GVcasos - Vol. 12, n. 1 - jan/jun 2022

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About This Presentation

Neste primeiro número de 2022, a GVcasos passa a circular com uma novidade: um projeto visual inteiramente renovado. O leitor perceberá, ao acessar os casos e as notas de ensino, que os textos adotaram uma nova apresentação gráfica. A mudança já tinha sido iniciada em 2021, com a renovação ...


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GVcasos ¹ Revista Brasileira de Casos de Ensino em Administração FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 1 | ISSN 2179-135X 1
CASO
Trabalho convidado | Recebido em 27/12/2021
DOI: https://doi.org/10.12660/gvcasosv12n1c1
CASO NECESSÁRIO, ESTRUTURE: UM
METACASO DE ENSINO
In case of need, structure it: a teaching metacase
Adrian Kemmer Cernev¹ | [email protected]
Martin Jayo² | [email protected]
¹Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV - São Paulo, SP, Brasil
²Universidade de São Paulo - São Paulo, SP, Brasil. Editor adjunto da GVcasos
RESUMO
Este “metacaso” objetiva discutir o processo de elaboração de um caso de ensino em administração.
Partindo de uma narrativa inicial propositalmente vaga e incompleta, propõe-se uma aplicação em sala de
aula cuja finalidade é evidenciar a pertinência de instituir e alinhar os elementos estruturais (protagonista,
contexto e problema/dilema) e as dimensões estruturantes (propósito, enfoque, requisitos e preparação,
conceitos e teorias, estratégia de ensino) de um caso de ensino. O trabalho tanto pode ser lido como
um caso de ensino acompanhado de notas didáticas, pensado para aplicação em cursos sobre escrita de
casos, quanto como um artigo ou pequeno manual com recomendações para a elaboração de casos de
ensino. Por suas características singulares, ele é publicado pela GVcasos em forma diferente da usual:
excepcionalmente, tanto o corpo do caso como as notas de ensino estão disponíveis para acesso livre.
Palavras-chave: caso de ensino, administração, instrumento pedagógico.
ABSTRACT
This “metacase” aims to discuss the process of designing a teaching case in business administration. Starting
from an intentionally vague and incomplete initial narrative, we propose an application in the classroom
that is intended to show the pertinence of defining and aligning the structural elements (protagonist,
context and problem/dilemma) and the structuring dimensions (purpose, target, requisites and preparation,
concepts and theories, teaching strategies) of a teaching case. This work can be read both as a teaching case
with teaching notes intended for application in case writing courses, and as an article or a small manual
with recommendations on how to design teaching cases. Given its unique characteristics, it is published
by GVcasos in a different way than usual: exceptionally, both the body of the case and the teaching notes
are available for free access.
Keywords: teaching case, business administration, pedagogical instrument.

CASO | CASO NECESS?RIO, ESTRUTURE: UM METACASO DE ENSINO
Adrian Kemmer Cernev | Martin Jayo FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 1 | ISSN 2179-135X 2
Darci está deixando a empresa. Finalmente. Como os gestores devem se posicionar?*
*Sim, o texto deste caso contém apenas doze palavras. A razão é apresentada nas Notas de Ensino.

GVcasos ¹ Revista Brasileira de Casos de Ensino em Administração FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 1 | ISSN 2179-135X 1
CASE
Guest work | Received: 27/12/2021
DOI: https://doi.org/10.12660/gvcasosv12n1c1
IN CASE OF NEED, STRUCTURE IT: A
TEACHING METACASE
Caso necessário, estruture: um metacaso de ensino
Adrian Kemmer Cernev¹ | [email protected]
Martin Jayo² | [email protected]
¹Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV - São Paulo, SP, Brasil
²Universidade de São Paulo - São Paulo, SP, Brasil. Adjunct editor at GVcasos
ABSTRACT
This “metacase” aims to discuss the process of designing a teaching case in business administration.
Starting from an intentionally vague and incomplete initial narrative, we propose an application in
the classroom that is intended to show the pertinence of defining and aligning the structural elements
(protagonist, context and problem/dilemma) and the structuring dimensions (purpose, target, requisites
and preparation, concepts and theories, teaching strategies) of a teaching case. This work can be read
both as a teaching case with teaching notes intended for application in case writing courses, and as an
article or a small manual with recommendations on how to design teaching cases. Given its unique
characteristics, it is published by GVcasos in a different way than usual: exceptionally, both the body of
the case and the teaching notes are available for free access.
Keywords: teaching case, business administration, pedagogical instrument.
RESUMO
Este “metacaso” objetiva discutir o processo de elaboração de um caso de ensino em administração. Partindo
de uma narrativa inicial propositalmente vaga e incompleta, propõe-se uma aplicação em sala de aula cuja
finalidade é evidenciar a pertinência de instituir e alinhar os elementos estruturais (protagonista, contexto
e problema/dilema) e as dimensões estruturantes (propósito, enfoque, requisitos e preparação, conceitos
e teorias, estratégia de ensino) de um caso de ensino. O trabalho tanto pode ser lido como um caso de
ensino acompanhado de notas didáticas, pensado para aplicação em cursos sobre escrita de casos, quanto
como um artigo ou pequeno manual com recomendações para a elaboração de casos de ensino. Por suas
características singulares, ele é publicado pela GVcasos em forma diferente da usual: excepcionalmente,
tanto o corpo do caso como as notas de ensino estão disponíveis para acesso livre.
Palavras-chave: caso de ensino, administração, instrumento pedagógico.

CASE | IN CASE OF NEED, STRUCTURE IT: A TEACHING METACASE
Adrian Kemmer Cernev | Martin Jayo FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 1 | ISSN 2179-135X 2
Alex is leaving the company. Finally. What position should the managers take?*
*Yes, the text of this case has only twelve words. The reason is given in the Teaching Notes.

GVcasos ¹ Revista Brasileira de Casos de Ensino em Administração FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 2 | ISSN 2179-135X 1
CASO
Submissão: 22/08/2020 | Aprovação: 03/01/2022
DOI: https://doi.org/10.12660/gvcasosv12n1c2
INOVAÇÃO SOCIAL NA DOAÇÃO DE
ALIMENTOS? GESTÃO DE UMA MERCEARIA
SOCIAL NA GRANDE LISBOA
Social innovation in food donation: management of
a social grocery store in the Lisbon Region
Anderson Sasaki Vasques Pacheco¹ | [email protected]
Vanessa Silveira Pereira Simon² | [email protected]
Karin Vieira da Silva³ | [email protected]
¹Centro Universitário de Brusque - Brusque, SC, Brasil
²Universidade do Estado de Santa Catarina - Florianópolis, SC, Brasil
³Universidade do Estado de Santa Catarina - Florianópolis, SC, Brasil
RESUMO
O Centro Comunitário da Paróquia de Carcavelos, na Grande Lisboa, desenvolveu uma nova maneira
de distribuir alimentos para famílias socialmente vulneráveis. A longa espera em fila por cestas básicas,
a diversidade cultural e o desperdício de alimentos foram aspectos importantes para que se questionasse
a forma tradicional de doação. No entanto, o grande desafio vivenciado pela diretora Teresa e os gestores
Amália e Nuno reside na mensuração da quantidade de alimento de cada família e na formação de
parcerias para manter a mercearia em funcionamento. Eles desejam inovar, mas sem prejudicar as
pessoas em situação de pobreza.
Palavras-chave: Inovação social, mercearia social, parcerias, doação de alimentos, organizações da
sociedade civil.
ABSTRACT
The Community Center of the Parish of Carcavelos, in Greater Lisbon, has developed a new way of
distributing food to socially vulnerable families. The long wait in line for food baskets, cultural diversity
and food waste were important aspects for questioning the traditional way of donating. However, the great
challenge faced by director Teresa and managers Amália and Nuno lies in measuring the amount of food
for each family and in forming partnerships to keep the grocery store in operation. They want to innovate,
but without harming people in poverty.
Keywords: Social innovation, social grocery, partnerships, food donation, civil society organizations.

CASO | INOVA??O SOCIAL NA DOA??O DE ALIMENTOS? GEST?O DE UMA MERCEARIA SOCIAL NA GRANDE LISBOA
Anderson Sasaki Vasques Pacheco | Vanessa Silveira Pereira Simon | Karin Vieira da Silva FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 2 | ISSN 2179-135X 2
Um centro social... para a comunidade
O Centro Comunitário da Paróquia de Carcavelos (CCPC) iniciou as suas atividades em
Carcavelos (Grande Lisboa) em novembro de 1980, com o Padre Aleixo Cordeiro. Nesse ano,
houve a admissão da primeira equipe de pessoal permanente (uma técnica, uma estagiária
de serviço social e uma trabalhadora auxiliar). A sua formalização aconteceu em 1981, e os
primeiros serviços envolviam a distribuição de almoços no CCPC para famílias socialmente
vulneráveis na região.
A coordenadora do Centro, Teresa Fernandes, lembra das inspirações do Padre Aleixo
para a criação do CCPC:
– O Padre Aleixo era um grande admirador de Frei Gonçalo da Câmara
1
, de Dom Helder
Câmara
2
, e possuía uma forte ligação com a comunidade, era aberto às pessoas e acreditava
na responsabilização do seu território para resolver seus próprios problemas. Então, ele
tinha uma ideia de fazer um centro que não fosse um centro só para idosos, para as crianças,
mas um centro aberto à comunidade. Padre Aleixo dizia: "O centro tinha que ser o motor
que dinamiza as pessoas daqui!".
No início, não havia um espaço adequado para receber a comunidade. Mesmo assim, o
Padre abria as portas do salão da paróquia para os idosos que se encontravam no jardim, para
que eles pudessem conversar e jogar quando chovesse. Teresa também se lembra das primeiras
ações, focadas no apoio aos idosos:
– O Padre arranjou um grupo de casais vicentinos, que era da paróquia, e os incentivou
a fazerem atividades com essas pessoas, e esses casais começavam a ir lá e organizavam
lanche, faziam passeios e, aos poucos, o centro começou a se estruturar.
Esse foi o primeiro Centro Paroquial Social na região, em que o nome e objetivo estavam
centrados na comunidade. Padre Aleixo acreditava ser importante que, nos primeiros estatutos,
já se denominasse “Centro Comunitário”, para que as pessoas entendessem que é um centro
para as pessoas daquela comunidade e que elas poderiam buscar apoio naquele local.
1
Frei Gonçalo da Câmara foi um frade português dominicano do século XVII, autor da única obra conhecida e publicada em
1739, pela Oficina da Academia Real de História “Arte da Perfeição Cristã”, obra que ensina a focar as virtudes e descartar
os vícios por meio de orações e meditações com vistas às indulgências concedidas aos que rezam e aos confrades de toda a
cristandade. (http://vitaefratrumordinispraedicatorum.blogspot.com/2010/10/frei-jose-de-sao-goncalo-camara.html)
2
Dom Helder Câmara foi arcebispo emérito de Olinda e Recife e, devido a sua atuação em defesa dos direitos humanos,
foi consagrado com vários prêmios internacionais (Prêmio Martin Luther King – EUA e Prêmio Popular da Paz – Noruega, e
indicado ao Nobel da Paz), o que deu projeção internacional ao seu nome. Seu trabalho denunciando o autoritarismo e a
prática de tortura durante o período da ditadura militar foi intenso, o que fez com que fosse considerado comunista e impedido
de se pronunciar publicamente nesse período. Possui uma vasta obra literária com temas afins aos direitos humanos, com foco
prioritariamente no combate à violência e à fome. (https://www.ebiografia.com/dom_helder_camara/)

CASO | INOVA??O SOCIAL NA DOA??O DE ALIMENTOS? GEST?O DE UMA MERCEARIA SOCIAL NA GRANDE LISBOA
Anderson Sasaki Vasques Pacheco | Vanessa Silveira Pereira Simon | Karin Vieira da Silva FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 2 | ISSN 2179-135X 3
Com o passar dos anos, outras atividades foram criadas pela organização, conforme a
demanda de problemas sociais no território. Organizaram uma colônia de férias para idosos,
uma oficina de trabalho com ateliês para jovens e um projeto para as crianças durante as férias
escolares, denominado Porta Aberta.
Assim, o Centro Comunitário começou a abranger públicos com diferentes realidades
e perfis. Atualmente, a organização opera em seis eixos (Figura 1): infância; exclusão social;
voluntariado; recursos e formação; ação social e emprego e sêniores. Primeiro, o CCPC atua
com crianças e adolescentes, oferecendo oficinas e outras atividades nas férias escolares (Porta
Aberta), com uma creche social e um programa de reforço escolar denominado ABC’s, em que
adultos e outros jovens auxiliam na educação de estudantes com dificuldade de aprendizagem.
Figura 1. Atividades do CCPC
Fonte: Centro Comunitário da Paróquia de Carcavelos
No eixo “exclusão social”, o Centro tem o espaço denominado Casa Jubileu, uma residência
que fornece apoio habitacional e auxílio para dependentes químicos, e, para os idosos, tem o
Espaço Sênior, que promove ações como ginástica, danças, capacitação de informática e inglês,
além de um espaço de alimentação. O Programa de Formação e Recursos conta com ateliês de
produção de artesanato e doces portugueses desenvolvidos na Associação de Jovens Adultos de
Carcavelos, e, também, uma ação para pessoas com necessidades especiais e autônomos, que
tem como objetivo contribuir para a sua integração social. Além disso, as pessoas também são
apoiadas com aulas de expressão corporal e hipoterapia.
Há, ainda, um banco de voluntariado, em que pessoas podem se candidatar para auxiliar
na gestão do Centro e de outras organizações ao redor de Lisboa. Por fim, na área de ação
social e emprego, o Centro possui uma cantina social, o Gabinete de Inserção Profissional,
que faz a articulação entre empresas e pessoas desempregadas, para conseguirem empregos
mais rapidamente, e o Intervir, um programa que atua no sentido de minimizar os riscos de
exclusão social, integrando as pessoas de maneira holística, com apoios nas áreas de emprego,
alimentação, saúde, educação e habitação para a construção do seu projeto de vida.

CASO | INOVA??O SOCIAL NA DOA??O DE ALIMENTOS? GEST?O DE UMA MERCEARIA SOCIAL NA GRANDE LISBOA
Anderson Sasaki Vasques Pacheco | Vanessa Silveira Pereira Simon | Karin Vieira da Silva FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 2 | ISSN 2179-135X 4
O Intervir é o programa responsável pela distribuição de alimentos para pessoas socialmente
vulneráveis, no qual se encontra a mercearia social, porém necessitam modificar suas práticas
convencionais, pois existem outros problemas decorrentes dessa ação.
Os efeitos da fome e da exclusão social
Os trabalhos de apoio e intervenção na área da exclusão social do CCPC começaram em 1993.
A Bolsa de Alimentos de Carcavelos (BAC) tinha como objetivo doar alimentos para famílias
socialmente vulneráveis da região, incluindo as pessoas nas outras atividades do Centro. Bancos
de alimentos, ou food banks, são organizações da sociedade civil, com objetivo de coletar e
distribuir alimentos para pessoas em situação de pobreza, no combate à fome.
Para Teresa, o surgimento do Banco Alimentar de Lisboa oportunizou o início das
atividades de distribuição de alimentos às famílias em situação de pobreza, realizada pelo
Centro Comunitário. Entretanto, ela refletia que as ações filantrópicas e isoladas não eram o
suficiente para o combate à pobreza:
– Nosso objetivo não era de “só dar alimentos para as famílias”. Precisamos ir além do
combate à fome, focar a inclusão como um todo. Vamos intervir junto às famílias, sendo
um dos catalizadores da construção de seu projeto de vida!
Dessa forma, em 1999, o projeto Bolsa de Alimentos de Carcavelos passou a designar-se
“Projecto Intervir”, ao aumentar o seu apoio integrado a famílias carenciadas. Atualmente, ele
é denominado somente “Intervir” e, com a ampliação da instituição (construção da creche,
lojas etc.), a organização acabou por incluir mais serviços para o combate da exclusão social.
Assim, o projeto continuou suas intervenções com ações nos campos do trabalho, habitação,
distribuição de medicamentos, educação e alimentação. Cada pessoa ou família recebia os
apoios de maneira personalizada, pois o Centro Comunitário, como um todo, tinha diversas
ações. Caso a família necessitasse de algum apoio para um parente idoso, ele poderia receber
apoio do Espaço Sénior; caso tivesse um filho, poderia utilizar a creche, por exemplo.
O processo inicial de acolhimento do Intervir é dividido em cinco passos: atendimento;
abertura de processo; visita domiciliária; avaliação em equipe; assinatura de acordo social. Após
esse processo, a família é acompanhada até decidir que não necessita mais do apoio, portanto
não há data-limite de término da intervenção.
1º Atendimento – Identificação das necessidades prioritárias; dar resposta a situações de
privação/assegurando as necessidades básicas e/ou encaminhamento.
2º Abertura de processo – Reunir a documentação, verificar a situação econômica.
3º Visita domiciliária – Conhecer o contexto familiar e habitacional, aprofundar necessidades/
problemas/ potencialidades. Facilitar a relação de confiança entre utente e técnico.

CASO | INOVA??O SOCIAL NA DOA??O DE ALIMENTOS? GEST?O DE UMA MERCEARIA SOCIAL NA GRANDE LISBOA
Anderson Sasaki Vasques Pacheco | Vanessa Silveira Pereira Simon | Karin Vieira da Silva FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 2 | ISSN 2179-135X 5
4º Avaliação em equipe – Aprovação dos apoios do Centro, identificar outros recursos da
comunidade que podem ser utilizados e planejar estratégias.
5º Assinatura do acordo social – Identificar as responsabilidades de ambas as partes e
definição do período de apoio.
O apoio alimentar é o pilar que assegura o processo de inclusão social do Intervir. Ele é o
apoio básico e inicial a todas as famílias em situação de exclusão, que, geralmente, é concedido
após a avaliação e a assinatura do acordo social. Entretanto, até ser avaliada a situação, caso a
pessoa necessite, ela poderá receber os alimentos desde o primeiro dia do atendimento, não
existindo lista de espera. Portanto, basta a pessoa entrar em contato com o Intervir que poderá
ter acesso à cesta básica, denominada em Portugal “cabaz alimentar”.
No entanto, a situação financeira de Portugal não se encontrava bem. O país passava por
uma recessão econômica, com o crescimento do número de desempregados, o que ocasionou
um grande aumento de pessoas procurando pelo projeto Intervir. Ao ver essa quantidade de
pessoas esperando pela cesta básica, Teresa começou a questionar a forma de distribuição
tradicional dos cabazes.
– Quando eu vejo as pessoas esperando numa fila, por mais de uma hora, para receber
seu cabaz, reflito que aquilo não é digno. As pessoas são tratadas pelo número de ordem
de chegada, e não como humanos. Além disso, muitos reclamam que recebem alimentos
que já têm muito em estoque! Como os produtos da cesta são padronizados, muitas vezes,
eles não conseguem consumir tudo. Por fim, vejo que temos um outro ponto, que é a
diversidade cultural. Apoiamos portugueses, brasileiros, angolanos, cabo-verdianos, entre
outras etnias. Cada um tem uma preferência alimentar; como podemos suprir a necessidade
de cada um com apenas um modelo de cabaz?
Teresa, nesse ano, contava com dois coordenadores para a gestão do Intervir: Amália e
Nuno. Dessa forma, ela conversou com os dois para que, conjuntamente, pensassem em uma
alternativa de distribuição de alimento que fosse mais humana, tivesse menos desperdício e que
atendesse a necessidade de cada um.
Nuno ficou responsável por pesquisar algumas inovações sociais já existentes no campo
do Banco Alimentar. Após alguns dias, ele encontrou, no Porto, uma ideia que compactuava
com os objetivos levantados, e logo avisou a Teresa e Amália.
– Encontrei um Banco Alimentar no Norte, mas com um sistema diferente do nosso. Eles
criaram uma moeda social em que as pessoas trocavam os seus serviços, seus conhecimentos
por essa moeda. É como se fosse um banco do tempo, mas com uma moeda. Assim, eles
podiam trocar esse dinheiro pelos alimentos, numa espécie de mercearia. Esse foi o único
projeto que encontrei.

CASO | INOVA??O SOCIAL NA DOA??O DE ALIMENTOS? GEST?O DE UMA MERCEARIA SOCIAL NA GRANDE LISBOA
Anderson Sasaki Vasques Pacheco | Vanessa Silveira Pereira Simon | Karin Vieira da Silva FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 2 | ISSN 2179-135X 6
– Bom, acho que temos uma grande ideia, Nuno! Poderíamos criar uma mercearia, aqui
no Centro Comunitário, em que as pessoas ganhem créditos e possam trocar por alimentos.
Assim, eles poderiam vir quando quiserem, comprar o que quiserem e reduzir o desperdício
também – disse Teresa.
Nesse momento, os três viram que teriam um grande desafio pela frente: tocar um projeto
de criação de uma mercearia social no Centro Comunitário, em plena recessão econômica
em Portugal.
Desafios da inovação social
Desafio 1: Estruturação do sistema de créditos e dos recursos
necessários
Junto com uma inovação social – a criação da mercearia – novos subprocessos vão sendo criados
para sustentar o grande projeto. Nuno ficou responsável por estruturar o sistema de créditos
e levantar os recursos necessários para a implantação da mercearia social. Um dos receios
era conseguir um sistema equivalente ao das cestas básicas, mas que possibilitasse uma maior
flexibilização nos produtos a serem escolhidos.
Uma das voluntárias que trabalhava com Nuno, Felipa, estava terminando sua faculdade
em Administração e decidiu estruturar, como tema de seu trabalho de conclusão de curso, os
valores recebidos por família. Assim, ela e Nuno foram visitar a instituição que desenvolveu
uma moeda social no Porto para verificar o sistema.
Eles constataram que, no Porto, foram atribuídos créditos por hora trabalhada, e as pessoas
poderiam trocar por produtos com preços semelhantes aos de um supermercado. Assim, Felipa
teve a ideia de deixar o preço semelhante aos dos mercados convencionais:
– Vamos atribuir "x" créditos para cada família, baseado no preço médio de cada um dos
cabazes. Assim, estabeleceremos o preço com base de cada produto, aproximado ao valor
que é encontrado nos mercados da região. Se o leite valer um euro, podemos colocar o
mesmo valor para o sistema de créditos. Isso vai facilitar para o usuário.
Com isso, eles definiram também o valor que uma pessoa recebe por mês, baseado no
tamanho da família.
– Se uma família de duas pessoas recebe um cabaz por mês e esse contabilizar o valor,
por exemplo, de 50 euros, ela receberá 50 créditos mensais. Famílias maiores receberão
proporcionalmente mais créditos, baseado nas necessidades de cada uma – disse Felipa.
Com esse novo sistema, a família, se tivesse leite o suficiente e ainda tivesse créditos, poderia
adquirir um outro produto, conforme a sua necessidade.

CASO | INOVA??O SOCIAL NA DOA??O DE ALIMENTOS? GEST?O DE UMA MERCEARIA SOCIAL NA GRANDE LISBOA
Anderson Sasaki Vasques Pacheco | Vanessa Silveira Pereira Simon | Karin Vieira da Silva FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 2 | ISSN 2179-135X 7
Após o desenvolvimento do sistema, Nuno também precisava levantar os itens necessários
para o funcionamento inicial de uma mercearia, mesmo nunca tendo trabalhado numa. Ele
entrevistou pequenos mercados e verificou os itens principais que seriam indispensáveis, como:
prateleiras para os produtos, frigoríficos para verduras e congelados, placas sinalizadoras dos locais
dos produtos, cestas e carrinhos de mercado, computador e um sistema de gestão de estoques.
Outro aspecto relevante levantado por Nuno foram os valores necessários e outros recursos
para manter a mercearia.
– Para mantê-la em funcionamento, precisaria de um espaço físico, que nós tínhamos no
fundo do Centro, mas, também, dois funcionários dedicados ao atendimento das pessoas,
e vamos ter um aumento na conta de luz, pois os frigoríficos deverão ficar ligado todos os
dias, além da manutenção do local – conta Nuno.
Figura 2. Processo de utilização da mercearia pelos utentes
Com essas informações coletadas, eles conseguiram definir um orçamento de implantação
da mercearia, assim como quais seriam os locais-chave para angariar os recursos. Tais informações
foram repassadas a Amália e Teresa, para fazerem a captação financeira.

