
No estádio, esse torcedor será atingido por uma série de sensações que o fará sentir-se
completo. Céu e inferno oscilarão naquela atmosfera. Se for contemplado pela pujança de um
gol do seu time, embevecido, na comemoração, algo sublime, que em nenhum outro lugar
poderá ocorrer, o tocará. Será abraçado sem pudores por um desconhecido, um estranho, que
pode ser diferente dele em tudo, mas que, estará intimamente ligado a ele na fascinante e
tocante arte de torcer pelo time que os une.
Se este torcedor pertencer ao clube mais popular, o de maior torcida do país,
reconhecido internacionalmente, como é o caso do Flamengo, aí então será a glória! O
torcedor do Flamengo é dinâmico, surpreendente. Que torcedor seria tão tripudiado pelos
adversários e encontraria sentido em se divertir com isso? Que torcedor ridicularizado com
adjetivos pejorativos seria capaz de enxergar nisso um positivo significado? Urubu, favelado,
analfabeto, imundo, vagabundo, assim os rubro-negros são rotulados pelos adversários.
Petulante, sempre direcionou um olhar irreverente sobre essas designações.
Que torcedor teria criatividade tão acentuada para criar modismos e, mesmo, ou
melhor, principalmente, nos momentos difíceis, acharia motivos para se colocar por cima,
destacando suas qualidades e promovendo ações de caráter marqueteiro? Que torcedor enche
estádios – ou parte representativa deles - de Norte a Sul, de Leste a Oeste, de Nordeste a
Noroeste, de Sudeste a Sudoeste desse extensivo país? Que tem aptidão em fazer festa
carregando a “bandeira” do desbunde, e que impressiona por saber tão bem “brincar” com
seus problemas?
A torcida do Flamengo é patrimônio de uma cidade. Por que não de um país? É
patrimônio do futebol. É fenômeno. Estudar esse fenômeno – dentro de outro, no caso, o
futebol – é meritoso. Desamarrado dos laços e dos nós clubísticos que prendem e por vezes
cegam, analisar o torcedor do Clube de Regatas do Flamengo é exercício relevante e

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pertinente no tocante ao quesito, “estudo de massas”. Seria maravilhoso estudar as
particularidades do torcedor de qualquer outro time. De todos, se extraem histórias relevantes.
Mas no tracejado do perfil do torcedor do Flamengo reside pluralidade fulgente,
curvilínea, e por isso única, que delimita a sua forma, energizada pela influência exercida por
uma cidade decantada no mundo todo, outrora capital do Brasil, fonte de modismos,
tendências, o coração do país. Prever que esta torcida daqui a 100 anos continuará em
crescente estágio a enfeitiçar multidões e a servir para a crônica esportiva como alavanca de
soberbas histórias propiciadoras de audiência e de grandes vendagens, não é desatino.
Contextualizando o trabalho na produção de três mestres da crônica esportiva
brasileira do século XX, o torcedor desse clube, nascido no final do século XIX como um
grupo de remo, foi retratado e as razões que definiram a sua “personalidade”, foi estudada.
Pelo histórico de vida e, principalmente, da obra, José Lins do Rego, Nelson Rodrigues, e
Mário Filho, têm autoridade para se apropriarem do assunto.
Tendo eles adentrado na esfera do futebol - sabendo-se o que o futebol representa no
país, a sua influência sobre a vida do torcedor -, pelo aprazível ofício da escrita, irrepreensível
neles, ratificaram o dimensionamento dado à peculiaridade ímpar do torcedor do Flamengo e
o retrataram em escala pomposa. Por intermédio de suas crônicas explicitaram o esquecido
nas entrelinhas e deram coerência à compreensão da grandiosidade da torcida do Flamengo.
Assim sendo, a escolha do tema em escala de relação com a crônica esportiva, ganha
justificada explicação.
A crônica esportiva, o jornalismo esportivo, certamente, deve muito ao talento
desmedido dessa tríade de admiráveis comunicadores. O Flamengo do mesmo modo
compelido é a gratular esses profissionais. Pelo estilo de cada um dos cronistas, o clube da
Gávea viu o seu nome se fazer mais coruscante, refletido, espalhando-se entre todas as classes
sociais. A escrita apaixonante sobre o Flamengo exercida por José Lins do Rego, Nelson
Rodrigues e Mário Filho tocou profundamente o coração do seu torcedor. Pelo verbo
penetrante e pela necessidade salvadora e vital da escrita, souberam falar sem pieguice sobre o
torcedor. Da inerência de suas ricas estilísticas, da habilidade para espremer até do mais
sofrido e horrendo momento de dor do torcedor, o sumo da existência humana, belezas acerca
do torcedor do Flamengo foram içadas.
A mídia impressa foi o veículo pelo qual levaram ao leitor, ainda mais ao leitor rubro-
negro, em espetaculares crônicas assertivas sobre a representatividade do clube na esfera
esportiva e social, os primeiros anos do clube, as façanhas, os grandes duelos, os personagens.
Pelos jornais Crítica, O Globo; Jornal dos Sports; Última Hora, Correio da Manhã; através da

