a sociologia e a relação entre indivíduo e sociedade;
perspectivas sociológicas clássicas e contemporâneas.
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Added: Apr 24, 2020
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A sociologia e a relação entre indivíduo e sociedade
Em 2015, o projeto de emenda constitucional (PEC) que propunha a redução da maioridade penal no Brasil de 18 para 16 anos suscitou o debate em torno da responsabilidade individual dos adolescentes por seus atos. Grupos contrários à medida afirmavam, entre outros argumentos, que adolescentes infratores não surgem ao acaso, mas são fruto das injustiças sociais que agravam as condições de pobreza nas quais sobrevive grande parte da população brasileira.
A vida em sociedade exige que os indivíduos se conformem aos comportamentos e valores socialmente instituídos em cada cultura e momento histórico. Integrar determinado grupo, morar em uma metrópole ou na zona rural são alguns dos fatores que influenciam a formação dos diferentes valores e comportamentos individuais. Graças a sua força e abrangência, essa influência pode ser interpretada como restritiva da individualidade humana.
Uma evidência da força com que os padrões sociais se impõem aos indivíduos se manifesta quando alguém decide ir contra tais padrões. Quando uma regra ou lei é transgredida, a sociedade imediatamente aciona diferentes meios de coerção social, que podem ir de uma simples repreensão até a privação da liberdade. Se uma instituição de ensino obriga os alunos a usar uniforme, quem não cumprir a regra poderá ser impedido de entrar na escola. Se, em uma manifestação pública, pessoas decidirem tirar as roupas como meio de protesto, poderão ser detidas por contrariarem convenções sociais.
É comum ouvirmos explicações sobre o que as pessoas fazem ou deixam de fazer compostas por frases do tipo “a sociedade me impõe isto ou aquilo" ou "a sociedade me reprime", ou ouvirmos alguém dizendo que é um absurdo ser obrigado a trabalhar de calças compridas em um dia de verão, no Brasil, ou que seria bom se a semana fosse mais curta e se o fim de semana não acabasse tão rapidamente. Em geral, essas conversas terminam com as mesmas lamentações e as mesmas dúvidas com que começam. Por causa da dificuldade de explicar as razões de todas essas regras e normas presentes em nossa vida, muitas vezes colocamos a culpa na sociedade. Mas, afinal, como é possível entender a sociedade? O que a constitui e como podemos observá-la? A relação entre o indivíduo e a sociedade é um tema fundamental nas Ciências Sociais. O reconhecimento do indivíduo como elemento distinto da sociedade com base na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, criada no contexto da Revolução Francesa, cristalizou uma mudança que vinha ocorrendo desde o início da Era Moderna. No que se refere à análise sociológica, a compreensão dessa relação é fundamental para entendermos se a sociedade é formada com base na ação individual ou se, ao contrário, a ação individual é determinada pela organização social - ou seja, se há um determinismo social.
Se usássemos como exemplo o padrão básico da alimentação brasileira, poderíamos colocar a questão da seguinte forma: o arroz com feijão tornou-se a base da alimentação no Brasil porque a maioria das pessoas gosta dessa combinação ou, por motivos exteriores às vontades individuais, esse prato se tornou um padrão e assim se impôs? Afinal, quem é o agente que estabelece os padrões das relações sociais?
Como a sociedade pode ser externa aos indivíduos? Como as regras podem estar acima da nossa vontade ou da decisão racional de obedecer a elas? Podemos responder a essas perguntas se pensarmos que os padrões sociais atuam no comportamento social do mesmo modo como os padrões gramaticais organizam a fala e a escrita. As regras gramaticais e o vocabulário de uma língua são exteriores à intenção de quem fala e de seu discurso. Quando conversamos, não refletimos sobre as regras gramaticais que utilizamos, as quais nos permitem ser compreendidos. Chamamos estrutura social essas regras que nos regem independentemente da consciência que temos delas; são os princípios segundo os quais não pensamos ao agir e falar, mas sem os quais não estabelecemos relações sociais, não nos comunicamos.
O conceito de estrutura foi desenvolvido com base na análise da influência da organização social sobre as maneiras individuais de agir e de pensar. Assim como a comunicação verbal não pode acontecer sem uma estrutura mínima, a existência da vida em sociedade exige dos indivíduos a conformidade a certos comportamentos e valores.