CASO | INOVA??O SOCIAL NA DOA??O DE ALIMENTOS? GEST?O DE UMA MERCEARIA SOCIAL NA GRANDE LISBOA
Anderson Sasaki Vasques Pacheco | Vanessa Silveira Pereira Simon | Karin Vieira da Silva FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 2 | ISSN 2179-135X 8
Desafio 2: Parcerias e captação de recursos
Amália e Teresa ficaram responsável pelo desenvolvimento do projeto para angariar fundos de
outras fontes, para que a mercearia social se concretizasse. Entretanto, o CCPC, por ser uma
organização pequena, tinha dificuldade de competir com outras maiores para conseguir recursos
de fontes grandes de financiamento em Portugal.
– Nós estamos competindo com organizações que são bem-vistas em nível nacional e com
as quais nós não temos qualquer capacidade de concorrer, porque têm pessoas conhecidas,
que geram notoriedade. Elas podem até fazer um trabalho deslumbrante, mas têm a forma
de comunicar completamente sedutora para as grandes empresas e conseguem transformar
uma coisa pequenina em uma coisa gigantesca – disse Amália.
Dessa forma, Amália e Teresa decidiram que era mais importante iniciar por captar recursos
com a comunidade e por empresas que estavam localizadas em seu território. Com base nessa
estratégia, iniciaram as ações de captação de recursos em duas frentes: conversando com as
principais empresas da região de Carcavelos e com os moradores, explicando o projeto a eles.
Com relação à frente empresarial, diversas tentativas de visitas em corporações da região
foram realizadas. Em todas elas, Amália explicava o projeto da mercearia social e os benefícios
para a comunidade citados anteriormente e, para a empresa, com o abate de alguns impostos.
Entretanto, no primeiro mês, nenhuma empresa estava disposta a apoiar o projeto, pela situação
econômica que o país vivia na época e pela inexistência de um projeto de captação de recursos
e de seus impactos.
Amália, então, decidiu escrever o projeto juntamente com Teresa, levantando os problemas,
recursos necessários e os possíveis impactos que a mercearia social traria. Assim, após mais de
dois meses procurando um financiador, ela encontrou uma empresa, no território, disposta
a bancar metade da inovação social. A corporação topou doar os recursos financeiros pelos
impactos que isso poderia trazer à região, auxiliando no combate à desigualdade.
Tal conquista animou os apoiadores e facilitou a doação da comunidade local para o
projeto. Rapidamente, conseguiram mais 10% dos recursos que necessitavam por meio dos
moradores. Isso aconteceu, também, pela doação de objetos, como móveis e roupas, que eram
vendidos numa feira no CCPC denominada Estoque Social, que acontece todas as quartas-
feiras. Atualmente, cerca de 25% dos recursos atuais do Centro são provenientes de empresas
e doação de moradores da região.
Além disso, decidiram captar por outras fontes de recursos. Desenvolveram uma página
de crowdfunding, para a captação de recursos on-line, conseguindo aproximadamente 5 mil
euros para as bancadas e frigoríficos. Amália também enviou o projeto para um edital de uma
fundação de apoio social portuguesa, conseguindo adquirir computadores e um software de
gestão de estoques para controlar e organizar os alimentos necessários diariamente.
No entanto, para o funcionamento diário da mercearia social, eles necessitavam, também,
dos alimentos diversificados para que pudessem atender as diversas culturas. Primeiramente,

CASO | INOVA??O SOCIAL NA DOA??O DE ALIMENTOS? GEST?O DE UMA MERCEARIA SOCIAL NA GRANDE LISBOA
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articularam um novo projeto de arrecadação de alimento com o Banco Alimentar de Lisboa, que
já auxiliava na doação das cestas básicas. Amália e Teresa também conseguiram uma parceria
com uma grande rede de supermercados, que doava semanalmente as frutas e verduras, além
de outros produtos não perecíveis.
A comunidade, mais uma vez, foi acionada para que pudesse formar um grupo de doação.
Os Vizinhos com Alma foram mais uma inovação social de arrecadação, que surgiu por meio
do CCPC, para contribuir com o estoque da mercearia social. Um dos grandes desafios ao ter
uma mercearia é torná-la sustentável e, para isso, diversas fontes são necessárias para que se
consiga manter o seu funcionamento.
Com esses recursos base, a mercearia entrou em funcionamento um ano depois. O CCPC
conseguiu montar as prateleiras, sinalizadores, frigoríficos e o sistema ao longo desse ano. Teresa,
Nuno e Amália agora precisavam comunicar e conscientizar as pessoas do novo funcionamento
da distribuição de alimentos.
Figura 3. Processo de arrecadação de recursos para a mercearia social
Figura 4. Mercearia social
Fonte: Centro Comunitário da Paróquia de Carcavelos

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Figura 5. Verduras, legumes e frutas da mercearia social
Fonte: Centro Comunitário da Paróquia de Carcavelos
Desafio 3: Comunicar aos utentes e mudança cultural
Com a mudança no sistema, dúvidas começaram a surgir nas famílias. Muitas, por exemplo,
pensavam que receberiam menos alimentos que antigamente, com as cestas básicas. Outras
também estavam preocupadas com o gerenciamento do valor mensal, o horário para adquirir
os produtos e com a disponibilidade dos alimentos.
Para reduzir os ruídos de comunicação e garantir a segurança nas informações, Nuno
preparou uma cartilha, com informações de seu funcionamento e o horário, além de ações de
comunicação que foram feitas no atendimento individualizado da família com a assistente social.
– A parte educativa, de fato, é importante. Precisávamos explicar como funcionaria o
recebimento dos créditos, além da segurança desses. Explicamos que muitos produtos
não poderiam ser retirados em quantidades grandes, para que não faltasse a outra família.
Também incentivamos as famílias a gerirem seus recursos de modo que não faltassem
alimentos no final do mês, e informamos que elas poderiam ir à mercearia em horário
comercial, tendo a possibilidade de se adequar conforme o horário de cada um – disse
Amália.
– Semanalmente, também são oferecidas cartilhas sobre alimentação saudável para as
famílias, com os produtos que estão sendo mais arrecadados – acrescentou Nuno.
Assim, a adaptação teve que ser lenta e bastante transparente com os usuários. A mercearia
social mostra uma nova forma de se distribuírem alimentos para famílias socialmente vulneráveis,
e que se necessita da articulação de diversos atores para angariar recursos, além da conscientização
e informação da comunidade e dos usuários para o seu funcionamento.

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Resultados da inovação social e novos desafios
A preocupação de Teresa, Amália e Nuno fez com que fosse possível uma inovação social que
reduzisse o desperdício nas famílias, oferecesse produtos que se assemelhavam à cultura de cada
pessoa e que fosse uma maneira digna de doar alimentos, promovendo a autonomia individual.
A organização utiliza processos de gestão de estoques para controlar a quantidade de alimentos,
sendo possível, também, o desenvolvimento de campanhas específicas de arrecadação com a
comunidade.
A mercearia, alguns meses depois de estabilizada, recebeu a visita de 21 técnicos da
área social interessados em conhecer e replicar o projeto em diferentes pontos de Portugal. O
projeto foi divulgado como exemplo de boas práticas. Em 2016, foi replicada num outro Centro
Comunitário da mesorregião.
No entanto, mesmo com a estruturação da mercearia, novos desafios surgiram para o
Centro Comunitário. O trio resolveu discutir, recentemente, em uma reunião, os principais
problemas existentes com esse novo modelo. Teresa começou falando:
– No início, nós tínhamos cerca de 47% das doações que vinham do Banco Alimentar, 18%,
de uma grande rede de supermercado de Portugal, e o restante vinha de campanhas, doações
da comunidade (Vizinhos com Alma) e da Paróquia. Ainda somos muito dependentes do
Banco Alimentar e precisamos equilibrar mais as medidas.
Figura 6. Percentual de contribuição de cada organização para a mercearia social no ano de 2015
Banco Alimentar Contra a Forme
Pingo Doce
Vizinhos com Alma
Paróquia
Outros
13%
10%
12%
18%
47%
Fonte: Centro Comunitário da Paróquia de Carcavelos
Nuno também retrata esse novo desafio, de manter os estoques de alimentos constantes,
pois a falta de alimentos deixa as famílias apreensivas.

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– Eu penso que antes, quando havia falta de produtos, não era tão visível. Se temos um
armazém e as prateleiras estão vazias, é muito mais visível, e eles próprios têm essa noção. E
de vez em quando nós necessitamos fazer novas campanhas de arrecadação de alimentos. Por
exemplo, uma vez, um professor de jiu-jítsu fez um campeonato para arrecadar alimentos para
nós, e temos uma universidade que faz uma campanha de captação todo semestre.
Amália questiona:
– Então, o que podemos fazer para conseguir equilibrar os recursos doados? Será que as
novas tecnologias podem nos ajudar?
Além da captação, Nuno se preocupa com a evolução dos preços e com o sistema de créditos:
– O que nos deixa apreensivos também é que, com a escassez de doação de determinados
produtos, não sabemos se aumentamos o preço ou mantemos. Se aumentarmos, muitas
famílias reclamariam; se mantivermos, podemos ter famílias que não terão esse produto
no próximo mês. Além disso, muitos usuários não sabem quanto de crédito têm, pois só é
possível consultar aqui no Centro.
Ele continua questionando:
– Em casos de escassez, o que vocês acham melhor? Aumentar os valores, para reduzir
o consumo? Ou mantemos o valor até acabar o estoque? Seria possível criar outros
mecanismos e priorizar certas famílias?
Teresa relata também que a campanha dos Vizinhos com Alma precisa de muito esforço
para conseguir arrecadar os alimentos, já que a mentalidade das pessoas não é de doar para
sempre a uma instituição.
– Deveria haver outra forma de reproduzir e aumentar o número de doações da campanha
Vizinhos com Alma. Nós temos que estar sempre alimentando isso, ou nas redes sociais,
ou na nossa página, nos e-mails que fazemos, nas apresentações etc. Quando você oferece
alguma coisa, tem que ser alguma coisa que é boa para si, que lhe faça bem. Se isso não
tem um limite, entra em uma rotina e passa a ser um peso, a pessoa já não quer fazer
aquilo e depois, passando determinado período, ela para de doar.
Outro ponto levantado por Amália é que, para conseguir os recursos, a organização passou
por um processo de profissionalização de suas ações e teve também algumas externalidades
negativas.

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– Com a redução do aporte pelo Estado, nós tivemos que nos profissionalizar para conseguir
os recursos. Por um lado, conseguimos a sustentabilidade financeira e nos capacitamos
para captar investimentos de outras instituições. Por outro, muitos relatam que o Centro
não é mais o mesmo. A mercearia social é um passo para essa aproximação com o utente
e com a comunidade, mas precisamos refletir sobre nossas decisões, sendo muitas vezes
pautadas em números, e não na solidariedade com as pessoas. Como podemos incutir a
comunidade no Centro e voltar a ter a ligação emocional que tínhamos?
Para Teresa, a profissionalização também é faca de dois gumes para a gestão das organizações
da sociedade civil:
– Neste momento, eu não consigo dizer o que nós gostaríamos muito de fazer, porque,
hoje em dia, não é tanto por limitações financeiras, nós já tivemos um período muito
ruim, quando ficamos com uma dívida enorme ao banco e conseguimos recuperar com
uma estratégia de angariação. Se calhar, tem coisas que gostaríamos de expandir, de criar,
realizar, mas existem restrições no nível de orientação atual de gestão.
Por fim, Teresa faz o último questionamento:
– Como balancear a profissionalização de gestão junto com a aproximação da comunidade?

GVcasos ¹ Revista Brasileira de Casos de Ensino em Administração FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 3 | ISSN 2179-135X 1
CASO
Submissão: 11/10/2021 | Aprovação: 21/01/2022
DOI: https://doi.org/10.12660/gvcasosv12n1c3
GESTÃO DE CUSTOS E FORMAÇÃO DE
PREÇOS NO SETOR DE COMMODITIES
Cost management and pricing in the commodities
industry
Daniel Franco Goulart¹ | [email protected]
¹Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV,
RESUMO
O objetivo deste caso é discutir como as ferramentas de contabilidade gerencial podem ser úteis para a
definição da estratégia de precificação de produtos do tipo commodity em mercados marcados por forte
competição. O texto é centralizado na figura do protagonista Gustavo Santana, um gestor estreante
na liderança da recém-criada unidade de negócios de biodiesel. O personagem empreende uma
jornada de aquisição de conhecimentos pelas áreas de produção, contabilidade, tributação e mercado.
Conhecimentos relativos ao sistema de classificação de gastos e métodos de custeio são essenciais. Trata-se
de uma narrativa fictícia baseada em fatos vivenciados pelo autor.
Palavras-chave: contabilidade gerencial, gestão de custos, precificação, sistemas de custeio, commodities.
ABSTRACT
This case aims to discuss the deployment of management accounting tools to define pricing strategy in highly
competitive commodity markets. Gustavo Santana is a newly promoted manager leading the brand-new
biodiesel business unit. He undertakes a knowledge acquisition journey through production, accounting,
tax, and market areas. Knowledge related to expenditures classification and costing systems is critical. It
is a fictitious narrative based on real experiences that the author lived.
Keywords: management accounting, cost management, pricing, costing systems, commodities.

CASO | GEST?O DE CUSTOS E FORMA??O DE PRE?OS NO SETOR DE COMMODITIES
Daniel Franco Goulart FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 3 | ISSN 2179-135X 2
Introdução
A Clean Power Corporation (CPC) é uma multinacional norte-americana que atua ao longo
da cadeia de suprimentos do agronegócio. Toda a operação da empresa é baseada em dois
grandes pilares de negócios: trading e processamento de commodities agrícolas, em especial soja.
No primeiro segmento, a empresa atua na originação de grãos e posterior comercialização in
natura no mercado doméstico ou internacional. No segundo pilar, a organização processa a soja
originada em suas unidades fabris e comercializa o farelo e o óleo oriundos da industrialização
da commodity.
A empresa possui uma história de 26 anos no Brasil. Entre os anos de 1995 e 2005, a
organização atuou no País exclusivamente por meio do seu pilar de trading. Possuía, para
tanto, unidades armazenadoras de grãos nos municípios de Chapadão do Sul (MS), Sorriso
(MT) e Rio Verde (GO). A partir delas, a empresa originava grãos junto a produtores rurais,
cooperativas e cerealistas para revendê-los no mercado externo ou doméstico de acordo com a
melhor execução para cada momento.
Em 2006, a empresa decidiu avançar na agregação de valor na cadeia investindo em uma
unidade de esmagamento de soja no município de Rondonópolis (MT). Era a inauguração do
pilar de processamento da empresa no País. A partir desse momento, a empresa passou a ter
capacidade de comercializar farelo e óleo degomado de soja, além de manter viva a operação de
trading de grãos. A formação de equipe e estruturação do novo negócio não foram complicadas,
já que havia abundância de profissionais com experiência nessa atividade no Brasil.
Em 2010, com o bom andamento do negócio de esmagamento e visando a continuidade
do movimento de agregação de valor incorporando atividades a jusante da cadeia, a empresa
decidiu investir em uma unidade de processamento de biodiesel. A planta industrial fora instalada
ao lado da unidade de esmagamento, no município de Rondonópolis, aproveitando-se de toda
a sinergia operacional do parque industrial já constituído. Em fevereiro de 2011, a fábrica de
biodiesel, cuja capacidade máxima de produção mensal era de 20 mil m
3
, estava pronta para
operar. O fluxo operacional apresentado no Anexo I detalha como se integravam os negócios
de trading, processamento e produção de biodiesel da CPC no Brasil.
Recrutando o líder da operação
Diferentemente do negócio de esmagamento de soja, que dispunha de robustez suficiente para
permitir que a CPC buscasse profissionais experientes para estruturar e conduzir a sua operação
no Brasil, o setor de produção de biodiesel no País dava apenas os seus primeiros passos desde
a sua criação, por força de lei, em 2005. Dessa forma, a CPC precisaria forjar um profissional
destinado a liderar as atividades de gestão estratégica de custos, precificação e comercialização
do produto produzido nessa unidade de negócio no Brasil. Visando privilegiar a sua equipe,
a empresa conduziu um processo de recrutamento interno para essa posição. O candidato
selecionado foi o então coordenador sênior de compras, Gustavo Santana.

CASO | GEST?O DE CUSTOS E FORMA??O DE PRE?OS NO SETOR DE COMMODITIES
Daniel Franco Goulart FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 3 | ISSN 2179-135X 3
Gustavo era aquilo que se costuma chamar de “prata da casa”. Contratado como trainee em
2005, logo após obter o diploma em Administração de Empresas por renomada escola de negócios,
passou por algumas importantes áreas da companhia, entre elas controladoria e desenvolvimento
de negócios, antes de chegar em compras. Sua capacidade analítica, disciplina, organização e
curiosidade intelectual foram as características que concorreram para a sua escolha. A diretoria
entendia que seu perfil seria o mais adequado para estruturar toda a sistemática comercial e de
precificação da unidade de negócios em questão. Gustavo estava eufórico com a confiança que
a companhia depositara em seu trabalho, já que passaria a ser head de uma unidade de negócios.
Por se tratar de uma unidade de negócios eminentemente industrial, Gustavo entendia
que, como primeiro passo, deveria se debruçar sobre o fluxo industrial da produção de biodiesel.
Dessa forma, o jovem executivo não tardou em procurar o seu par no departamento industrial,
Henrique Rosário, para compreender o passo a passo da operação de produção e os respectivos
rendimentos industriais ao longo do processo.
O processo de produção de biodiesel
Henrique Rosário, chefe das operações fabris da CPC em Rondonópolis, era um engenheiro
experiente. Destacava-se, entre as suas várias habilidades, a capacidade de comunicação e
explicação. Apesar de nunca ter gerenciado uma planta de biodiesel, era conhecedor do processo
industrial de fabricação desse produto.
Gustavo chegou pontualmente à sala de Henrique. Ao adentrar o recinto, cumprimentou
o colega e agradeceu a sua disponibilidade de, nas palavras dele, “ensiná-lo sobre o processo de
produção de biodiesel”. Henrique, de modo cortês, devolveu o cumprimento ao mesmo tempo
que se colocou ao inteiro dispor de Gustavo.
O novo gerente da unidade de negócios de biodiesel iniciou a conversa perguntando a
Henrique como funcionava o processo industrial de produção do biocombustível. Henrique
afirmou que o processo de produção era simples e envolvia poucos insumos e etapas. O chefe
de operações afirmou que o processo se iniciava com a recepção da matéria-prima, ou seja, o
óleo bruto vindo do próprio esmagamento da CPC.
Nesse momento, Gustavo interrompeu Henrique para perguntar como funcionaria a
transferência do óleo bruto da unidade de negócios de esmagamento para a de biodiesel. Henrique
respondeu que essa transferência ocorre como se fosse uma “venda interna”, ou seja, a unidade
de negócios de esmagamento repassa o óleo bruto a preço de mercado para a unidade de
negócios de biodiesel.
Uma vez recepcionada, a matéria-prima segue para o primeiro processo industrial
relacionado à produção de biodiesel. Chamada de degomagem, essa etapa tem por função
separar as partículas mais grosseiras do óleo por meio de centrifugação. Nesse processo, há uma
perda de aproximadamente 0,50%.
A seguir, o óleo degomado segue para o segundo processo industrial. Chamada de
neutralização, essa etapa refere-se a um processo químico que, a partir da adição de soda

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cáustica, reduz a acidez do óleo. O rendimento industrial dessa fase varia entre 97% e 98% em
relação à entrada de óleo bruto que ingressa no processo. Henrique destacou que as perdas que
ocorrem em cada processo devem ser reconhecidas como custos da operação.
Após a neutralização, o óleo é submetido ao processo de transesterificação. Trata-se do
processo de transformação do óleo de soja neutralizado em biodiesel. Para a realização desse
processo, dois insumos são essenciais: metanol e metilato de sódio. O primeiro é um álcool que
reage com o óleo de soja. Utilizam-se aproximadamente 100 kg desse insumo para cada mil kg
de óleo bruto que ingressam no processo industrial. O segundo é um catalisador que acelera
o processo químico de transesterificação. Utilizam-se aproximadamente 25 kg desse item para
cada mil kg de óleo bruto.
Quando o óleo neutro de soja reage com o metanol, há a formação de dois produtos
químicos: o éster metílico, popularmente chamado de biodiesel, e o glicerol, conhecido
comercialmente como glicerina
1
. A cada mil kg de óleo bruto que ingressam no processo,
produzem-se aproximadamente 960 kg de biodiesel e 95 kg de glicerina. “Como na natureza
nada se cria, tudo se transforma”, afirmou Henrique, "é compreensível que tenhamos, ao final
do processo de transesterificação, um volume combinado de biodiesel e glicerina semelhante
à quantidade de óleo neutro e metanol que ingressou no processo".
Em sua fala última fala, Henrique destacou a importância de se conhecer a densidade do
biodiesel para a gestão da operação. Segundo o gestor, a densidade do biodiesel é de 880 kg/m³.
Essa informação é fundamental para que se possa converter produção de biodiesel dada em
metros cúbicos para quilogramas ou toneladas.
Após a excelente reunião com Henrique, Gustavo retornou à sua sala e tratou de esboçar
um esquema simplificado demonstrando as principais etapas do processo industrial, as matérias-
primas e insumos envolvidos e o produto e coproduto gerados. Tal fluxograma encontra-se
representado no Anexo II.
O próximo passo definido por Gustavo no seu processo de aprendizagem foi compreender
o comportamento dos gastos envolvidos no processo de produção. O domínio sobre o assunto
o levaria a precificar corretamente o produto. Nesse sentido, Gustavo julgava importante ter
uma conversa com João Paulo Menezes, atual controller da CPC.
Os gastos envolvidos com a produção
Gustavo gozava de certa intimidade com João Paulo. Os dois interagiam constantemente
quando Gustavo ainda fazia parte do time de compras, além de fazerem parte do grupo de
futebol das quartas-feiras. Fruto dessa intimidade, Gustavo sabia que João Paulo havia trabalhado
há alguns anos em uma empresa concorrente que atuava no setor de biodiesel. Devido a sua
experiência, João dominava o processo de custeio desse tipo de unidade de negócio. Gustavo
¹ Para simplificar as discussões sobre gestão de custos e precificação, desconsiderou-se a geração de
outros coprodutos de menor volume e representatividade, tais como ácido graxo e borras.

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iniciou a conversa questionando como João e seus colegas costumavam lidar com a gestão dos
gastos relacionados à operação de biodiesel na empresa onde trabalhavam.
João disse que, de modo geral, há duas maneiras de se enxergarem os gastos de uma
operação: pelas lentes da contabilidade financeira ou pelo prisma da contabilidade gerencial.
“Na minha posição” — afirmou João —, “por óbvio, eu tratava os dados relativos aos gastos a
partir da perspectiva do custeio por absorção.”
Como controller, o objetivo de João na antiga empresa era elaborar a demonstração do
resultado do exercício mensal de cada uma das unidades de negócio, entre elas o biodiesel. Para
tanto, ele extraía os dados do ERP da companhia e classificava todos os gastos em custos diretos
e indiretos de fabricação e despesas. Os custos diretos de fabricação eram diretamente alocados
aos produtos produzidos no parque fabril, fossem farelo de soja, óleo bruto de soja ou biodiesel.
Quanto aos custos indiretos de fabricação, João costumava adotar como critério de rateio
as capacidades máxima de produção de cada produto produzido no parque fabril. Para um
volume máximo de esmagamento de 100 mil toneladas por mês, produziam-se 79 mil toneladas
de farelo de soja e 19 mil toneladas de óleo bruto de soja. Quanto ao biodiesel, João afirmou que
a capacidade máxima de produção da planta na antiga empresa era de 28 mil m³, equivalente
a 24.640 toneladas, considerando a densidade de 880 kg/m³. Sabendo-se que o parque fabril
como um todo era capaz de produzir 122.640 toneladas por mês dos três produtos, os custos
indiretos de fabricação eram distribuídos conforme os seguintes percentuais de rateio: 64,4%
para o farelo de soja (79 mil ton./122.640 ton. = 64,41%); 15,49% para o óleo bruto de soja (19
mil ton./122.640 ton. = 15,49%) e 20,10% para o biodiesel (24.640 ton./122.640 ton. ≅ 20,10%).
Para ilustrar o seu raciocínio, João trouxe um exemplo prático: “Imagine que, em um
determinado mês, o custo total de energia elétrica do parque industrial tenha sido de R$
2.000.000,00. Considerando os percentuais de rateio que acabei de mencionar, esse custo
indireto de fabricação seria alocado da seguinte maneira: 64,41% ou R$ 1.288.200,00 seriam
alocados ao farelo de soja, 15,49% ou R$ 309.800,00 seriam alocados ao óleo bruto de soja e
20,10% ou R$ 402.000,00 seriam alocados ao biodiesel”. “Aqui na CPC, faremos exatamente
da mesma forma”, afirmou João.
A explicação dada por João para o rateio dos custos indiretos de fabricação entre farelo de
soja, óleo bruto de soja e biodiesel havia ficado muito clara para Gustavo. Concatenando com
o que havia ouvido de Henrique, Gustavo concluiu que, se a divisão de esmagamento de soja
faz uma venda interna de óleo bruto de soja para a unidade de negócios de biodiesel, significa
que essa última incorporará, via custo de matéria-prima, uma parte dos custos indiretos de
fabricação do parque fabril de Rondonópolis alocado na unidade de negócios de esmagamento.
Antes de encerrar a conversa, Gustavo, com sua marcante curiosidade intelectual e
relembrando as aulas de contabilidade gerencial a que assistira na graduação, questionou João
sobre se haveria a possibilidade de se trabalhar com o sistema de custeio baseado em atividades
(activity-based costing – ABC) na CPC. João respondeu que esse seria o “mundo ideal”, pois, com
esse método, seria possível fazer o rateio dos custos indiretos de fabricação de maneira muito
mais precisa e justa, alocando esses gastos de acordo com o consumo dos recursos da empresa.
Esse sistema de custeio, contudo, demanda recursos humanos e tecnológicos para que se possa

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fazer a apuração e a alocação dos custos indiretos de fabricação de acordo com os recursos
consumidos por cada produto. “Certamente é algo que precisamos perseguir”, concluiu João.
Convicto de que dominava o funcionamento do processo industrial e de que conhecia
os gastos envolvidos no negócio, Gustavo precisava entender a sistemática de tributação. Ele
ouvira falar que esse item era questão crucial para a precificação no mercado de biodiesel e,
portanto, para o sucesso da empresa. Para se aprofundar no tema, decidiu marcar um horário
com Wilson Santos, head da área de tributação da CPC.
Tributação do biodiesel
2
Wilson Santos era um profissional tarimbado na seara de impostos no Brasil. Com passagens
por várias empresas do setor de commodities agrícolas, sabia como os concorrentes tratavam
questões nem sempre objetivas como benefícios fiscais, conta gráfica, bases de cálculo, entre
outras. Apesar de não ter experiência direta com o negócio de biodiesel, Wilson já havia estudado
bastante e consultado especialistas sobre o esquema tributário aplicável a esse produto.
Como não se conheciam pessoalmente, Gustavo fez um breve preâmbulo sobre sua posição
dentro da empresa, explicando que havia sido selecionado internamente como gerente da nova
unidade de negócios de biodiesel da CPC. Na sequência, anunciou o objetivo daquela reunião,
que era o de entender como funciona o sistema de tributação do biodiesel. Wilson balançou a
cabeça positivamente, sinalizando sua disposição em auxiliar o colega de empresa.
Wilson iniciou sua explicação informando que há basicamente três impostos incidentes
na venda do biodiesel: os federais PIS/Pasep e Cofins e o estadual ICMS. Segundo Wilson, “o
PIS/Pasep e a Cofins, por serem federais, podem ser tratados, na perspectiva da precificação do
produto, como uma coisa só. Por isso, no jargão do mercado, chama-se essa dupla simplesmente
de PIS/Cofins”. No biodiesel, a alíquota de PIS/Cofins é de R$ 148,00 por metro cúbico vendido,
conforme a Lei nº 11.116, de maio de 2005, complementada pelo Decreto nº 10.527, de
outubro de 2020.
— Independentemente do preço líquido de venda, o PIS/Cofins será sempre de R$ 148,00
por m³? — questionou Gustavo.
— Exatamente — respondeu Wilson.
Quanto ao ICMS, Wilson comentou que a alíquota é de 12%. Ele explicou que esse
imposto incide sobre o preço de venda do biodiesel com PIS/Cofins e o próprio ICMS fazendo
parte da base de cálculo. Nas palavras do chefe da área de tributação, “para que se possa calcular
o ICMS incidente sobre a venda, deve-se fazer aquilo que chamamos de cálculo do ‘imposto
por dentro’, ou seja, dividir a base de cálculo por um fator resultante da subtração de 1 pela
alíquota do imposto”. Tecnicamente, ao se fazer isso, inclui-se na base de cálculo do imposto
o próprio valor do tributo.
² Neste item, são enfatizados os aspectos relativos à tributação do produto na sua comercialização. Não
são detalhados os aspectos relativos a, por exemplo, conta gráfica de PIS/Cofins e suas implicações para
a empresa como um todo, bem como eventuais créditos tributários advindos do ICMS.

