histórica e emerge da situação existencial e da experiência vivida por
aquele que se propõe à tarefa de compreender ou interpretar alguma
coisa” (2). Assim, a aparente restrição que a delimitação clara de um
campo de ação sobre o qual o arquiteto opera durante o processo de
projeto não se constitui em eliminação da subjetividade, mas, pelo
contrário, exige um direcionamento desta subjetividade como algo
operativo sobre os problemas efetivamente colocados pelo mundo ao
arquiteto. Enquanto a busca pelo conceito por parte do fruidor ou usuário
parte da interpretação do objeto em si, no ato do projeto o objeto é o que
se busca realizar, e portanto não se dá ao conhecimento do autor para
que dele se extraiam, se compreendam ou se estabeleçam conceitos.
Sendo assim, é necessário recuar nesta busca por algo concreto que,
antes da realização do edifício, já esteja disponível ao conhecimento do
arquiteto e que permita sua interpretação. No caso do projeto, o que se
coloca como concreto à compreensão do arquiteto são, na grande
maioria dos casos, as demandas e determinações relativas ao lugar, ao
programa e à construção.
Lugar
E delinearia meu projeto, tendo em conta a intenção dos
humanos que iriam me pagar; atento à localização, às luzes, às
sombras e aos ventos; feita a escolha do terreno, de acordo com
suas dimensões, sua exposição, seus acessos, terras contíguas,
e a natureza profunda do subsolo... (3)
A geografia, a topografia e a geometria do terreno, sua conformação
geológica, a paisagem física e cultural, a estrutura urbana, o sol, os
ventos e as chuvas e ainda a legislação de uso e ocupação do solo são
dados pré-existentes que podem ser extraídos de uma análise cuidadosa
do lugar. Cada um desses aspectos se coloca de antemão ao
conhecimento do arquiteto: tudo já está ali, demandando apenas um
esforço rigoroso de observação. Buscar compreender as implicações de
cada um destes aspectos nas relações de uso e no processo de
construção é fundamental tanto sob o ponto de vista técnico como
conceitual.
Sob o ponto de vista pragmático e técnico, a compreensão do lugar em
todos os aspectos citados traz o conhecimento necessário para se
evitarem equívocos banais que podem comprometer a habitabilidade dos
espaços, gerando incompatibilidades em relação ao clima e à natureza,
que interferem na vida cotidiana e exigem remendos posteriores, nem
sempre pertinentes. Essas correções a posteriori, na maioria dos casos,
interferem nas soluções formal e construtiva pretendidas para o edifício e
chegam a comprometer a arquitetura nas suas relações de uso. Esses
mesmos equívocos decorrentes da desconsideração do lugar podem
implicar ainda em graves incompatibilidades técnicas na relação entre a
construção e o sítio, agindo negativamente sobre o equilíbrio das forças
naturais e acarretando ao edifício desgaste mais acelerado pela ação do
tempo em virtude da inadequação da sua inserção, seja no que diz
respeito à relação com o terreno natural ou com os aspectos do clima ou
mesmo com uma estrutura urbana pré-existente. Podem acarretar ainda
aumentos consideráveis no custo de final de construção e manutenção do
edifício, comprometendo sua viabilidade e por vezes inviabilizando sua
construção.
Sob o ponto de vista conceitual, a compreensão e a interpretação do
lugar podem contribuir para gerar o espaço arquitetônico, na medida em
que tem o potencial de induzir modos diferenciados de ordenação da
construção e das relações de uso que ali acontecem. A conformação pré-
existente do terreno natural, sua planimetria e altimetria, e ainda a sua
relação com a estrutura urbana, com a paisagem e com os aspectos
naturais inerentes ao sítio, relativos ao clima, permitem a identificação de
diretrizes latentes de ordenação do espaço e da forma. Tais diretrizes,
uma vez interpretadas pelo arquiteto, podem se repercutir diretamente na
configuração final do objeto arquitetônico, seja de modo a reafirmar os
aspectos espaciais e formais pré-existentes no lugar, seja de modo a
negá-los, ou ainda de modo a incluí-los como referência parcial à
realização da construção, em uma dialética permanente entre as
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Affonso Eduardo
Reidy, 1953. A solução do apoio em “V” equilibra os esforços na
base do pórtico por gerar um momento contrário devido ao apoio
da laje arqueada do 1o pavimento no segmento menor do pilar.
Esse recurso, que torna a estrutura mais esbelta pela redução da
resultante de momento fletor na base do pórtico, sugere um
conhecimento consistente do comportamento das estruturas por
parte do arquiteto, gera economia em relação a outras soluções
menos engenhosas e resulta na forma final do edifício. Foto do
autor
Casa de Canoas, Oscar Niemeyer, 1953. A casa é exemplar na
relação com o lugar pela consideração da topografia e da
paisagem; reedita os padrões de ordenação tradicional dos usos
ao inverter as hierarquias tradicionalmente aceitas entre público e
privado, ocultando a área íntima sob a plataforma e abrindo os
espaços de convívio para a paisagem, com a integração e
continuidade entre interior e exterior; é ainda uma exploração
radical das possibilidades da estrutura em concreto armado,
atingindo alto índice de esbeltez dos pilares e aparente leveza da
laje curvilínea que demarca a interferência humana na paisagem.
Foto do autor
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28/5/2007http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp211.asp