Contos Medievais: orientações e visão de mundo E Caça às Bruxas no período Moderno
Em fins da Idade Média, percebemos uma literatura oral proveniente de séculos. Contada tanto nos castelos pelas classes mais favorecidas quanto pelos trabalhadores e camponeses em suas cabanas, a literatura foi sendo difundida, carregando traços do período e narrando um mundo extremamente medieval. FONTES ORAIS O problema se inicia pela questão das fontes – das fontes escritas, para sermos mais precisos –, pois não há uma versão escrita de forma integral em documentos medievais de Chapeuzinho Vermelho ou do Pequeno Polegar, por exemplo, essas histórias já circulavam na oralidade camponesa medieval há séculos e tenham sobrevivido até serem coletadas e transcritas em papel por Charles Perrault .
A primeira publicação dos Contos da Mamãe Gansa de Charles Perrault , em 1697 , seria, nesse casso, uma narrativa medieval? Por que, na primeira versão escrita de Chapeuzinho Vermelho, coletada da oralidade francesa no século XVII, Chapeuzinho é vorazmente devorada pelo lobo? Na mesma história, na versão da antologia dos irmãos Grimm (de meados do século XIX), ela é devorada junto com sua avó, resgatada da barriga do lobo por um caçador que nem existia na versão francesa de Perrault e ambas as personagens vivem “felizes para sempre”.
Era necessário adequar à clientela dos salões as novas versões dos contos, agora destinado aos saraus da corte francesa . E também, a distinção entre a infância e a vida adulta ganhou espaço. Ocorre o aparecimento de novas versões dos contos, diferentes das que circulavam apenas entre os camponeses. Os contos foram desconectados do universo da realidade camponesa, para ganhar espaço no fantástico, no imaginário. ‘Era uma vez’, ‘Caminhando, caminhando’, ‘E viveram felizes para sempre’ [...] funcionam como sinais capazes de explicitar ao ouvinte o fato de que está para ouvir uma narrativa fictícia.
Robert Darnton (1986, p. 29 ) não exagera ao dizer que “os contos retratavam um mundo de brutalidade nua e crua”. Trata-se de casos de violência, antropofagia, assassinato, sofrimento, incesto etc. “Os contos franceses tem um estilo comum, que comunica uma maneira comum de elaborar experiências. Ao contrario dos contos de Perrault , não são moralizantes, (...) mostram como é feito o mundo e como se pode enfrentá-lo.” (DARNTON, 1988, p.92)
LER A versão dos camponeses ultrapassa as versões escritas posteriormente em violência e sexo. (Seguindo os Grimm e Perrault , Fromm e Bettelheím não mencionam o ato de canibalismo com a avó e, strip-tease antes de a menina ser devorada). Evidentemente os camponeses não precisavam de um Código secreto para falar sobre tabus. A moral da história original, sem os acréscimos posteriores, seria, para as meninas, afastarem-se dos lobos ; (DARNTON, 1986, p. 22) LER Mais de metade das trinta e cinco versões registradas de "Chapeuzinho Vermelho“ terminam com o lobo devorando a menina. Ela nada fizera para merecer esse destino; porque, nos Contos camponeses, ao contrário dos contos de PerrauIt e dos Irmaos Grimm , não desobedece a sua mãe nem deixa de ler os Letreiros de uma ordem moral implícita, escritos no mundo que a rodeia . Ela, simplesmente, caminhou para dentro das Mandíbulas da morte. A natureza incompreensível e implacável de calamidade que torna os contos tão comoventes, e não os finais felizes que eles, com frequência, adquirem depois do século XVIII.
Sem fazer pregações nem dar lições de moral os contos (Franceses) demonstram que o mundo é duro e perigoso. Embora, na maioria, não fossem endereçados às crianças, tendem a sugerir cautela. Como se erguessem Letreiros de advertência, por exemplo, em torno à busca de fortuna: "Perigo!"; "Estrada interrompida"!; "Vá devagar!"; "Pare!”. Alguns estranhos talvez se transformem em sujeitos bondosos, mas outros podem ser lobos, e não há maneira de distinguir uns dos outros.
A que, necessariamente, essas reelaborações de discursos buscavam atender? Seria a ideia da infância, já em pleno final do século XVII? Ou a demanda de uma sociedade moderna ? PORQUE O CONTO FOI MUDADO QUANDO DEIXOU A ORALIDADE PARA IR PARA OS LIVROS?