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Gustavo coçou a cabeça em sinal de dúvida e soltou:
– Wilson, você consegue demonstrar aqui no quadro como eu deveria calcular os impostos
em uma venda de, por exemplo, 2 mil m³ de biodiesel ao preço líquido de R$ 4.000,00 por m³?
Com certeza — respondeu Wilson. Veja: a base de cálculo para a precificação do imposto
é o preço de R$ 4.000,00 por m³. O primeiro passo é simplesmente adicionar a esse valor a
alíquota de PIS/Cofins. O preço incluindo esse imposto ficaria em R$ 4.148,00 por m³. Essa
é a base de cálculo para o ICMS. Para calcular o preço com esse imposto, dividimos os R$
4.148,00 por m³ por 1 – 0,12, que nada mais é do que o fator calculado pela subtração de 1
pela alíquota do ICMS. Fazendo essa conta, encontramos R$ 4.713, 64 por m³. Nesse caso,
estamos recebendo um preço total pela venda de R$ 4.713,64 por m³, dos quais R$ 565,63 por
m³ refere-se a ICMS, que vai para os cofres do tesouro estadual; R$ 148,00 por m³ refere-se
a PIS/Cofins, que é recolhido ao tesouro federal; e R$ 4.000,00 por m³, que é a nossa receita
líquida auferida na venda.
Wilson destacou, ainda, a existência de benefício fiscal associado ao ICMS concedido
pelo governo do Estado de Mato Grosso quando a CPC decidiu instalar a fábrica de produção
de biodiesel em Rondonópolis. Esse benefício consiste na redução da base de cálculo do ICMS
em 90%.
— Como funciona, Wilson? — questionou Gustavo.
— Em vez de calcularmos o ICMS sobre o valor cheio do preço de venda adicionado do
PIS/Cofins, faremos isso sobre somente 10% desse valor. Em outras palavras: a nossa base de
cálculo padrão é R$ 4.148,00 por m³; com o benefício fiscal, nossa base de cálculo é reduzida
para 10% disso, ou seja, R$ 414,80 por m³. A partir daí, basta aplicar a alíquota de 12% conforme
expliquei anteriormente. Nesse caso, o imposto a recolher ao tesouro estadual passa a ser de
R$ 56,56 por m³.
— Para fins de faturamento da venda, como fica com essa questão do benefício? Faturaremos
o valor cheio de venda ou o valor com o ICMS reduzido? — questionou Gustavo.
— Faturaremos o preço cheio — respondeu Wilson.
Gustavo concluiu que o cliente, no exemplo utilizado por Wilson, pagaria R$ 565,63 por
m³ de ICMS, ou seja, o equivalente ao valor cheio do imposto, e a CPC recolheria apenas R$
56,56 por m³ ao tesouro estadual. No exemplo em questão, o ganho tributário com o benefício
fiscal de ICMS da unidade de negócios de biodiesel seria de quase R$ 510,00 por m³, ou seja,
aproximadamente 12,75% do preço líquido de venda do produto. Um ganho relevante!
Esse ganho tributário poderia ser empregado na estratégia de precificação da unidade de
negócios de diferentes formas. Poder-se-ia simplesmente embolsar esse dinheiro em tempos
de alta demanda e baixa oferta, quando o poder de barganha se encontra com os vendedores.
Em um cenário de maior equilíbrio entre oferta e demanda ou de alta oferta e baixa demanda,
poder-se-ia “entregar” um pouco desse ganho fiscal na forma de desconto no preço visando
aumentar a competitividade de preço da empresa, garantindo, assim, a ocupação da fábrica.
Gustavo deixou a sala de Wilson convicto de que utilizaria amplamente o benefício fiscal
de ICMS para ser mais ou menos agressivo em termos de preço de acordo com a conjuntura

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mercadológica que viesse a se apresentar. Para finalizar o seu ciclo de aprendizado, o gestor
precisava se debruçar sobre o processo de comercialização de biodiesel no Brasil para que
pudesse estruturar a estratégia de precificação da unidade de negócio. Por se tratar de um
mercado altamente regulado e controlado, a sistemática comercial não era simples. Gustavo
decidiu estudar a fundo esse tema.
O mercado de biodiesel
3

Criado pela Lei nº 11.097, em janeiro de 2005, o Programa Nacional de Produção e Uso
do Biodiesel (PNPB) tem dois objetivos principais: contribuir para a diversificação da matriz
energética brasileira e promover o desenvolvimento socioambiental do País. Visando coibir
problemas típicos do mercado de combustíveis no Brasil, como a sonegação de impostos,
por exemplo, os legisladores pensaram o PNPB de modo que a cadeia de suprimentos fosse
rigidamente controlada em todos os seus segmentos.
Um dos aspectos mais visíveis do controle governamental sobre a cadeia dá-se no processo
de comercialização. Não há compra e venda no Brasil fora daquilo que se convencionou chamar
de leilões de biodiesel. Nesse sistema, empresas produtoras e distribuidoras de combustíveis,
respectivamente vendedores e compradores, encontram-se eletronicamente, a cada dois meses,
para negociar. A plataforma eletrônica, chamada de Petronect, na qual ocorrem os leilões de
biodiesel, é disponibilizada pela Petrobras.
O coração do processo de comercialização é simples: em um primeiro momento, empresas
produtoras de biodiesel apresentam suas ofertas, que são compostas por volume e preço de venda.
Cada empresa produtora de biodiesel pode apresentar até três ofertas com preços diferentes.
Como a apresentação das ofertas ocorre em momento único, os produtores de biodiesel só
conhecerão os valores e volumes oferecidos pelos concorrentes quando todas as ofertas forem
disponibilizadas no Petronect. As ofertas são apresentadas sempre na condição FOB
4
.
Publicadas as ofertas dos produtores de biodiesel, cabe aos distribuidores escolherem as
melhores opções. Uma oferta escolhida por um comprador pode, como se diz no jargão de
mercado, “trocar de dono” enquanto o processo de leilão estiver aberto. Dessa forma, na medida
³ A explicação aqui apresentada sobre o sistema de comercialização de biodiesel no Brasil foi simplificada
visando enfatizar o processo de compra e venda em si que serve de pano de fundo para a discussão
sobre gestão de custos e estratégias de precificação. Ou seja, foram ignoradas as etapas burocráticas de
habilitação no leilão de biodiesel e as subetapas nas quais se divide o processo de comercialização que
ocorrem durante um leilão.
⁴ FOB é a sigla para Free on Board. Esse termo compõe o grupo dos Incoterms, conjunto de condições
logísticas padronizadas definidas para auxiliar a comunicação entre partes de nacionalidades diferentes
no comércio exterior. Esse termo passou a ser amplamente utilizado no mercado doméstico para indicar
que uma determinada oferta não inclui em seu preço o frete até o destino. Em outras palavras, quando
um vendedor apresenta uma oferta na condição FOB, subentende-se que o produto será disponibilizado
carregado no veículo de transporte providenciado pelo comprador, ocorrendo os gastos relativos ao frete
até o destino por conta dele.

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em que a oferta troca de dono, ou seja, é selecionada múltiplas vezes por valores crescentes, o
preço de venda daquele lote aumenta.
Existem dois possíveis cenários no âmbito dos leilões de biodiesel. No primeiro, pode haver
um volume relativamente pequeno de oferta em relação à demanda. Nesse caso, a maioria
dos produtores de biodiesel tende a vender seus lotes com preços maiores (muitas vezes muito
maiores) do que aqueles inicialmente oferecidos por eles. No segundo caso, a relação é inversa,
ou seja, o volume ofertado é relativamente grande em relação à demanda. Nesse cenário, como
é de se esperar, nem todos os produtores de biodiesel venderão seus produtos, e possivelmente
haverá um pequeno ágio sobre os preços inicialmente oferecidos por aqueles que venderam.
Outro aspecto crucial do sistema de comercialização de biodiesel refere-se às consequências
no caso de uma empresa produtora não conseguir comercializar seus lotes. Os leilões são
bimestrais, ou seja, o leilão de dezembro comercializa biodiesel que será entregue pelos produtores
às distribuidoras de combustíveis em janeiro e fevereiro, o leilão de fevereiro vende produto
para entrega em março e abril e assim sucessivamente. Como não há outra possibilidade de
comercialização de biodiesel fora dos leilões, se a empresa não consegue vender seu produto,
terá que manter sua fábrica parada por dois meses até o novo certame.
Preparando o cockpit de precificação
Gustavo fizera seu dever de casa. Entendera o processo e os rendimentos industriais, os gastos
inerentes à sua unidade de negócios, a estrutura de tributação na venda do produto e a lógica
de comercialização. Chegava a hora de sistematizar uma calculadora de precificação que lhe
seria útil para estimar os preços nos leilões de biodiesel. Aliás, ele não tinha muito tempo, já
que o próximo leilão, estreia dele e da CPC, ocorreria em 20 dias (o próximo leilão seria no
dia 5 de junho daquele ano de 2011).
No final de 2010, quando a CPC preparava o seu budget para o ano seguinte, a área de
controladoria incluiu, a pedido da diretoria, o orçamento de gastos para a unidade de negócios
de biodiesel. Ou seja, a empresa já possuía uma estimativa dos gastos mensais a serem incorridos
por essa operação a partir de junho de 2011. Também havia uma estimativa de produção e
venda mensal de biodiesel.
Analisando a planilha, Gustavo percebeu que seus custos diretos de fabricação eram
compostos basicamente por mão de obra direta (MOD) e material direto (MD). No que se refere
ao primeiro item, a unidade de negócio dispunha de 19 operadores diretamente envolvidos
com o processo de produção de biodiesel. O custo mensal dessa equipe, incluindo os encargos
sociais, era de R$ 99.650,00. Em relação ao segundo item, Gustavo atualizou as cotações junto
aos fornecedores, chegando aos valores apresentados na Tabela 1. O custo da matéria-prima,
transferida internamente da unidade de negócio de esmagamento para o biodiesel, teve seu
custo estimado por Gustavo com base no preço médio dos últimos quatro meses.

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Tabela 1. Materiais diretos e respectivos custos unitários
Item Custo Observação
Metanol R$ 5.200,00 Preço por tonelada do insumo
Metilato de sódio R$ 6.450,00 Preço por tonelada do insumo
Soda cáustica (NaOH) R$ 3.850,00 Preço por tonelada do insumo
Óleo bruto de soja R$ 5.850,00
Preço por tonelada
da matéria-prima
O parque fabril de Rondonópolis contava com um gerente industrial, quatro supervisores
de produção, um coordenador de laboratório de análise de qualidade e quatro auxiliares de
laboratório. Além disso, havia o diretor industrial, que ficava em São Paulo e cuidava de todas as
operações da companhia no Brasil. Parte do seu salário era pago pela operação de Rondonópolis.
Todos esses funcionários faziam parte do custo indireto de fabricação dos produtos produzidos
no site. A Tabela 2 traz o detalhamento desses custos.
Tabela 2. Gastos mensais com salários e encargos por tipo de funcionário diretamente
envolvido com a operação de Rondonópolis
Item
Salário e encargos mensais por tipo
de funcionário
Observação
Diretor industrial R$ 40.000,00
O salário total do diretor é R$
60.000,00. O valor apresentado
nesta tabela corresponde ao custo
atribuído ao parque industrial de
Rondonópolis.
Gerente industrial R$ 35.000,00 Um gerente industrial
Supervisor de produção R$ 8.500,00 Quatro supervisores
Coordenador de laboratório R$ 5.850,00 Um coordenador
Auxiliar de laboratório R$ 2.550,00 Quatro auxiliares
Além da equipe dedicada ao parque industrial, havia também outros custos comuns a
todas as unidades de negócio que desfrutavam dos recursos disponíveis no parque industrial de
Rondonópolis. Gustavo notou que o custo de energia elétrica e de lenha para a caldeira (fonte
de vapor) não era atribuído diretamente às divisões de negócio. Portanto, assim como os demais
custos apresentados na Tabela 3, comportava-se como custo indireto de fabricação.

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Tabela 3. Demais custos indiretos de fabricação mensais (valores para todo o site de Rondonópolis)
Item Gasto total mensal Observação
Energia elétrica R$ 2.500.000,00
Estimativa para esmagamento
de 100 mil toneladas por mês e
produção de 20 mil m³ de biodiesel
por mês.
Lenha para produção de vapor R$ 6.250.000,00
Estimativa para esmagamento
de 100 mil toneladas por mês e
produção de 20 mil m³ de biodiesel
por mês.
Tratamento de efluentes R$ 165.000,00
Estimativa para esmagamento
de 100 mil toneladas por mês e
produção de 20 mil m³ de biodiesel
por mês.
Manutenções preventivas R$ 100.000,00
Ocorrem mensalmente
independentemente do volume de
soja esmagado.
IPTU do terreno da fábrica R$ 25.000,00
Ocorre mensalmente
independentemente do volume de
soja esmagado.
Equipe de portaria da fábrica R$ 15.000,00
Ocorre mensalmente
independentemente do volume de
soja esmagado.
Custos associados às análises
laboratoriais
R$ 7.000,00
Ocorrem mensalmente
independentemente do volume de
soja esmagado.
Outros R$ 12.000,00
Ocorrem mensalmente
independentemente do volume de
soja esmagado.
TOTAL MENSAL R$ 9.074.000,00
Além dos custos diretos e indiretos de fabricação, apresentados nas Tabelas 1, 2 e 3,
Gustavo identificou as despesas que faziam parte da sua unidade de negócios. Diferentemente
dos custos indiretos de fabricação, que precisariam ser rateados para, então, serem atribuídos
ao biodiesel, o orçamento trazia as despesas já alocadas a cada uma das áreas de negócio.
Para a unidade de negócios de biodiesel, as despesas abarcavam os salários e encargos do
analista comercial, do coordenador comercial e do próprio Gustavo, além de gastos gerais,
administrativos e com vendas, provisionamento de bônus do chefe comercial (único elegível
a essa remuneração na unidade de negócios de biodiesel), parcela do gasto com aluguel do
escritório corporativo em São Paulo, parcela das despesas feitas pela empresa com publicidade,
além de outros gastos menores. O detalhamento das despesas alocadas à unidade de negócios
de biodiesel é apresentado na Tabela 4.

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Tabela 4. Despesas mensais alocadas à unidade de negócios de biodiesel
Item Gasto mensal Observação
Remuneração do gerente da
unidade de negócios
R$ 39.000,00 Inclui encargos trabalhistas
Remuneração do coordenador
comercial
R$ 11.000,00 Inclui encargos trabalhistas
Remuneração do analista comercial R$ 7.350,00 Inclui encargos trabalhistas
Provisão de pagamento de bônus R$ 17.500,00 Inclui encargos trabalhistas
SG&A5 R$ 113.000,00
Parcela do gasto com aluguel do
escritório em SP
R$ 28.000,00
Publicidade R$ 3.280,00
Outros R$ 5.350,00
TOTAL MENSAL R$ 224.480,00
A performance das operações no âmbito da CPC é avaliada no nível de Lucro Operacional.
Dessa forma, Gustavo concluiu ser desnecessário considerar, para fins de precificação do
produto, resultado financeiro e Imposto de Renda e Contribuição Social sobre Lucro Líquido
(CSLL). Esses itens eram considerados pela controladoria no fechamento de resultado da
empresa como um todo.
A fonte de receita da unidade de negócios liderada por Gustavo advinha da venda de
biodiesel e de glicerina. Conforme verificado anteriormente, a venda de biodiesel era feita
exclusivamente durante os leilões de biodiesel administrados pela Petrobras. Contudo, a glicerina
era comercializada livremente. O principal mercado comprador era a China, responsável pela
aquisição de 80% da produção brasileira desse coproduto. Estudando o comportamento dos
preços médios mensais da glicerina, Gustavo notou que os preços se apresentavam de modo mais
ou menos linear, com pouca variação em torno da média, que é de R$ 650,00 por tonelada de
produto na condição FOB Rondonópolis. Não há incidência de impostos na venda desse item.
A 20 dias da sua estreia no mercado de biodiesel, Gustavo dispunha de todo o conhecimento
e informações de cunho operacional, contábil, fiscal e mercadológico necessários para sistematizar
os gastos da operação e definir a estratégia de precificação do biodiesel. Caberia a ele decidir como
se utilizar de todo esse conhecimento visando otimizar os resultados da sua unidade de negócio.
⁵ Acrônimo da expressão em inglês Selling, General & Administrative expenses. A tradução para português
é Gastos Gerais, Administrativos e com Vendas.

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Questões para reflexão
O mercado de biodiesel apresenta características bastante peculiares. A empresa tem apenas uma
oportunidade para garantir a venda e, portanto, seu faturamento e resultado, pelos dois meses
seguintes. Para que a empresa garanta vendas no leilão de biodiesel, suas ofertas precisam ser mais
competitivas do que as de seus concorrentes. Vale lembrar que, no segmento de commodities,
os dois aspectos mais relevantes para o cliente são custo e logística.
Duas perspectivas advindas da contabilidade gerencial devem ser consideradas nesse
contexto. A primeira refere-se à forma como o gestor tratará os dados relativos aos gastos envolvidos
com a operação. Em outros termos, o responsável precisa escolher o sistema ou método de custeio
mais adequado para classificar os gastos disponíveis. Nesse ponto, duas possibilidades principais
despontam: é melhor lançar mão do custeio por absorção ou do custeio marginal ou variável?
A decisão sobre o método de custeio a ser utilizado leva o gestor a refletir sobre a segunda
perspectiva relevante nesse contexto: qual método de precificação utilizar? Entre as opções
disponíveis nos manuais de contabilidade gerencial, destacam-se dois que, a princípio, seriam
aplicáveis ao caso em questão: mark-up ou precificação com base na margem de contribuição.
Qual é a melhor opção para o cenário em questão?
Com base no contexto do caso, desenvolva uma planilha em Excel que permita ao gestor
da unidade de negócios de biodiesel precificar seu produto. Para isso, comece classificando
seus gastos de acordo com o sistema ou método de custeio escolhido por você. Considere, no
desenvolvimento da sua planilha, aspectos como rendimentos industriais, consumo específico
dos insumos, unificação das unidades de medida e cálculo de impostos e benefícios fiscais.
Discuta com seus colegas as alternativas existentes.

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Anexo I. Integração das unidades de negócios e operações da empresa
Unidade de
negócio de
Trading
Unidade de
negócio de
Esmagamento
de Soja
Unidade de
negócio de
Biodisel
Unidade de
negócio de
Originação de
Soja
Exportação
Exportação
Mercado
Mercado
Soja em grão Soja em grão
Farelo de soja
(79% de massa de soja)
Óleo bruto de soja
(19% de massa de soja)
Produtor rural
e cooperativa -
fornecedores de soja
1. A capacidade mensal de esmagamento de soja é de 100 mil toneladas de grãos.
2. O excedente da produção de óleo bruto que não é absorvido pela unidade de negócio de
biodiesel é vendido no mercado doméstico pela unidade de negócio de esmagamento.

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Anexo II. Esquema simplificado do processo industrial de produção de biodiesel
Óleo neutro
Óleo
degomado
Óleo bruto de
soja
Biodiesel
(produto principal)
Glicerina
(coproduto)
Processo mecânico
de degomagem
Processo químico
de neutralização
Processo químico de
transesterificação
Adição de NaOH
(1,70 kg)
Adição de metanol
(100 kg)
Adição de metilato
de sódio (25 kg)
976 kg995 kg1.000 kg
961 kg
96 kg

GVcasos ¹ Revista Brasileira de Casos de Ensino em Administração FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 4 | ISSN 2179-135X 1
CASO
Submissão: 10/01/2022 | Aprovação: 20/01/2022
DOI: https://doi.org/10.12660/gvcasosv12n1c4
REESTRUTURANDO ESTRATÉGIAS EM
TEMPOS DE CRISE: O CASO DA EMPRESA
AIRBNB
RESTRUCTURING STRATEGIES IN TIMES OF
CRISIS: THE CASE OF THE AIRBNB COMPANY
Jean Soares da Silva¹ | [email protected]
Brena Carolina de Oliveira Silva² | [email protected]
Cláudia Fabiana Gohr³ | [email protected]
1 Universidade Federal de Pernambuco – Recife, PE, Brasil.
2Universidade Federal do Rio Grande do Norte – Currais Novos, RN, Brasil.
3 Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa, PB, Brasil.
RESUMO
Este caso apresenta a trajetória da empresa Airbnb e tem como temática principal a tomada de decisão
dos gestores diante da crise global causada pela Covid-19. Em março de 2020, quando a Organização
Mundial de Saúde declarou o surto da Covid-19 como pandemia mundial, a mobilidade humana
encontrava-se profundamente afetada, e a Airbnb precisava modificar suas estratégias e práticas e se
adaptar a esse contexto global. Na tentativa de mitigar os conflitos, a empresa vê-se em uma circunstância
em que mudanças drásticas e urgentes deveriam ser tomadas.
Palavras-chave: crise global, Covid-19, estratégia, Airbnb.
ABSTRACT
This case presents the trajectory of the Airbnb company and its central theme is the decision-making
of managers in face of the global crisis caused by Covid-19. In March 2020, when the World Health
Organization declared the Covid-19 outbreak as a worldwide pandemic, human mobility was profoundly
affected. Airbnb needed to change its strategies and practices to adapt to this global context. In an attempt
to mitigate conflicts, the company found itself in a circumstance in which drastic and urgent changes
should be taken.
Keywords: global crisis, covid-19, strategy, Airbnb.

