Coragem

MarcosGomes28 188 views 2 slides Apr 22, 2018
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Excelente texto que a minha amiga silvia pilz publicou no slideshare e ao qual acrescentei dois paragrafos no final.


Slide Content

coragem
De uns tempos pra cá, todos se tornaram educados, quero dizer, oprimidos. Ninguém pode
brigar com ninguém, ninguém pode reagir. Ser reativo não é qualidade. É defeito. É
sinônimo de descontrole. E ninguém – principalmente no universo corporativo – admira um
reativo. O bacana é você ser aquele cara supereducado, excessivamente simpático, que dá
bom dia até para o poste.
Todos se tornaram civilizados. É admirável.
Até nas escolinhas é feito um enorme drama se uma criança arranhar um amiguinho.
O que arranhou vai pro banco dos réus e tem que pedir desculpas _ em praça pública _ para
o arranhado. Assim, desde cedo, ele aprende a lição, dizem os pais, envaidecidos.
O sintoma agressão tem que deixar de existir e, com o treino, a agressão não desaparece
mas permanece “controlada”, entre muitas aspas.
É considerado inadequado, inadmissível.
Mandou alguém à merda, processo.
Ninguém mais pode perder a cabeça.
Confundiu um ator negro com um garçom, é preconceito.
E o garçom _ a vítima_ não pode nem pensar em meter a mão na cara da celebridade. Tudo
bem contraditório, do jeito que eu gosto.
E, para não perder a cabeça, as pessoas se agridem, se medicam, praticam jiu-jitsu, leem
OSHO, acham que meditam, trabalham 30 horas por dia, bebem pra cacete, se tornam
compulsivas sexuais, entre outros transtornos.
Já dominada por essa opressão, que não aconteceu do dia pra noite, a sociedade acata a
agressão como grande inimiga e se torna aparentemente apática.
Acontece que isso vai contra a natureza do ser humano e a agressão torna-se latente. Por
isso, as pessoas começam a perder a cabeça porque o vaso de planta que estava do lado
direito da varanda está do lado esquerdo, porque o trânsito está lento, porque o carro da
frente demorou três segundos para rodar depois que o sinal ficou verde e, por conta disso,
começam a cavar pequenas discussões sem fundamento onde eles conseguem extravasar a
vontade que têm de enforcar o chefe ou a esposa, por exemplo.
Porque as pessoas têm desejos velados que elas não têm coragem de revelar nem para elas
mesmas. E eu não estou falando de psicopatas.
Ninguém pode enforcar ninguém. Isso é crime. Mas uma boa discussão no trânsito pode não
dar em nada e o sujeito coloca parte da sua agressão oprimida para fora, da forma que a
sociedade ainda concebe como permitida.
O lema, durante um assalto, por exemplo, é: _ Não reaja!
É óbvio. O sujeito está armado e você não. E, mesmo que estivesse, sua educação cristã não
lhe permitiria sacar uma arma e acertar o peito do sujeito, fosse ele um homem de 34 anos

ou um menino de 15. Porque matar é pecado grave. É forte. E tem punição grave, tanto aqui
quanto no #nossolar.
Você teria coragem de matar o Cabral?
Não. E não me diga: “Ah, eu teria! Com requintes de crueldade.”
Você já foi oprimido. Você não conseguiria.
Você já acha que vai pro inferno se tirar a vida de alguém e… “eu acho que eu não
conseguiria conviver com isso, sabe?”
Um muçulmano já come a tua mulher na tua frente e te deixa durinho de medo de morrer.
Agora, coragem para mandar alguém fazer, talvez você tenha. Porque anularam a violência,
mas a covardia e o recurso à truculência estão de pé e bem fortes.

Nesse mundo dominado pela covardia, a estratégia da coragem é se proteger por detrás de
biombos – sugerir que o colega de trabalho é gay para poder desvalorizá-lo, por exemplo.
Boicotar o trabalho de um colega de modo a que a culpa pelos erros recaia sobre ele.
Mas a falência evidente de todo esse dispositivo que sugere uma sociedade pacífica e ordeira
se revela na realidade dessa própria sociedade e em suas demandas cada vez maiores de
ordem e segurança porque na prática não se trata de uma sociedade nem pacífica nem
ordeira, com seu desfile de assassinatos e opressões que são cotidianos, mas parecem
irradiados numa frequência que o olho humano é incapaz de ver (60 mil homicídios por ano no
Brasil, e 180 mil mortes no trânsito, por exemplo)... É como se a própria sociedade nos
colocasse óculos que refratam a visão dessa realidade para que ela própria continue existindo
– sem levar em conta que esses óculos são em parte responsáveis por tudo isso...