burgo Saint-Laurent, com sua igreja cujo campanário, de longe, parecia se
acrescentar às torres pontudas da porta Saint-Martin. E o subúrbio Saint-Denis,
com a vasta área fechada de Saint-Ladre.
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E ainda, externa à porta
Montmartre, a granja Batelière, cercada de muros brancos e, mais atrás, com
suas encostas de giz, Montmartre, que, à época, tinha quase tantas igrejas quanto
moinhos, tendo-se preservado apenas os moinhos, uma vez que a sociedade de
hoje espera apenas o pão que alimenta o corpo. Concluindo, para além do
Louvre, prolongava-se, nas terras do faubourg Saint-Honoré, já então bastante
considerável, a verdejante Pequena Bretanha, onde se estendia o mercado dos
porcos, no centro do qual se arredondava o horrível forno para o suplício dos
moedeiros falsos. Entre Courtille e Saint-Laurent, o observador logo podia notar,
no topo de uma elevação assentada sobre uma planura deserta, uma espécie de
construção que, de longe, parecia uma colunata em ruínas, de pé num
envasamento ao rés do chão. Não era nenhum Parthenon nem um templo para
Júpiter Olímpico. Era Montfaucon.
Agora, se a enumeração de tantos edifícios, por mais que tenhamos
procurado manter sumária, não houver pulverizado, no espírito do leitor, a
imagem geral da velha Paris, vamos resumir tudo isso em poucas palavras. No
centro, a ilha de la Cité, parecendo, por sua forma, uma enorme tartaruga que
põe para fora, como patas, pontes escamadas de telhas. À esquerda, o trapézio
monolítico, firme, denso, cerrado, sobrecarregado, da Universidade. À direita, o
vasto semicírculo da Cidade, com uma mistura bem maior de jardins e
monumentos. Os três blocos — Cité, Universidade e Cidade — raiados de ruas
incontáveis. De través, o Sena, “o nutriz Sena”, como diz o velho Du Breul,
atravancado de ilhas, pontes, embarcações. Em volta, uma imensa planície,
remendada por mil diferentes campos cultivados, entremeada de belos vilarejos.
À esquerda, Issy, Vanvres, Vaugirard, Montrouge, Gentilly com sua torre
redonda e sua torre quadrada etc. À direita, vinte outros, desde Conflans até Ville-
l’Évêque. Na linha do horizonte, uma bainha de colinas dispostas em círculo
como à bacia parisiense. Por fim, mais adiante ainda, a leste, Vincennes e suas
sete torres quadrangulares; ao sul, Bicêtre e suas torrezinhas pontudas; ao norte,
Saint-Denis e seu pináculo; a oeste, Saint-Cloud e seu torreão. Era esta a Paris
que viam, do alto das torres de Notre Dame, os corvos que viviam em 1482.
No entanto, era esta mesma cidade que Voltaire dizia não possuir, antes de
Luís XIV, senão quatro belos monumentos: a cúpula da Sorbonne, o Val-de-Grâce,
o Louvre moderno e não sei mais qual era o quarto, o Luxembourg, talvez.
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Felizmente, Voltaire nem por isso deixou de escrever Candide, como não deixou
de ser, na longa série de grandes personalidades da humanidade, quem melhor se
serviu do riso diabólico. O que prova, aliás, ser possível um belíssimo gênio nada
compreender de uma arte que não é a sua. Molière não achava estar
homenageando Rafael e Michelangelo ao declará-los os Mignards da época