CASO | REESTRUTURANDO ESTRAT?GIAS EM TEMPOS DE CRISE: O CASO DA EMPRESA AIRBNB
Jean Soares da Silva | Brena Carolina de Oliveira Silva | Cláudia Fabiana Gohr FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 4 | ISSN 2179-135X 2
Introdução
As restrições impostas pelos órgãos públicos e o medo de contrair o coronavírus fizeram as
pessoas mudarem seus planos de viagem durante a pandemia de Covid-19. As companhias
aéreas e hotéis se viram forçados a cancelar suas reservas, e com a Airbnb não foi diferente.
Em abril de 2020, pouco mais de um mês após o anúncio oficial da Organização Mundial da
Saúde (OMS) sobre a pandemia, as reservas da Airbnb já tinham caído 72%, comparadas aos 31
milhões de reservas no ano anterior. Os CEOs Brian, Joe e Nathan nunca tinham visto algo tão
assustador, nem mesmo na crise financeira de 2008 – que, na verdade, foi o que oportunizou
o crescimento da empresa.
Com locais do mundo inteiro entrando em lockdown, Brian convocou uma reunião
emergencial com os demais membros do conselho da Airbnb para traçar novas estratégias.
– Caros, uma empresa que cai quase 80% em oito semanas é como um carro em que se
dirige a 160 quilômetros por hora e se pisa no freio repentinamente. Não há uma maneira dócil
de comunicar isso: se não fizermos algo agora, infelizmente, nós quebraremos.
O início de tudo
Era outubro de 2007, cidade de São Francisco, Califórnia. Lá estavam Joe e Brian, grandes
amigos de faculdade que moravam juntos e se perguntavam sobre qual era a sua real missão no
mundo. Joe e Brian tinham o sonho de criar um negócio revolucionário, mas, até então, isso não
passava de um sonho. Os dois amigos não tinham ideia do que poderiam fazer, já que ambos
estavam desempregados e precisavam rapidamente driblar os problemas enfrentados pelo alto
custo de vida em São Francisco. À medida que o tempo passava, as contas também começaram
a aumentar e, já no mês seguinte, Joe e Brian teriam que pagar 25% a mais do valor do aluguel.
Nesse período, a cidade em que os dois amigos moravam receberia um evento na área de
design de grande proporção. A divulgação do evento estava a mil: anúncios em folhetos, TV,
rádios e redes sociais enfatizavam a grandiosidade do encontro que reuniria designers dos mais
variados locais dos Estados Unidos e do mundo. Joe, então, viu um anúncio durante o período
do evento que o deixou curioso: “Os hotéis de São Francisco não têm mais vagas!”.
Esse anúncio não só mostrava um problema em São Francisco como também uma
oportunidade de negócios, visto que a cidade não tinha mais lugares para hospedar os visitantes.
Não demorou muito para que Joe encontrasse uma solução que fizesse ele e seu amigo
conseguirem dinheiro para ajudar nas despesas dos meses seguintes.
Joe rapidamente entrou em contanto com Brian e sugeriu uma ideia:
– Amigo, tenho uma solução para os nossos problemas. Como temos espaço livre em nosso
apartamento, por que não alugar esse espaço durante o final de semana para esses profissionais
que participarão do evento e não encontraram lugar para se hospedarem?
Brian, sem entender muito a ideia, rebateu Joe:

CASO | REESTRUTURANDO ESTRAT?GIAS EM TEMPOS DE CRISE: O CASO DA EMPRESA AIRBNB
Jean Soares da Silva | Brena Carolina de Oliveira Silva | Cláudia Fabiana Gohr FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 4 | ISSN 2179-135X 3
– Alugar um espaço em nosso apartamento? Não temos estrutura para isso! O que vamos
oferecer?
Joe respondeu:
– Ah, não sei. Talvez não precisemos de muito, é apenas um final de semana. Acredito que
um colchão de ar e um café da manhã sejam suficientes.
Tomada a decisão de alugar o espaço livre de seu apartamento durante os dias do evento e
oferecendo um colchão de ar e o café da manhã pelo preço de 80 dólares, Joe e Brian criaram
o site chamado “AirBed & Breakfast” (“Colchão de ar e Café da manhã” em português) (Figura
1). A procura por reservas para hospedagens na cidade estava intensa, e não demorou muito para
os dois amigos terem três pessoas fazendo a reserva do espaço no apartamento (dois homens e
uma mulher).
Figura 1. Primeira versão do site Airbnb
Fonte: Site da empresa (2022). Recuperado de https://news.airbnb.com/about-us/

CASO | REESTRUTURANDO ESTRAT?GIAS EM TEMPOS DE CRISE: O CASO DA EMPRESA AIRBNB
Jean Soares da Silva | Brena Carolina de Oliveira Silva | Cláudia Fabiana Gohr FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 4 | ISSN 2179-135X 4
Joe e Brian receberam os três visitantes e buscaram fazer estes se sentirem em suas próprias
casas, tratando-os como amigos, e ainda deram várias dicas de turismo na cidade.
Logo, quando o evento acabou, os dois amigos perceberam que a experiência tinha sido
ótima e se questionaram:
– Por que não oferecer essa mesma experiência para mais pessoas que venham participar
de outros eventos na cidade?
Negócio de viagens
Joe e Brian resolveram expandir a ideia e profissionalizar o site. Para tanto, chamaram um
terceiro amigo para ajudá-los, Nathan, especialista em programação e tecnologia. Enquanto
Nathan trabalhava no site, Joe e Brian analisavam oportunidades de eventos em outras regiões
próximas, e foram em busca de anunciantes de apartamentos para criar uma listagem no site.
Estava prevista para o mês de março de 2008 uma outra grande conferência, o evento South
by Southwest – SXWX, em Austin, no Texas. Joe e Brian estavam extremamente confiantes que,
da mesma forma que tiveram sucesso na primeira experiência, poderiam ter um grande resultado
com o mesmo modelo de negócios anterior, visto que esse evento também tinha proporções e
receberia muitas pessoas. Joe e Brian pensaram:
– Se funcionou tão bem da primeira vez, por que não poderia dar certo também na segunda?
O novo site ficou pronto, e os dias do grande evento se aproximavam. Joe, Brian e Nathan
conseguiram pessoas em Austin com interesse em alugar espaços em seus apartamentos
(era importante que os anfitriões interessados tivessem colchões infláveis disponíveis – ou
comprassem tais artefatos para anunciar). Os anúncios foram criados e listados no site, e os três
amigos aguardaram ansiosamente o interesse de congressistas e profissionais em fazer reservas.
Passaram-se alguns dias, e nenhuma reserva tinha sido de fato efetivada. Ao final do evento,
somente duas pessoas tinham realizado reservas no site. Pronto, parecia que o sonho dos amigos
tinha acabado!
Tristes e sem entender inicialmente o porquê de a segunda experiência ter sido tão frustrante,
os amigos buscaram analisar a situação e levantaram alguns questionamentos:
– Por que essas pessoas se interessariam por um espaço simples com apenas um colchão de
ar e café da manhã como regalias? E se os hóspedes quisessem camas normais? Será que não
teria pessoas interessadas em alugar o espaço fora da temporada de eventos? Será que estamos
deixando passar algo importante?
Então, os três amigos perceberam que, na verdade, aquele não era um negócio para
atender participantes de eventos, e sim um negócio para atender viajantes. Os amigos
perceberam a importância de adaptar a ideia às necessidades do mercado. A estratégia era
focar o público que buscava locais para ficar durantes suas viagens, independentemente do
motivo de deslocamento.

CASO | REESTRUTURANDO ESTRAT?GIAS EM TEMPOS DE CRISE: O CASO DA EMPRESA AIRBNB
Jean Soares da Silva | Brena Carolina de Oliveira Silva | Cláudia Fabiana Gohr FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 4 | ISSN 2179-135X 5
As caixas de cereais
Em agosto de 2008, os três amigos resolveram apostar em uma terceira tentativa para fazer
o seu empreendimento se firmar no mercado. Nessa época, estava para acontecer a eleição
presidencial dos EUA, e a convenção nacional do partido democrata estava marcada para
acontecer em Denver, capital do Colorado, onde o candidato Barack Obama seria nomeado
em um estádio para mais de 80 mil pessoas. Era a oportunidade certa para tentar novamente
alavancar o negócio.
Vale ressaltar que, em 2008, não só os Estados Unidos, mas o mundo todo, enfrentavam
uma crise financeira há muito tempo não vista. Essa crise ocorreu devido a uma série de
questões imobiliárias nos Estados Unidos, causada principalmente pelo aumento nos valores
dos imóveis, o que não foi acompanhado pela renda da população. O caos, então, tinha se
instalado. A renda coletiva das famílias norte-americanas teve uma queda de mais de 25%,
enquanto os ativos das 500 maiores empresas dos EUA listadas na bolsa de valores caíram
cerca de 45%. Ainda, o desemprego subiu para 10,1%, maior percentual registrado nos EUA
desde 1983.
A crise global de 2008 fez com que surgissem muitos problemas financeiros para a população
mundial. Muitas pessoas estavam atrás de uma renda extra e, instigadas pelo “AirBed & Breakfast”,
começaram a perceber a suas casas como um ativo capaz de gerar receita, e não mais como um
passivo. Alugar a própria casa ou um espaço dela estava se tornando uma atividade interessante.
Com o aumento de listagens no site, os três amigos conseguiram marcar um encontro
com 15 investidores. A experiência foi redesenhada para mostrar aos investidores a possibilidade
de fazer uma reserva com apenas três cliques. Contudo, os investidores não ficaram muito
convencidos do negócio. Das 15 apresentações que foram marcadas, oito investidores rejeitaram
totalmente a ideia e sete nem sequer apareceram.
Sem ter até o momento o investimento de nenhuma empresa de capital e precisando
ganhar dinheiro para expandir o negócio, Joe, Brian e Nathan precisavam usar o tempo e as
suas competências técnicas com autonomia para criar valor para a sua ideia, assim resolveram
aproveitar a época de eleição para criar um negócio à parte.
Os amigos saíram às ruas para vender caixas de cereais personalizadas com imagem dos
candidatos à presidência da época: John McCain e Barack Obama (Figura 2). Com a receita
disponível, eles conseguiriam imprimir apenas mil caixas. Então, para chamar atenção e
estimular as vendas, cada caixa veio com um número de edição limitada, vendida como item
de colecionador por 40 dólares. Rapidamente notada pela imprensa local, a ideia da venda das
caixas de cereais rendeu aos amigos a venda aproximada de 800 caixas, que gerou uma receita
de 32 mil dólares. Esse dinheiro foi convertido para manter o “AirBed & Breakfast” funcionando,
e também atraiu a atenção de um grande investidor, Paul Graham, representante da empresa
Y-combinator, uma aceleradora de startups de prestígio.

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Figura 2. Caixas de cereais criadas pelos CEOs para vendas
Fonte: Exame.com (2022). Recuperado de https://exame.com/wp-content/uploads/2017/09/obama-os-e-capn-mccain.
jpg?quality=70andstrip=info
Certo dia, Paul decidiu contatar os empreendedores Joe, Brian e Nathan para marcar um
encontro presencial. No dia do referido encontro, Paul comentou:
– Olá, rapazes, fico feliz em conhecê-los finalmente. Gostaria que vocês me contassem
um pouco sobre suas trajetórias e o que estão empreendendo atualmente.
– Olá, Sr. Paul, agradecemos o seu interesse e contato. Antes de tudo, gostaríamos de
informá-lo de que a venda de caixas de cereais não é nossa ideia principal, nem mesmo o nosso
foco como negócio. Gostaríamos, então, de lhe apresentar o “AirBed & Breakfast”...
Após algumas horas de conversa, Paul comentou:
– Quer dizer que realmente as pessoas usam isso? Isso é um serviço muito estranho! Mas
confesso que me interessei em investir em vocês, não pelo negócio, mas pela atitude. Vocês
venderam simples caixas de cereais e ganharam mais de 30 mil dólares. Eu realmente estou
interessado em ver o que vocês podem fazer com esse outro negócio, então.
A partir disso, os amigos receberam um investimento inicial de 20 mil dólares da empresa
Y-combinator. O negócio dos amigos passou os primeiros três meses de 2009 na aceleradora,
trabalhando no aperfeiçoamento de produto/serviço. Esse processo possibilitou a chegada de
outros investidores posteriormente. Em seguida, foi contratada uma equipe, e assim começaram

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as operações do negócio de hospedagem em um prédio. O nome da empresa foi reduzido de
“AirBed & Breakfast” para “Airbnb”.
Enquanto a economia global passava por um momento de crise, a Airbnb teve seu momento
de glória. Pouco tempo depois, a empresa já contava com uma sede oficial em São Francisco.
Com um caráter jovem e um espaço amplo, a sede possuía salas com conceito aberto (paredes de
vidro e espaço com réplicas de hospedagens da Airbnb). A quantidade de casas e apartamentos
listadas no site nessa época só aumentava.
De portas abertas
A quantidade de reservas passou de 21 mil no ano de 2009 para 140 mil em 2010. Até o final
de 2010, a empresa já tinha captado mais de 7,1 milhões de dólares. Em 2011, a rede chegou
a alcançar o marco de 112 milhões de dólares em financiamento de risco, levando a empresa
a ser avaliada em mais de 1 bilhão de dólares.
Ainda em 2011, a Airbnb chegou a receber um investimento significativo do ator Ashton
Kutcher, que frequentemente investe e se associa a startups em significativo crescimento. O site
obteve um milhão de imóveis listados, de residentes de cerca de 89 países. Ao final de 2011, a
empresa contava com cinco milhões de usuários registrados em seu site. Já em julho de 2012,
o número registrado era de 10 milhões de usuários.
Pensando em expandir e trazer novidades para o negócio, a plataforma da Airbnb passou a
oferecer mais do que hospedagens. A empresa passou a buscar proporcionar também experiências,
e passou a incluir como benefício de seu catálogo de hospedagem o serviço de limpeza, além
de possibilitar a reserva de transportes, realização de filmagens, reservas em hotéis e formatos
específicos de serviços para quem viajava a negócios.
Em uma conversa com a Fast Company no início de 2014, Brian relembrou:
– Nosso negócio não é a casa, nosso negócio é toda a viagem.
Até o início de 2020, a empresa já contava com cerca de 100 mil cidades ativas em mais
de 220 países e regiões. Com mais de quatro milhões de anfitriões, a Airbnb somava mais de
110 bilhões de ganhos. Os registros apontavam que, em uma noite, em média dois milhões
de pessoas estavam hospedadas no espaço de algum anfitrião da Airbnb. A Airbnb tinha se
transformando em um estilo de vida. Porém, logo tudo colapsou: o mundo passou a enfrentar
uma pandemia global.
Fecha tudo! Ninguém entra e ninguém sai
Tudo começou em dezembro de 2019, com o primeiro caso de uma doença até então desconhecida
em Wuhan, na China – que posteriormente foi denominada SARS-CoV-2, também popularmente
conhecida como Covid-19. Rapidamente, novos casos da mesma doença começaram a se
espalhar pelo mundo: primeiro pelo continente asiático, e em seguida por outros países.

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Em fevereiro de 2020, no Irã e na Itália, o rápido crescimento de novos casos e mortes
chamou a atenção da Organização Mundial da Saúde (OMS), principalmente, quando se
percebeu que os casos suspeitos eram de pacientes que tinham estado em outros países onde
havia incidência da doença. Em março do mesmo ano, a OMS definiu o surto da doença como
pandemia e, para contê-la, já que era causada por um vírus, tudo deveria ser fechado.
As medidas impostas pelas autoridades de saúde recomendavam, então, o máximo possível
de isolamento. A recomendação era ficar em casa. Em pouco tempo, a mobilidade humana
encontrava-se profundamente afetada: sem encontros, festas, visitas, reuniões e viagens. O
mundo estava em quarentena!
Além dos problemas enfrentados nos sistemas de saúde nos locais onde havia infecções pelo
vírus, em pouco tempo, a expansão do chamado coronavírus já trazia impactos na economia
global. As cadeias produtivas dependentes de importação e o turismo eram alguns dos setores
mais afetados, principalmente pela redução na circulação de pessoas e menor volume de turistas
no mundo.
A empresa precisava rapidamente traçar novas estratégias que permitissem a superação
de tal desafio e, para isso, precisava reconfigurar seus recursos e capacidades para lidar com as
rápidas mudanças do ambiente. Além disso, precisava olhar para dentro e fazer uma análise
de suas atividades. A atuação estratégica que parecia mais urgente por parte do Aibnb estava
associada à adaptação de sua política de cancelamento, adaptação essa que foi denominada
como Política de Causas de Força Maior. Essa política especificava como os cancelamentos
seriam tratados em situações imprevistas e fora do controle da empresa e do cliente e que, ao
surgirem após a reserva, tornavam impraticável ou ilegal prosseguir com ela, o que aconteceu
no contexto de pandemia.
Os hóspedes que tinham feito reservas na Airbnb para datas posteriores ao anúncio da
pandemia estariam protegidos pela política de cancelamento da empresa e poderiam receber,
dependendo das circunstâncias, um reembolso em dinheiro, crédito de viagem e/ou outra
compensação viável. Os anfitriões afetados também possuíam condições específicas para cancelar
os anúncios. No entanto, as pessoas estavam sendo estimuladas a não cancelarem suas reservas,
mas sim remarcá-las. O problema é que ninguém sabia quando tudo voltaria a ser como antes.
Semanas depois, e diante do cenário mundial que só piorava, a gestão da Airbnb se viu
obrigada a tomar outra decisão: cortar o orçamento de marketing de performance da empresa em
quase 1 bilhão de dólares. A estratégia não era parar a atuação da empresa, mas se adaptar ao
direcionamento do marketing moderno: a marca. Além disso, a empresa já tinha levantando 2
bilhões em financiamentos para recuperar o fôlego e suprir suas responsabilidades administrativas
diante do cenário
Contudo, sem previsão para o retorno das viagens, e mesmo com essas ações emergenciais
desenvolvidas pela empresa, a receita da Airbnb entrava em colapso. No dia 5 de maio de 2020,
Brian resolveu publicar uma carta (Anexo 1) a todos os seus colaboradores.
Brian buscava sempre apresentar aos seus colaboradores boas notícias, contudo a notícia
que se apresentava na carta a toda a companhia não parecia ser tão agradável. Os 2 bilhões em

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capital levantados pelos CEOs não tinham sido suficientes para resolver os problemas pelos quais
a empresa estava passando. Assim, dos 7.500 funcionários da Airbnb, quase 1.900 precisavam
deixar a empresa; isso representava um corte de cerca de 25%. Os funcionários que ficariam
na empresa teriam uma nova função.
A crise aguçou o foco da Airbnb para voltar às suas raízes, de volta ao básico – pessoas
comuns que hospedam suas casas e oferecem experiências. A empresa precisava, então, cancelar
o investimento em atividades que surgiram nos últimos anos na plataforma. Assim, os serviços
em Transportation, onde um anfitrião poderia oferecer transporte para seus hospedes por meio
da plataforma, estava sendo cancelado. O investimento em apartamentos do tipo Studios e
Hotéis de Luxo oferecidos pela própria empresa também precisavam parar.
Recalibrando a realidade aos novos desafios
O futuro do Aibnb não dependia somente das suas respostas para mitigar os impactos causado
pela crise do coronavírus, pois, além de olhar para dentro, a empresa precisava analisar no
ambiente externo fatores que estavam fugindo do seu controle. O ano de 2020 deveria ter sido
um dos melhores anos para o Aibnb. Uma das estratégias pensadas pelos gestores da empresa
antes do período pandêmico era realizar um Initial Public Offering (IPO – uma oferta pública
de ações no mercado financeiro em que a empresa passaria a ser de capital aberto com ações
negociadas na Bolsa de Valores), entre março e abril de 2020, mas os planos da empresa foram
por água abaixo. A última avaliação da empresa, realizada em março de 2020, sofreu uma queda
de 35 bilhões de dólares para 18 bilhões.
Sem muitas perspectivas, a empresa via a retomada das suas atividades no turismo somente
após a vacinação massiva da população. A Airbnb tinha diversos desafios pela frente: a empresa
precisava continuar atendendo às demandas por estadias no ritmo em que as viagens fossem
sendo liberadas e se adaptar aos novos protocolos de segurança estabelecidos em todo o setor,
realizando todo o acompanhamento de implantação com seus anfitriões; diminuir seus custos
e prejuízos recorrentes de estadias canceladas; precisava incentivar a oferta de experiências
mediadas pela plataforma, além de conseguir novos anfitriões, novos hóspedes e novos clientes
para gerar receitas.
O futuro era incerto, e a Airbnb precisava modificar suas práticas e se adaptar a esse contexto
global. Seriam as estratégias anunciadas por Brian suficientes para garantir a sobrevivência da
Airbnb? O que mais a empresa poderia fazer?

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Nota
Esse caso para ensino foi construído a partir de informações coletadas de fontes secundárias.
Essas informações podem ser consultadas na íntegra por meio dos seguintes links:
Airbnb. (2021). About us. Recuperado de https://news.airbnb.com/about-us/
Aydin, R. (2021). How 3 guys turned renting air mattresses in their apartment into a $31 billion company,
Airbnb. Recuperado de https://www.businessinsider.com/how-airbnb-was-founded-a-visual-history-
2016-2#with-legal-battles-and-unruly-guests-plaguing-the-home-sharing-platform-airbnb-decided-to-
do-a-redesign-in-2014-the-new-logo-called-the-blo-was-immediately-criticized-for-looking-more-like-
genitalia-than-a-symbol-of-belonging-23
Chang, E. (2020). Airbnb CEO Brian Chesky on 'Bloomberg Studio 1.0'. Vídeo (24 min).
Bloomberg Technology. Recuperado de https://www.youtube.com/watch?v=FqKIq9Z6Njgandab_
channel=BloombergTechnology
Chang, E. (2021). Vídeo (21 min). Airbnb CEO Chesky on Future of Travel. Vídeo (21 min).
Bloomberg Live. Recuperado de https://www.youtube.com/watch?v=MeBYmLSLFRgandab_
channel=BloombergLive
Chang, Emily. Vídeo (24 min). Airbnb CEO Brian Chesky on 'Bloomberg Studio 1.0'.
Publicado pelo canal Bloomberg Technology, 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=FqKIq9Z6Njgandab_channel=BloombergTechnology. Acesso em: 15 de junho de 2020.
Gama Academy. (2021). Airbnb: A história de crescimento que você não conhecia. Recuperado de https://
site-v1.gama.academy/blog/marketing-digital/growth-case-airbnb/
Kleina, N. (2021). Vídeo (12 min). A história do AirBnB! De onde veio? Como cresceu tanto? Está em
crise? – História da Tecnologia. Vídeo (12 min). TecMundo. Recuperado de https://www.youtube.
com/watch?v=PFGgDJf1GJAandab_channel=TecMundo
Landy, B. (2021). Planeta Airbnb: Os planos de Brian Chesky para o futuro do turismo. Recuperado
de https://fastcompanybrasil.com/tech/planeta-airbnb-os-planos-de-brian-chesky-para-o-futuro-do-
turismo/
Rechler, S. (2021). Vídeo (40 min). Recalibrate Reality: Airbnb CEO Brian Chesky with Scott Rechler.
Vídeo (40 min). 92nd Street Y. Recuperado de https://www.youtube.com/watch?v=CMH3B-
c6Ud4andab_channel=92ndStreetY
Tales. (2020). Vídeo (5 min). A história da Airbnb: Histórias de sucesso. Vídeo (5 min). Elementar.
Recuperado de https://www.youtube.com/watch?v=lwwJEScMcY0andab_channel=Elementar

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Anexo 1. Carta para os colaboradores da empresa
Prezados,
Esta é a minha sétima vez falando com você da minha casa. Cada vez que conversamos, eu compartilhei
boas e más notícias, mas hoje eu tenho que compartilhar algumas notícias muito tristes. Quando vocês me perguntaram
sobre demissões, eu disse que nada estava fora de questão. Hoje, devo confirmar que estamos reduzindo o tamanho da força
de trabalho da Airbnb. Para uma empresa como a nossa, cuja missão é centrada em pertencer, isso é incrivelmente difícil
de enfrentar, e será ainda mais difícil para quem tiver que deixar a Airbnb. Vou compartilhar o máximo de detalhes que
puder sobre como cheguei a essa decisão, o que estamos fazendo por aqueles que partem e o que acontecerá a seguir. Deixe-
me começar contando como chegamos a essa decisão:
Estamos vivendo coletivamente a crise mais angustiante de nossa vida e, à medida que ela começou a se
desenrolar, as viagens globais pararam. Os negócios da Airbnb foram duramente atingidos, com a receita prevista para
este ano em menos da metade do que ganhamos em 2019. Em resposta, levantamos $ 2 bilhões em capital e cortamos
drasticamente os custos que atingiram quase todos os cantos da Airbnb. Embora essas ações fossem necessárias, ficou claro
que teríamos que ir mais longe quando enfrentássemos duas duras verdades:
1. Não sabemos exatamente quando a viagem vai voltar.
2. Quando a viagem voltar, será diferente.
Embora saibamos que o negócio da Airbnb se recuperará totalmente, as mudanças que ele sofrerá não são
temporárias ou de curta duração. Por causa disso, precisamos fazer mudanças mais fundamentais na Airbnb, reduzindo
o tamanho de nossa força de trabalho em torno de uma estratégia de negócios mais focada. Dos 7.500 funcionários da
Airbnb, quase 1.900 colegas de equipe terão que deixar a Airbnb, representando cerca de 25% da nossa empresa. Como
não podemos fazer tudo o que fazíamos antes, esses cortes tiveram que ser mapeados para um negócio mais focado. Viajar
neste novo mundo será diferente e precisamos evoluir a Airbnb de acordo com isso. As pessoas vão querer opções mais
próximas de casa, mais seguras e mais acessíveis. Mas as pessoas também anseiam por algo que parece ter sido tirado delas
- a conexão humana.
Quando começamos a Airbnb, era uma questão de pertencimento e conexão. Esta crise aguçou nosso foco
para voltar às nossas raízes, de volta ao básico, de volta ao que é realmente especial sobre a Airbnb - pessoas comuns que
hospedam suas casas e oferecem experiências. Isso significa que precisaremos reduzir nosso investimento em atividades
que não apoiam diretamente o núcleo de nossa comunidade anfitriã. Estamos interrompendo nossos esforços em
Transportation e Airbnb Studios, e temos que reduzir nossos investimentos em Hotéis de Luxo.
Essas decisões não são um reflexo do trabalho das pessoas nessas equipes e não significa que todos nessas
equipes vão nos deixar. Além disso, as equipes de toda a Airbnb serão afetadas. Muitas equipes serão reduzidas em
tamanho com base em quão bem elas mapeiam para onde a Airbnb está indo. Era importante que tivéssemos um conjunto
claro de princípios, orientados por nossos valores essenciais, sobre como abordaríamos as reduções em nossa força de
trabalho. Estes foram os nossos princípios orientadores:
• Mapear todas as reduções para nossa estratégia de negócios futuro e os recursos de que precisaremos.
• Fazer o máximo que pudermos por aqueles que são afetados.
• Ser inabalável em nosso compromisso com a diversidade.
• Otimizar para os afetados uma comunicação 1:1.
• Esperar para comunicar quaisquer decisões até que todos os detalhes sejam obtidos - a transparência de apenas
informações parciais pode piorar as coisas.
Fiz o meu melhor para permanecer fiel a esses princípios. Elaboramos um processo para fazer reduções: nosso
processo começou com a criação de uma estratégia de negócios mais focada, construída em um modelo de custo sustentável.
Avaliamos como cada equipe foi mapeada para nossa nova estratégia e determinamos o tamanho e a forma de cada equipe
daqui para a frente. Em seguida, fizemos uma revisão abrangente de cada membro da equipe e tomamos decisões com base
em habilidades críticas e em como essas habilidades correspondiam às nossas necessidades de negócios futuras. O resultado
é que teremos que nos separar de companheiros de equipe que amamos e valorizamos. Temos ótimas pessoas saindo da
Airbnb e outras empresas terão a sorte de tê-las. Para cuidar daqueles que estão saindo, examinamos indenizações, equidade,
saúde e apoio ao trabalho e fizemos o nosso melhor para tratar a todos de maneira compassiva e atenciosa...
Continua