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saudosa revista Manchete Esportiva; pelos livros, em menor escala produtiva sobre o assunto,
o torcedor do Flamengo foi tratado com louvor em palavras revestidas de poesia. Inesquecível
foi esse tempo em que essa produção se alinhavou. E feliz é o país que preserva a memória e
obra de seus artistas. O Brasil, o esporte, o futebol, o jornalismo, a crônica esportiva, têm a
obrigação de serem, permanentemente, gratos aos três cronistas em questão, por tudo o que
produziram.
Se hoje existem bons cronistas esportivos? Sim, sem dúvida. O diferencial é que os
cronistas de hoje – com algumas raras exceções - não são da rua. Explica-se: não batem pé
pelas praças, parques, botequins, feiras, nem sequer vão a uma arquibancada, sentir a
atmosfera desses lugares. Vivem trancafiados em salas de redação ou em seus escritórios,
longes, da grande massa, dos torcedores.
Conseguir captar sentimentos, encontrar angulações de abordagens que sejam capazes
de surpreender, de despertar, de acariciar a alma, de emocionar, deve ser a meta deles. Não
desprezar o intricado comportamento do homem, da figura humana na sua qualidade de
“estar” jogador e de ser torcedor - porque essa posição é para a vida inteira - é outro ponto que
precisa ser trabalhado para uma aproximação entre as gerações.
Que nomes como Renato Maurício Prado, Juca Kfouri, Tostão, Fernando Calazans,
Mauro Beting, Ruy Carlos Ostermann, João Máximo, Teixeira Heizer, entre outros, consigam,
através do ponto central de seus talentos, que não se discute, produzir qualitativamente a
partir de inspirações e da conexão com os anseios e a limpidez do pensamento de José Lins do
Rego, Nelson Rodrigues e Mário Filho, eternizados em suas obras. Deixando-se levar por essa
influência, acréscimos farão aos seus textos, despertando no leitor, ainda mais, o interesse
excelso pela crônica esportiva.
Aos cronistas vindouros, que se abasteçam desse manancial – antes de tudo, que ele
seja preservado, - que jorra o que há de mais visceral, tocante e inteligente sobre a ligação
natural da figura humana com o esporte e, mais especificamente, com o futebol. Que saibam
colocar na base da escrita e da oralidade, o senso apurado, a elocução, a beleza da produção
destes mestres, inspirando publicações de obras elogiáveis.
Os resultados colhidos pela metodologia da hermenêutica e seu “braço” da
desconstrução e posterior construção com novas vigas ou com, pelo menos, vigas restauradas,
geradora do ressignificado, da reinterpretação, certifica a realidade da paixão, do amor, do
consumo de emoções que revestem o futebol. E arrastando para o tema Flamengo essa
metodologia, conclui-se que o Clube de Regatas do Flamengo e seu torcedor, pautado com

