04/03/2024, 14:40 Revista Educação Pública - As tecnologias e o mundo globalizado: reflexões sobre o cotidiano contemporâneo
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A tecnologia tem mostrado as mudanças significativas para o corpo docente, especialmente, como diz Ely (1999), quando esse grupo profissional se sente
insatisfeito com o status quo e tenta fazer a diferença, vendo neste “novo” aparato a forma eficaz para a solução dos problemas pedagógicos.
Mesmo que esse conceito apontado por Ely (1999) traga a mentalidade de uma época, de um contexto histórico, ele nos revela os contributos da tecnologia como
suporte educacional na mediação pedagógica. A tecnologia faz uma construção com a educação e o cotidiano, “desvelando as implicações das novas relações
sociais, em especial a formação do trabalhador” (Grinspun, 2002, p. 58).
O desenvolvimento tecnológico traz implicações nas formas de ser, conhecer, comunicar e produzir na sociedade, que já não admite a mera transmissão de
informações. A ênfase no ensino passou a defender o foco na aprendizagem e na construção coletiva do conhecimento. Como insiste Freire (1987, p. 25), formar é
muito mais do que treinar o aluno em certas destrezas. Para ele, “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou sua
construção”. Era defensor de uma educação problematizadora, a qual nega o ato de transferir, narrar ou transmitir conhecimentos aos educandos.
Para Canclini (2005), o uso de tecnologias não deve ser reduzido a pacotes tecnológicos fundados na racionalidade instrumental e limitado a materiais de ensino
que acabam por distanciar o processo de ensino-aprendizagem de sua dimensão emancipatória. As escolas não podem ser reprodutoras do discurso hegemônico
da democratização das tecnologias como a via principal para o crescimento pessoal/profissional.
Seguindo a linha teórica da crítica à tecnologia, Postman (1997) afirma que ela pode prejudicar indivíduos/grupos, já que na área educacional os experimentos são
humanos. Há que problematizar as estruturas e os contextos sociais quanto ao uso tecnológico. Para esse teórico, a tecnologia altera os significados da própria
linguagem, a forma como os indivíduos interagem e se relacionam.
Argumentos a favor ou contra a tecnologia ratificam a força motriz que ela carrega nos mais variados espaços da atualidade, e não poderia deixar de ser também
na educação. Não discutir e transferir a responsabilidade para o outro é não permitir que o debate aconteça. As vozes ecoadas precisam anunciar os discursos da
eficácia (ou não) da tecnologia como artefato e linguagem. Precisamos nos apropriar cada vez mais desse conhecimento – que de novo não tem nada. Ser humano
e ser tecnológico são intrínsecos, constitutivos da mesma raiz já colocada nesta pesquisa, um sobreviver físico, mas também intelectual.
Conclusão
Precisamos pensar que, no mundo globalizado, o projeto político neoliberal se ancora na tecnologia, fazendo-a representante máxima dessa comunicação que
delimita o antes e o depois da virilização dos aparatos que a compõem; por isso, a necessidade de refletir que há um aspecto sociológico preponderante presente.
“Para o Banco Mundial, as nações devem priorizar a capacitação feita por meio do acesso às tecnologias” (Barreto, 2009, p. 124).
Canclini (2005) aponta que a tendência hegemônica do uso das tecnologias no âmbito do capitalismo atende aos interesses das classes dominantes, em
detrimento das necessidades da maioria da população.
A evolução tecnológica impõe-se e transforma o comportamento individual e social. A economia, a política, a divisão social do trabalho, em diferentes épocas,
refletem os usos que os homens fazem das tecnologias que estão na base do sistema produtivo. Desde o período inicial da Revolução Industrial – baseada na
mecanização da indústria têxtil e no uso industrial da máquina a vapor – até o momento atual, em que predominam as tecnologias eletrônicas de comunicação e
informação e a utilização da informação como matéria-prima, que o homem transita culturalmente por intermédio das tecnologias. Elas transformam suas maneiras
de pensar, sentir, agir. Mudam também suas formas de se comunicar e de adquirir conhecimentos (Raposo, 2016, p. 75).
