a) Ponto de vista físico
É a perspectiva que o observador tem do
objecto; pode determinar a ordem na enumeração dos
pormenores significativos. Enquanto uma fotografia ou
uma tela apresentam o objecto de uma só vez, a
descrição apresenta-o progressivamente, detalhe por
detalhe, levando o leitor a combinar impressões
isoladas para formar uma imagem unificada. Por esse
motivo, os detalhes não são todos apresentados num
único período, mas pouco a pouco, para que o leitor,
associando-os, interligando-os, possa compor a
imagem que faz do objecto da descrição.
Observamos e percebemos com todos os sentidos,
não apenas com os olhos. Por isso, informações a
respeito de ruídos, cheiros, sensações tácteis são
importantes num texto descritivo, dependendo da
intenção comunicativa.
Outro factor importante diz respeito à ordem de
apresentação dos detalhes.
Texto - Trecho de conversa informal (entrevista)
"Vamos ver. Bom, a sala tem forma de ele, apesar
de não ser grande, né, dá dois ambientes
perfeitamente separados. O primeiro ambiente da sala
de estar tem um sofá forrado de couro, uma forração
verde, as almofadas verdes, ladeado com duas
mesinhas de mármore, abajur, um quadro, reprodução
de Van Gogh. Em frente tem uma mesinha de
mármore e em frente a esta mesa e portanto defronte
do sofá tem um estrado com almofadas areia, o
aparelho de som, um baú preto. À esquerda desse
estrado há uma televisão enorme, horrorosa, depois
há em frente à televisão duas poltroninhas vermelhas
de jacarandá e aí termina o primeiro ambiente.
Depois então no outro, no alongamento da sala há
uma mesa grande com seis cadeiras com um abajur
em cima, um abajur vermelho. A sala é toda
pintadinha de branco ..."
Comentário sobre o texto
Neste trecho da entrevista, a informante descreve a
sala, nomeando as peças que compõem os dois
ambientes, reproduzidos numa sequência bem
organizada. A localização da mobília é fornecida
por meio de diversas expressões de lugar, como em
frente, defronte, à esquerda, em cima, que ajudam a
imaginar com clareza a distribuição espacial. Há uma
preocupação da informante em fazer o nosso olhar
percorrer a sala, dando os detalhes por meio das
cores (verde, areia, preto, vermelhas), do tamanho (
televisão enorme, poltroninhas, mesinhas, sala
pintadinha). É também interessante observar que essa
informante deixa transparecer as suas
impressões pessoais, como por exemplo ao usar o
adjectivo horrorosa, para falar da televisão e
pintadinha, no diminutivo, referindo-se com carinho à
sua sala de estar e de jantar.
b) ponto de vista mental ou psicológico
A descrição pode ser apresentada de modo a
manifestar uma impressão pessoal, uma interpretação
do objecto. A simpatia ou antipatia do observador
pode resultar em imagens bastante diferenciadas do
mesmo objecto. Deste ponto de vista, dois tipos
de descrição podem ocorrer: a objectiva e a
subjectiva.
A descrição objectiva, também chamada realista, é a
descrição exacta, dimensional. Os detalhes não se
diluem, pelo contrário, destacam-se nítidos em forma,
cor, peso, tamanho, cheiro, etc. Este tipo de descrição
pode ser encontrado em textos literários de intenção
realista (por exemplo, em Euclides da Cunha, Eça de
Queiroz, Flaubert, Zola), enquanto em textos não-
literários (técnicos e científicos), a descrição
subjectiva reflecte o estado de espírito do
observador, as suas preferências. Isto faz com que
veja apenas o que quer ou pensa ver e não o que está
para ser visto. O resultado dessa descrição é uma
imagem vaga, diluída, nebulosa, como os quadros
impressionistas do fim do século passado. É uma
descrição em que predomina a conotação.
"Ao descrever um determinado ser, tendemos sempre
a acentuar alguns aspectos, de acordo com a reacção
que esse ser provoca em nós. Ao enfatizar tais
aspectos, corremos o risco de acentuar qualidades
negativas ou positivas. Mesmo usando a linguagem
científica, que é imparcial, a tarefa de descrever
objectivamente é bastante difícil.
Apesar dessa dificuldade, podemos atingir um
grau satisfatório de imparcialidade se nos
tornarmos conscientes dos sentimentos favoráveis ou
desfavoráveis que as coisas podem provocar em nós.
A consciência disso habilitar-nos-á a confrontar e
equilibrar os julgamentos favoráveis ou desfavoráveis.
Um bom exercício consiste em fazer dois
levantamentos sobre a coisa que queremos descrever:
o primeiro, contendo características tendentes
a enfatizar aspectos positivos; o segundo, a
enfatizar aspectos negativos.
Características linguísticas da descrição
O enunciado narrativo, por ter a representação de um
acontecimento, fazer-transformador, é marcado pela
temporalidade, na relação situação inicial e situação
final, enquanto que o enunciado descritivo, não tendo
transformação, é atemporal.
Na dimensão linguística, destacam-se marcas
sintático-semânticas encontradas no texto que vão
facilitar a compreensão:
Predominância de verbos de estado, situação ou
indicadores de propriedades, atitudes, qualidades,
usados principalmente no presente e no imperfeito
do indicativo (ser, estar, haver, situar-se, existir,
ficar).
Enfâse na adjectivação para melhor caracterizar o
que é descrito; Exemplo:
"Era alto , magro, vestido todo de preto, com o
pescoço entalado num colarinho direito. O rosto
aguçado no queixo ia-se alargando até à calva, vasta
e polida, um pouco amolgado no alto; tingia os
cabelos que de uma orelha à outra lhe faziam colar
por trás da nuca - e aquele preto lustroso dava, pelo
contraste, mais brilho à calva; mas não tingia o
bigode; tinha-o grisalho, farto, caído aos cantos da
boca. Era muito pálido; nunca tirava as
lunetas escuras. Tinha uma covinha no queixo, e as
orelhas grandes muito despegadas do crânio. "(Eça
de Queiroz - O Primo Basílio)
Emprego de figuras (metáforas, metonímias,
comparações, sinestesias). Exemplos:
"Era o Sr. Lemos um velho de pequena estatura,
não muito gordo, mas rolho e bojudo como um
vaso chinês. Apesar de seu corpo rechonchudo, tinha
certa vivacidade buliçosa e saltitante que lhe
dava petulância de rapaz e casava perfeitamente com
os olhinhos de azougue." (José de Alencar - Senhora)