Mas nem todos que teorizaram sobre a sociedade aceitaram a ideia de que as relações sociais são organizadas tendo como referência estruturas invisíveis que determinam os comportamentos sociais sem que os indivíduos tomem consciência delas. Outra linha de pensamento encontrou na ação individual, e no sentido a ela atribuído pelo agente social, a única variável capaz de ser observada para a construção da ciência sociológica. Com base nesse ponto de vista, pensar a sociedade ou suas estruturas como instituições que existem fora dos indivíduos seria incoerente, já que não é possível observar a sociedade como uma entidade capaz de agir; conseguimos observar somente as ações individuais, isto é, dos agentes sociais em constante interação. A vida em sociedade exige que os indivíduos se conformem aos comportamentos e valores socialmente instituídos em cada cultura e momento histórico. Integrar determinado grupo, morar em uma metrópole ou na zona rural são alguns dos fatores que influenciam a formação dos diferentes valores e comportamentos individuais. Graças a sua força e abrangência, essa influência pode ser interpretada como restritiva da individualidade humana.
Um padrão social que conforma as diferentes maneiras de vestir, por exemplo, só existe quando os indivíduos escolhem as roupas que usam e compartilham opiniões e crenças a respeito do vestuário (uniforme na escola, terno em um casamento, bermuda indivíduos que levam em conta as opiniões e crenças dos outros, isto é, são ações sociais porque se considera a reação dos demais indivíduos. Tendo em mente essa perspectiva, o sociólogo só pode analisar as ações individuais e a compreensão que os indivíduos têm de suas ações. Os padrões sociais mudam de acordo com as opiniões e crenças compartilhadas pelos indivíduos ao longo da história, como pode ser observado nas diferentes maneiras de vestir adotadas pelas sucessivas gerações. Para além das perspectivas de análise da sociedade, concentradas ora na estrutura social, ora na ação individual, a Sociologia contemporânea preocupa-se em analisar a influência recíproca entre sociedade e indivíduo, isto é, propõe que a estrutura social é tanto o meio quanto o resultado das práticas que constituem os diferentes sistemas sociais. A seguir, veremos como essas perspectivas a respeito da relação entre indivíduo e sociedade foram construídas e como surgiram os principais conceitos produzidos por elas para fundamentar a compreensão sociológica dos diferentes temas das realidades sociais.
A relação entre indivíduo e sociedade: perspectivas sociológicas clássicas Como é possível que os indivíduos, com suas peculiaridades e diferenças, convivam em sociedade de maneira organizada? Quem é o responsável pelo funcionamento e pela maneira como se apresentam as diferentes instituições sociais, como a família, a escola e o Estado? Serão os indivíduos capazes de rebelar-se contra as regras sociais e transformá-las? Ou, ao contrário, as regras sociais exercem uma força que restringe a capacidade de ação deles? Ao discutir a relação entre o indivíduo e a sociedade, a partir do final do século XIX, a Sociologia produziu três matrizes de resposta a essa questão, as quais podem ser simplificadas e compreendidas mediante o seguinte esquema: I) a sociedade determina os indivíduos, como evidenciam os fatos sociais, II ) a sociedade é compreendida como resultado da ação social dos indivíduos; e III) a sociedade e os indivíduos são expressão das contradições de classe e determinam-se reciprocamente de acordo com os limites estabelecidos pelas condições materiais de existência em dado período histórico.
O conceito de fato social e a explicação da relação entre indivíduo e sociedade Esse princípio de objetividade na Sociologia foi estabelecido e sistematizado em um primeiro momento pelo sociólogo francês Émile Durkheim. Ele reconheceu na sociedade um conjunto de fenômenos que poderiam ser compreendidos separadamente das consciências dos indivíduos nos quais se manifestavam e por meio dos quais eram representados. Durkheim chamou esses fenômenos de fatos sociais.
Os fatos sociais são formas de agir cuja manifestação coletiva constitui aquilo que entendemos como sociedade, a qual surge, assim, como um dado autônomo que pode ser descrito, interpretado e explicado pela ciência com base em uma metodologia própria: o método sociológico. Por fatos sociais entende-se o conjunto de normas e regras coletivas que orientam e condicionam a ação individual. Os fatos sociais são identificados por três características principais: são exteriores aos indivíduos (existem independentemente de sua vontade ou reflexão), coercitivos (impõem penalidades aqueles que não cumprem suas normas) e gerais (estão presentes no conjunto de dada sociedade).
Para entendermos melhor esse conceito podemos pensar no exemplo das leis, que são independentemente da vontade do indivíduo. Todos os membros de uma coletividade têm de cumpri-las, mesmo que possuam opinião pessoal desfavorável (por isso elas lhes são exteriores). O descumprimento da lei prevê punição ao transgressor (por isso são coercitivas) Ao mesmo tempo, as leis servem de orientação para a conduta de toda a população (por isso são gerais).
