intermediário, transportadores, cafetina e cafetão, capataz, deputado, fazendeiro com seu filho
adolescente, garimpeiros, agente de polícia vendido. Como disse, parecia-me verossímil que nessa fila
não houvesse ninguém para dizer: "Basta".
Não penso que, em outras latitudes, Maria teria tido mais chances de esbarrar em alguém que, além de
se indignar, decidisse arriscar, agir, se meter. Ao contrário, quem leu "Meninas da Noite" lembra que,
no fim, Dimenstein conseguiu levar a Polícia Federal até o bordel. Alguém, um jornalista, não se
contentou em registrar os fatos e se indignar: tomou posição, disse "não" e desfez uma corrente de
perversidades. Por que, então, ao assistir a "Anjos do Sol", parecia-me verossímil que ninguém
resistisse? A sensação de verossimilhança (como já notou Aristóteles) não depende dos fatos e de sua
probabilidade.
Ela é, por assim dizer, o efeito de uma expectativa cultural. Para nós, no caso, é mais verossímil uma
narrativa sem Dimenstein chegando de helicóptero. Alguém dirá: "Melhor assim, não estamos aqui
para gratificar nossos sonhos de glória, mas para enxergar a feiúra do mundo". Legal, mas pergunto: a
chegada dos "nossos" no cinema hollywoodiano é só um achado de marketing para alegrar o público?
Ou será que corresponde à expectativa cultural de que o homem comum se sinta compelido a erguer a
cabeça e encarar o que lhe parece errado?
O final hollywoodiano pode parecer inverossímil, feito para nos seduzir com o devaneio de nosso
próprio heroísmo. Mas seu contrário talvez alimente uma cinismo das belas almas, em que a
indignação importa mais do que a ação. Um olhar pretensamente mais "maduro" e menos "alienado"
por finais felizes pode ser a armadilha de uma disposição cultural em que a indignação serve
sobretudo para inocentar: indignei-me, logo, fiz minha parte.
E os atos, cara pálida? Cá entre nós: Inês teria gostado caso, na ausência de Bruce Willis, ao menos o
helicóptero de Dimenstein chegasse a tempo.