Anexo 2:
Medicina
Os culpados não são as vítimas
É a letargia do governo que faz da
febre amarela um risco para os brasileiros
Victor De Martino e José Edward
O problema tinha data marcada para acontecer. O Brasil enfrenta surtos de febre
amarela em intervalos de cinco a oito anos. Como o último havia ocorrido em 2000,
já se sabia que a doença voltaria a eclodir por agora. O primeiro alarme soou em
setembro, quando apareceram os primeiros corpos de macacos mortos,
possivelmente, pela febre amarela. Mas o governo só deu o ar da sua falta de graça
na semana passada, depois da morte de cinco pessoas. O ministro da Saúde, José
Gomes Temporão, apareceu na TV para falar do assunto. Negou a ameaça de
epidemia e pediu que a população não procurasse os postos de vacinação.
Recomendou a imunização apenas para quem mora em áre as de risco, que já
atingem 20 estados, ou para quem pretende viajar para lá. Dois dias e mais dois
mortos depois, a ministra do Turismo, Marta Suplicy, que perde todas as
oportunidades de ficar calada, afirmou que o Brasil vive uma "epidemia da fofoca",
e não de febre amarela. Na última quinta-feira, Temporão reapareceu com outro
discurso e o dedo apontado para quem considera os culpados pela febre amarela:
as próprias vítimas. "Todos os que viajam para essas áreas sabem que têm de se
vacinar. Pessoas que não tomaram (a vacina)foram por sua conta e risco, pois a
vacina está disponível", disse. A julgar pela fala do ministro Temporão, as vítimas
de dengue, malária, leishmaniose, hanseníase e doença de Chagas também são
culpadas(veja o quadro).
A febre amarela foi erradicada das cidades brasileiras em 1942, mas continua
endêmica nas áreas próximas a florestas. Lá, os mosquitos dos
gêneros Haemagogus e Sabethes preservam o vírus da doença entre os macacos,
que sofrem surtos em intervalos que variam de cinco a oito anos. Quando um surto
passa, sobram apenas os animais que adquiriram resistência ao vírus. Ao
morrerem, eles são substituídos por outros vulneráveis e, assim, a febre amarela
volta a atacar. Os surtos entre os macacos são seguidos por aqueles em humanos.
O risco maior é que as pessoas passem a doença a outras por meio do Aedes
aegypti, mosquito que também transmite a dengue e infesta as cidades brasileiras.
Se isso ocorrer, a possibilidade de se instalar uma epidemia crescerá
dramaticamente. Esse cenário não é o mais provável, mas, ao contrário do que
assegura o ministro Temporão, ele não pode ser descartado. "A ameaça existe. O
risco de epidemia só pode ser evitado se o governo redobrar a vigilância sanitária",
diz o sanitarista Arary Tiriba, da Escola Paulista de Medicina.
A febre amarela é uma doença com alto grau de mortalidade. Os primeiros
sintomas aparecem de três a seis dias depois que se é picado por um mosquito
infectado. A febre supera os 40 graus e a pele e os olhos ficam amarelos – daí o
seu nome. Além disso, o paciente sente dores intensas na cabeça e no corpo e
vomita muito. Se em três dias não há melhora, começam a ocorrer sangramentos
no nariz, na gengiva, no estômago e no intestino. A próxima fase é a insuficiência
renal e hepática, o que pode levar à morte. No Brasil, 46% dos casos são fatais.
Como é endêmica nas matas, a febre amarela dificilmente será erradicada do país.
Mas ela deve ser mais bem controlada. Basta que o governo exija vacinação para