Sistema educacional – um exemplo de fato social O sistema formal de educação é um bom exemplo de fato social. As disciplinas já ensinadas e estabelecidas há gerações impõem-se independentemente das vontades individuais (a Educação Básica hoje, além de um direito, é uma obrigação); essas regras exercem coerção sobre os indivíduos (no sistema escolar, por exemplo, aqueles que não conseguem determinada nota são reprovados) e são gerais (ou seja, são seguidas pela maioria dos indivíduos que participam do sistema).
Podemos, assim, reconhecer muitos fatos sociais em nossa vida cotidiana. A maneira como agimos nos diferentes ambientes (em casa, na escola, na rua), o modo como falamos (nosso idioma, o sotaque, as gírias, as formalidades), a forma como nos vestimos (calças compridas, bermuda, saia, combinação de cores e acessórios), a intimidade com que nos relacionamos com as outras pessoas, por exemplo, podem ser observados de forma desprendida da vontade individual (o fato de sentar-se em fileiras na sala de aula, as gírias próprias dos jovens durante as conversas no recreio, o uniforme escolar etc.). Esses comportamentos, ainda que pareçam ou sejam sentidos como escolhas individuais, são estabelecidos socialmente.
Essa força exterior, que se impõe a todos os indivíduos e permite descrevê-los mediante generalizações observadas em suas características externas (os jovens, as mulheres, os moradores da cidade, os trabalhadores do campo, os professores, os técnicos, os militares etc.), é, segundo Durkheim, o próprio objeto da Sociologia. Nesse sentido, ele entende que a sociedade é anterior aos indivíduos, pois os comportamentos gerais e as dinâmicas sociais existem antes deles e os conformam para além de suas características singulares. As relações sociais como objeto de estudo da Sociologia podem ser compreendidas com base na ideia de que o todo (a sociedade) é mais complexo que a soma de suas partes (os indivíduos) . É possível entender essa proposição tomando como exemplo qualquer máquina complexa.
Assim, em uma caixa encontramos todas as peças de um automóvel, mas cada peça separadamente não constitui um carro. Para que de fato exista um carro (isto é, para que ele funcione e seja reconhecido por sua forma característica e função estabelecida), é necessário que essas peças sejam montadas da maneira planejada, a fim de que cada uma contribua para a existência do todo; uma peça mal colocada comprometeria o objetivo final, e então não haveria um carro (porque não exerceria sua função de meio de transporte).
A mesma ideia poderia ser utilizada para o funcionamento de um organismo vivo, se pensarmos em órgãos em vez de peças. Cada órgão cumpre sua função para manter o organismo funcionando, isto é, vivo e saudável Assim, mais uma vez, o "todo" pode ser“ mais que a soma das partes"; da mesma maneira, uma sociedade, como uma máquina ou um organismo vivo, tem primazia sobre os indivíduos, ainda que não possa se manifestar senão por intermédio deles.
Ordem, função, coesão e anomia: o diagnóstico de Durkheim para os conflitos sociais Quando a sociedade é comparada a uma máquina ou a um organismo vivo, quando os indivíduos são tomados como "peças" ou "Órgãos" que contribuem para o funcionamento de algo maior, surge outro tema importante nesta perspectiva sociológica: a questão da ordem e da função. A sociedade seria dotada de uma ordem que direciona as partes de acordo com funções específicas que concorrem para sua manutenção, sua reprodução e seu aperfeiçoamento; ou seja, existiria uma ordem na disposição das peças para que a máquina realizasse sua função. Esse funcionamento é obtido somente quando os elementos que constituem a sociedade estão unidos, coesos. É por isso que a questão da ordem é compreendida com base no conceito de coesão social , quando cada elemento atua de modo que os demais também trabalhem adequadamente e todos juntos constituam um organismo maior, dizemos que são solidários uns aos outros e ao todo. Assim, o tema da ordem social deve ser compreendido tendo por base a ideia de coesão social, que resulta da ação solidária das partes, a solidariedade social.
Instituições como a religião, a escola e a família, por exemplo, são avaliadas por Durkheim como elementos fundamentais na construção da solidariedade social , enquanto as manifestações de insatisfação de trabalhadores, as revoltas e as taxas elevadas de criminalidade são consideradas desvios dos padrões que estabelecem uma vida social saudável; um processo de interrupção da solidariedade a que ele chamou anomia ( nómos é uma palavra grega que significa “norma, regra, lei"; logo, anomia é a ausência de regras). A anomia é um exemplo extremo de patologia social (o patológico opõe-se ao normal, no campo da Medicina). De acordo com Durkheim, a anomia acontece quando os elementos que constituem a sociedade deixam de funcionar para cumprir seu objetivo existencial; assim, caracteriza-se como uma patologia, uma disfunção social.