127
regularidade na crônica esportiva desde a primeira metade do século XX, é assunto que
“rende”, pródigo, de valor, e cingido de atração.
O estudo sistemático da cultura popular, das “massas”, do universo do futebol, da
paixão, do amor do torcedor por seu clube, não deve ser desprezado. A partir da década de
1990, surgiram núcleos, cátedras, grupos de estudiosos, com currículos invejáveis, que
começaram a estender o horizonte e produzir teses, dissertações, trabalhos acadêmicos,
artigos científicos, escrever livros, nos quais, o espetáculo do futebol e a complexidade do
campo de jogo e da arquibancada foram postos em análise séria, vasculhados, esmiuçados e
os resultados, reveladores, colocados ao alcance do conhecimento de todos.
Continuar estimulando pesquisas desse tipo, sem sombra de dúvidas, irá contribuir
para que venha a se entender melhor essa faceta do ser humano de se agarrar as paixões com
ímpeto incontrolável. Entender o futebol, o papel social do clube e de sua torcida, o abordar
do tema pela imprensa, é tarefa importante. Que pela leitura do que se produz sobre o tema
futebol, seja retratando time A, B ou C, o respeito pelas diferenças venha a se fixar,
aceitando-se os créditos que precisam também ser direcionados ao outro.
A exaltação a um clube ganha mais consistência quando se reconhece que outros
clubes também detêm bonitas histórias e que pelas disputas equilibradas, pelo sucesso, pela
vitória obtida diante de um adversário forte, adquire-se mais representatividade, contribuindo
isso para a melhor representação do espetáculo, esclarecedor da formatação psicossocial do
ser humano, encenado nos estádios pelos amantes do futebol. Ao se ter esse entendimento,
naturalmente, produções nessa área serão mais frequentes.
Que este trabalho consiga tirar as pessoas da condição de antipatia, de enxergarem o
futebol como simplesmente um esporte comum, reles, onde vinte e dois jogadores se
digladiam dentro de quatro linhas. Que demova o falho entendimento de que o amor de um
torcedor por seu clube é algo repreensível, maléfico e contraindicado. O futebol é, senão o
maior, um dos maiores pretextos para o deleite da alma. O ato de torcer, o caos que realinha.
Que assim seja identificado. Que o foco sobre o tema seja o adequado para se ter a observação
mais clara.
Na leitura dessas linhas, que os mais distantes do futebol sintam-se tocados e abram o
seu campo de visão e de entendimento, reconhecendo o papel social do esporte. Já para os que
são amantes do futebol - em especial aos que ao Flamengo se atiram em paixões sutis ou
vorazes - que continuem a vasculhar a história a fim de colher informação relevante e que não
se esquivem de desenvolver relatos - escritos, de áudio ou vídeo, que registrem suas
impressões, tonando-as indeléveis, - que venham a contemplar os traços heroicos de um clube

128
solidificado por sua torcida que nasceu para ir sempre adiante. Uma vez Flamengo, sempre
Flamengo!

129
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137
ANEXOS

138
ANEXO A - Primeiro
uniforme do ainda Grupo de
Regatas do Flamengo. Fonte:
Lance Activo 2.0!
ANEXO B - Nas regatas, o início
de uma história gloriosa
Fonte: Sport Ilustrado/Memória
Biblioteca Nacional

139

ANEXO C - Ata de
Fundação do Grupo de
Regatas do Flamengo.
Fonte:
blogdoalexteixeira.
blogspot.com.br
ANEXO D - Domingos Marques, o primeiro
presidente.
Fonte: Livro, “Flamengo, uma emoção
inesquecível”, de Joaquim Vaz de Carvalho,
1995. Foto cedida pela família.

140
ANEXO E - Casarão onde o Grupo de Regatas do
Flamengo foi fundado. Praia do Flamengo, 22.
Fonte: Fonte: Flamengonet.blogspot.com.br
ANEXO F - Remadores do
Flamengo, tudo pelo clube.
Fonte: Livro “O Vermelho e o
Negro, pequena grande história
do Flamengo”. Ruy Castro, 2012.
ANEXO G – A primeira sede social e
garagem do Remo, na praia do
Flamengo, 22. Já depois da reforma
realizada na década de 1920.
Fonte: Flamengo.com.br