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Nosso objetivo é conectar nossos colegas de equipe que estão deixando a Airbnb com novas oportunidades de
trabalho. Aqui estão cinco maneiras pelas quais podemos ajudar:
• Alumni Talent Directory - Lançaremos um site voltado ao público para ajudar os companheiros de equipe a
encontrar novos empregos. Os funcionários que estão saindo podem optar por ter perfis, currículos e exemplos de
trabalho acessíveis a empregadores em potencial.
• Equipe de colocação de ex-alunos - até o final de 2020, uma parte significativa do recrutamento da Airbnb se
tornará uma equipe de colocação de ex-alunos. Os recrutadores que estão hospedados na Airbnb fornecerão
suporte aos funcionários que estão saindo para ajudá-los a encontrar seu próximo emprego.
• RiseSmart - Estamos oferecendo quatro meses de serviços de carreira por meio da RiseSmart, uma empresa
especializada em serviços de transição de carreira e colocação profissional.
• Suporte oferecido aos funcionários para ex-alunos - Estamos incentivando todos os funcionários restantes a
aderir a um programa para ajudar os colegas que estão saindo da equipe a encontrar sua próxima função.
• Laptops - Um computador é uma ferramenta importante para encontrar novos empregos, por isso estamos
permitindo que todos fiquem com seus laptops Apple.
Aqui está o que vai acontecer a seguir: quero esclarecer todos vocês o mais rápido possível. Temos funcionários
em 24 países, e o tempo necessário para fornecer clareza varia de acordo com as leis e práticas locais. Alguns países exigem
que as notificações sobre empregos sejam recebidas de uma forma muito específica. Embora nosso processo possa variar de
acordo com o país, tentamos ser cuidadosos no planejamento de cada funcionário.
Nos Estados Unidos e Canadá, posso fornecer clareza imediata. Nas próximas horas, aqueles que estão
deixando a Airbnb receberão um convite do calendário para uma reunião de despedida com um líder sênior de seu
departamento. Era importante para nós que, onde quer que pudéssemos legalmente, as pessoas fossem informadas em uma
conversa pessoal 1:1. O último dia de trabalho para funcionários que estão deixando os EUA e Canadá será segunda-feira,
11 de maio. Sentimos que a segunda-feira daria às pessoas tempo para começar a dar os próximos passos e dizer adeus -
entendemos e respeitamos a importância disso.
Alguns funcionários que ficarão terão uma nova função e receberão um convite para uma reunião com o
assunto “Nova Função” para saber mais sobre o assunto. Para aqueles de vocês nos EUA e Canadá que estão hospedados
na equipe da Airbnb, você não receberá um convite do calendário.
Às 18 horas, horário do Pacífico, organizarei um encontro mundial para nossas equipes da Ásia-Pacífico.
Às 12 h, horário do Pacífico, organizarei um world @ meeting para nossas equipes da Europa e do Oriente Médio. Após
cada uma dessas reuniões, prosseguiremos com as próximas etapas em cada país com base nas práticas locais. Eu pedi a
todos os líderes da Airbnb para esperar para reunir suas equipes até o final desta semana em respeito aos nossos colegas de
equipe sendo impactados. Eu quero dar a todos os próximos dias para processar isso, e eu farei uma sessão de perguntas e
respostas do CEO novamente nesta quinta-feira às 16 h, horário do Pacífico.
Como aprendi nas últimas oito semanas, uma crise traz clareza sobre o que é realmente importante. Embora
tenhamos passado por um turbilhão, algumas coisas estão mais claras para mim do que nunca. Em primeiro lugar,
agradeço a todos aqui da Airbnb. Ao longo dessa experiência angustiante, fui inspirado por todos vocês. Mesmo nas piores
circunstâncias, eu vi o melhor de nós. O mundo precisa de conexão humana agora mais do que nunca, e eu sei que a
Airbnb está à altura da ocasião. Eu acredito nisso porque acredito em vocês.
Em segundo lugar, tenho um profundo sentimento de amor por todos vocês. Nossa missão não é apenas viajar.
Quando começamos a Airbnb, nosso slogan original era: “Viaje como um humano”. A parte humana sempre foi mais
importante do que a parte de viagens. O que queremos é pertencer, e no centro do pertencer está o amor.
Para aqueles de vocês que ficarem, uma das maneiras mais importantes de homenagear aqueles que estão
saindo é saber que suas contribuições são importantes e que sempre farão parte da história da Airbnb. Estou confiante de
que seu trabalho viverá, assim como esta missão viverá.
Para aqueles que estão saindo da Airbnb, eu realmente sinto muito. Por favor, saiba que não é sua culpa. O
mundo nunca vai parar de buscar as qualidades e talentos que você trouxe para a Airbnb... que ajudaram a fazer a Airbnb.
Quero agradecer a você, do fundo do meu coração, por compartilhá-los conosco.
Brian - Cofundador e CEO Airbnb
Fonte: Adaptação do site da empresa (2022, tradução própria).

GVcasos ¹ Revista Brasileira de Casos de Ensino em Administração FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 5 | ISSN 2179-135X 1
CASO
Submissão: 27/08/2021 | Aprovação: 14/01/2022
DOI: https://doi.org/10.12660/gvcasosv12n1c5
DA TRANSFORMAÇÃO DIGITAL AO
SUPERAPP MAGALU: IMPACTOS CONTÁBEIS
DOS INVESTIMENTOS EM STARTUPS
From digital transformation to the super app Magalu:
accounting impacts of investments in Startups
André Lamblet Dias¹ | [email protected]
Adriano Rodrigues² | [email protected]
Felipe Ferreira Simões dos Santos³ | [email protected]
¹Universidade Federal do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro, RJ, Brasil
²Universidade Federal do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
³Instituto Nacional de Propriedade Industrial e Universidade Federal do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
RESUMO
O caso discute o modelo de negócio da Magazine Luiza S.A., que, além de oferecer as tradicionais
lojas físicas, se tornou uma referência no e-commerce. A mudança foi sustentada principalmente por
investimentos em startups para aprimorar seu SuperApp. Uma hipotética reunião do conselho de
Administração lida com o seguinte questionamento: quais são os possíveis impactos contábeis desses
investimentos no patrimônio e nos resultados da Magalu?
Palavras-chave: Investimentos, transformação digital, teoria contábil, CPC 15, CPC 18 (R2).
ABSTRACT
The case discusses the business model of Magazine Luiza S.A., which, in addition to traditional physical
stores, has become a reference in e-commerce. The change was mainly supported by investments in startups
to improve its Super App. A hypothetical meeting of the board of directors deals with the following question:
what are the possible accounting impacts of these investments on Magalu's equity and results?
Keywords: Investments, digital transformation, accounting theory, CPC 15, CPC 18 (R2).

CASO | DA TRANSFORMA?ÃO DIGITAL AO SUPERAPP MAGALU: IMPACTOS CONT?BEIS DOS INVESTIMENTOS EM STARTUPS
André Lamblet Dias | Adriano Rodrigues | Felipe Ferreira Simões dos Santos FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 5 | ISSN 2179-135X 2
Introdução
A Magazine Luiza S.A. (Controladora) é uma sociedade anônima de capital aberto listada
no segmento especial denominado Novo Mercado da B3 S.A. – Brasil, Bolsa, Balcão, sob o
ticker “MGLU3”, e atua, preponderantemente, no comércio varejista, por meio de lojas físicas,
e-commerce e seu SuperApp, que é um aplicativo que oferece produtos e serviços da Magazine
Luiza, de suas controladas e, por meio da plataforma de marketplace, de parceiros comerciais
(sellers). Suas controladas, em conjunto, oferecem serviços de operações de empréstimos,
financiamentos e seguros aos seus clientes. Sua sede social está localizada na cidade de Franca,
Estado de São Paulo, Brasil.
Magalu é o nome do e-commerce da Magazine Luiza e do aplicativo. Com ele, é possível
comprar os produtos da loja, roupas, alimentos e ainda ter frete grátis em algumas opções. O
aplicativo também oferece cashback e ofertas exclusivas para quem o baixa. A empresa conta
com um departamento exclusivo de tecnologia, o LuizaLabs, que funciona nos moldes de uma
startup e é responsável por diversas outras inovações fundamentais para o alcance do sucesso
digital observado na empresa. 
O relatório de Administração da Magalu do terceiro trimestre de 2021 informou que, nos
dois últimos anos, a empresa dobrou o valor total de vendas, com representatividade de 72%
da venda on-line. Esse crescimento da varejista estava associado ao processo de transformação
digital, o qual possibilitou que a companhia deixasse de ter apenas as lojas físicas para se tornar
uma referência no e-commerce.
Durante parte de sua história, a Magazine Luiza S.A. realizou investimentos recorrentes em
aquisições de outras empresas, as chamadas startups. Nesse contexto, a estratégia da Magazine
Luiza para se tornar um negócio digital foi de reforçar a equipe comercial, expandir os processos
de venda e investir em marketing digital com foco em promoções.
É importante destacar que a estratégia de transformação digital implementada pela
companhia permitiu-lhe superar seus concorrentes mesmo em um período adverso marcado pela
crise econômica gerada pela pandemia de Covid-19. Em 31 de janeiro de 2020, a Organização
Mundial da Saúde (OMS) anunciou que a Covid-19 era uma emergência de saúde global e,
em 11 de março de 2020, passou a tratar a doença como uma pandemia causada pela rápida
disseminação do coronavírus (Covid-19). No Brasil, a crise gerou reflexos com o desaquecimento
econômico e distanciamento social. O cenário de incerteza e aumento de riscos afetou diversos
setores, principalmente o varejista.
Entretanto, apesar do momento de crise, foram geradas novas oportunidades à gigante
varejista, que, por estratégia de negócio, aproveitou o momento para adquirir 21 empresas entre
2020 e setembro de 2021. De acordo com o seu relatório de Administração de 2020, a empresa
lançou, em abril daquele ano, o Parceiro Magalu, uma plataforma digital intuitiva de apoio
às empresas que somente operavam fisicamente para vender on-line, sendo uma oportunidade
de renda para os pequenos e médios empreendedores que tiveram de fechar suas portas em
função da pandemia.
Em menos de um ano, de abril até dezembro de 2020, 14 mil parceiros se integraram ao
ecossistema digital da Magalu, representando 14 mil novas portas digitais abertas. A digitalização

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foi um movimento que a pandemia acelerou e que se fortaleceu enquanto persistiu a necessidade
de isolamento por conta da Covid-19. Adicionalmente, essas parcerias com startups geram
benefícios não somente para a Magalu, pois, além de proporcionar um pacote de soluções, essas
pequenas e médias empresas puderam ter seus serviços contratados e produtos adquiridos pelo
varejo eletrônico nacional, ampliando as possibilidades de aumento do faturamento.
A estratégia da Magazine Luiza esteve na aceleração da digitalização por meio da aquisição
de outros negócios, por exemplo, empresas de meios de pagamento, crédito, conteúdo qualificado,
marketing digital, laboratórios de inovação, produtos financeiros e logística urbana, com objetivo
de disponibilizar ao consumidor tudo que poderia precisar no seu SuperApp. No entanto, não
bastaria apenas uma definição estratégica, pois todo o movimento precisaria ser mensurado de
acordo com os requisitos da teoria contábil a fim de avaliar os impactos daqueles investimentos
no patrimônio da empresa, inclusive nos seus indicadores econômicos.
Embora tal estratégia tenha sido um importante caminho para a aceleração da transformação
digital e o comércio on-line já evidenciasse projeções futuras teoricamente positivas, a Magazine
Luiza precisa avaliar constantemente os reflexos contábeis desses novos investimentos, pois, ao
mesmo tempo que pode complementar serviços no seu portfólio atual e otimizar suas operações
(a partir do aumento no patrimônio, seja no tangível ou intangível), isso também poderia acarretar
em quedas no crescimento daquelas empresas, reduzindo lucros ou até mesmo resultando em
prejuízos naquelas startups que, consequentemente, refletiriam em perdas nos investimentos
do grupo econômico Magazine Luiza S.A.
Diante da complexidade no entendimento dos conceitos e do tratamento contábil, imagine
um cenário hipotético, no qual há uma reunião do conselho de Administração para discutir os
possíveis impactos daqueles novos negócios no patrimônio e resultados da empresa. Essa reunião
foi solicitada pelo presidente da empresa e com a presença dos diretores.
Além disso, imagine que alguns diretores também apresentaram questionamentos sobre
reflexos de prejuízos gerados pelas investidas na investidora; até que ponto isso poderia afetar o
patrimônio da companhia sob a ótica contábil? Como seria o tratamento de reconhecimento
e mensuração? Seria necessário realizar algum teste de impairment sobre esses investimentos?
A partir de tantos questionamentos apresentados, o diretor financeiro solicitou auxílio ao
contador da companhia para levantar todo o histórico da empresa, a estratégia da transformação
digital do negócio com a aquisição dos novos investimentos e o tratamento contábil das operações.
O CASO
A história da Magazine Luiza S.A.
A Magazine Luiza, Magalu, é uma sociedade empresária de tecnologia e logística voltada para
o varejo. A partir de uma varejista tradicional do interior de São Paulo com foco na venda de
bens duráveis para a classe média brasileira, a companhia se transformou em uma empresa de
tecnologia, fornecendo uma ampla gama de produtos e serviços para brasileiros de todas as classes.
Tudo começou com o sonho do casal de vendedores Luiza e Pelegrino Donato de constituir
um comércio que gerasse emprego para toda a família em Franca, interior de São Paulo, nascendo,

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assim, a rede de varejo Magazine Luiza S.A. Para escolher um novo nome para a loja de presentes
adquirida por eles em 16 de novembro de 1957, os fundadores criaram um concurso cultural numa
rádio local, convidando os clientes a participarem com sugestões. E, como Luiza era uma vendedora
muito popular na cidade, os ouvintes escolheram o seu nome. Assim surgia o Magazine Luiza.
Em 1957, o casal Pelegrino José Donato e Luiza Trajano Donato inaugurou uma pequena
loja de presentes em Franca. A partir de 1976, com a aquisição das Lojas Mercantil, a Magazine
Luiza abriu suas primeiras filiais em cidades do interior de São Paulo. Após 15 anos de expansão,
em 1991, iniciou-se um novo ciclo, com Luiza Helena Trajano, sobrinha da fundadora Luiza
Trajano Donato, assumindo a liderança da organização. No ano de 1992, as primeiras lojas
virtuais foram inauguradas e, em 2000, foi lançado o site de comércio eletrônico com o domínio
www.magazineluiza.com.br.
Ao longo dos anos, a empresa expandiu suas operações inaugurando diversas lojas em várias
regiões do Brasil, consolidando, dessa forma, um ciclo sustentável de crescimento. Em 2015,
a empresa se aprofundou na transformação digital, incorporando-a como a principal estratégia
da companhia para os cinco anos seguintes. O objetivo era transformar a empresa de varejo
tradicional com uma plataforma digital num negócio digital com pontos físicos e calor humano.
A Magazine Luiza definiu cinco pilares desse ciclo: inclusão digital, digitalização das
lojas físicas, multicanalidade, transformação do site em uma plataforma digital e cultura digital.
Todos os pilares eram elementos bem relevantes para a construção da cultura digital, entretanto
destacava-se o importante pilar da plataforma digital, o SuperApp Magalu.
De acordo com o esclarecimento do plano estratégico da empresa na época, a transformação
tinha como objetivo passar a vender produtos de outros varejistas, distribuidores ou até mesmo
de canais de venda direta de indústrias no modelo marketplace. Essa estratégia tinha o potencial
de aumentar o mix de produtos vendidos em até 10 vezes ao longo dos anos que se seguiriam.
Assim, a implantação da plataforma de marketplace SuperApp Magalu teve como seu primeiro
parceiro a Época Cosméticos, subsidiária integral do Magazine Luiza e o segundo maior player
on-line nesse segmento no Brasil.
Adicionalmente, foi criado, em 2014, o LuizaLabs, com o objetivo de trazer inovação para
os canais de vendas da companhia. Entre os produtos desenvolvidos pelo LuizaLabs, pode-se
citar: (i) o aplicativo SuperApp Magalu para os clientes da Magazine Luiza com acesso móvel
(smartphones, tablets), (ii) o Mobile Vendas, o Mobile Montador e o Mobile Estoquista, (iii)
a adoção do Big Data (sistema personalizado de recomendação de produtos), (iv) a entrega
Multicanal e (v) a venda dos produtos do site nas lojas físicas.
Estratégia digital com super app
As iniciativas da Magazine Luiza estavam voltadas para as tendências de um universo cada vez
mais digital, refletindo, assim, na sua maior participação de mercado. Em 2018, o app do Magalu
foi um dos mais bem-sucedidos apps de compras do Brasil, com 26 milhões de downloads e
uma participação de cerca de 40% dos pedidos on-line da companhia. Desde então, a empresa
intensificou seus investimentos com aquisições relevantes a fim de consolidar seu plano de

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negócio de digitalização. Em 2019, a Magalu adquiriu a Netshoes, maior e-commerce esportivo
do Brasil na época, e, no mundo físico, inaugurou sua milésima loja.
Em 2020, a Magalu iniciou o ano com a aquisição do marketplace de livros Estante Virtual.
Diante das limitações de isolamento impostas pelo combate à disseminação da Covid-19, a empresa
acelerou seu processo de desenvolvimento e implementação do Parceiro Magalu. Em seguida,
o MagaluPay foi lançado como nova funcionalidade do superaplicativo da companhia. Assim,
diferentemente dos concorrentes, o comércio eletrônico estava totalmente integrado ao Magazine
Luiza, inclusive sobre uma única marca, otimizando e racionalizando custos como marketing,
logística e sistemas. A empresa fechou o ano de 2020 com oito aquisições de novas startups.
Em 2021, o Magazine Luiza investiu em 13 empresas, entre elas a Plus Delivery Soluções
Tecnológicas Ltda. (Plus Delivery) e o KaBuM, plataforma de games, todas as aquisições aderentes
à estratégia de transformação digital definida pela companhia, sendo os investimentos importantes
passos na trajetória de transformar o app Magalu em um superapp brasileiro.
O termo superapp tem relação com as plataformas presentes no mercado chinês que
reúnem num só aplicativo serviços variados, desde supermercados a serviços financeiros. De
acordo com último relatório da Administração do primeiro trimestre de 2021, “o Magalu é app
first. Simplesmente porque o cliente é cada vez mais app first”. O aplicativo tinha na época 31
milhões de usuários ativos mensais e, por isso, a companhia entendia que deveria ser o local em
que o cliente poderia comprar, realizar transações financeiras, pedir comida pronta, consumir
conteúdo e ter acesso a uma vasta gama de serviços.
O pioneirismo do Magalu também é justificado pelo modelo logístico único e inovador. As
operações logísticas on-line e off-line já estavam 100% integradas, e permitiam que a companhia
aproveitasse sua presença física para reduzir consideravelmente os custos e os prazos de entrega no
Brasil. Além disso, vinha realizando uma forte expansão geográfica por diversos estados brasileiros,
totalizando 1.300 lojas distribuídas pelo Brasil em 2020. A partir de julho de 2021, a empresa
inaugurou suas primeiras 23 lojas no Estado do Rio de Janeiro e mais 50 lojas até o final de 2021.
De acordo com o relatório da Administração do terceiro trimestre de 2021, as vendas totais
cresceram 72% em relação a 3T20, atingindo aproximadamente R$ 14 bilhões. O e-commerce
cresceu 22%, significando um aumento das vendas on-line. Além disso, a companhia reportou
crescimento no marketshare, ou seja, índice de participação no mercado, impulsionado pela
excelente performance do app. Também contribuíram a entrega mais rápida do varejo, a evolução
do marketplace e o crescimento das novas categorias.
A partir dos Anexos 3 e 4, pode-se verificar os balanços patrimoniais de 31/12/2020 e 30/9/2021,
respectivamente, que demonstram o crescimento do patrimônio, com destaque na linha de
investimentos e do ativo intangível, reflexos das aquisições das startups ocorridas naquele período.
A governança do grupo Magazine Luiza S.A. e reflexos nos
investimentos
O processo de implementação e formalização de práticas de governança corporativa começou
em 1992, com a elaboração do primeiro Código de Ética e Conduta. Na década seguinte, a

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governança corporativa atingiu um novo patamar com a chegada de acionistas minoritários,
por meio dos fundos de private equity administrados pela Capital Group, contribuindo na
preparação da sociedade empresária para o processo de abertura de capital.
Entre 2011 e 2012, a Maganize Luiza alavancou sua governança corporativa, avançando
suas políticas por meio da abertura de capital e oferta de ações, ingressando no Novo Mercado
da atual Bolsa de Valores B3, ou seja, no mais elevado nível de governança.
No final de 2015, foram anunciadas mudanças na estrutura corporativa da companhia em
linha com as mudanças estratégicas em curso. Luiza Helena Trajano, que presidia a companhia
nos 24 anos anteriores, assumiu, em 1º de janeiro de 2016, a presidência do conselho de
Administração, e Marcelo Silva, diretor superintendente da companhia nos últimos seis anos,
assumiu a vice-presidência do órgão. Frederico Trajano, diretor-executivo de Operações, passou
ao cargo de diretor-presidente (CEO) na mesma toada.
Diante disso, a presença da governança corporativa foi uma prática bastante relevante
para a empresa, principalmente pelo fato de a Magazine Luiza S.A. ter, na época, aquisições
de novas empresas como modelo de negócio e, portanto, novos investimentos. Todo o processo
desses novos investimentos precisava contar com a transparência que o mercado exigia.
Nesse sentido, a relevância da governança corporativa esteve baseada na premissa de
que as empresas com boa governança poderiam ser mais procuradas pelos investidores, já que
estes demandam informações transparentes sobre as sociedades nas quais estão investindo ou
interessados em investir. Sabe-se que essa estratégia de aquisições no setor de varejo necessita
de um conjunto de políticas de riscos e governança corporativa estruturado, a fim de permitir
uma margem de segurança nos negócios da companhia e mitigação de riscos em cenários de
incerteza como o da crise econômica gerada pela Covid-19.
Contudo, todo negócio conta com risco e, no caso de investimentos em startups, não seria
diferente. Nesse sentido, o profissional de contabilidade pode, no caso concreto, auxiliar no
processo de análise e decisão, ajudando ao esclarecer o devido tratamento contábil e possíveis
impactos dos novos investimentos nos resultados da companhia por meio, por exemplo, do
método de reconhecimento, mensuração, de divulgação, de cenários de possíveis prejuízos das
investidas ou, até mesmo, analisando vantagens e desvantagens do processo.
Conforme o Anexo 1, verifica-se a estrutura societária da Magazine Luiza S.A em 2021, que
reflete os investimentos realizados em startups. Sabe-se que é importante uma boa estrutura de
governança para adequar todo o processo de novas aquisições de maneira segura e transparente,
além de promover a discussão dos riscos e benefícios dos negócios da companhia.
Da transformação digital ao SuperApp Magalu: novos
investimentos em startups
Diante do contexto adverso da pandemia da Covid-19, o Grupo Magazine Luiza S.A. acelerou
seu plano estratégico de transformação digital. Sabe-se que o processo de transformação digital
é de grande importância para as empresas, e a crise econômica ocasionada pela Covid-19

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intensificou a transformação digital de diversas organizações no varejo e, de maneira mais
intensa, no grupo Magazine Luiza S.A.
Há algum tempo a transformação digital deixou de ser um conceito de futuro e passou
a fazer parte do presente das empresas que desejam se manter competitivas no mercado. A
empresa realizou diversas aquisições nos anos próximos e durante a pandemia, ampliando seus
canais de atendimento on-line e venda pela internet em um período em que muitas empresas
foram obrigadas a permanecer fechadas, durante a pandemia.
Importante destacar que existem controvérsias relacionadas aos conceitos sobre o ocorrido
na Magazine Luiza, pois digitalização é diferente de transformação digital. Ter presença on-line
não deve ser considerado sinônimo de ter passado por uma transformação digital, pois se trata
de ciclo que envolve pessoas, processos e, principalmente, tecnologia. Portanto, verifica-se que
a estratégia da Magalu para acelerar seu processo de transformação digital estava justamente
nas parcerias com as startups.
Ressalta-se que essas empresas nascem com o propósito de desenvolver ou aprimorar
modelos de negócio, por isso acabam promovendo mudanças significativas dentro dos setores
em que atuam. Nesse sentido, as descobertas e inovações desenvolvidas por aquelas empresas
podem auxiliar as mais antigas no processo de transformação, inclusive complementando suas
operações, como a partir do uso de tecnologia para impulsionar os negócios. O pensamento
disruptivo das startups pode ser um interessante diferencial e, de certo modo, pode impactar os
negócios, representando possibilidades de investimentos para as grandes empresas.
Portanto, é importante estudar o motivo desses investimentos recorrentes realizados pela
Magazine Luiza, pois as startups podem ser um acelerador da transformação digital nas empresas
pelo pensamento inovador o qual oferece tecnologias para as grandes empresas. De acordo com
o histórico de aquisições da Magazine Luiza S.A., de 2020 a 2021 ela realizou 21 investimentos
em startups, conforme detalhado no Anexo 2.
É importante atentar que, mesmo que a empresa tenha muito dinheiro e, de fato, esteja
disposta a investir em vários negócios distintos ao mesmo tempo, é necessário fazer a diligência
de cada investimento, inclusive avaliando o real retorno e as perspectivas de rentabilidade futura
desses investimentos.
Em 2021, a Magalu fez aquisições das startups AiQFome, Tonolucro e GrandChef,
fortalecendo assim a categoria de food delivery. Também concluiu a aquisição de 100% do
capital da startup Plus Delivery Soluções Tecnológicas Ltda. (Plus Delivery), tendo essa aquisição
sido realizada pela AiQFome, empresa controlada pelo Magalu. No mesmo ano, a Magalu
anunciou a aquisição da KaBuM, referência em tecnologia e games com mais de dois milhões
de clientes ativos e um dos maiores lançamentos no mercado mundial.
Tratamento contábil para investimentos sob a luz do CPC 15 (R1)
O Pronunciamento Contábil CPC 15 (R1) orienta como o adquirente deve proceder com o
tratamento contábil no processo de combinação de negócio com a adquirida a partir da data
do fechamento do negócio. Na data de aquisição, o adquirente deve considerar todos os fatos e