Período Moderno: formas de controle social
a) Mentalidade Medieval e Moderna sobre a Mulher 1. Debilidade Física e Debilidade Intelectual B) Movimento de Caça às Bruxas 1. Quando? Números? Leis? Acusações
Idade Média vs Idade Moderna Na Idade Média Por mais que já houvesse uma notória divisão sexual do trabalho que atribuía mais direitos aos homens sobre as terras, ainda assim as mulheres tinham esse espaço de inserção e de sociabilidade. As atividades domésticas não eram desvalorizadas e não supunham relações sociais diferentes das dos homens. Todo trabalho era visto como contribuição para o sustento. Na Idade Moderna Visões sobre as Mulheres Caça às bruxas Trabalho e Mão de obra barata Encarceramento Prostituição
Visões sobre as Mulheres no Antigo Regime Debilidade física Desigual por natureza e inferior ao homem feita da costela do homem, por isso não detinha a mesma autonomia. Nascer mulher era uma fraqueza da natureza (discurso religioso e médico) O estatuto biológico da mulher (parir e procriar) estaria ligado a um outro, moral e metafísico: ser mãe, frágil e submissa, ter bons sentimentos etc. Debilidade intelectual Maldade As mulheres eram menos capazes por isso deveriam estar sujeita à tutela de alguém, mas sabiam distinguir entre o bem e o mal; Por isso, se a mulher comete um delito contra o direito divino e direito natural deve ser castigada (dolo). Adultério pena capital (morte) A culpa pelo estupro recaia sobre a mulher, que se deixou capturar. As mulheres não eram confiáveis, porque deixavam-se seduzir. As mulheres são más, astutas, ardilosas.
a) Eva, a pecadora; b) Maria, a redentora; c) a dama; a “mulher ardilosa”. No direito Moderno Mulheres eram condenadas serem menos dignas; serem mais frágeis e passivas; serem lascívias, astutas, ardilosas, más, perversas. Os modelos femininos durante a Idade Média e Moderna
Caça às Bruxas: QUANDO? Apesar de a bruxaria ser proibida e ter penas escritas em vários códigos de leis no período medieval (hereges), foi somente no século XV que a caça às bruxas se tornou constante. Entre 1435 e 1487, foram escritos vinte e oito tratados sobre bruxaria. Foi depois de meados do século XVI, que começou a aumentar a quantidade de mulheres julgadas como bruxas. Mulher sendo preparada para execução por bruxaria. - representação
Caça às Bruxas: NÚMEROS É muito difícil estabelecer quantas mulheres foram executadas ou morreram pelas torturas que sofreram: “Muitos arquivos [ela escreve] não enumeravam os vereditos dos julgamentos […] [ou] não incluem as mortas na prisão […] Outras levadas ao desespero pela tortura se suicidaram nas celas […] Muitas bruxas acusadas foram assassinadas na prisão […] Outras morreram nos calabouços pelas torturas sofridas ou linchadas” ( Barstow , pp. 22-3)
Existem estimativas regionais: No sudeste da Alemanha ao menos 3.200 bruxas foram queimadas somente entre 1560 e 1670, um período no qual “já não queimavam uma ou duas bruxas, mas vintenas e centenas” Estima-se em 4.500 a quantidade de mulheres executadas na Escócia entre 1590 e 1650;
Império Alemão - Constitutio Criminalis Carolina — promulgado pelo rei católico Carlos V em 1532 pena de morte. A Inglaterra protestante aprova 3 Atos do Parlamento, em 1542, em 1563 e em 1604, sendo que o ultimo introduziu a pena de morte inclusive na ausência de dano a pessoas ou a coisas. Depois de 1550, Escócia, Suíça, Franca e Países Baixos Espanhóis , também foram aprovadas leis e ordenanças que fizeram da bruxaria um crime capital e incitaram a população a denunciar as suspeitas de bruxaria; Os homens da lei contaram com a cooperação dos intelectuais de maior prestigio da época: Thomas Hobbes (aprovou a perseguição como forma de controle social) Jean Bodin , o famoso advogado e teórico politico francês defendia que as mulheres deveriam ser queimadas vivas, em vez de “misericordiosamente” estranguladas antes de serem atiradas as chamas. Caça às Bruxas: LEIS
QUEM definia uma bruxa? Autoridades do estado e religiosas expressaram publicamente sua preocupação com a propagação das bruxas e viajaram de aldeia em aldeia para ensinar as pessoas a reconhece-las e ameaçando castigar aqueles que as dessem asilo ou lhes oferecessem ajuda. Nas igrejas , foram colocadas urnas para permitir aos informantes o anonimato
QUEM definia uma bruxa? Na Alemanha , esta era a tarefa dos “visitantes” designados pela Igreja Luterana com o consentimento dos príncipes alemães (Strauss, 1975, p. 54). Na Itália setentrional, eram os ministros e as autoridades que alimentavam suspeitas e que se asseguravam de que resultassem em denuncias; também certificavam-se de que as acusadas ficassem completamente isoladas, forçando-as, entre outras coisas, a levar cartazes nas suas vestimentas para que as pessoas se mantivessem longe delas.
