a família freqüentava, através de críticas, risadas e cotoveladas entre as pessoas (principalmente
mulheres e mocinhas) quando a família chegava ou saía de um recinto público. Eram comuns
dizeres desse tipo: “Um casal de negros com uma menina branca no colo não combina”. E outra:
“As pessoas deveriam adotar crianças que se parecem com elas, branco adota branco, negro adota
negro, pardo adota pardo.” E certa vez foi dito, para magoar mesmo, conta a mãe adotiva da
menininha, relembrando: “A menina loira com cabelos de cachinhos dourados, olhos azuis, uma
verdadeira “nórdica”, foi adotada por um negro”.
Esta era a cena que as pessoas não aceitavam. A maldade e a ignorância humana não tinham limite.
Quando aquela mãe apresentava a filha e dizia “esta é a minha filha”, sempre havia
constrangimento... Pois as pessoas que se diziam bem educadas e civilizadas logo indagavam:
“Como ela pode ser sua filha?”, “Você é negra e a menina é branca?”. Aquela mãe humildemente
contava e recontava a história da sua adoção esperando compreensão das pessoas, na esperança
que elas percebessem que o amor de mãe não vê cor, nem raça, que se ama com o coração, não com
os olhos. Mesmo assim aquelas pessoas não entendiam nada, pois o preconceito e o sentimento
racista, ou seja, a ignorância, eram maiores do que a inteligência para compreender motivos tão
nobres que levaram àquela adoção.
E na igreja ocorria o seguinte: os “irmãos” de fé, aqueles que geralmente a gente teme mais a
língua do que a fúria de Deus, diziam: “Fulano querendo embranquecer a família, adotou uma
menina branca”. A família sofria diante de tanta ignorância manifestada nos lugares que
freqüentava. No entanto, com muita dignidade, manteve o relacionamento familiar, cuidando da
menina da mesma forma que cuidava dos filhos legítimos, com todo amor de pai e mãe que cabia
num coração. Além de comida, zelo, escola, amor, respeito, dignidade, deu àquela criança a
oportunidade de ter uma FAMÍLIA, pessoas dignas, independente da cor da pele para serem
chamadas de MÃE e de PAI.
O tempo passou, a menina cresceu muito esperta, muito inteligente, muito amorosa. Retornava
para os pais adotivos o amor incondicional que recebia. Era uma família feliz!Hoje, 25 anos após
esse acontecimento, aquela menininha é uma jovem senhora de 26 anos, casada e mãe de um casal
de filhos. Formou-se recentemente em jornalismo, seguindo a carreira do seu amado pai, e trabalha
num conceituado jornal. Mais: é proprietária de uma casa e paga as contas em dia. É uma cidadã.
Fui testemunha na adoção, pois era professora primária dos demais filhos do casal e sabia os
motivos que sensibilizaram aquele fotógrafo e, futuramente, sua esposa, seus filhos, o juiz e as
pessoas de bem que fizeram parte da melhor parte da história. Aquela menininha aos 11 meses de
idade foi violentada pelo seu pai legítimo, homem branco, que vivia alcoolizado. Ao ser socorrida,
ainda estava sangrando. O homem branco, que era pai e esposo legítimo, espancava a esposa e os
filhos maiores. A mãe, mulher branca e também alcoólatra, fumava cigarro de palha e apagava no
corpo dos filhos.
Na região, todas as crianças trabalhavam na carvoaria, enquanto a polícia, os políticos e a
população fechavam os olhos para a situação. As crianças trabalhadoras tinham o corpo queimado
e algumas tinham membros do corpo amputados. Aquela criança, ao ser socorrida pelo fotografo,
estava desnutrida, abaixo do peso, com poucas chances de sobrevivência e com marcas de
queimadura de cigarro por todo o corpo, inclusive perto dos olhos. Os médicos que a socorreram
afirmaram que por pouco não atingira o olho, cegando-a. Ainda bem que aquele fotógrafo não
olhou para a cor da pele da menininha, apenas para a situação dela e percebeu que poderia fazer a
diferença!!! Já pensou se ele tivesse pensado assim: “Não vou ajudar esta criança porque ela não
combina com a cor da minha pele!”
Quantas crianças negras, brancas, mulatas, pardas, saudáveis e não saudáveis, com ou sem
necessidades especiais estão nas creches, nas ruas e até no trabalho infantil. Algumas ainda bebês,
outras já bem grandinhas e todas precisando de adoção. Bem amigos, a situação da adoção no
Brasil é um fato para se refletir, a maioria dos casais brasileiros que querem adotar uma criança dá
preferência a meninas, brancas, de olhos claros de até um ano de idade, enquanto os estrangeiros
não escolhem sexo, idade ou cor. Adotam até crianças com doenças crônicas conhecidas.
Que possamos ter a mesma atitude. Não adotar uma criança só porque ela não combina com a
nossa cor da pele, ou com a cor dos nossos olhos. Filhos não são acessórios de vaidade. Devemos