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as circunstâncias pertinentes na identificação da data de aquisição, principalmente os aspectos
relacionados ao controle.
Quanto ao reconhecimento e mensuração de ativo identificável adquirido, de passivo
assumido e de participação de não controlador na adquirida, o padrão contábil esclarece que, a
partir da data de aquisição, o adquirente deve reconhecer, separadamente do ágio por expectativa
de rentabilidade futura (goodwill), os ativos identificáveis adquiridos, os passivos assumidos e
quaisquer participações de não controladores na adquirida.
Nesse sentido, o normativo traz alguns apontamentos sobre as condições para o
reconhecimento do investimento por meio da combinação de negócios. No caso, a aplicação do
princípio e as condições de reconhecimento pelo adquirente podem resultar no reconhecimento
de alguns ativos e passivos que não tenham sido anteriormente reconhecidos como nas
demonstrações contábeis da adquirida. Por exemplo, o adquirente deve reconhecer os ativos
intangíveis identificáveis adquiridos, como uma marca ou uma patente ou um relacionamento
com clientes, os quais não foram reconhecidos como ativos nas demonstrações contábeis
da adquirida por terem sido desenvolvidos internamente e os respectivos custos terem sido
registrados como despesa. O adquirente deve mensurar os ativos identificáveis adquiridos e os
passivos assumidos pelos respectivos valores justos da data da aquisição.
Por outro lado, quanto ao reconhecimento e mensuração do ágio por expectativa de
rentabilidade futura (goodwill) ou do ganho proveniente de compra vantajosa, o padrão orienta
que o adquirente deve reconhecer o ágio por expectativa de rentabilidade futura (goodwill), na
data da aquisição, mensurado pelo montante que (a) exceder (b) abaixo:
a. a soma: i) da contraprestação transferida em troca do controle da adquirida, mensurada
de acordo com esse Pronunciamento, para a qual geralmente se exige o valor justo na
data da aquisição; ii) do montante de quaisquer participações de não controladores
na adquirida, mensuradas de acordo com esse Pronunciamento; e iii) no caso de
combinação de negócios realizada em estágios, o valor justo, na data da aquisição, da
participação do adquirente na adquirida imediatamente antes da combinação;
b. o valor líquido, na data da aquisição, dos ativos identificáveis adquiridos e dos passivos
assumidos, mensurados de acordo com este Pronunciamento.
Tratamento contábil para investimentos sob a luz do CPC 18 (R2)
De acordo com CPC 18 (R2), coligada é a entidade sobre a qual o investidor tem influência
significativa. Além disso, ele esclarece que, se o investidor mantém direta ou indiretamente (por
meio de controladas, por exemplo), 20% ou mais do poder de voto da investida, presume-se que
ele tenha influência significativa, a menos que possa ser claramente demonstrado o contrário.
Por outro lado, se o investidor detém, direta ou indiretamente (por meio de controladas, por
exemplo), menos de 20% do poder de voto da investida, presume-se que ele não tenha influência

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significativa, a menos que essa influência possa ser claramente demonstrada. A propriedade
substancial ou majoritária da investida por outro investidor não necessariamente impede que
um investidor tenha influência significativa sobre ela. O pronunciamento ressalta outras formas
que evidenciam influência significativa na investida, como: a) representação no conselho de
Administração ou na diretoria da investida; b) participação nos processos de elaboração de
políticas, inclusive em decisões sobre dividendos e outras distribuições; c) operações materiais
entre o investidor e a investida; d) intercâmbio de diretores ou gerentes; e) fornecimento de
informação técnica essencial.
Quanto à contabilização, o pronunciamento define que deve ser utilizado o método de
equivalência patrimonial para investimentos em coligada, em empreendimento controlado em
conjunto e em controlada (neste caso, no balanço individual) deve ser inicialmente reconhecido
pelo custo, e o seu valor contábil será aumentado ou diminuído pelo reconhecimento da
participação do investidor nos lucros ou prejuízos do período, gerados pela investida após a
aquisição. A participação do investidor no lucro ou prejuízo do período da investida deve ser
reconhecida no resultado do período do investidor. As distribuições recebidas da investida
reduzem o valor contábil do investimento.
Reconhecimento e mensuração dos novos investimentos na Magalu
No relatório do terceiro trimestre de 2021, a companhia esclareceu nas notas explicativas
que os seus investimentos na aquisição de novas controladas foram identificados por meio
de combinação de negócios; são eles: i) VipCommerce; ii) Steal The Look; iii) Tonolucro,
Grandchef e Plus Delivery; iv) Smarthint; v) Jovem Nerd; vi) Autoseg; vii) Hub Fintech; viii)
Juni; ix) Sode (Anexo 5).
Uma combinação de negócios surgiu por meio da união de entidades ou negócios que
estavam separados e passaram a atuar em uma única entidade. O resultado esperado do processo
de combinações de negócios era que uma entidade, denominada adquirente, obtivesse o controle
de uma ou mais entidades ou negócios, a(s) adquirida(s).
Nesse sentido, atendendo ao padrão contábil, a Magalu determinou que aqueles ativos
adquiridos e os passivos assumidos constituíssem um negócio e, portanto, tratava-se de combinação
de negócio. No entanto, se esses ativos adquiridos não constituíssem um negócio, a entidade
deveria contabilizar a operação ou o evento como aquisição de ativos.
De acordo com o Anexo 5, a companhia evidenciou nas suas notas explicativas os valores
justos dos ativos líquidos adquiridos, os quais estavam em andamento na data de divulgação
dessas demonstrações do terceiro trimestre de 2021. Nesse sentido, a companhia, na data
de aquisição, em princípio, deveria reconhecer, separadamente do ágio por expectativa de
rentabilidade futura (goodwill), os ativos identificáveis adquiridos, os passivos assumidos e
quaisquer participações de não adquirida.
Nas notas explicativas do terceiro trimestre de 2021, a Magalu esclareceu que as técnicas
de avaliação utilizadas para mensurar o valor justo dos ativos significativos adquiridos foram

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as seguintes: a) o relacionamento com varejistas foi avaliado com base no método MPEEM e
identificado como um ativo intangível significativo na aquisição; b) tecnologia: foi utilizado o
método Relief-from-Royalty, que captura as economias de royalties associadas ao desenvolvimento
da tecnologia; c) marca: foi utilizado o método Relief-from-Royalty, que captura as economias
de royalties associadas ao desenvolvimento das marcas.
Assim, o ágio gerado nas aquisições foi atribuído principalmente às habilidades e ao talento
técnico da força de trabalho, bem como às sinergias esperadas na integração dessas entidades
aos negócios existentes da Magalu. Diante disso, a companhia mensurou os ativos identificáveis
e passivos assumidos pelos respectivos valores justos da data da aquisição.
No relatório constam todas as movimentações dos investimentos em controladas realizadas
pela Magazine Luiza S.A. em 31/12/2020 e 31/9/2021 (Anexos 6 e 7), com os valores reconhecidos
nas demonstrações financeiras individuais.
Diante das incertezas geradas pela pandemia da Covid-19 na época, deveria levar em
consideração os testes de impairment, ou seja, avaliar a não recuperabilidade do ágio e intangíveis
associados às aquisições de startups. O ágio seria alocado a cada unidade gerada de caixa e
submetido anualmente a um teste de avaliação de sua recuperação.
Após realização dos testes, a Magalu apurou os valores recuperáveis das unidades geradoras
de caixa (UGC) identificadas em cada negócio. De acordo com o esclarecimento nas notas
explicativas, uma UGC identificada era o agrupamento de todas as lojas de redes de varejo físico
adquiridas, cujo ágio totalizou R$ 313.856,00 em 31/12/2020, e já haviam sido incorporadas.
Outra UGC relevante identificada era a vertical de moda e esportes, cujo ágio correspondia
substancialmente à aquisição da Netshoes.
Questões para reflexão
Diante da estratégia de transformação digital por meio de investimento em startups, surgiram
algumas questões em uma hipotética reunião do conselho de Administração que o diretor
financeiro precisaria esclarecer com mais detalhes na próxima reunião. O diretor financeiro,
diante de tantas dúvidas, imediatamente solicitou esclarecimentos sobre os impactos daquelas
operações a fim de sanar o dilema apresentado durante a reunião. Assim, o contador informou
que a análise deveria ocorrer partir da estratégia de negócio de transformação digital com
aquisições de novas startups e dos pronunciamentos contábeis CPC 15, combinação de negócios
e CPC 18 (R2), investimentos.
1. Como o investimento foi a aquisição de 100% do capital startup Plus Delivery Soluções
Tecnológicas Ltda. (Plus Delivery), qual o tratamento contábil que o Grupo Magazine
Luiza S.A. (Controladora) deveria ter realizado na época tendo em vista impactos da
consolidação?

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2. Qual argumento definiria o controle da Magazine Luiza S.A. sobre a Plus Delivery?
3. Ao analisar os relatórios financeiros de 31/12/2020 e 30/9/2021, no ativo não circulante
em “investimentos em controladas”, o saldo da conta no balanço patrimonial da
controladora (individual) em milhares de reais de 31/12/2020 era de 1.318.347 e, em
30/09/2021, de 2.299.387, porém não havia saldo nessa conta no balanço patrimonial
consolidado. Explique como ocorre o procedimento de reconhecimento e divulgação
dos investimentos no processo de consolidação, esclarecendo o motivo do saldo zerado
no balanço consolidado.
4. No balanço patrimonial, especificamente na conta de intangível, verifica-se uma
diferença significativa em relação ao saldo evidenciado na época entre o demonstrativo
da controladora e o consolidado, ou seja, o saldo consolidado apresentava, em milhares
de reais, 1.886.997 na data de 31/12/2020 e 2.697.674 em 30/9/2021. Partindo do
contexto em que 30/9/2021 a empresa continuou realizando diversas aquisições de
investimentos, qual pode ter sido o motivo desse aumento na linha do intangível no
consolidado?
5. De acordo com as demonstrações financeiras do terceiro trimestre de 2021, informe
qual foi o custo da combinação de negócios das startups adquiridas e avalie se a
combinação gerou ágio, informando o seu valor.
6. A startup Jovem Nerd não apresentou montante de ágio (goodwill) na época; com base
na nota explicativa, explique o motivo.
7. Diante daquele cenário de incertezas geradas pela pandemia da Covid-19 na época,
existiram possibilidades de perdas. Como a Magalu deveria ter procedido para a redução
ao valor líquido recuperável do ágio?
8. Imagine que você é um dos diretores do Grupo Magazine Luiza S.A. Em hipotética
reunião do conselho administrativo para analisar aquele plano estratégico sobre
investimento de aquisição da KaBuM, o diretor financeiro, após esclarecimentos com
o contador da companhia, defendeu a proposta de aquisição da startup, pois, mesmo
que a KaBuM não tivesse um grande portfólio de produtos que atendesse ao varejo,
ajudaria a Magalu no seu processo de transformação digital no longo prazo, como
sinergias, eficiência nos custos operacionais, além de aprimoramento tecnológico.
Você votaria a favor ou contra a aprovação desse investimento? Justifique sua resposta.

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Anexo 1
Estrutura societária do Grupo Magazine Luiza S.A.
Luizacred
Consórcio
Magalu
Magalog Softbox NetshoesLuizaseg
Magalu
Pagamentos
Magalu
Estante
Virtual
Época
50%
50% Itaú
50%
50% Cardif
100%
100%
100% 100% 100% 100% 100%
Fonte: Adaptado do Grupo Magazine Luiza S.A. (2021).

CASO | DA TRANSFORMA?ÃO DIGITAL AO SUPERAPP MAGALU: IMPACTOS CONT?BEIS DOS INVESTIMENTOS EM STARTUPS
André Lamblet Dias | Adriano Rodrigues | Felipe Ferreira Simões dos Santos FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 5 | ISSN 2179-135X 13
Anexo 2
Histórico de investimentos em startups 2020-2021
Data Investimento Objetivo
27/7/2021 KaBuM Plataforma de tecnologia e games.
23/7/2021 Sode Plataforma de logística voltada para entregas rápidas.
7/7/2021 Juni Plataforma de otimização da taxa de conversão de vendas para o e-commerce.
2/7/2021 Hub Fintech Plataforma de Banking as a Service (BaaS) Sistema de Pagamento.
18/6/2021 Plus Delivery Plataforma completa especializada no delivery.
9/6/2021 Autoseg
Plataforma de softwares de gestão de identidades, segregação de funções (SOD) e
proteção de dados pessoais.
8/6/2021 Bit55 Plataforma de tecnologia para processamento de cartões de crédito e débito na nuvem.
14/4/2021 Jovem Nerd Plataforma multimídia para o público nerd e geek do País.
6/4/2021 SmartHint Sistemas de busca inteligente e de recomendação de compra para e-commerce.
30/3/2021 ToNoLucro Plataforma de entrega de comida e de itens de supermercado.
30/3/2021 Grandchef Plataforma de gestão completa da operação do restaurante.
17/3/2021 Steal The Look Plataforma de conteúdo digital de moda, beleza e decoração.
3/3/2021 VipCommerce Plataforma de e-commerce white-label para atender o varejo alimentar.
15/10/2020 ComSchool Plataforma de cursos voltados para e-commerce e performance digital.
2/10/2020 GFL Plataforma de logística para o e-commerce.
3/9/2020 AiQFome Plataforma de food delivery.
24/8/2020 Stoq Plataforma de soluções inovadoras para pequenos e médios varejistas.
6/8/2020 Canaltech
Plataforma de multimídia com foco na produção de conteúdo de tecnologia em texto, áudio
e vídeo.
6/8/2020 Inloco Média
Plataforma Inloco Media é a divisão da empresa Inloco focada na comercialização de
publicidade digital.
30/7/2020 Hubsales Plataforma de marketplace para segmento Factory to Consumers (F2C).
17/2/2020 Estante Virtual Plataforma de comercialização de livros.

CASO | DA TRANSFORMA?ÃO DIGITAL AO SUPERAPP MAGALU: IMPACTOS CONT?BEIS DOS INVESTIMENTOS EM STARTUPS
André Lamblet Dias | Adriano Rodrigues | Felipe Ferreira Simões dos Santos FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 5 | ISSN 2179-135X 14
Anexo 3
Balanços patrimoniais em 31/12/2020 e 31/12/2019 do Grupo Magazine Luiza S.A.
(Valores em milhares de reais – R$)
Controladora Consolidado
ATIVO 31.12.2020 31.12.2019 31.12.2020 31.12.2019
ATIVO CIRCULANTE
Caixa e Equivalentes de Caixa 1.281.569 180.799 1.681.376 305.746
Títulos e Valores Mobiliários 1.220.095 4.446.143 1.221.779 4.448.158
Contas a Receber 3.460.711 2.769.649 4.761.899 2.915.034
Estoques 5.459.037 3.509.334 5.927.236 3.801.763
Contas a Receber de Partes Relacionadas 2.661.364 373.995 2.329.648 370.036
Tributos a Recuperar 594.782 777.929 716.118 864.144
Outros Ativos 121.925 99.166 160.754 136.280
Total do Ativo Circulante 14.799.483 12.157.015 16.798.810 12.841.161
       
ATIVO NÃO CIRCULANTE        
Títulos e Valores Mobiliários - - - 214
Contas a Receber 16.140 14.314 16.140 16.842
Tributos a Recuperar 740.927 1.039.684 787.934 1.137.790
Imposto de Renda e Contribuição Social Diferidos 164.047 - 196.736 12.712
Depósitos Judiciais 660.734 428.042 843.852 570.142
Outros Ativos 3.703 9.030 6.333 11.003
Investimentos em Controladas 1.318.347 935.573 - -
Investimentos em Controladas em Conjunto 386.725 305.091 386.725 305.091
Direito de Uso de Arrendamento 2.441.539 2.203.827 2.465.514 2.273.786
Imobilizado 1.171.758 992.372 1.258.162 1.076.704
Intangível 593.427 526.869 1.886.997 1.545.628
Total do Ativo não Circulante 7.497.347 6.454.802 7.848.393 6.949.912
TOTAL DO ATIVO 22.296.830 18.611.817 24.647.203 19.791.073
Continua

CASO | DA TRANSFORMA?ÃO DIGITAL AO SUPERAPP MAGALU: IMPACTOS CONT?BEIS DOS INVESTIMENTOS EM STARTUPS
André Lamblet Dias | Adriano Rodrigues | Felipe Ferreira Simões dos Santos FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 5 | ISSN 2179-135X 15
Controladora Consolidado
PASSIVO E PATRIMÔNIO LÍQUIDO 31.12.2020 31.12.2019 31.12.2020 31.12.2019
PASSIVO CIRCULANTE
Fornecedores 7.679.861 5.413.546 8.501.398 5.934.877
Parceiros e Outros Depósitos - - 718.482 -
Empréstimos e Financiamentos 1.666.243 8.192 1.667.181 9.967
Salários, Férias e Encargos Sociais 294.314 309.007 359.721 354.717
Tributos a Recolher 331.113 307.695 401.308 352.008
Contas a Pagar a Partes Relacionadas 189.135 152.094 130.286 152.126
Arrendamento Mercantil 340.801 311.960 351.152 330.571
Receita Diferida 39.157 39.157 43.009 43.036
Dividendos a Pagar 39.953 123.566 39.953 123.566
Outras Contas a Pagar 931.602 537.825 1.203.655 701.719
Total do Passivo Circulante 11.512.179 7.203.042 13.416.145 8.002.587
 
PASSIVO NÃO CIRCULANTE
Empréstimos e Financiamentos 17.725 838.862 19.581 838.862
Arrendamento Mercantil 2.156.522 1.893.790 2.175.152 1.949.751
Imposto de Renda e Contribuição Social Diferidos - 3.725 24.843 39.043
Provisão para Riscos Tributários, Cíveis e Trabalhistas 998.250 767.938 1.379.935 1.037.119
Receita Diferida 286.867 339.523 301.270 356.801
Outras Contas a Pagar - - 4.990 1.973
Total do Passivo não Circulante 3.459.364 3.843.838 3.905.771 4.223.549
TOTAL DO PASSIVO 14.971.543 11.046.880 17.321.916 12.226.136
PATRIMÔNIO LÍQUIDO
Capital Social 5.952.282 5.952.282 5.952.282 5.952.282
Reserva de Capital 390.644 323.263 390.644 323.263
Ações em Tesouraria (603.681) (124.533) (603.681) (124.533)
Reserva Legal 122.968 109.001 122.968 109.001
Reserva de Lucros 1.451.923 1.301.756 1.451.923 1.301.756
Ajuste de Avaliação Patrimonial 11.151 3.168 11.151 3.168
Total do Patrimônio Líquido 7.325.287 7.564.937 7.325.287 7.564.937
TOTAL DO PASSIVO E PATRIMÔNIO LÍQUIDO 22.296.830 18.611.817 24.647.203 19.791.073
Fonte: Adaptado do Grupo Magazine Luiza S.A. (2021).
Anexo 3
Balanços patrimoniais em 31/12/2020 e 31/12/2019 do Grupo Magazine Luiza S.A.
(Valores em milhares de reais – R$)
Conclusão

CASO | DA TRANSFORMA?ÃO DIGITAL AO SUPERAPP MAGALU: IMPACTOS CONT?BEIS DOS INVESTIMENTOS EM STARTUPS
André Lamblet Dias | Adriano Rodrigues | Felipe Ferreira Simões dos Santos FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 5 | ISSN 2179-135X 16
Anexo 4
Balanços patrimoniais em 30/9/2021 e 31/12/2020 do Grupo Magazine Luiza S.A.
(Valores em milhares de reais – R$)
Controladora Consolidado
ATIVO 30.09.2021 31.12.2020 30.09.2021 31.12.2020
ATIVO CIRCULANTE
Caixa e Equivalentes de Caixa 134.249 1.281.569 751.293 1.681.376
Títulos e Valores Mobiliários 1.080.139 1.220.095 1.354.190 1.221.779
Contas a Receber 3.788.677 3.460.711 5.427.841 4.761.899
Estoques 7.543.685 5.459.037 8.126.343 5.927.236
Contas a Receber de Partes Relacionadas 3.205.119 2.661.364 2.824.606

2.329.648
Tributos a Recuperar 1.015.343 594.782 1.148.146 716.118
Outros Ativos 154.117 121.925 241.657 160.754
Total do Ativo Circulante 16.921.329 14.799.483 16.921.329 16.798.810
   
ATIVO NÃO CIRCULANTE    
Contas a Receber - 16.140 - 16.140
Tributos a Recuperar 1.026.530 740.927 1.077.311 787.934
Imposto de Renda e Contribuição Social Diferidos 434.634 164.047 470.702 196.736
Depósitos Judiciais 964.404 660.734 1.173.454 843.852
Outros Ativos 4.260 3.703 6.693 6.333
Investimentos em Controladas 2.299.387 1.318.347 - -
Investimentos em Controladas em Conjunto 454.526 386.725 454.526 386.725
Direito de Uso de Arrendamento 3.014.600 2.441.539 3.048.365 2.465.514
Imobilizado 1.607.077 1.171.758 1.746.769 1.258.162
Intangível 689.595 593.427 2.697.674 1.886.997
Total do Ativo não Circulante 10.495.013 7.497.347 10.675.494 7.848.393
TOTAL DO ATIVO 27.416.342 22.296.830 30.549.500 24.647.203
Continua

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André Lamblet Dias | Adriano Rodrigues | Felipe Ferreira Simões dos Santos FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 5 | ISSN 2179-135X 17
Controladora Consolidado
PASSIVO E PATRIMÔNIO LÍQUIDO 30.09.2021 31.12.2020 30.09.2021 31.12.2020
PASSIVO CIRCULANTE
Fornecedores 8.488.434 7.679.861 9.177.531 8.501.398
Parceiros e Outros Depósitos - - 1.577.740 718.482
Empréstimos e Financiamentos 11.335 1.666.243 12.412 1.667.181
Salários, Férias e Encargos Sociais 291.019 294.314 437.678 359.721
Tributos a Recolher 81.149 331.113 144.289 401.308
Contas a Pagar a Partes Relacionadas 186.698 189.135 56.780 130.286
Arrendamento Mercantil 398.447 340.801 411.732 351.152
Receita Diferida 39.157 39.157 43.099 43.009
Dividendos a Pagar - 39.953 - 39.953
Outras Contas a Pagar 1.061.673 931.602 1.476.336 1.203.655
Total do Passivo Circulante 10.557.912 11.512.179 13.344.80 13.416.145
 
PASSIVO NÃO CIRCULANTE
Empréstimos e Financiamentos 2.337.865 17.725 2.339.623 19.581
Arrendamento Mercantil 2.688.341 2.156.522 2.713.111 2.175.152
Imposto de Renda e Contribuição Social Diferidos - - 23.711 24.843
Provisão para Riscos Tributários, Cíveis e Trabalhistas 712.311 998.250 992.200 1.379.935
Receita Diferida 247.374 286.867 259.337 301.270
Outras Contas a Pagar 1.061.673 - 4.178 4.990
Total do Passivo não Circulante 5.985.891 3.459.364 6.332.160 3.905.771
TOTAL DO PASSIVO 16.543.803 14.971.543 19.676.961 17.321.916
PATRIMÔNIO LÍQUIDO
Capital Social 9.852.497 5.952.282 9.852.497 5.952.282
Reserva de Capital 350.826 390.644 350.826 390.644
Ações em Tesouraria (1.275.138) (603.681) (1.275.138) (603.681)
Reserva Legal 122.968 122.968 122.968 122.968
Reserva de Lucros 1.321.729 1.451.923 1.321.729 1.451.923
Ajuste de Avaliação Patrimonial 1.964 11.151 1.964 11.151
Lucro do Período 497.693 - 497.693
Total do Patrimônio Líquido 10.872.539 7.325.287 10.872.539 7.325.287
TOTAL DO PASSIVO E PATRIMÔNIO LÍQUIDO 27.416.342 22.296.830 30.549.500 24.647.203
Fonte: Adaptado do Grupo Magazine Luiza S.A. (2021).
Anexo 4
Balanços patrimoniais em 30/9/2021 e 31/12/2020 do Grupo Magazine Luiza S.A.
(Valores em milhares de reais – R$)
Conclusão

CASO | DA TRANSFORMA?ÃO DIGITAL AO SUPERAPP MAGALU: IMPACTOS CONT?BEIS DOS INVESTIMENTOS EM STARTUPS
André Lamblet Dias | Adriano Rodrigues | Felipe Ferreira Simões dos Santos FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 5 | ISSN 2179-135X 18
Anexo 5
Valor justo da combinação de negócios 30/9/2021
 
Vip
Steal
The Look
TonolucroGrandchefPlusSmathint
Jovem
Nerd
AutosegJuneSodeHubFintech
 
Caixa e equivalentes
de caixa e TVM
1.284 342 3.323 4 99 1.087 5.838 - 696 148 211.502
Contas a receber - 173 - 114 - 537 518 - 487 235 48.040
Tributos a recuperar - - 27 - - - - - - 9 4.912
Outros ativos - 468 - - - 54 3.249 - - 137 13.644
Imposto de renda e
contribuição social diferidos
695 - 2.658 - 113 - - 110 268 316 -
Imobilizado - 63 127 - 15 89 - - 12 77 25.888
Intangível – Relacionamento (a)5.088 - 2.594 130 - 2.509 - - - - 12.061
Intangível – Tecnologia (b) 1.806 - 519 223 - 3.289 - -     61.461
Intangível – Marca (c) - 1374 1281 - - - 14841 -     143.847
Outros intangíves - 4 - - - - - - - - -
  8.873 2.424 10.529 471 227 7.56524.446 110 1.463 922 524.732
Fornecedores 56 - 77 - 13 71 188 - 17 194 -
Parceiros e outros depósitos - - - - - - - - - - 128.983
Empréstimos e
Financiamentos
- - - - - - - - - - 70.300
Salários, férias e encargos
sociais
252 23 177 56 48 186 331 - 19 305 5.093
Tributos a recolher 90 22 489 4 71 226 277 - 61 82 974
Outras contas a pagar 1.515 654 1.023 - - -8.545 -   553 253.677
Imposto de renda e
contribuição social diferidos
2.344 - 1.058 120 - 1.971 - - - - 10.733
Provisão para riscos
tributários, cíveis e
trabalhistas
2.045 1.111 7.818 - 333 - 5.105 326 788 931 12.024
  6.302 1.810 10.642 180 465 2.454 14.446 326 885 2.065 481.784
Total líquido dos ativos
identificáveis
2.571 614 -113 291 -238 5.11110.000 -216 578 -1.143 42.948
                       
Contraprestação em caixa 41.750 4.000 6.500 3.000 7.000 23.250 10.000 9.000 6.50019.000 290.000
Contraprestação em ações (*)22.750 - 5.500 4.000 1.500 42.750 - 9.000 4.300 5.800 -
Custo de aquisição 64.500 4.000 12.000 7.000 8.500 66.000 10.000 18.000      
                       
Ágio (goodwill) gerado 61.929 3.386 12.113 6.709 8.738 60.889 -18.21610.22225.943 247.052
Fonte: Adaptado do Grupo Magazine Luiza S.A. (2021).

