monstro. Até que um dia um soldado de Cametá (município do Pará),
conseguiu libertar Honorato desta maldição.
Honorato, cobra e rapaz, nada mais é do que a extensão de nós mesmos, em
nossa condição de animais-transcendentais, pois por trás de cada monstro,
sempre há um herói.
Nesta lenda que relata a metamorfose de Honorato, visualizamos a metáfora
que retrata a vida cotidiana de um povo ribeirinho, que como homem-
cobra, oscila vivendo em meio a uma terra úmida ou engolido pelas cheias e
correntezas do rio. Terra e Água, estão na alma, nas lendas, nos mitos e na fé
deste homem. Ser um pouco cobra e um pouco homem, são símbolos de uma
mesma vida...
Certo mesmo, é que a Boiúna ou Cobra Grande, Mãe de todas as águas da
bacia amazônica, soberana dos lagos e igarapés, das enseadas, dos furos e
dos paranás, das vertentes e desaguadouros, nada e vigia de um extremo ao
outro.
Quando se ouve um ronco longínquo, arrepia-se até o último fio de cabelo, pois
seu uivo horripilante tem o poder de paralisar homens e animais. Boiúna
entretanto, segue em sua peregrinação fatídica, matando e devorando os
animais, alagando as pequenas embarcações e sorvendo vampiricamente a
vida dos velhos.
Raymundo Moraes elucida que, nem sempre aparece como um desmedido
ofídio:
"Nos quartos minguantes, quando a lua recorda um batel de prata, logo depois
das doze badaladas, a boiúna reponta nos moldes bizarros de uma galera
encantada, guinda alta, velas pandas, singrando e cruzando as baías. O pano
desse navio macabro é feito de mil despojos fúnebres. A giba, a vela de proa, a
vela grande, a bujarrona, o velacho, o traquete, a gávea, o joanete, a rebeca
são camisas, véus, lençóis, mortalhas sambenitos remendados, costurados,
cerzidos, sinistro sudário de milhões de covas; os mastros, as vergas, as
caranguejas são tíbias, fêmures, costelas de esqueletos fugidos das campas;
as borlas dos topes são caveiras amarelada de pecadores impenitentes; os
estais, as enxárcias, as adriças, os brandais são cabelos de defuntos roubados
por Satanás.
E sobre tudo isto uma linha azulada de fogo, santelmo ou fátuo, que recorda,
ao palor mortiço de chamas funéreas, a árvore da embarcação levantada para
a fuligem escura do céu. Veleira, deitada na bolina sobre uma das amuras,
querena ao léu, ninguém a pega. Sempre das investidas arriscadas, a galera-
fantasma colhe as asas de grande ave bravia, orça, muda de rumo e, voando
com a rapidez da hárpia, deixa na esteira alva a espuma lampejante de enxofre
luciferiano. É uma visão provinda com certeza do seio ígneo de Plutão. Quem a
vê fica cego, quem a ouve fica surdo, quem a segue fica louco."