Onde você guarda seu preconceito?
Flávio Herculano
Onde está o seu preconceito? Num gesto intolerante, de fúria e agressão, tipo “ataque neonazista”?
Ou numa ação velada, na piada intransigente contada entre os conhecidos, em meio a um ambiente
amistoso, como se fosse um gesto ocasional e sem consequências? Ou, ainda, está guardado num
fio do subconsciente, disfarçado de uma falsa “aceitação” às minorias? Onde ele estiver, qualquer
que seja a medida do seu preconceito, livre-se dele.
Com causas históricas e culturais, o preconceito nunca se extingue. Em algumas situações pode ate
se atenuar, como no caso do racismo, do machismo e da homofobia, hoje considerados retrógrados,
inaceitáveis em muitos ambientes. Mas, enraizado, o preconceito se desdobra, ganhando novas
formas, de acordo com os valores vigentes na sociedade. Na era do consumo e das vaidades, se
insurge contra os pobres e contra aqueles que não se enquadram em padrões estéticos cada dia
mais estreitos... E por ai prossegue, formando um rosário de intolerância e rejeição.
Vivemos nos renegando, virando as costas uns para os outros. São sulistas contra nordestinos,
moralistas contra libertários, direitistas contra esquerdistas. Subjugamos o próximo mais por uma
necessidade de auto-afirmação que, propriamente, por uma atitude de desprezo. É o branco que, ao
julgar o negro inferior, se coloca um patamar acima, se sentindo mais confortável diante do
infortúnio alheio. É o homem que, ao oprimir a mulher, conquistava mais espaços nos ambientes
sociais e trabalhistas.
Mas bem que poderia ser o contrário, a começar pelas próprias minorias. O negro, que conhece a
dor do racismo, acolhendo o pobre. O pobre, por sua vez, acolhendo o negro e a mulher. A mulher
acolhendo o negro, o pobre e o homossexual... Daí por diante, de modo que o branco, o rico e o
macho heterossexual reconhecessem essa harmonia, se integrando a ela, mesmo que por uma
imposição cultural, de enquadramento numa nova ordem das relações sociais.
E quando falo em “acolher”, me refiro a algo muito superior à aceitação. Pois, quando nos propomos
a aceitar o outro, também nos colocamos um degrau acima, mas ser estender a mão, para que ele
alcance o mesmo nível. É, também, uma necessidade de auto-afirmação. Nos sentimos altruístas e,
ante as demais pessoas, nos julgamos mais à frente e abertos as diferenças. Contudo, trata-se mais
de um gesto de falsa ¨piedade¨ que de harmonia nas relações pessoais.
E você, quais os seus preconceitos e qual a dimensão deles? Reconheça-os, para pode livrar-se
destas limitações. Aprenda a julgar as pessoas pelo caráter de cada um, e não por ranços sociais.
( http://www.overmundo.com.br/banco/onde-voce-guarda-seu-preconceito-artigo )
Inclassificáveis
Arnaldo Antunes
que preto, que branco, que índio o
quê?
que branco, que índio, que preto o
quê?
que índio, que preto, que branco o
quê?
que preto branco índio o quê?
branco índio preto o quê?
índio preto branco o quê?
aqui somos mestiços mulatos
cafuzos pardos mamelucos sararás
crilouros guaranisseis e judárabes
orientupis orientupis
ameriquítalos luso nipo caboclos
orientupis orientupis
iberibárbaros indo ciganagôs
somos o que somos
inclassificáveis
não tem um, tem dois,
não tem dois, tem três,
não tem lei, tem leis,
não tem vez, tem vezes,
não tem deus, tem deuses,
não há sol a sós
aqui somos mestiços mulatos
cafuzos pardos tapuias
tupinamboclos
americarataís yorubárbaros.
somos o que somos
inclassificáveis
que preto, que branco, que índio o
quê?
que branco, que índio, que preto o
quê?
que índio, que preto, que branco o
quê?
não tem um, tem dois,
não tem dois, tem três,
não tem lei, tem leis,
não tem vez, tem vezes,
não tem deus, tem deuses,
não tem cor, tem cores,
não há sol a sós
egipciganos tupinamboclos
yorubárbaros carataís
caribocarijós orientapuias
mamemulatos tropicaburés
chibarrosados mesticigenados
oxigenados debaixo do sol
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