CASO | DA TRANSFORMA?ÃO DIGITAL AO SUPERAPP MAGALU: IMPACTOS CONT?BEIS DOS INVESTIMENTOS EM STARTUPS
André Lamblet Dias | Adriano Rodrigues | Felipe Ferreira Simões dos Santos FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 5 | ISSN 2179-135X 19
Anexo 6
Movimentação dos investimentos em controladas (posição 30/9/2021)
Movimentação
Saldo
Inicial
AFAC (Aporte
para Futuro
Aumento de
Capital)
Combinações
de negócios
Outros
resultados
abrangentes
Plano de
ação
Equivalência
Patrimonial
Saldo
Final
Netshoes 763.450 215.670 - 785 3.212 114.867 1.097.984
Época Cosméticos 121.454 9.000 -  - -88 28.474 158.840
Magalu Pagamentos 169.536 237.770 -  - -170 119.324 526.460
Integra Commerce 2.170 -  -  -  - - 2.170
Consórcio Luiza 52.129 -  -  -  - 6.738 58.867
Magalog 145.212 66.138 12.800  - -246 14.069 237.973
Luizalabs 62.843 77.127 82.800  - 2.182 -9.186 215.766
Kelex 1.072 -  -  -  - -229 843
Certa 481 -  -  -  - 3 484
Total 1.318.347 605.705 95.600 785 4.890 274.060 2.299.387
Fonte: Adaptado do Grupo Magazine Luiza S.A. (2021).

CASO | DA TRANSFORMA?ÃO DIGITAL AO SUPERAPP MAGALU: IMPACTOS CONT?BEIS DOS INVESTIMENTOS EM STARTUPS
André Lamblet Dias | Adriano Rodrigues | Felipe Ferreira Simões dos Santos FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 5 | ISSN 2179-135X 20
Anexo 7
Movimentação dos investimentos em controladas (posição 31/12/2020)
Movimentação Saldo Inicial
AFAC
(Aporte
para Futuro
Aumento de
Capital)
Combinações
de negócios
Outros
resultados
abrangentes
Plano de
ação
Equivalência
Patrimonial
Saldo
Final
Netshoes 768.904 141.000 32.510 4.460 11.783 -195.207 763.450
Época
Cosméticos 58.025 46.000 - - - 17.429 121.454
Magalu
Pagamentos 1.992 71.000 - - - 96.544 169.536
Integra
Commerce 2.841 - - - - -671 2.170
Consórcio Luiza 44.372 - - 317 - 7.440 52.129
Magalog 14.039 92.500 43.283 - - -4.610 145.212
Softbox 43.921 14.219 9.078 - - -4.375 62.843
Kelex 1.009 - - - - 63 1.072
Certa 470 - - - - 11 481
Total 935.573 364.719 84.871 4.777 11.783 -83.376 1.318.347
Fonte: Adaptado do Grupo Magazine Luiza S.A. (2021).

GVcasos ¹ Revista Brasileira de Casos de Ensino em Administração FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 6 | ISSN 2179-135X 1
CASO
Submissão: 22/11/2021 | Aprovação: 18/02/2022
DOI: https://doi.org/10.12660/gvcasosv12n1c6
PERDIDOS NO ESPAÇO
Lost in Space
Jaci Corrêa Leite¹ | [email protected]
Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV – São Paulo, SP, Brasil
RESUMO
Inspirado num episódio real, este caso apresenta uma situação de conflito entre três empresas que
desenvolvem conjuntamente um projeto de alta complexidade e elevado valor. Para cada uma delas, tal
projeto é estratégico – não só pelos valores envolvidos, como também pelos possíveis impactos em termos
de imagem e reputação. Durante o desenvolvimento, uma divergência técnica gerou um impasse que
pode levar todas as três empresas a pesadas perdas. O foco da atuação de cada participante será, então, a
busca de uma solução que proteja, da melhor forma possível, os interesses da empresa que representará.
Pode ser aplicado em disciplinas de Negociação e de Estratégia de Negócios, e é adequado a alunos que
já tenham alguma maturidade, dada a complexidade do problema.
Palavras-chave: estratégia de negócio, negociação estratégica, negociação tripartite, planejamento da
negociação.
ABSTRACT
Inspired on a real event, the case presents a conflict situation among three companies which are jointly
developing a very complex and highly valued project.
For each company, such project is strategic – not only due to the big value, but also because there are
serious issues regarding image and reputation.
During the project development, a technical divergence raised an impasse that may lead all of the three
companies to huge losses. The participant focus will be on the search for the solution which best protects
the interests of the company he or she will represent.
Keywords: business strategy, strategic negotiation, three-party negotiation, negotiation planning.

CASO | PERDIDOS NO ESPAÇO
Jaci Corrêa Leite FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 6 | ISSN 2179-135X 2
PERDIDOS NO ESPAÇO
Introdução
Projetos de grande complexidade e elevado valor frequentemente são executados por mais de uma
empresa. Por vezes, forma-se um consórcio. Alternativamente, uma empresa torna-se integradora
de soluções, liderando o desenvolvimento e subcontratando parceiros para a execução de partes
do produto final. O setor de comunicação via satélite insere-se nesse grupo de alto investimento
e alta complexidade. O número de empresas capacitadas, em escala global, é relativamente
pequeno, e muitas delas são especializadas em segmentos específicos.
Um dos maiores clientes, nesse setor, é a administração pública. Seja diretamente, seja
por meio de empresas estatais, é muito comum que governos dos mais diversos países, em
consórcio ou isoladamente, contratem satélites de comunicação de uso civil e militar. Ainda
que a tecnologia básica em si seja um tanto padronizada, cada projeto tem características únicas,
refletindo as peculiaridades e as prioridades de cada governo ou consórcio.
Tudo começa numa licitação pública. O governo prepara um minucioso termo de referência,
com todos os detalhes do projeto: funcionalidades, exigências de qualidade, especificações
técnicas, requisitos de segurança, sistemas de autocorreção, níveis de tolerância a falhas, vida útil,
compromissos de cada parte, penalidades etc. Aberta a licitação, cada candidato apresenta sua
proposta técnica (que deve atender rigorosamente ao edital) e de preço (no mínimo, centenas
de milhões). Nessa modalidade, o vencedor será o único responsável pela execução do projeto,
desde a construção do satélite até sua entrada em operação, incluindo a contratação do foguete
para lançá-lo em órbita. O pacote inclui ainda a operação e manutenção pelo prazo do contrato
– em geral, pelo menos 10 anos, prorrogáveis ou não a critério do contratante. Existe previsão
de pesadas multas em caso de atrasos na entrega, falta de conformidade com o edital e falhas
reincidentes. Caso o satélite apresente pane permanente durante seu período de vida útil, a
multa pode ultrapassar o valor do contrato.
Nascimento do projeto
A empresa SatLink venceu uma licitação para fornecer um sistema de comunicação para o
governo brasileiro: um projeto de R$ 900 milhões quando da entrega do satélite em pleno
funcionamento, e mais R$ 80 milhões anuais pela operação, por um prazo mínimo de 10 anos,
que pode ser renovado por sucessivos períodos adicionais de cinco anos, a critério do governo.
Com quase 40 anos de atuação no ramo e dezenas de casos bem-sucedidos, a SatLink tem
grande expertise nessa área: desenvolve o projeto principal e faz diversas partes do satélite. Ela é uma
integradora de soluções: contrata terceiros que fornecem tecnologias e componentes específicos.
Usualmente, cerca de 45% a 65% do valor do contrato é da integradora, terceirizando-se o
restante entre diversos parceiros.

CASO | PERDIDOS NO ESPAÇO
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Um dos itens mais críticos é o sistema de energia, que combina baterias, geração química
e células solares. Cada satélite tem um sistema de energia específico, projetado conforme
sua capacidade e sua órbita. Não há como padronizar tal componente, inclusive porque é
imprescindível minimizar o peso: cada quilo a mais lançado ao espaço custa uma fortuna.
O sistema de energia do satélite tem dois módulos: principal e backup. Ambos são
redundantes e tolerantes a falhas. São similares e alternam-se entre si de tempos em tempos, para
aumentar a vida útil. Por ser um componente absolutamente crítico – se falta energia, perde-se
o satélite – a regra geral é evitar adquirir ambos de um único fornecedor. A praxe é contratar
dois parceiros: um responsável pelo módulo de energia principal e outro pelo de backup. Se,
durante o desenvolvimento, um dos fornecedores tiver problemas, o contrato permite transferir
ao outro a parte não atendida, garantindo o cronograma e a integridade do projeto.
Por ser uma tecnologia muito sofisticada e intensiva em capital, há no mundo poucas
empresas capacitadas a fornecer esse tipo de componente, destacando-se três: EnerGreen,
AtomCell e Blixx. Cada uma delas tem boa reputação e um histórico de dezenas de projetos
bem-sucedidos. A EnerGreen atua no mercado há duas décadas e fatura cerca de R$ 400
milhões anuais. A AtomCell atua há mais de 25 anos e fatura cerca de R$ 750 milhões anuais.
Finalmente, a Blixx, a mais jovem de todas, iniciou há oito anos e tem um faturamento da
ordem de R$ 600 milhões anuais. Já a SatLink, com suas quase quatro décadas no mercado,
fatura mais de R$ 2 bilhões por ano – e é bem provável que esteja entre os maiores clientes de
cada uma das três empresas citadas.
Início do empreendimento conjunto
Vencida a licitação, a SatLink contratou a AtomCell para desenvolver o sistema principal e a
Blixx para fornecer o sistema de backup de energia. Cada uma receberá R$ 200 milhões na
entrega do satélite operando, e mais R$ 7 milhões ao ano durante a vida útil do satélite – pelo
menos 10 anos, como explicado anteriormente.
Os contratos permitem que, a critério da SatLink, em caso de inadimplência de uma delas
(AtomCell ou Blixx), a outra assuma integralmente o sistema de energia. No limite, a SatLink
pode rescindir com ambas e buscar um terceiro fornecedor. Em qualquer caso, a rescisão não
obrigará a SatLink a nenhuma multa ou penalidade, bastando apenas haver um fato gerador
que justifique tal decisão. Entre os vários itens que caracterizam tal situação, consta qualquer
atraso de dois meses ou mais em relação ao cronograma original.
Segundo os contratos, AtomCell e Blixx devem, em conjunto, projetar o módulo de
chaveamento entre os sistemas, isto é, o dispositivo que transfere automaticamente o fornecimento
de energia do módulo principal para o backup e vice-versa, sem nenhuma interrupção no
funcionamento do satélite. A responsabilidade pelo sistema de energia como um todo é conjunta
solidária – ou seja, ambas as empresas são igualmente responsáveis, na íntegra, pela plena
operacionalidade do conjunto: módulo principal, backup e chaveamento.

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Uma questão técnica
Tudo corria dentro do previsto, até que surgiu uma incompatibilidade no módulo de chaveamento:
por vezes, na troca, ocorre uma queda de energia com duração de milésimos de segundo – o
que pode ser fatal num aparelho que está a milhares de quilômetros da Terra. Evidentemente,
o satélite só será lançado após a solução definitiva dessa falha. Tal problema já gerou atraso de
dois meses no cronograma do projeto. Se não houver solução imediata, o retardamento poderá
ser ainda maior, de cinco a seis meses.
Tudo leva a crer que essa falha seja decorrência de os módulos não serem exatamente
iguais entre si. A AtomCell desenvolveu sua parte usando, no sistema de energia, uma tecnologia
convencional, que tem estado em praticamente todos os projetos da SatLink. Por seu lado, a
Blixx desenvolveu uma tecnologia completamente nova, inédita no mercado.
Em tese, a solução seria simples: basta que ambos usem a mesma tecnologia, seja ela qual
for. Mas o que seria apenas uma questão de engenharia tornou-se uma batalha: tanto a AtomCell
como a Blixx não querem ceder: cada uma afirma categoricamente que a culpa é da outra. Em
síntese, há uma disputa sobre qual tecnologia é melhor: uma, mais convencional (defendida
pela AtomCell), e outra, mais recente (desenvolvida e defendida pela Blixx).
Cresce o conflito
Quando surgiu a divergência, tanto a AtomCell como a Blixx comunicaram formalmente
à SatLink – cada uma culpando a outra. A Blixx afirma que a nova tecnologia proprietária
(desenvolvida por ela) é mais estável e superior à convencional, em termos de vida útil e
prevenção de falhas – o que, ao que tudo indica, é verdade. A AtomCell, por seu lado, diz
que a tecnologia convencional atende a todos os requisitos do edital e que, portanto, não há
razão justificável para acrescentar incertezas e trazer complicações adicionais ao projeto – o
que, igualmente, faz todo sentido. Ademais, a AtomCell ressalta o fato de que a Blixx também
usava a mesma tecnologia convencional até o último projeto conjunto, não havendo histórico
de problemas por conta disso.
Tentando reduzir a tensão, a Blixx disse à AtomCell que cederia sua nova tecnologia de
maneira totalmente gratuita por um período de dois anos e que, após tal período, poderiam
discutir o eventual pagamento de royalties. Tal oferta foi prontamente recusada pela AtomCell,
a qual argumentou que, além de ser desnecessária, a nova tecnologia poderia transformar-se
numa armadilha, tanto para ela como para a SatLink, e, adicionalmente, poderia pôr em risco
a vida útil do satélite, por ser algo ainda desconhecido em termos de seu comportamento e
funcionalidade no longo prazo.
A SatLink, por sua vez, afirma que não quer arbitrar conflitos, mas sim obter resultados:
os parceiros que se entendam entre si – e isso foi claramente comunicado a ambos. Ademais,
a SatLink assegura que não tem preferência por nenhuma das soluções, uma vez que ambas
têm seus prós e contras.

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A multa e o impasse
Visto que a SatLink é a responsável pelo contrato junto ao governo, recebeu deste uma multa
de R$ 36 milhões (2% por mês de atraso), a qual foi imediatamente comunicada à AtomCell e à
Blixx, responsabilizando-as pelo problema e exigindo que arquem com o pagamento, na íntegra.
Ambas prontamente protestaram e se recusaram a pagar: cada uma atribui à outra a total culpa
pelo problema. Cabe lembrar que, por serem solidárias, cada uma delas está contratualmente
obrigada a arcar com o valor total, caso a outra se recuse a fazê-lo. Portanto, a SatLink cobrou,
de cada uma, o valor total da multa. Caso haja um entendimento entre elas, poderão ratear a
penalidade entre si, em qualquer proporção.
Ressalte-se ainda que, diante da extensão do atraso já consumado, o contrato permite à
SatLink descartar sumariamente qualquer dos parceiros. Nesse caso, pode delegar o pacote por
inteiro a um deles ou, alternativamente, descartar ambos e delegar o conjunto todo à EnerGreen.
A necessidade de uma solução
À vista do problema, das potenciais consequências para cada empresa e das posturas de cada
parte envolvida, foi agendada uma reunião entre as três empresas para solucionar o impasse.

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CASO
Submissão: 18/01/2022 | Aprovação: 05/05/2022
DOI: https://doi.org/10.12660/gvcasosv12n1c7
GERENCIAMENTO DE RECURSOS HUMANOS EM
CONTEXTO DE CRISE: O DILEMA DA TOMADA DE
DECISÃO PARA A DEMISSÃO
Human resource management in a crisis context: The dilemma
of decision making for dismissal
Daniel Pottker¹ | [email protected]
Kadígia Faccin¹ | [email protected]
Bruno Anicet Bittencourt¹ | [email protected]
¹Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Porto Alegre, RS, Brasil.
RESUMO
O caso tem como dilema a coordenação de um plano de reestruturação de Recursos Humanos (RH)
em uma indústria metalmecânica a partir da crise provocada pela pandemia do coronavírus (Covid-19).
Aurora (gerente de RH) precisa coordenar o plano levando em consideração os projetos de gestão de
pessoas realizados até o momento e administrar as expectativas das partes envolvidas. O dilema envolve,
de um lado, a redução de custos com a demissão de funcionários e, de outro lado, a manutenção das
atividades de desenvolvimento de pessoas que vinham sendo realizadas pela área de Gestão de Pessoas.
Palavras-chave: Gestão de crise, gestão de pessoas, tomada de decisão.
ABSTRACT
The case has as its dilemma the coordination of a human resources restructuring plan in a metal mechanical
industry from the crisis caused by the Coronavirus pandemic (Covid-19). Aurora (HR manager) needs to
coordinate the plan taking into account the people management projects carried out so far and manage
the expectations of the parties involved. The dilemma involves, on one side, the cost reduction with the
dismissal of employees and on the other side, the maintenance of the people development activities that
had been carried out by the people management area.
Keywords: Crisis management, People management, Decision making

CASO | GERENCIAMENTO DE RECURSOS HUMANOS EM CONTEXTO DE CRISE: O DILEMA DA TOMADA DE DECISÃO PARA A DEMISSÃO
Daniel Pottker | Kadígia Faccin | Bruno Anicet Bittencourt FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 7 | ISSN 2179-135X 2
INTRODUÇÃO
A crise causada pela Covid-19 levou a sociedade a enfrentar várias dificuldades, não apenas em
termos de saúde pública, mas também em termos de aspectos econômicos, políticos e sociais.
À luz da crise atual, empresas de todo o mundo passaram por uma variedade de desafios em
um ambiente complexo e em rápida mudança, incluindo a própria sobrevivência. No Brasil,
a situação não foi diferente: diversas empresas brasileiras tiveram que buscar alternativas para
lidar com a crise e sobreviver.
Especialmente no contexto industrial, percebeu-se que uma das principais estratégias
adotadas pelas empresas foi a de redução de custos. Uma vez que boa parte da composição
dos custos totais está relacionada à mão de obra, cabe à área de Recursos Humanos (RH) lidar
com os dilemas e os impactos dessa estratégia. Se, por um lado, o desligamento de pessoal traz
retornos rápidos em termos de redução de custo, por outro lado, o impacto das demissões traz
prejuízos no que tange à continuidade de projetos de desenvolvimento de pessoal e construção
de clima organizacional. Era nesse contexto que Aurora estava inserida.
Aurora Furtado, formada em Economia, mas com carreira de mais de 20 anos na área
de RH, havia sido recém promovida a gerente de RH de uma indústria metalmecânica,
chamada TERC. A TERC é uma empresa familiar com mais de 70 anos de história, possui
mais de 2 mil funcionários e está localizada no interior do Rio Grande do Sul. Atualmente
é fornecedora de peças para os mercados automotivo, rodoviário, de máquinas agrícolas e
de construção.
Quando começaram a chegar as notícias sobre isolamento social decorrente da Covid-
19, não demorou muito para as montadoras comunicarem aos seus fornecedores a ocorrência
de férias coletivas e reduções dos níveis de produção. Várias dúvidas e incertezas surgiram nos
corredores da TERC. Quanto tempo duraria esse isolamento social? O quanto isso afetaria a
empresa? O quanto a crise global afetaria a sobrevivência da empresa? E dos empregos?
Dias se passaram até que o presidente da empresa, Artur Rocha e Silva, convocou uma
reunião com todos os diretores e gerentes da empresa. A situação estava crítica. Muitos pedidos
foram cancelados, e não havia nenhuma previsão de retorno à normalidade. Algumas empresas
parceiras já haviam declarado que não sobreviveriam até os próximos meses, e a perda de clientes
era iminente. Tanto o gerente financeiro como o de planejamento apontavam para um futuro
catastrófico para a empresa. O caos estava instalado na sala de reunião.
Em um ímpeto de salvar a empresa de um possível fechamento, o Sr. Rocha e Silva solicitou
a Aurora que coordenasse um plano de reestruturação do custo da mão de obra junto com os
demais gerentes e buscasse minimizar os possíveis impactos dessa estratégia. Era necessário
reduzir custos, enxugar a produção para garantir a sobrevivência da empresa. O clima ficou
tenso. O presidente afirmava não encontrar nenhuma outra alternativa para enfrentar a crise
provocada pela pandemia.
Após alguns segundos de silêncio na sala, Aurora topou o desafio, no entanto algumas
perguntas e inquietações surgiam na sua mente. A principal delas era como lidar com diferentes

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Daniel Pottker | Kadígia Faccin | Bruno Anicet Bittencourt FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 7 | ISSN 2179-135X 3
expectativas, pois sabia que precisaria administrar os interesses das diferentes áreas da empresa
(Produção, Financeiro, Planejamento, Qualidade), além do sindicato, e da sua equipe, a qual
vinha consolidando projetos de desenvolvimento de liderança e de cultura organizacional. O
principal, porém, seria manter-se coerente com o que ela mais acreditava: as pessoas. Aurora
sabia que, para tomar a melhor decisão, ela teria que levar em consideração o contexto do
mercado e da empresa, além de suas crenças.
CONTEXTO DA TERC
A empresa TERC foi fundada em 1947, na cidade de Vinteberga, no interior do Rio Grande
do Sul. No início, a empresa se dedicava à manutenção de equipamentos agrícolas importados,
e, nos anos seguintes, passou a produzir pequenas máquinas agrícolas e de beneficiamento de
madeiras. Com a nacionalização das colheitadeiras automotrizes em 1967, a empresa começou
a produção seriada de componentes para as máquinas de colheita de grão e, em 1984, passou a
fornecer componentes para tratores agrícolas e industriais. Em 1988, iniciou o fornecimento de
peças estruturais para caminhões e ônibus e, em 1995, começou o fornecimento de peças para
as montadoras automotivas. No final de 2012, iniciou o fornecimento de peças para o mercado
de máquinas de construção. Atualmente, a empresa é fornecedora consolidada de conjuntos
estampados, soldados e pintados para os mercados de equipamentos agrícolas, construção,
automóveis e caminhões. Ainda, é responsável pelo desenvolvimento e execução do ferramental
e dispositivos necessários para sua produção.
Nesse contexto, a empresa, fornecedora de peças para o mercado automotivo, após um período
(de 2005 a 2013) de crescimento de mercado e grandes investimentos, com contratação significativa
de funcionários, entrou em uma crise profunda (2014 a 2016), exigindo uma reestruturação
organizacional. Os anos seguintes foram de reconstrução. A empresa, devido aos consideráveis
investimentos realizados no período de crescimento, possuía um sério problema de fluxo de caixa,
agravado pelo crescimento, e necessidade de capital de giro, nos anos seguintes (de 2017 a 2019).
Após um período de crescimento e certa estabilidade, com expectativas positivas para o
ano de 2020, a empresa foi surpreendida com a crise provocada pela Covid-19, o que resultou
num corte significativo dos pedidos. Essa crise atingia o mercado como um todo. O cenário para
o setor automotivo no Brasil de 2020 passou de uma previsão de expansão de 9,4% nas vendas
internas, prevista no início do ano, para retração de 40% após os impactos da crise causada
pela Covid-19. As estimativas do mercado apontaram uma queda das vendas de cerca de 10 mil
empregos nas montadoras e de 20 mil posições nas autopeças. O setor deparou-se com uma
queda da demanda e da atividade econômica em função da Covid-19.
A TERC ainda trabalha com dificuldades de fluxo de caixa, porém com a situação muito
melhor do que no período entre 2017 e 2019. A Figura 1 demonstra o comportamento do
faturamento ao longo desse período; da mesma forma, a Figura 2 apresenta as oscilações do
quadro de funcionários desse mesmo período.