O conceito de ação social e a explicação Weber da relação entre indivíduo e sociedade Diferentemente do conceito de estrutura social, compreendido como o conjunto de princípios que explicam os comportamentos e as instituições sociais, reduz a importância dos indivíduos nos processos de transformação da sociedade, outra posição teórica e metodológica enfatizou que o único elemento da sociedade que pode ser observado são os indivíduos, suas ações e a compreensão que eles próprios têm de suas ações. Cabe à Sociologia descrever esses comportamentos e compreensões e interpretá-los. As escolhas que orientam as ações individuais são motivadas por alguns fatores que podem ser classificados pela Sociologia. Quando um cidadão obedece a ordem de um policial, quando um pai se sacrifica em defesa de um filho ou quando um fiel jejua por orientação religiosa, é possível encontrar princípios racionais, afetivos e tradicionais na origem dessas ações. Quem propôs e desenvolveu essa perspectiva de análise foi o sociólogo Max Weber. Segundo ele, a ação dos indivíduos em sua interação com a sociedade é a unidade mínima da análise sociológica. Primazia do indivíduo sobre a sociedade
Na concepção de Weber a sociedade existe porque é vivenciada e compreendida por indivíduos racionais que tomam suas decisões conforme sua história e cultura. Uma vez que só é possível observar esses indivíduos, ou a ação consciente deles, Weber elege como objeto de estudo da Sociologia o sentido da ação social. As normas sociais - que Durkheim entendia como fatos sociais -, de acordo com Weber, existem mente por causa do sentido atribuído a elas pelos indivíduos, isto é, não têm valor em si mesmas. A sociedade é moldada pelo conjunto de decisões de muitos indivíduos, que reconhecem essas regras, atribuem-lhes sentido e manifestam as razões para obedecer a elas de forma consciente. Brasil Uganda
No entanto, nem todas as decisões tomadas por vários indivíduos ao mesmo tempo são exemplos de ação social. Para serem vistas como unidade mínima de análise da Sociologia, é necessário que tenham relação com aquelas tomadas pelos demais indivíduos. O que isso quer dizer? Considere uma rua repleta de pedestres, em que todos abrem seus guarda-chuvas ao começar a chover. Essa decisão não é uma ação social; ao abrir seu próprio guarda-chuva, o indivíduo não leva em consideração a decisão dos outros (por mais que a ação pareça coletiva e coordenada para quem a observa, por exemplo, do alto de um prédio).
Da mesma maneira, a colisão entre dois ciclistas não é um acontecimento diferente de um fenômeno natural e não pode ser considerada uma ação social. No entanto, são tidas como ações sociais as tentativas dos ciclistas de desviar um do outro a fim de evitar ou se esforçar para prestar socorro após a colisão, já que a ação de um indivíduo só tem sentido se estiver relacionada à ação (ou possibilidade de ação) de outro.
Tipos fundamentais da ação social: tradicional, afetiva e racional A ação social, portanto, é diferente de um simples comportamento social, pois carrega um sentido a ela atribuído pelo indivíduo. Assim, a ação social como instrumento de análise sociológica é definida como toda ação realizada pelos indivíduos levando em conta a expectativa de outra ação dos demais. Dessa forma, da perspectiva da teoria da ação social, a Sociologia não é entendida como uma realidade exterior aos indivíduos ou explicada por leis, como ocorre nas Ciências Naturais. A cientificidade da Sociologia residiria em sua capacidade de compreender racionalmente as ações e as relações sociais Na construção de uma teoria da ação social, a observação da realidade levou à identificação de quatro tipos fundamentais de ação social que orientam a explicação das causas dos fenômenos sociais: tradicional; afetiva; racional orientada a valores; racional orientada a fins. A Sociologia fundamentada nessa perspectiva tem se concentrado principalmente na análise das duas últimas.
Ação tradicional é motivada por um hábito arraigado ou por um costume. Isto é, quando se pergunta ao ator social por que ele realiza determinada ação (como cumprimentar alguém com um aperto de mão), ele responde que é porque sempre o fez e também porque seus pais e antepassados sempre o fizeram. Um exemplo de ação tradicional é o hábito de benzer-se ao passar em frente a uma igreja, como fazem muitos católicos. Essa ação, que identifica e integra uma comunidade religiosa específica, quando realizada de modo espontâneo, encontra explicação em um hábito sobre o qual não se faz uma reflexão racional. Ela já se transformou em um modo de agir consolidado.
Ação afetiva é determinada por afetos ou estados emocionais. Como exemplo, podemos imaginar um indivíduo que reage a uma agressão ou ofensa de maneira igualmente agressiva. Ela consiste em uma reação momentânea a uma situação inesperada. Em outro contexto, a reação poderia ser completamente diferente.
