Filosofia Analítica de B. Russell
2
Introdução
A filosofia contemporânea é partilhada por várias correntes: por um lado, a filosofia analítica de língua inglesa que não se reduz,
como se pensa muitas vezes, ao positivismo lógico, mas que lhe dá origem; por outro lado, uma filosofia continental de língua
alemã e francesa, que se refere a Nietzche, a Heidegger, a Freud. Durante muito tempo, estas duas correntes não foram
verdadeiramente contemporâneas, no sentido em que se mantiveram estranhas uma à outra, em que não eram lidas em conjunto.
Um exemplo desta incompreensão radical pode ser encontrado nas actas de um colóquio sobre a “filosofia analítica”, que reuniu
em 1962, na Abadia de Royaumont filósofos anglo-saxónicos de primeiro plano (Quine, Strawson, Austin, Ryle) e representantes
igualmente distintos da fenomenologia e da filosofia francesa (Merleau-Ponty, Jean Wahl, etc.). Este período de incompreensão
radical que não autorizava que se falasse seriamente de uma filosofia contemporânea, e que nos obrigava a contentar-nos com
uma cronologia muito exterior, com uma simples justaposição, estará porventura a desvanecer-se, em parte, porque a filosofia
analítica evoluiu e descobriu, engenhosamente, uma história para ela própria... Esboçam-se, então, debates que não se
desenvolvem exclusivamente no seio de uma única tradição, numa única língua. Estas trocas têm, naturalmente, a duração e a
qualidade próprias dos debates filosóficos: caracterizam-se sempre por alguns recuos, alguns diferendos, múltiplos mal-
entendidos, mas existem.
Nestas condições, que ponto de partida devemos escolher para apresentar a filosofia contemporânea do séculos XX? Seria
tentador escolher os primeiros trabalhos de Frege e os de Moore, cuja Refutação do Idealismo de 1903 inaugura a filosofia
analítica. Seria igualmente tentador, numa outra perspectiva, tomar como referência a obra de Nietzche, como primeiro exemplo
de desconstrução da metafísica, da “genealogia”. A obra do primeiro, nas margens da filosofia, aproxima-se da matemática, e a
obra do segundo, nas margens também ela, aproxima-se da literatura pelos aforismos, da poesia e do mito pela figura de
Zaratustra. No entanto, se tivermos em conta o que veio a acontecer às doutrinas destes dois pensadores, descobriremos uma
curiosa afinidade. Qual é, então, o ponto comum entre a corrente que parte de Frege, com Russell, Wittgnestein, Carnap, Austin,
Quine, e aquela que parte de Nietzche, com Heidegger, Foucault, Derrida? Apesar das diferenças muito importantes, poderemos
encontrar uma preocupação comum: a crítica da metafísica como “discurso” e, portanto, uma crítica da linguagem.
A filosofia clássica (em três nomes: Descartes, Hume, Kant) tinha colocado a questão do conhecimento, isto é, da relação entre o
pensamento e as coisas, no centro das suas preocupações. Assiste-se com Frege e Nietzche, e também com C-S. Peirce, fundador
do pragmatismo, a uma viragem do texto (Rorty chamou-lhe viragem linguística), que coloca o problema da linguagem, do
significado, do sentido no lugar da questão tradicional do conhecimento. A questão da linguagem nunca esteve ausente da
filosofia, em particular na Grécia antiga, mas adquire uma importância muito particular na filosofia contemporânea.
A crítica da linguagem pode ter duas dimensões. Pode incidir sobre a linguagem como instrumento de conhecimento, nas
ciências, e em procurar definir as suas possibilidades e os seus limites, em mostrar os erros e as ilusões que ela provoca. Sonhar-
se-á, então, com uma linguagem pura, ideal, cujo modelo será procurado na lógica, na física, se não nos contentarmos em
explorar o funcionamento, de si já bem complexo, da linguagem “comum”. No entanto, a linguagem não é só um instrumento de
conhecimento. É também um instrumento de comunicação social e, nesta perspectiva, a crítica da linguagem não incidirá sobre a
linguagem das ciências, mas sobre a degradação da linguagem como signo de uma perversão das relações humanas, como
sintoma de uma relação de dominação e de opressão.