Determinismo e liberdade na ação humana 3 Capítulo Sara Raposo Carlos Pires FILOSOFIA 10.º
Como se pode formular o problema do livre-arbítrio? O PROBLEMA DO LIVRE-ARBÍTRIO Este problema pode ser formulado através de questões como as seguintes: Será que existe livre-arbítrio ? Será a crença no livre-arbítrio compatível com a crença no determinismo ? É a liberdade da vontade , é ter a possibilidade de escolher entre fazer uma coisa ou fazer outra. LIVRE-ARBÍTRIO DETERMINISMO Todos os acontecimentos, incluindo as ações humanas, são determinados por causas anteriores e pelas leis da natureza . Não se deve confundir livre-arbítrio e liberdade política .
De que resulta o problema do livre-arbítrio? O PROBLEMA DO LIVRE-ARBÍTRIO Quase todas as pessoas parecem acreditar que têm livre-arbítrio . Quando escolhemos a roupa que vamos usar ou a comida que vamos comer, quando planeamos o que vamos fazer no futuro não parece fazer sentido que não tenhamos a liberdade de escolher (ou livre-arbítrio). Por outro lado, quase todas as pessoas parecem acreditar no determinismo , isto é, que os acontecimentos têm causas e ocorrem de acordo com as leis da natureza. Essa crença faz parte do modo como geralmente olhamos para o mundo.
O PROBLEMA DO LIVRE-ARBÍTRIO Mas, sendo assim, se todos os acontecimentos têm causas anteriores, como podem as nossas ações ser livres ? É aqui que reside o problema do livre-arbítrio . Apesar de o determinismo e de o livre-arbítrio parecerem ideias plausíveis e justificadas por boas razões, se o determinismo incluir as ações humanas então não parece ser possível fazermos escolhas. Isto é, talvez as ideias de livre-arbítrio e de determinismo sejam incompatíveis .
RESPOSTAS AO PROBLEMA DO LIVRE-ARBÍTRIO Estudaremos três perspetivas acerca do problema do livre-arbítrio : determinismo radical libertismo determinismo moderado Principais teses destas três perspetivas: Perspetivas Temos livre- -arbítrio? Alguma ação humana é livre? Todas as ações humanas são determinadas? O determinismo é compatível com o livre-arbítrio? Determinismo radical Não Nenhuma ação humana é livre Sim Não Libertismo Sim Algumas ações humanas são livres Não, nem todas Não Determinismo moderado Sim Algumas ações humanas são livres Sim Sim Existem versões diferentes destas três perspetivas. No nosso estudo teremos em conta sobretudo as ideias comuns a cada uma das perspetivas.
Para o matemático francês Laplace, com a inteligência e conhecimentos suficientes, seria possível prever todos os movimentos que ocorrerão no universo , incluindo todas as ações humanas. DETERMINISMO RADICAL Tese fundamental Não existe livre-arbítrio e, portanto, nenhuma ação humana é livre. Porque não existe livre-arbítrio? O determinismo radical considera que todos os acontecimentos, o que inclui também as ações humanas, têm causas anteriores e estão submetidos às leis da natureza . Se as ações humanas resultam de causas anteriores e das leis da natureza, então isso significa que nas nossas ações não temos realmente liberdade de escolha . Por estar determinado, o efeito (a nossa ação) é inevitável. Nunca existem possibilidades alternativas de ação . O DETERMINISMO RADICAL É INCOMPATIBILISTA? SIM ! O determinismo radical considera que o determinismo e o livre-arbítrio são incompatíveis . Se todas as ações humanas têm causas anteriores e estão submetidas às leis da natureza, o livre-arbítrio não existe .