Ação racional orientada a valores orientada a valores é determinada pela crença um valor importante para o indivíduo, sem considerar as consequências das ações em defesa desse valor. Como exemplo desse tipo de ação podemos citar alguém que aja de acordo com sua convicção política e, ao defender suas ideias em uma manifestação pública, desencadeie uma repressão que, na prática, vai contra seu objetivo. Apesar de produzir efeitos contrários aos objetivos, a ação é racionalmente elaborada; o ator social considera suas consequências positivas e negativas, mas a orienta conforme seus valores, dos quais não pode abrir mão, independentemente dos resultados negativos que possa vir a provocar.
Ação racional orientada a fins é aquela determinada pelo cálculo racional que estabelece fins objetivos e organiza os meios necessários para alcançá-los. Um exemplo de ação racional orientada a fins é a estratégia de um jovem para ser aprovado nos exames de ingresso no Ensino Superior. O aluno define as ações necessárias para atingir esse objetivo, organiza-as racionalmente, pesando prós e contras para sua realização, e opta pela estratégia de ação mais eficiente para atingir a meta planejada.
Nessa concepção, a relação entre indivíduo e sociedade é construída com base na primazia da ação do indivíduo (ação social) em relação à estrutura social, compreendida aqui apenas como a regularidade de fatos ou padrões observados na ação social. As normas da sociedade não são a estrutura que sustenta a ação dos indivíduos, porque não podem ser observadas; o único elemento que a Sociologia pode analisar são as decisões pessoais dos indivíduos que interagem mediante as relações sociais. a sociedade é nessa perspectiva, o resultado do conjunto das relações construídas pelos indivíduos com base no sentido a elas atribuído. O sistema econômico, exemplo, funciona apenas porque os indivíduos compartilham a crença sobre o uso e o valor da moeda e agem de acordo com essa crença ao aceitar cédulas, cheques e cartões de débito e crédito como meio de pagamento por seu crença no setor financeiro deixasse de se compartilhada esse sistema económico sofreria transformações, pois as pessoas não mais aceitariam determinados meios de pagamento por suas mercadorias ou serviços.
Em outras palavras, a sociedade não existe como um fim em si mesmo ou como uma estrutura que se organiza independentemente da consciência subjetiva de seus agentes, mas como expressão histórica dos valores e da racionalidade dos indivíduos que a constituem. As leis, por exemplo, são elaboradas por meio de um processo que começa nas consciências individuais. Ao interagirem uns com os outros, os indivíduos percebem a necessidade de estabelecer uma regra comum de conduta. Então, é criada uma lei regula determinado aspecto da conduta desses indivíduos. Assim, a estrutura legal existe porque os indivíduos, no processo de interação social, chegaram a essa. Contudo, as leis estão subordinadas às particularidades desse processo em lugares e tempos históricos.
O conceito de classe social e a relação entre indivíduo e sociedade O objeto de estudo da Sociologia, no entanto, nem sempre é definido sobre um dos polos da relação entre indivíduo e sociedade. Se a estrutura social se manifesta individualmente, e se a ação social consciente dos indivíduos conforma determinada organização social, também é possível compreender a sociedade como uma totalidade, constituída pelas ações individuais limitadas por condições históricas específicas. Segundo essa perspectiva, os seres humanos só podem ser pensados com relação ao que produzem materialmente, e a sociedade, compreendida como resultado da ação recíproca entre os indivíduos. Por exemplo, na Antiguidade, quem vivesse em uma comunidade nômade caçadora e coletora seria incapaz de fazer escolhas que não fossem determinadas por sua condição material de existência. Isso quer dizer que esse indivíduo não poderia, por exemplo, reivindicar uma casa para si ou a propriedade do que caçasse ou coletasse, já que em sua comunidade essas possibilidades não se apresentariam.
Quem definiu as bases para a compreensão do objeto da Sociologia tendo em mente os aspectos materiais e históricos que ligam o indivíduo à sociedade foi o filósofo Karl Marx . Segundo ele, "os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem e, sim, limitados pelas condições materiais e históricas de sua existência". Por isso, não é possível afirmar que os indivíduos têm primazia sobre a sociedade ou o contrário, pois sua ação na vida social, assim como a estrutura na qual estão inseridos, é resultado de determinada situação histórico-social. Do mesmo modo que o nômade não poderia optar por uma residência fixa, o trabalhador moderno também não é livre para escolher suas condições de trabalho (quantas horas deve trabalhar ou o valor do seu salário). Tanto as horas de trabalho quanto o salário dependem das condições materiais de determinado momento histórico.