Acusações A obscuridade da acusação — o fato de que era impossível comprova-la, ao mesmo tempo que evocava o máximo horror – implicava que pudesse ser utilizada para castigar qualquer forma de protesto, com a finalidade de gerar suspeita inclusive sobre os aspectos mais corriqueiros da vida cotidiana. Vender seu corpo e sua alma ao demônio Práticas de magia para assassinar crianças, sugado seu sangue, fabricado poções com sua carne, magia para provocar a morte de seus vizinhos Uso de encantamentos, magia com ervas, raízes e ramos de certas árvores. Magia para provocar tempestades e destruir gado e cultivos O “mau-olhado”, maldição do mendigo a quem se negou a esmola.
O conhecimento sobre o corpo e a reprodução que estava nas mãos de mulheres (parteiras, curandeiras) estava em conflito com as ideias de ciência (masculina) e de racionalidade, justificava-se queimar quem a praticasse. eram acusadas de ofenderem a razão e a medicina moderna em virtude de suas práticas que usavam não apenas ervas, mas chás com o intuito de curar o corpo, ou por ajudar/realizar partos; eram acusadas de serem insaciáveis, de manifestarem uma sexualidade desenfreada e de forma subversiva seja pela idade seja pelo gesto; por ser filha e irmã do Diabo, como fora estabelecido pelo Concílio de Latrão deveriam ser exterminadas, queimando-as, preferencialmente, em praça com requintes eróticos Acusações
Exemplo de denúncia Acusações contra Margaret Harkett , uma velha viúva de sessenta e cinco anos enforcada em Tyburn em 1585: Ela colheu uma cesta de peras no campo do vizinho sem pedir autorização. Quando pediram que as devolvesse, atirou-as no chão com raiva; desde então, nenhuma pera cresceu no campo. Mais tarde, o criado de William Goodwin negou-se a lhe dar levedura, ao que seu tonel para fermentar cerveja secou. Ela foi golpeada por um oficial de justiça que a havia visto roubando madeira do campo do senhor; o oficial enlouqueceu. Um vizinho não lhe emprestou um cavalo; todos os seus cavalos morreram. Outro pagou-lhe menos do que ela havia pedido por um par de sapatos; logo morreu. (Thomas, 1971, p. 556)
CONTOS Os contos sempre foram utilizados no universo infantil para distrair crianças? Eles refletiam um modo (camponês) de ver o mundo que não precisava de pudor para tratar de assuntos daquela realidade. Contos falam da brutalidade do mundo, dos riscos enfrentados, da condição de vida, da fome, do medo. CAÇA ÀS BRUXAS O processo de perseguição das mulheres segue no período moderno, sob uma nova legislação e novas relações sociais. Representou uma forma de controle – violento - dos sujeitos que não aceitaram de modo pacato as novas condições sociais. A desqualificação da mulher foi a ser construída e ainda está presente na atualidade, exemplo: “Para desqualificar um homem ouvimos a expressão MULHERZINHA, por quê?
Referência FEDERICI, Silvia. Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo: Ed. Elefante, 2017. DARNTON, R. O grande massacre de gatos, e ouros episódios da história cultural francesa ; tradução de Sônia Coutinho. Rio de Janeiro: Graal, 1986. Recomendação de leitura: Guaranha , M.; Campos, A.; Gomes, A. O Fantástico na Literatura: Contos Medievais e Oitocentistas. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/cadernodeletras/article/view/17527