DETERMINISMO RADICAL O comportamento humano tem variadas causas Pode o comportamento humano ser atribuído às mesmas causas que afetam os objetos e os outros animais ? Segundo esta teoria, as ações humanas resultam de uma combinação complexa destas causas . A série causal que daqui resulta não é controlada pelo agente . O determinismo radical considera que as causas do nosso comportamento são muito mais variadas do que as dos objetos e outros animais , mas isso não significa que as ações humanas escapem à causalidade . BIOLÓGICAS SOCIAIS E CULTURAIS PSICOLÓGICAS OUTRAS… FÍSICAS E QUÍMICAS CAUSAS DETERMINANTES DO COMPORTAMENTO HUMANO
Negar o determinismo contraria a ciência e é pouco racional Para sustentar a sua tese, o determinismo radical apoia-se em estudos e descobertas de várias ciências – como a Biologia, Psicologia ou Sociologia. Descobertas como a de genes responsáveis por doenças ou que muitos dos nossos comportamentos são fortemente influenciados por padrões sociais e culturais ou por situações vividas na infância parecem sustentar a tese determinista . O determinismo radical defende que através da articulação entre os contributos de várias ciências é possível apresentar uma explicação determinista do comportamento humano e, assim sendo, negar o determinismo é pouco racional , uma vez que isso significa contrariar o que é afirmado pela ciência . DETERMINISMO RADICAL
DETERMINISMO RADICAL A ilusão do livre-arbítrio Para o determinismo radical, é uma ilusão pensar que podemos escolher livremente o que fazer – o livre-arbítrio é uma crença falsa . O desconhecimento das inúmeras causas que influenciam uma ação levam-nos a pensar que temos liberdade de escolha . Porém, se conhecêssemos todas essas causas, perceberíamos que fazemos apenas o que temos de fazer e que o livre-arbítrio não existe .
DETERMINISMO RADICAL A questão da responsabilidade Se não escolhemos livremente o que fazemos, como podemos ser responsáveis pelas nossas ações ? Como podemos censurar alguém por fazer algo de errado? Como podemos atribuir mérito a alguém que faz algo corretamente? Isto parece pôr em causa a tese do determinismo radical . Se não há genuína responsabilidade moral nas nossas ações, uma vez que não existe livre-arbítrio, fará ainda assim sentido castigar ou premiar uma determinada ação? O determinismo radical responde positivamente. As pessoas devem ser responsabilizadas , uma vez que assim promovem-se as boas ações e desencorajam-se as más . Neste sentido, os prémios e os castigos são também causas que podem determinar os comportamentos humanos.
OBJEÇÕES AO DETERMINISMO RADICAL Sem livre-arbítrio, a vida não tem sentido Que sentido faria a nossa vida se, por tudo estar determinado, fossemos como robôs, programados para fazer o que fazemos? Que motivação teríamos para viver e agir se as nossas ações se devessem a causas que não controlamos e não a nós mesmos? Se fosse assim quase toda a nossa vida seria uma mentira, o que é absurdo . Esta objeção apoia-se na teoria da evolução das espécies de Darwin, para afirmar que dificilmente a espécie humana se adaptaria ao meio ambiente se a crença de que escolhemos livremente as nossas ações fosse falsa. Para os defensores desta objeção, o facto de estarmos realmente adaptados ao meio ambiente sugere que a crença no livre-arbítrio é verdadeira . Evolutivamente, é mais plausível que exista livre-arbítrio Atenção ! Estas são apenas duas de várias objeções possíveis ao determinismo radical.
LIBERTISMO Tese fundamental Existe livre-arbítrio e algumas ações humanas são livres. Que ações são livres? Para o libertismo, algumas escolhas humanas não estão constrangidas do mesmo modo que os outros acontecimentos do mundo . Existem ações que não são determinadas por causas anteriores às decisões e escolhas do agente – e por isso são ações livres . O LIBERTISMO É INCOMPATIBILISTA? O libertismo considera que existe ( pois nem tudo está determinado ). Tal como o determinismo radical, o libertismo considera que o determinismo e o livre-arbítrio são incompatíveis . Se uma ação humana tem causas anteriores e está submetida às leis da natureza, não é uma ação livre. Este é um ponto em comum entre as duas teses, mas há divergência quanto à existência ou não de livre-arbítrio . O determinismo radical considera que não existe ( pois tudo está determinado).