A concepção e o entendimento de trabalho sofrem mudança, levando a uma valorização da tecnologia, da técnica como fundamento dessa sociedade atual. O
processo prático do trabalho carrega em si essa estrutura. O desenvolvimento tecnológico da modernidade transformou radicalmente a comunicação, a circulação
de informações. Espaço e tempo, que seriam elementos importantes a ser considerados, passam a não ter uma dimensão específica.
O processo de globalização implica a perda do sentido da centralidade, o que significa, inclusive, a obsolescência dos quartéis-generais. Ele exige mobilidade e
descentralização (Ortiz, 1994, p. 155).
A circulação de informações como elemento constitutivo das interações dialógicas das interlocuções passou por mudanças significativas ao longo do século
passado e início deste XXI que demonstram como os artefatos tecnológicos foram importantes demarcadores do terreno das informações, mas, principalmente, do
acesso ao conhecimento. Democratização ou segregação?
Para os estudiosos da Escola de Frankfurt, a comunicação e a tecnologia voltadas para as massas serviram aos interesses hegemônicos, à medida que contribuíram
para a alienação dos consumidores.
Thompson (1998 apud Pretto; Silveira, 2008, p. 58), por sua vez, critica o caráter monológico desse “diálogo”. A comunicação acontece num único sentido, pois
quem a consome fica emudecido diante do sistema que oprime e marca o terreno e o espaço que precisam ser ocupados.
Desde finais dos anos 80, o cenário da comunicação na América Latina é protagonizado pelas "novas tecnologias". [...]. Na América Latina, a irrupção dessas
tecnologias delineia, entretanto, uma multiplicidade de questões, desta vez não dissolvidas pelo velho dilema: dizer sim ou não às tecnologias é dizer sim ou não ao
desenvolvimento, porque as questões deslocam o problema das tecnologias em si mesmas para o modelo de produção que implicam, seus modos de acesso,
aquisição e emprego; deslocamento de sua incidência em abstrato sobre os processos de imposição, deformação e dependência que trazem consigo ou, numa
palavra, de dominação, mas também de resistência, refuncionalização e redefinição (Barbero, 2011, p. 252).
As tecnologias na América Latina foram elementos importantes no processo de modernização, de apropriação social e cultural; de acordo com Baudrillard, tornam
visível a resistência das culturas populares (Baudrillard, 2011, p. 254), especialmente quanto ao uso dessa nova linguagem e quais significados são trazidos.
As tecnologias não são meras ferramentas transparentes; elas não se deixam usar de qualquer modo: são em última análise a materialização da racionalidade de uma
certa cultura e de um "modelo global de organização do poder” (Barbero, 2011, p. 256).
Barbero completa dizendo “que a tecnologia moderna é a causa necessária e suficiente da cultura de massa" (Barbero, 2011, p. 60), visto que são as ferramentas
que mobilizam e movimentam a circulação de informações e conhecimentos da atualidade, congregando os indivíduos a interesses nem sempre claros para a
maioria da população.
Estar ancorado no mundo tecnológico traz uma imagem, nem sempre real, de que a inserção acontece com todos, em todos os momentos e espaços. De acordo
com Barbero (2011, p. 255), “as novas tecnologias educam as classes populares da América Latina na atitude mais conveniente para seus produtores: a fascinação
pelo novo fetiche”. O mundo de hoje não consegue dar resposta às inquietações do sujeito e a crise estrutural que o sistema neoliberal implantou chegou aos
bancos escolares. Os sistemas tecnológicos que seriam a segurança e porto seguro necessitam a todo momento reconstruir a sua identidade como fator de
reflexão e problematização da sociedade atual.
Devemos pensar a mediação por meio dos aparatos tecnológicos. Essa comunicação acontece na relação das ferramentas tecnológicas, dos “ecrãs” (objeto social e
simbólico), de acordo com Gustavo Cardoso (2013). A relação de mediação torna-se de consumo também, já que a tecnologia é social, política, econômica e
estética.