Nessa perspectiva, a base dessa sociedade é definida pelo modo como é organizada a produção das condições materiais de existência, ou seja, quem planta o alimento, quem constrói as casas, quem fabrica as roupas. Isso não quer dizer que a sociedade também não seja constituída por práticas culturais e políticas, como a religião, as artes e a organização dos governos. No entanto, tais manifestações se constituem a partir da base material que organiza a vida econômica. Analisando a organização da produção nas sociedades modernas capitalistas na Europa do século XIX, Marx chamou a atenção para o fato de que a posição social dos indivíduos estava definida por sua relação com os meios de produção. O fato de serem proprietários desses meios (donos das terras, fábricas, máquinas) ou meros trabalhadores seria o elemento fundamental para determinar a divisão da sociedade em grupos com interesses antagônicos, as classes sociais.
A sociedade e as contradições nas relações de produção: propriedade, luta de classes e transformação social Segundo Marx, podemos definir classe social como a posição que um grupo de indivíduos ocupa no processo de produção: de um lado, os proprietários dos meios de produção e, de outro, os produtores (trabalhadores). Nessa perspectiva, a propriedade privada dos meios de produção seria a causa maior da dominação de uma classe sobre a outra ao longo da história, com base na exploração do trabalho. Se o trabalhador não dispõe de mais nada além da própria força de trabalho, está submetido ao poder do patrão, que definira quanto e de que forma ele vai trabalhar, assim como o valor de seu salário, de acordo com as leis existentes e a capacidade de negociação dos trabalhadores organizados. Na sociedade capitalista que Marx analisou, burguesia e proletariado eram as classes que protagonizaram o conflito, em meio a uma profunda desigualdade.
Marx desenvolveu uma teoria orientada pela ideia de conflito, estabelecendo a classe social como unidade de análise sociológica que permite pensar a relação entre indivíduo e sociedade de maneira recíproca. Ou seja, não é possível pensar o indivíduo sem considerar sua constituição em uma classe social e as diferenças de poder e dominação definidas a partir de sua posição nas relações de produção. Do mesmo modo, não é possível pensar a sociedade sem compreendê-la como resultado de um processo histórico marcado por contradições.
Dois indivíduos que tenham nascido na mesma cidade e no mesmo dia, mas que pertençam a classes sociais diferentes, terão sua trajetória de vida individual marcada pelas classes das quais fazem parte. Assim, o filho de uma família de operários terá muito mais possibilidade de seguir a mesma profissão dos pais do que de se tornar empresário. Por sua vez, o filho de uma família de empresários terá muito mais possibilidade de tornar-se também empresário do que de vir a ser operário. Isso significa que a classe social na qual o indivíduo nasce é fator determinante do possível curso de sua vida profissional.
De acordo com Marx, os homens produzem a própria vida por meio das relações de produção. E as leis existem para garantir o controle e a continuidade dessas relações estabelecidas em determinado momento histórico. Assim, nas sociedades contemporâneas, a propriedade privada é defendida pela legislação como direito inviolável. Marx postula que as leis sempre representam as ideias da classe dominante. Quando passou de classe dominada a classe dominante, a burguesia criou novas leis que regulavam a vida social e que refletiam as ideias da nova classe dirigente. Em nossos dias, modificações na organização do sistema de produção geram novas legislações que tentam dar legitimidade ao modo como as classes dominantes pretendem interferir na realidade.
Marx procurou mostrar como os antagonismos entre classes, tidos como o motor da história poderiam levar a grandes transformações. O pensador alemão acreditava na emergência de uma sociedade sem classes, em que a propriedade dos meios de produção seria coletiva, e não privilégio de um pequeno grupo, mas para isso seria necessária a tomada de consciência por parte dos trabalhadores e sua organização para superação do conflito que os mantém em situação de opressão.
A relação entre indivíduo e sociedade: perspectivas sociológicas contemporâneas A concepção sobre a relação entre o indivíduo e a sociedade na Sociologia contemporânea está, assim como na Sociologia clássica, relacionada à experiência social de época e articula as diferentes percepções sobre o papel e os limites da ação individual. O sociólogo alemão Norbert Elias, recontextualizando a discussão entre ação individual e estrutura social, afirma que não existe dicotomia entre indivíduo e sociedade. seja, não é suficiente para a compreensão da sociedade contemporânea uma teoria se refira aos conceitos de indivíduo e sociedade como termos antagônicos. Essa é e proveitoso processo de influência mútua, em que o indivíduo constrói a estrutura e é falsa questão que gera problemas na interpretação da vida social, na qual há um constante simultaneamente formado por ela.