141
ANEXO I - Estádio da Rua
Paissandu. Local onde o
Flamengo mandou seus jogos de
1915 a 1932.
Fonte: esportes.opovo.com.br
ANEXO J – A inauguração do
Estádio da Gávea.
Fonte: Sport Ilustrado/ Memória
Biblioteca Nacional
ANEXO H - Campo da Praia do
Russel. Aberto ao público, foi o
local de treinamento do Flamengo
no início do futebol no clube.
Fonte: rioquepassou.com.br

142
ANEXO M - Favela da Praia do Pinto, à direita. À esquerda, estádio da Gávea. Foto da
década de 1960.
Fonte: favelatemmemoria.com.br/Arquivo Nacional/Jornal Correio da Manhã.
ANEXO L: Foto da Lagoa em 1938. No quadrado de cor laranja, o detalhe da favela da Praia
do Pinto e do Estádio da Gávea, inaugurado neste mesmo ano de 1938, curiosamente, junto
das águas da Lagoa Rodrigo de Freitas.
Fonte: Museu Aeroespacial.

143
ANEXO N – 1ª camisa,
“Papagaio Vintém”.
Fonte: Livro “A Nação”, de
Marcel Pereira, 2010
ANEXO O - O 2º
uniforme, “Cobra
Coral”, 1914.
Fonte:
anacaorubronegra.blo
gspot.com
ANEXO P - Já com a camisa
tradicional, listas vermelhas
e pretas na horizontal.
Fonte:
Flahistorias.blogspot.com.br

144
ANEXO Q - José Lins do Rego. O cronista-
torcedor em ação no Maracanã.
Fonte: capa do livro “O ABC de José Lins do
Rego”, de Bernardo Borges Buarque, 2012.
ANEXO S - Divulgação do filme: O
Engenho de Zé Lins. Vladimir Carvalho,
Urca Filmes, 2007.
ANEXO R – Zé Lins com o Flamengo
em todos os momentos
Fonte: O Globo, “Segundo Caderno.
Rio de Janeiro, 17 de abril de 2001, p. 1.
Acervo do autor.

145
ANEXO T - Nelson Rodrigues no seu ofício
sagrado.
Fonte: Livro, “Fla Flu e as multidões
despertaram”, de Oscar Maron Filho e Renato
Ferreira, 1987.
ANEXO U - Nelson e os
filhos no Maracanã. Fonte:
Arquivo de família cedido
ao site do Fluminense.
Fluminense.com.br
ANEXO V - Nelson
Rodrigues e Mário Filho.
Fonte: Globoesporte.com

146
ANEXO X - Jornalista Mário Filho. O Criador de
Multidões. Fonte: Livro “Fla Flu e as multidões
despertaram” de Oscar Maron Filho e Renato Ferreira, 1987.
ANEXO Z - Mário Filho e José Lins do Rego.
Ligados ao Flamengo. Fonte: Livro “Com Brasileiro
não há quem possa”, de Fátima Martin Rodrigues,
2004.
ANEXO AA - O Criador de Multidões, Mário Filho.
Fonte: Globoesporte.com

147
Anexo ad
ANEXO AB - Jayme de Carvalho,
criador da 1ª torcida organizada do
Brasil, a Charanga do Flamengo. Fonte:
Livro, “O Álbum de Jayme de
Carvalho”. Cláudio Cruz, 2010.
ANEXO AC - O time do Flamengo excursionando vitoriosamente pela Europa em 1951.
Fonte: Flamengo.com.br

148
ANEXO AD - Flamengo exaltado nos veículos de comunicação
Fonte: Diário Carioca 1928/Memória Biblioteca Nacional

149
ANEXO AE - Jornal Crítica de Mário Rodrigues. No jornal
do pai, Nelson e Mário, nessa época, ainda não haviam mergulhado de
cabeça no futebol.
Fonte: Crítica 1929/Memória Biblioteca Nacional

150
ANEXO AF – A crônica esportiva muda a partir de Mário Filho. “Páginas
com vida”, marca empreendida por Mário Filho no Caderno de esportes de
O Globo. Fonte: Livro “Mil e uma noites de Futebol”, de Marcelino
Rodrigues, 2006.

