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Critério do Exercício da Liberdade
A doença mental também pode (e deve) ser encarada como expressão e
condição da perda da liberdade imposta pela doença. O ensinamento de
Henri Ey, baseado em uma longa linhagem de médicos ilustres, desde
Jackson, quando afirma que o patológico, no campo psíquico, consiste
na perda da liberdade, é o critério mais amplo e profundo para distinguir
o normal do patológico.
A este respeito, José Otávio de Freitas Jr. (no Manual de Semiologia, de
Arnaldo Marques) escreve:
“Precisamente o típico comportamento intencional, característico do
homem, a utilização plena de seus atributos psicológicos de indivíduo,
afirmado numa pessoa, pelo desenvolvimento consequente de um projeto
em torno de valores diretivos axiais, é o que resulta anulado pela
confluência do amplo complexo de causas e interações que pertencem à
categoria do psicopatológico. Considerando-se assim, será possível então
compreender que tanto a revolta como a submissão, o prazer e o martírio,
a alegria ou a tristeza, possam expressar, tanto o patológico como a
normalidade, a doença como a saúde. Há uma realidade humana mediata
a cada condição, considerada isoladamente e, dentro do poder perceptivo
(em seu mais amplo sentido) de cada indivíduo, resultará na pessoa, um
grau diverso de reflexão dessa realidade, que lhe estruturará o seu próprio
mundo de valores.
O desajustamento do mundo imediato, circundante, muitas vezes resultará
de um plano mais amplo de adaptação, e o sofrimento que daí venha a
derivar, somente como tal poderá ser considerado, dentro de uma escala
de valores contingente àquele próprio mundo que condena, seja realmente
defesa contra um sofrimento maior, representado pela contradição às suas
estruturas valorativas. Diverso, porém, é o sofrimento de quem, pela
formação de seu projeto, diretivo intencional, se identifica à realidade
circundante, e apesar disto, com ela se coloca em antagonismo, levado por
motivos que não pode apreender, como que vítima de um destino
conduzido ao sofrimento, à condenação. Aí, o sofrimento representará a
realidade última e única de seu poder perceptivo, nada além desse
elemento imediato que permitirá superar a contingência daquele fato, e
sua fuga ou seu martírio resultarão de uma falta de liberdade, duma
sujeição cega, imponente ante o desconhecido. Esta sujeição conceitua o
patológico, a perda do sentido diretivo intencional (insensatez).”