Nesse sentido, o indivíduo elabora estratégias para alcançar objetivos, mas objetivos que são socialmente validados pelas estruturas sociais construídas historicamente. Considere-se o exemplo das leis, que especificam limites para a escolha individual mesmo tempo que protegem os indivíduos. Em muitos casos, tais leis existem para garantir o direito individual diante da pressão coletiva ou podem, de maneira oposta, servir como defesa da maioria contra uma minoria que tenta impor sua vontade.
Um traço comum na Sociologia contemporânea é o esforço para construir uma teoria capaz de interpretar o indivíduo e a sociedade como partes inseparáveis da mesma realidade. O sociólogo britânico Anthony Giddens avalia que o indivíduo na modernidade age de modo dialético em relação às estruturas. Em uma releitura das teorias sociológicas clássicas, Giddens defende que os agentes (indivíduos) são influenciados pelas estruturas em seu cotidiano ao mesmo tempo que recriam essas mesmas estruturas mediante um processo de reflexão sobre sua própria prática. Em nosso exemplo, isso significa dizer que os indivíduos, ao cumprirem as leis, refletem sobre sua aplicabilidade na realidade social, adaptando-a continuamente às necessidades individuais e coletivas da sociedade em que vivem, o que pode alterar as próprias leis que deram origem a essa reflexão.
Giddens defende que o modo de vida que teve início no século XVII chegou a seu ápice, de maneira que estaríamos experimentando um momento de radicalização da modernidade. Essa radicalização das formas de relacionamentos e das instituições nos traria algumas “consequências da modernidade", isto é, viveríamos em uma época de incertezas, por um lado, e de reflexividade, por outro. Tais incertezas seriam situações de risco às quais estão submetidos os sujeitos nas sociedades contemporâneas, como uma epidemia global ou uma guerra. A radicalização também daria maior reflexividade (incorporação reelaborada das situações e informações do cotidiano) aos indivíduos, tendo em mente que estes reexaminam constantemente as práticas sociais, o que lhes confere maior autonomia.
De acordo com o sociólogo Richard Sennett, a valorização da ação individual diante das regulações coletivas deve ser percebida como parte da construção de uma sociedade de consumo que trouxe consequências profundas ao modo como o indivíduo enfrentou as transformações ocorridas nas últimas décadas. Ele menciona que a sociedade contemporânea se constitui historicamente em um duplo movimento. O primeiro deles valoriza a sociedade em sua esfera pública e é marcado pela criação de regras coletivas que permitem a convivência entre indivíduos e grupos de tradições e formações distintas. O segundo movimento, caracterizado pela valorização progressiva da esfera pessoal, que aos poucos substitui o domínio da esfera pública, resulta, atualmente, na perda da conexão dos indivíduos com a coletividade, dificultando que suas ações visem um horizonte comum. X
Se usarmos novamente as leis como exemplo, veremos que a maioria delas foi criada como meio de organizar a vida comum na sociedade contemporânea. O objetivo de boa parte das leis é o estabelecimento dos direitos individuais e coletivos, das condutas básicas no espaço público e do respeito e da mediação das diferenças entre grupos e indivíduos. No entanto, a redução da importância da coletividade na construção das referências que orientam as ações sociais cotidianas tem dificultado a aplicação efetiva de muitas leis.
Observemos o caso do respeito às leis de trânsito. Trata-se de normas que devem ser seguidas por todos os motoristas e pedestres como meio de garantir os direitos e a segurança de toda a coletividade. No entanto, muitas vezes, por causa de situações particulares (estar atrasado para um compromisso, vontade de reduzir o tempo da viagem ou até mesmo por comodidade), diversos condutores de veículos ultrapassam o limite de velocidade permitido, não obedecem à sinalização ou estacionam irregularmente. Essas práticas causam transtornos e prejuízos para a sociedade. A explicação para tal postura pode ser a percepção de que as próprias necessidades são mais importantes do que o cumprimento de regras coletivas.
O sociólogo carioca José Maurício Domingues afirma que a discussão desse tema tem como pano de fundo a sociabilidade moderna, que ocorre essencialmente no espaço da cidade. No ambiente urbano, as interações entre indivíduo e sociedade desenvolvem identidades pessoais e coletivas construídas em um processo de equilíbrio entre a interpretação da realidade que o indivíduo experimenta e as condições materiais da vida cotidiana. Assim, nesse contexto, ele, o indivíduo, alterna suas ações entre as escolhas, que devem ser de sua responsabilidade, e o pertencimento a diferentes coletividades. Podemos então dizer que cada indivíduo se relaciona com as leis por perspectivas diferentes, ora vendo-as de uma lógica particular (ou seja, como se impõem a ele), ora de uma lógica coletiva (a determinação sobre todos os demais, incluindo ele mesmo), o que, em certa medida, explica a dualidade que observamos no cumprimento das leis.