151
ANEXO AG: Crônica “O Criador de Multidões”.
Fonte: Livro “Fla-Flu... e as multidões despertaram! MARON FILHO, Oscar; FERREIRA,
Renato. (Org.). 1987.

152
ANEXO AH – Flamengo, sempre presente nas crônicas de Nelson.
Fonte: Última Hora/Memória Biblioteca Nacional

153
ANEXO AI - Nelson Rodrigues e a representação pungente
do que vem a ser o torcedor do Flamengo
Fonte: Última Hora/Memória Biblioteca Nacional

154
ANEXO AJ – Mão primorosa, apurada, de Mário Filho.
Fonte: Globo Sportivo 1949/Memória Biblioteca Nacional

155
Anexo AL: Livro “Poesia e Vida” de José Lins do Rego (1945)

156
ANEXO AM – Aniversário de 47 anos do Clube de Regatas do Flamengo.
Fonte: Globo Sportivo, 1942/Memória Biblioteca Nacional.

157
ANEXO AN – A partir deste pedido
de um conselheiro, o presidente
Márcio Braga decide que a Camisa
12 passa a ser exclusiva do Torcedor
do Flamengo.
Fonte: globoesporte.com
ANEXO AO - Decreto: Torcida do Flamengo: Patrimônio Cultural.
Fonte: globoesporte.com

158
ANEXO AP - Pesquisa
Lance-Ibope/2010.
Fonte: Lancenet.com
ANEXO AQ - Pesquisa
Datafolha, 2010
Fonte: canelada.com.br
ANEXO AR - Pesquisa Ibope,
2010.
Fonte:
saojosedoscampos.com.br

159
ANEXO AS -
Pesquisa coloca Flamengo como maior torcida do mundo;
Corinthians é a quarta
Por ESPN.com.br
VIPCOMM
Torcida do Flamengo é a maior do mundo, aponta estudo
A maior torcida do Brasil agora ganhou o status de também maior torcida do mundo. Pelo menos é o que aponta
um levantamento feito pela agência argentina de marketing Gerardo Molina/Euromericas divulgado nesta
segunda-feira no jornal “Cronista”. Segundo a pesquisa, o clube carioca tem 39,1 milhões de torcedores,
superando Chivas e América, ambos do México, que têm 33,8 mi e 29,4 mi, respectivamente. Outro time
brasileiro que aparece entre os cinco primeiros colocados em termos de torcida foi o Corinthians, que figura na
quarta colocação do ranking, com 28 milhões. Dos clubes europeus, o primeiro a aparecer na lista é a atual
campeã italiana, Juventus, com 26,3 milhões de torcedores, ocupando o quinto lugar. O estudo foi divulgado
nesta segunda e reuniu diversas pesquisas realizadas nos principais países do mundo, como Brasil, Argentina,
México, Espanha, Alemanha, Itália, Inglaterra, Portugal, França, Holanda e Japão. De acordo com a agência
Gerardo Molina/Euromericas, consultorias da própria empresa viajaram a todos esses lugares para fazer o
levantamento, o que diminui a margem de erro do ranking. O levantamento ainda aponta o Boca Juniors como o
time de maior torcida da Argentina, com 46,8% dos torcedores do país, enquanto no Brasil, quem lidera essa
estatística é o Flamengo, que conta com 25% do apoio entre todos os brasileiros.
Veja quais são os cinco times com maior torcida no mundo, de acordo com a agência Gerardo
Molina/Euromericas:
1° Flamengo (Brasil) - 39,1 milhões
2° Chivas (México) - 33,8 milhões
3° América (México) - 29,4 milhões
4° Corinthians (Brasil) - 28 milhões
5° Juventus (Itália) - 26,3 milhões

160
ANEXO AU - Torcida do Flamengo.
Fonte: dnarubronegro.com.br
ANEXO AT - Nelson Rodrigues, ao
lado de Zico, vestindo o “Manto
Rubro-Negro”.
Fonte: Ziconarede.com.br