LIBERTISMO Causalidade do agente Para o libertismo, o agente é livre quando é capaz de tomar uma decisão independentemente de quaisquer causas anteriores . Nesse caso, o agente autodetermina-se , porque a única causa da ação é a sua decisão. Ao invés de outros acontecimentos, a causalidade do agente não obedece a leis . Em circunstâncias semelhantes , a mesma pessoa pode, por causalidade do agente, realizar ações diferentes . A ideia de que o livre-arbítrio consiste na autodeterminação pode ser designada « causalidade do agente ». Este é um tipo especial de causalidade: só os seres humanos a têm. Acontecimentos da natureza Causalidade mecânica As mesmas causas conduzem a efeitos semelhantes e previsíveis Ações humanas Causalidade do agente Em situações exatamente iguais podem ser feitas ações diferentes
LIBERTISMO Nem tudo está determinado Possibilidades alternativas de ação Para o libertismo, a existência de possibilidades alternativas de ação é essencial para podermos dizer que agimos livremente: isso só acontece se escolhemos uma coisa mas podíamos ter escolhido outras, realizamos uma ação mas podíamos ter realizado outras . Para o libertismo, essa é uma característica fundamental da vida humana: o futuro está em aberto , há uma pluralidade de caminhos. Para o libertismo , nem todos os acontecimentos têm causas anteriores . Algumas ações devem-se ao livre-arbítrio e não às leis causais que determinam muitas outras coisas.
LIBERTISMO Argumento da experiência Uma possibilidade de defender a existência de livre-arbítrio é alegar que temos experiência do livre-arbítrio e, portanto, este existe. Mas que experiência é essa? Temos experiência do livre-arbítrio quando não sentimos qualquer constrangimento para fazer uma escolha, não sentimos nenhuma força a obrigar-nos a fazer algo . Esta é uma experiência oposta à da falta de liberdade, que sentimos quando somos forçados a fazer algo e não o conseguimos evitar por muito que tentemos. Para o libertismo, uma vez que o sentimento de livre-arbítrio é muito frequente e generalizado, seria implausível que essas experiências não fossem verídicas. Assim, é muito provável que algumas das nossas ações sejam livres .
LIBERTISMO Argumento da responsabilidade Se não houver livre-arbítrio é difícil entender como pode existir responsabilidade . Se o livre-arbítrio não existir, as pessoas não são verdadeiramente as autoras das suas ações, isto é, farão coisas inevitáveis . A ser assim, Adolf Hitler não seria culpado pelo Holocausto – o que é muito implausível . Do mesmo modo, sentimentos como o orgulho ou a vergonha não farão sentido se as nossas ações forem o produto de causas que não controlamos – o que também é implausível . Durante a II Guerra Mundial, o regime nazi alemão liderado por Adolf Hitler matou cerca de seis milhões de judeus aprisionados em vários campos de concentração espalhados pela Europa. E ste acontecimento é conhecido como Holocausto .
LIBERTISMO Sartre O filósofo francês Sartre considera a liberdade como fundamental para a vida humana, e afirma que ela é que faz dos seres humanos aquilo que são. Para Sartre, a existência precede a essência : os seres humanos são diferentes dos objetos, não têm à partida uma natureza que estabeleça aquilo que são e o que devem fazer; os seres humanos é que têm de escolher o que são e como devem agir. Deste modo, não podemos recusar a necessidade de escolher . Mesmo nas circunstâncias mais difíceis, podemos pelo menos optar pela maneira como vamos reagir aos problemas. Por isso, somos totalmente responsáveis pela nossa vida e pelas nossas ações . Jean-Paul Sartre Sartre não se intitulava libertista nem recorria à terminologia usada pelos defensores do libertismo. Porém, as suas ideias podem ser enquadradas nesta perspetiva filosófica.