O debate sobre a relação entre indivíduo e sociedade - seja nos autores clássicos, seja nos contemporâneos - evidencia uma característica central da Sociologia: a percepção de que as experiências pessoais não se limitam às consciências individuais, mas devem ser interpretadas como parte da experiência social. Charles Wright Mills denominou essa característica social como imaginação sociológica . Esse conceito significa, na prática, ir além das experiências e observações individuais para compreender temas coletivos, de maior amplitude. Sem sair do exemplo do trânsito, podemos considerar que a pressa é um fato de importância pessoal; entretanto, o uso da imaginação sociológica permite compreendê-la não apenas como problema individual, mas como preocupação social.
Correr no trânsito, apesar de ser uma solução imediata ao problema da urgência que se tem em realizar algo, pode ocasionar algum tipo de acidente, envolvendo outras pessoas. Nessa perspectiva, o autor propõe que a Sociologia deve permitir que o indivíduo relacione seu cotidiano com a realidade histórico-social, fazendo com que reflita acerca da implicação de suas ações. Em um contexto em que as transformações das últimas décadas têm trazido numerosos desafios para os indivíduos em seu cotidiano, cabe à ciência da sociedade o papel de compreender as conexões que existem entre a experiência pessoal e a vida coletiva.
Norbert Elias Sociólogo alemão (1897-1990), Norbert Elias foi tardiamente considerado um dos principais representantes da Sociologia contemporânea, em decorrência de suas análises a respeito da influência exercida pelas transformações históricas sobre o comportamento individual e vice-versa. Desenvolveu sua carreira acadêmica na Inglaterra depois de fugir da Alemanha nazista, em 1933. Foi professor da Universidade de Gana, na África, nos anos 1960, e terminou a vida em Amsterdā , na Holanda. Suas principais e mais conhecidas obras são O processo civilizador e A sociedade dos indivíduos. Norbert Elias propôs a sociedade dos indivíduos como forma de superar a dicotomia clássica entre indivíduo e sociedade.
Anthony Giddens O sociólogo britânico Anthony Giddens (1938-) defende em sua obra que a ação humana e a estrutura social são interdependentes e reproduzidas por meio de princípios estruturais característicos das sociedades, como suas instituições. A estrutura, como a linguagem, restringe e facilita a ação do indivíduo, simultaneamente. Mediante o conceito de reflexividade, seus estudos procuram analisar o impacto das mudanças promovidas pela sociedade sobre o indivíduo e as instituições, que à luz da informação e dos processos de autoavaliação se transformam. Giddens chamou o estágio contemporâneo da modernidade de "modernidade tardia", e apresentou a "terceira via" como alternativa a posições políticas de esquerda e de direita. Segundo Anthony Giddens, a estrutura social não constitui entrave nem limite para a ação individual
Richard SennetT Richard Sennett, sociólogo estadunidense (1943-), dedica sua pesquisa à vida na cidade e à influência das transformações recentes do capitalismo sobre os indivíduos. No primeiro aspecto, demonstra como a constituição do chamado homem público foi uma necessidade das cidades modernas industriais, apontando em seguida como esse homem público vem perdendo espaço para uma hipervalorização da individualidade ligada ao consumo. Sua preocupação está em descobrir como indivíduos e grupos podem tornar-se intérpretes de suas próprias ações, independentemente dos obstáculos que as sociedades podem colocar em seu caminho. Algumas de suas principais e mais conhecidas obras são A corrosão do caráter e A cultura do novo capitalismo. Richard Sennett analisa o impacto das mudanças no capitalismo sobre o caráter individual.
Charles Wright Mills ( Texas, 28 de agosto de 1916 — Nova Iorque, 20 de março de 1962) Sociòlogo norte-americano, mestre em artes, Filosofia e Sociologia pela Universidade do Texas. Doutorou-se em Sociologia e Antropologia pela Universidade de Wisconsin. Foi professor de Sociologia das Universidades de Maryland e Columbia. Ficou conhecido por seu livro “A Imaginação Sociológica,” publicado em 1959. Influenciado pelos trabalhos de Marx e Weber, dirigiu sua atividade científica para a elaboração de uma nova sociologia comparada. O principal objeto é a análise dos tempos atuais considerados como uma fase transitória entre a Idade Moderna e o período posterior o que chamou de Quarta Época. Segundo ele, o capitalismo e o socialismo não foram capazes de prever e controlar intensos processos de mudança social.
referências Sociedade em movimento. – 2. ed. – São Paulo: Moderna, 2016. Vários autores.