161
O Flamengo possui dois hinos.
O oficial, também chamado de "marchinha", foi criado
em 1920 com letra e música de Paulo Magalhães, que
atuou como goleiro da equipe em quatro partidas entre
1918 e 1919, gravado em 1932 pelo cantor Castro
Barbosa e registrado em 1937 no Instituto Nacional de
Música.
Este hino foi cantado pela
primeira vez em 15 de
novembro de 1920, vigésimo
quinto aniversário do clube, no estádio da Rua Paysandu,
no jogo C.R.Flamengo 1x1 Palmeiras (RJ).
O HINO OFICIAL - FLAMENGO TUA GLÓRIA É LUTAR !!!
Autor: Paulo Magalhães
Flamengo, Flamengo,
Tua gloria é lutar,
Flamengo, Flamengo,
Campeão de terra e Mar (bis)
Saudemos todos,
Com muito ardor,
o pavilhão do nosso amor,
Preto e encarnado,
Idolatrado,
Dois mil campeões,
Do vencedor.
Flamengo, Flamengo,
Tua gloria é lutar,
Flamengo, Flamengo,
Campeão de terra e Mar,
Que tão lindo é,
Flamengo, Flamengo,
Tua gloria é lutar,
Flamengo, Flamengo,
Campeão de terra e Mar.
Lutemos sempre com valor infindo
Ardentemente com denodo e fé
Que o futuro ainda será
Mais lindo,
Que o teu presente
Que tão lindo é,
Flamengo, Flamengo,
Tua gloria é lutar,
Flamengo, Flamengo,
Campeão de terra e Mar.
ANEXO AV - Escudo do
Remo. Fonte:
Flaestatística.com.br
ANEXO AX - Esse
escudo simboliza
todos os outros
esportes do clube.
Fonte:
Flaestatística.com.br

162
O segundo hino, considerado o popular, com letra e música de Lamartine de
Azeredo Babo, compositor, cantor, revistógrafo, humorista e produtor. Nasceu no dia
10/1/1904, Rio de Janeiro, RJ e morreu na mesma cidade no dia 16/6/1963, vítima
de enfarte.
Em 1942, houve a criação do programa "Trem da Alegria", que se tornaria um dos
programas mais famosos do Brasil, tendo sido apresentado em diversas emissoras
de rádio. Foi neste programa que surgiu o desafio para Lamartine compor um hino
para cada um dos grandes clubes do Rio (América - seu time de coração, Flamengo,
Vasco Fluminense e Botafogo). Ao final, ele consegue compor os hinos de todos os
grandes clubes do Rio, porém o do Flamengo foi aquele que conquistou indiscutível
gosto popular. O programa contava com a participação do "Trio de Osso", integrado
por Héber de Bôscoli, Iara Sales e Lamartine, e seguiu no ar até 1956, ano de
falecimento de Héber de Bôscoli.
O hino do clube foi gravado pela primeira vez por Gilberto Alves em 1945. Sem
dúvida é o mais conhecido e o que canta as glórias do clube, cujo refrão é "Uma vez
Flamengo, sempre Flamengo".
O HINO POPULAR - "UMA VEZ FLAMENGO, SEMPRE FLAMENGO !!!
Autor: Lamartine Babo
Uma Vez Flamengo
Sempre Flamengo
Flamengo sempre eu hei de ser
É o meu maior prazer, vê-lo brilhar
Seja na terra, seja no mar
Vencer, vencer, vencer
Uma vez Flamengo,
Flamengo até morrer
Na regata ele me mata,
me maltrata,
me arrebata de emoção no coração
Consagrado no gramado
Sempre amado
Mais cotado nos Fla-Flus
É o ai Jesus
Eu teria um desgosto profundo
Se faltasse
O Flamengo no mundo
Ele vibra, ele é fibra, muita libra,
já pesou
Flamengo até morrer, eu sou.
Consagrado no gramado
Sempre amado
Mais cotado nos Fla-Flus
É o ai Jesus
Eu teria um desgosto profundo
Se faltasse
O Flamengo no mundo
Ele vibra, ele é fibra, muita libra,
já pesou
Flamengo até morrer, eu sou
ANEXO AZ – Os 2 hinos do Flamengo
Fonte: Flamengo.com.br/ flanoticiascrf.blogspot.com