OBJEÇÕES AO LIBERTISMO Não há ações sem causa Os defensores desta objeção consideram que a ideia libertista de ações sem causas anteriores à decisão do agente é implausível e anticientífica . Alegam que em qualquer ação encontramos sempre causas anteriores e que qualquer decisão tem ela própria causas anteriores . É possível não sentir ou não reconhecer, numa ação, aquilo que é efeito de causas anteriores, mas ainda assim essas causas existirem e determinarem a nossa vontade . Por isso, os defensores desta objeção consideram que o argumento libertista da experiência não prova a existência de livre-arbítrio . Não sentir as causas não prova a sua inexistência Atenção! Estas são apenas duas de várias objeções possíveis ao libertismo .
Existe livre-arbítrio e algumas ações humanas são livres. O determinismo moderado defende esta tese por razões diferentes do libertismo. O determinismo moderado alega que há efetivamente ações livres e ações não livres e o mais importante é encontrar o que distingue umas das outras . Tese fundamental O DETERMINISMO MODERADO É COMPATIBILISTA ? Sim , ao contrário do determinismo radical e do libertismo . determinismo HÁ! livre-arbítrio … mas algumas delas são livres. As ações são determinadas por causas anteriores … DETERMINISMO MODERADO O determinismo moderado considera que
Para responder a esta questão, o determinismo moderado reformula o conceito de livre-arbítrio (autodeterminação) que está em causa no debate entre deterministas radicais e libertistas. DETERMINISMO MODERADO Se todas as ações são determinadas por causas anteriores, mas algumas delas são livres, isso significa que as ações livres são também determinadas . O determinismo moderado entende livre-arbítrio como o poder de fazermos o que queremos e não fazer o que não queremos . Redefinição do conceito de livre-arbítrio Rejeita, assim, o conceito de livre-arbítrio como autodeterminação (isto é, o poder de agir independentemente de causas anteriores). Mas como pode uma ação ser simultaneamente livre e determinada ?
O que é, então, uma ação livre? Uma ação é livre quando: é realizada sem coações (internas ou externas ao agente); deriva das crenças e desejos do agente. Mas essas ações não têm causas anteriores à decisão do agente? Sim , têm . Mas não impedem que o agente realize uma ação livre. O facto de o agente estar envolvido numa cadeia causal que não controla não lhe retira a liberdade . O que retira a liberdade ao agente é a existência de alguma coação que o impeça de agir de acordo com o seu desejo . Quando a coação não existe , a ação é livre (e, simultaneamente, determinada ) . DETERMINISMO MODERADO
DETERMINISMO MODERADO Possibilidades alternativas de ação O determinismo moderado rejeita a ideia de estarmos limitados a fazer uma só coisa, ao considerar que existem ações livres . Numa ação livre, afirma o determinismo moderado, temos a possibilidade de fazer uma coisa podendo fazer outra . Mas como é que temos alternativa ao que está determinado pelas causas anteriores ? Imaginemos que um agente realiza uma ação a que chamamos A. Para o determinismo moderado, o agente realizou a ação A, mas poderia ter realizado a ação B . Se o agente tivesse desejado realizar a ação B e não a A, podia tê-lo feito. Para o determinismo moderado, uma situação como esta permite dizer que o agente teve possibilidades alternativas de ação .
OBJEÇÕES AO DETERMINISMO MODERADO Não permite compreender a existência de possibilidades alternativas de ação Esta objeção alega que a redefinição de livre-arbítrio apresentada pelo determinismo moderado tenta contornar o problema simplificando-o de modo inaceitável . Considera-se que restringir o livre-arbítrio à ausência de coação é demasiado simplista – é fácil mostrar que certas ações são feitas sem coação (até um determinista radical aceita isso). Para os incompatibilistas , não é esta a questão que está em discussão. Baixa a fasquia Atenção! Estas são apenas duas de várias objeções possíveis ao determinismo moderado . Esta objeção põe em causa a ideia de possibilidades alternativas de ação defendida pelo determinismo moderado. Uma vez que esta teoria defende simultaneamente que uma ação é livre e sempre determinada por causas anteriores, não parece haver possibilidade de um agente fazer algo de diferente e alternativo . Poder fazer algo diferente do que fizemos caso o tivéssemos desejado não corresponde a uma genuína possibilidade alternativa de ação , pois esse desejo tem causas anteriores que o agente não controla.