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Figura 1. Faturamento anual (em milhões R$)
530.8
446.9
545.6
495.3
310.3
337.6
443.3
613.2
681.3
519.96
2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020
Figura 2. Número de funcionários
2980 3030
3428
2781
1688
1758
1865
2224
2333
2148
2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020
A empresa está localizada em uma pequena cidade do interior do Rio Grande do Sul,
com uma forte característica industrial, onde localizam-se também outras grandes empresas. A
qualificação do quadro de funcionários sempre foi uma estratégia da organização. No entanto,
a partir de 2012, a empresa passou por um processo de profissionalização na gestão e, com
isso, os investimentos e estratégias de RH ganharam uma nova perspectiva. Nos primeiros dois
anos (2012 e 2013), a empresa inaugurou um Centro de Treinamento com 1.200 m2, o qual
recebeu escolas do Senai e SESI para qualificação técnica dos funcionários, e, nesse período,
ainda foi iniciado um programa de desenvolvimento de liderança, o qual trabalhou todos os
níveis de liderança da organização (fábrica, supervisão, gerência, diretoria e conselheiros). Ou
seja, a empresa estava recém colhendo os frutos de projetos na área de RH e havia percebido
a importância de uma consistência de ações nessa área.

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Em 2014, a empresa realizou a primeira pesquisa de engajamento, e o resultado foi de 43% de
engajamento, muito abaixo da expectativa da empresa, provocando, assim, uma reestruturação da
área de RH e uma intensificação dos planos de ações, com o objetivo de melhorar o engajamento
dos funcionários, criar vínculo entre a empresa, a liderança, os funcionários e as famílias dos
funcionários, já que o sentimento de pertencimento no contexto da empresa (cidade pequena)
é inevitável. As ações de desenvolvimento de liderança, revisão de políticas e práticas de RH,
ações voltadas à melhoria da qualidade de vida e ao equilíbrio entre vida pessoal e trabalho,
surtiram efeito, e a melhora do engajamento nos anos seguintes foi expressiva, como podemos
observar na Figura 3.
Figura 3. Engajamento
0.43
0.62
0.77
0.81 0.79
2014 (AON) 2016 (AON) 2017 (GPTW) 2018 (AON)2019 (GPTW)
Nesse contexto, o impacto de realizar uma demissão em massa para salvar a empresa da
crise pode ter também um custo bastante elevado. Isso porque as demissões causariam uma
instabilidade nos colaboradores e interromperiam muitos dos projetos de desenvolvimento
iniciados. Aurora precisaria levar tudo isso em consideração no seu plano.
CONTEXTO DA CRISE
O tempo parecia andar mais rápido do que nunca. Uma semana depois da fatídica reunião,
o Sr. Rocha e Silva ligou para Aurora para comunicar uma nova reunião na manhã seguinte,
com diretores e gerentes. Aurora foi a primeira a chegar na sala de reunião, prevendo que não
seria um dia fácil. O Sr. Rocha e Silva saudou a todos e transmitiu o seguinte recado: “Estamos
em um momento delicado de saúde pública, por isso pedi para conversamos. Pois bem, nosso
primeiro assunto é sobre os protocolos de segurança que devem ser adotados (cancelamentos de
viagens, visitas e afastamento das pessoas do grupo de risco); em seguida, gostaria de solicitar ao
Marcelo (gerente comercial) e ao Mário (gerente de Planejamento) a elaboração de possíveis
cenários da queda de faturamento, as notícias de que as montadoras suspendam a produção
começam a aparecer de forma incipiente. Ao Pedro (gerente financeiro), gostaria que montasse

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as simulações de resultado e fluxo de caixa com os cenários de queda, bem como a Aurora
solicito a coordenação com os demais gerentes para a redução do Custo da Mão de Obra (CMO),
considerando os projetos de desenvolvimento de gestão de pessoas. Os cenários e os planos
devem ser montados durante este mês para assim se tomarem as decisões mais acertadas”. No
final da reunião, Aurora nem conseguia mais assimilar o que estava sendo falado. Ela tinha uma
responsabilidade grande nas suas mãos, que afetaria a vida de muitas pessoas.
Na mesma noite, Aurora perdeu o sono, pensando como montaria um plano que atendesse
ao desafio de conciliar os interesses das pessoas envolvidas no processo; havia as expectativas do
time de RH, que havia trabalhado muito nos projetos de clima organizacional, desenvolvimento
da liderança, contratação e retenção de talentos, além de ter conduzido um processo de seleção
de estagiários e aprendizes no último ano. Outro ponto significativo eram os trabalhos de
diversidade que havia realizado. Todos esses projetos estavam trazendo resultados significativos
para a empresa, como: redução do turnover, melhora do clima, colaboradores mais capacitados,
aumento no potencial de inovação de produtos/processos, entre outros. Além disso, havia o
sindicato, o qual se mostrava resistente a acordos de flexibilidade de jornada de trabalho, e havia
as expectativas financeiras da empresa, a qual acabara de passar por problemas críticos de fluxo
de caixa. Mas a sua maior angústia era imaginar as pessoas chegando em casa e falando para
suas famílias que haviam perdido seu trabalho. Frases como: "não aceito demissão", "vamos
demitir os estagiários?", "vamos abandonar os programas de desenvolvimento?", "perdi o meu
emprego, e agora?", "não vamos negociar redução de jornada e salário, nem pensar", "vamos
reduzir custos", "precisamos salvar a empresa", "agora precisamos demitir", não saíam da cabeça
de Aurora, as horas demoravam a passar.
As semanas seguintes foram de muitas reuniões e apresentações dos possíveis cenários,
bem como das possibilidades de ajustes do quadro de funcionários. Cada gerente apresentou
suas informações e pontos de vista a respeito da situação. Marcelo e Mário (gerente comercial
e gerente de Planejamento) apresentaram seis cenários de queda de faturamento (Tabela 1), em
que os cenários mais prováveis (Covid30A e Covid30B) consideravam uma parada durante todo
o mês de abril/2020 e voltando com fator redutor nos próximos meses. Outro ponto levantado
pela gerência comercial foram os tipos de retomadas de mercado (imaginando os próximos 12
meses – até abril/2021): (i) retomada em V: a parada causada pela Covid-19 foi algo externo;
passado isso, tudo é retomado; (ii) retomada em W: a parada causada pela Covid-19 foi algo
externo; ela passa e o mercado volta ao normal, porém, até a cura ou vacina, tem-se um vai e
volta; (iii) retomada em taco de golfe: a parada causada pela Covid-19 causa impactos que travam
uma recuperação consistente; o mercado retorna, mas não para os patamares anteriores; e (iv)
retomada em L: a parada causada pela Covid-19 causa impactos profundos de que o mercado
não se recupera e um novo platô de demanda surge.
Tabela 1. Cenários de queda de faturamento
OriginalCovid15A Covid15BCovid30A Covid30B Covid45 Covid60
Faturamento (em milhões R$) 695,3 92,9 563,0 568,7 538,8 516,3 493,8

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Daniel Pottker | Kadígia Faccin | Bruno Anicet Bittencourt FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 7 | ISSN 2179-135X 7
Desse mesmo modo, Pedro (gerente financeiro) apresentou os resultados financeiros
caso não houvesse nenhum ajuste nos custos; no cenário mais provável de R$ 538 milhões, o
resultado seria de 7% negativo; com isso, a situação de caixa, que já estava crítica, tornar-se-ia
insustentável. Complementou também que os bancos estavam solicitando ações de readequação
dos custos diante da nova visão de pedidos e que o CMO, que tinha uma meta de 25% para o
ano de 2020, fechou o primeiro trimestre com 28%, ou seja, 3% acima da meta.
Américo e Renan (gerentes de Produção) apresentaram também as possibilidades de
redução de carga de horas de produção nesses cenários, no entanto levantaram a preocupação
de redução do quadro de funcionários, uma vez que a queda poderia ser apenas temporária, e, se
o mercado voltasse ao mesmo patamar, seria complicado realizar novas contratações do mesmo
nível. Além disso, apontaram as negociações com o sindicato como um possível empecilho.
Aurora (gerente de RH) também apresentou algumas possibilidades, como: (i) suspensão
de contrato de trabalho; (ii) redução de jornada e salário; (iii) banco de horas; e (iv) suspensão
de contrato dos temporários.
Finalizadas as apresentações, começou a discussão sobre os possíveis cenários de ações
e suas consequências. O gerente financeiro, sem dar espaço aos demais e percebendo uma
certa aflição, falou: “Precisamos demitir os funcionários, adequar o CMO ao novo patamar
de previsão de faturamento; mesmo ocorrendo as demissões, o resultado não será satisfatório,
mas vamos conseguir aliviar o caixa e dar uma resposta aos bancos”. Os gerentes de Produção,
de imediato, se manifestaram contra a sugestão, quando um deles comentou: “Essa atitude
de demissão pode causar sérios problemas em uma retomada, pois não teremos capacidade
de produção para atender a demanda após as férias, visto que os clientes ainda não mudaram
as previsões futuras; além disso, o clima, que já é de apreensão dos funcionários, se tornará
insustentável”. Os gerentes comercial e de Planejamento também comentaram: “Existe uma
grande possibilidade de o faturamento cair ainda mais, dessa forma, nossa opinião é que devemos
fazer os cortes para adequação do quadro ao novo patamar de faturamento”. O gerente de
Engenharia, percebendo que o clima começava a esquentar, disse: “Aurora, você poderia nos
explicar um pouco melhor essas opções e falar sobre as tuas percepções?”. Foi quando Aurora
relatou: “O governo acabou de lançar a MP n. 936, a qual institui o Programa Emergencial de
Manutenção do Emprego e da Renda, que dispõe sobre medidas trabalhistas complementares
para enfrentamento do estado de calamidade pública. A medida provisória, no entanto, traz
consigo alguma insegurança jurídica, por isso torna-se importante negociação por meio de
acordo coletivo entre sindicato e empresa”, e Aurora continuou: “Existe ainda a possibilidade de
negociação de banco de horas para flexibilidade da jornada de trabalho por meio de negociação
de acordo coletivo com o sindicato; essa ação, no entanto, nunca havia sido feita anteriormente,
pois havia muita resistência do sindicato para este tipo de acordo". Nesse momento, Pedro
(gerente financeiro) não hesitou: “Vamos fazer, além das demissões, essas duas ações, com isso
teremos um resultado melhor no final da crise”.
Nesse momento, Aurora lembrou: “Pedro, as demissões terão custos de rescisão, o que, em
uma eventual retomada de mercado, seria um 'desperdício', já que a empresa teria que contratar

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Daniel Pottker | Kadígia Faccin | Bruno Anicet Bittencourt FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 7 | ISSN 2179-135X 8
novamente”, e complementou: “Mas existe a possibilidade de suspensão dos contratos dos
temporários; isso poderia ser feito de maneira imediata, sem custos adicionais”. Aproveitando
o momento de silêncio da sala, Aurora relatou a ligação que havia recebido do sindicato:
“O Inácio (presidente do sindicato) me ligou no dia de ontem e solicitou que não houvesse
desligamento sem prévia negociação com o sindicato”, e complementou: “A relação com os
dirigentes sindicais está boa, no entanto as negociações costumam ser lentas, e o sindicato
possui alguns posicionamentos rígidos quanto à flexibilidade de trabalho; além disso, qualquer
negociação de acordo coletivo deve passar por assembleia com os funcionários e ter aprovação
por unanimidade, o que requer um trabalho de influência da liderança em relação às pessoas
aprovarem o acordo”. Para finalizar, e aproveitando o momento de reflexão das pessoas que
estavam na sala, Aurora, falou: “O exposto até agora é muito importante, e sem dúvida o resultado
financeiro é imprescindível, no entanto é nosso papel pensar no médio e longo prazos, e isso
passa por pensar nas pessoas e nos projetos que viemos desenvolvendo, onde claramente uma
decisão nossa afetará o clima no ambiente de trabalho. Além disso, não podemos esquecer que
estamos em uma cidade pequena, onde as expectativas da sociedade são mais explícitas, e na
qual também temos um papel importante. Acredito que considerar essas expectativas pode
contribuir para o desenvolvimento da TERC”.
Diante do contexto e das discussões, evidenciou-se a complexidade das decisões em
momentos de crise. Percebe-se que são muitos elementos e muitos atores que devem ser
considerados pela gerente de RH. Aurora deveria considerar os pontos levantados pelos gerentes,
o trabalho realizado até então pelo setor, os colaboradores, o sindicato e a saúde financeira
da empresa. O seu desafio era avaliar os diferentes cenários e propor uma estratégia para o
presidente da empresa. A reunião já se estendia noite adentro, e o clima da sala estava pesado,
então Aurora solicitou o encerramento da reunião e pediu a todos que refletissem sobre as
apresentações, para que, no dia seguinte, continuassem a conversa.
OS CENÁRIOS FUTUROS E O DILEMA
No dia seguinte, logo pela manhã, os gerentes novamente reuniram-se, agora para elaborar as
possibilidades ou ações. Foram desenhados quatro cenários:
Cenário 1: demitir funcionários e, com isso, adequar o quadro e o custo da mão de obra à nova
realidade de faturamento.
Vantagens Desvantagens
Adequar o CMO ao faturamento
Aliviar a pressão dos bancos
.....
Custo alto das rescisões
Negociar com o sindicato, mas com isso haveria uma
probabilidade grande de judicialização e, na pior das
hipóteses, recontratação
Clima organizacional com impacto negativo;
Perda de talentos;
......

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Cenário 2: manter o quadro de funcionários e justificar aos diretores a importância disso.
Vantagens Desvantagens
Clima organizacional com impacto positivo
Manutenção dos talentos
Estar preparado para uma retomada
Manutenção dos talentos
....
Não adequação do CMO ao faturamento
Pressão dos bancos
Comprometimento do resultado organizacional
....
Cenário 3: fazer suspensão de contrato e redução de jornada utilizando a MP n. 936.
Vantagens Desvantagens
Manutenção dos talentos
Estar preparado para uma retomada
....
Clima organizacional
Adequação parcial do CMO ao faturamento
Pressão dos bancos
Comprometimento do resultado organizacional
Dificuldade de negociação com o sindicato
....
Cenário 4: demitir parte do quadro de funcionários, utilizar a MP n. 936 com suspensão e
redução de jornada e manter parte do quadro.
Vantagens Desvantagens
Manutenção dos talentos
Estar preparado para uma retomada
....
Clima organizacional
Adequação parcial do CMO ao faturamento
Pressão dos bancos
Comprometimento do resultado organizacional
....
Nos cenários postos, no entanto, o problema ainda estava na mesa. Aurora tinha o dilema
de coordenar um plano de reestruturação do custo da mão de obra levando em consideração
os diferentes envolvidos e os possíveis impactos para a empresa.

GVcasos ¹ Revista Brasileira de Casos de Ensino em Administração FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 8 | ISSN 2179-135X 1
CASO
Submissão: 12/06/2021 | Aprovação: 15/03/2022
DOI: https://doi.org/10.12660/gvcasosv12n1c8
MONSTER DOG: QUANDO OS “BONS VENTOS”
SOPRAM EM DIREÇÃO À MAIOR CIDADE DO BRASIL
Monster Dog: When “Good Winds” Blow Towards Brazil’s
Biggest City
Franklin Jean Machado¹ | [email protected]
Alice Freitas Oleto² | [email protected]
¹Universidade Nove de Julho – Osasco, SP, Brasil
²Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV – São Paulo, SP, Brasil.
RESUMO
Este caso narra a história real de Ricardo e sua trajetória vivida, durante anos, como camelô, marcada
pelo processo empreendedor que culminou com a fundação e consolidação da Monster Dog. Após 16
anos de crescimento de um modelo de negócio essencialmente pautado na localização privilegiada
de seus pontos de venda, a Monster Dog depara-se com um dilema ímpar, ao ver a continuidade de
sua expansão ameaçada por novos entrantes e pelo crescimento da operação de concorrentes que já
atuavam nesse mercado.
Palavras-chave: Empreendedorismo, estratégia de expansão, marketing, mix de marketing.
ABSTRACT
This case portrays Ricardo’s real history and his many years of journey working as a hawker, culminating
with the creation and consolidation of Monster Dog. After developing a business model essentially marked
by its privileged salespoints’ location for sixteen years, Monster Dog came across a unique dilemma, when
noticing that the continuity of its expansion is threatened by new entrants and by competitors who are
broadening their operations.
Keywords: Entrepreneurship, expansion strategy, marketing, marketing mix.

CASO | MONSTER DOG: QUANDO OS ?BONS VENTOS? SOPRAM EM DIRE??O ? MAIOR CIDADE DO BRASIL
Franklin Jean Machado | Alice Freitas Oleto FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 8 | ISSN 2179-135X 2
Introdução
“O negócio sempre sai da inconformidade, né? De algo ali que você tá inconformado. Então,
com certeza, o Uber saiu de alguém que estava insatisfeito com o taxista, a Netflix saiu do cara
que não gostava dos serviços da locadora... Eu não estou nem perto desses caras, mas eu via um
produto de péssima qualidade, vendido muito caro e com lojas muito feias. E aí, eu falei: isso
aqui pode ser muito melhor”, contou-nos Ricardo, em uma das oportunidades que tivemos de
entrevistá-lo e conhecer a história da Monster Dog.
O palpite dado por ele sobre o surgimento de grandes empresas pode trair o leitor, dando
a impressão de que se trata de um empreendedor qualificado por meio de anos de formação
técnica que criou a Monster Dog. Ricardo é ex-camelô e vendeu comida, desde criança, durante
anos, antes de decidir arriscar-se e criar sua própria empresa.
A Monster Dog (MD), retratada neste caso, é uma empresa do ramo alimentício idealizada
por Ricardo e fundada, em 2003, por ele e seu sócio, o sobrinho, Sávio. No segundo semestre de
2019, a empresa possuía 44 unidades e cerca de 550 funcionários os quais atendiam milhares de
clientes que trafegavam pela rede paulistana de metrô, trem e terminais de ônibus, vendendo,
aproximadamente, 175 mil hot dogs e 90 mil hambúrgueres por mês.
A história real de Ricardo, narrada nos parágrafos a seguir, retrata, em linhas gerais, alguns
passos desse empreendedor, desde a infância no interior do Ceará até sua vinda para São Paulo,
anos mais tarde, trazendo à tona fatos da sua experiência de vida, os quais exerceram papel
importante na criação da MD e na formatação de seu modelo de negócio essencialmente
pautado na localização privilegiada de seus pontos de venda.
Mesmo assim, após 16 anos de consolidação desse modelo de negócio, a MD se vê diante
de um dilema ímpar com potencial de afetar completamente o futuro da empresa. Em um
mercado que se modificou desde a entrada da empresa, que passou a ser caracterizado pelo
ingresso de novos entrantes e pelo crescimento da operação de concorrentes já estabelecidos,
a MD passou a enfrentar um nível de competição inédito, criando barreiras à ocupação de
potenciais novos pontos de venda e levando Ricardo a se questionar: Que estratégia pode ser
adotada para superar essas barreiras e dar continuidade à expansão da rede de lojas MD?
Alimentando o monstro
A trajetória de Ricardo e da MD iniciou-se ao final dos anos 1970.
Nascido no litoral do Estado do Ceará, ele fez de Aracati – também conhecida como a
“terra dos bons ventos” –, mais do que sua cidade natal, o local que viria a lhe trazer os primeiros
sopros empreendedores, em decorrência das ofertas de oportunidades que ali obteve para
aprender as primeiras lições sobre vendas.
Décimo terceiro filho e caçula de uma família de agricultores fruticultores, a expectativa
de seus pais era de que Ricardo, assim como seus irmãos mais velhos, pudesse dedicar seus

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esforços a ajudar a família no trato da terra e no cultivo das frutas, principal fonte de renda do
lar. O que se viu, porém, foi um filho que, nas palavras do próprio Ricardo, acabou marcado por
seus familiares como “um desastre . . . que não ia prestar pra nada”. A explicação era médica:
ele sofria de problemas respiratórios severos que não só impossibilitariam sua vida no ambiente
rural, como também não permitiriam sua ida para a roça sem que ele passasse mal.
A solução encontrada pelos pais para preservar a saúde do filho foi mudá-lo para a área
urbana de Aracati, ainda na infância. Assim, com sete anos de idade, Ricardo foi levado para
morar com sua irmã mais velha, já casada e mãe.
Morar na cidade permitiu não só que ele pudesse começar a estudar, mas também que
ajudasse financeiramente a família da irmã, que, decidida a manter os meninos ocupados,
quando estes não estavam em horário escolar, adquiriu um carrinho de pipoca e doces para que
Ricardo e seus primos pudessem vender essas guloseimas. Foi o primeiro contato de Ricardo
com as vendas, uma paixão que, segundo ele, perdurou.
Vender comida foi algo que sempre fez parte da vida de Ricardo. Ainda em Aracati, alguns
anos depois da experiência com o carrinho de pipoca e doces, em uma parceria com Sávio, seu
sobrinho e futuro sócio na própria MD, eles decidiram montar uma barraca para vender frutas e
legumes que eram, em parte, produzidos pelo próprio pai de Ricardo, na zona rural. Na mesma
época, Ricardo também registrou experiências como vendedor de geladinhos, em jogos de futebol
que aconteciam na comunidade, e madrugando para trabalhar como vendedor de tapiocas, na cidade.
Apesar das mudanças nos tipos de alimentos vendidos, durante a infância e adolescência,
nenhuma mudança foi tão drástica quanto a sua vinda para a cidade de São Paulo, quando
tinha quase 20 anos de idade. Na época, sua outra irmã, que já morava na capital paulista, em
visita ao Ceará, alertou o irmão caçula sobre a possibilidade de ele, caso aprendesse a fabricar,
vender salgados, no centro de São Paulo.
Atraído pelas oportunidades da cidade grande, ele topou o desafio e, em 1999, mudou-se
para a casa da irmã, decidido a aplicar, na cidade mais populosa do País, o que havia aprendido
com sua experiência em vendas, em Aracati. Financiando os equipamentos por conta própria,
montou, em um pequeno cômodo da casa de sua irmã, uma minicozinha, onde passou a
fabricar coxinhas. A localização da sua nova casa, próxima ao Mercado Municipal da cidade e
da grande quantidade de bares e lanchonetes que povoam a localidade, aparentemente, ofertaria
um cenário bastante promissor ao novo empreendedor, realidade que, como ele mesmo conta,
não foi tão rentável conforme o esperado.
O período como fabricante de coxinhas durou cerca de três anos e serviu, em grande
parte, para que ele pudesse quitar as parcelas do financiamento da cozinha que havia instalado
na casa da irmã. Por outro lado, aquela experiência também foi uma lição para a formação de
Ricardo como empreendedor, conforme ele mesmo afirma: “Eu percebi que o que realmente
me motivava era a área de vendas, e não a fabricação dos produtos”.
A soma dos impactos gerados pela mudança da sua cidade natal, da distância da família e,
principalmente, pela falência do negócio com coxinhas fez com que os meses que se seguiram
fossem de frustração e de reflexão.

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Franklin Jean Machado | Alice Freitas Oleto FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 8 | ISSN 2179-135X 4
A necessidade de manter as despesas em dia e de garantir o alimento, porém, fez com que
Ricardo, já com 23 anos, saísse em busca de uma nova oportunidade no mercado de trabalho.
Essa procura fez com que o destino lhe sorrisse com uma vaga de vendedor, em uma feira na
cidade de São Paulo.
O novo emprego na feira veio acompanhado de novos desafios. A jornada de trabalho,
bastante rígida, iniciava-se às 3 horas da manhã, com o carregamento do caminhão de produtos,
e se seguia em uma perigosa carona nos “tabuleiros” até o ponto onde a feira de fato acontecia
e Ricardo oferecia seus produtos. Estes, porém, de acordo com ele próprio, não eram os mais
procurados por quem visitava a feira: limão, alho e maracujá.
Como narra Ricardo, essa experiência foi muito útil para que ele amadurecesse, ainda
mais, seu perfil empreendedor. Ciente de que seus produtos não eram os mais desejados, ele
precisou polir seu discurso e sua abordagem de venda. “A parte da feira me deu mais estratégia
pra venda . . . os milhões de 'nãos', sabe, ali? Muitos até xingavam. Acontecia mesmo. Ali foi
onde a gente aprendeu a ser mais insistente, sabe? A questão da tática de venda”, relata.
Mais do que a estratégia de venda, Ricardo passava a entender, ali, a importância de se
oferecer o produto correto, por um preço acessível, no momento e local adequados, conceito
que, como os acontecimentos futuros mostrariam, seria fundamental para a constituição do
modelo de negócio da MD.
A oportunidade estava o tempo todo embaixo dos seus pés
Em 2002, a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) realizou uma pesquisa
para investigar a origem dos atendimentos médicos que eram prestados nas suas estações. O
resultado foi surpreendente: constatou-se que a maioria dos usuários que se deslocava por
dezenas de quilômetros no sistema de transporte por trilhos saía de casa em jejum e, por essa
razão, acabava desmaiando.
A solução encontrada pelo então governo estadual foi o lançamento da iniciativa “Bom
Lanche”, que oferecia aos usuários um kit com um pequeno suco artificial e um pedaço
de bolo ou misto frio, pelo preço de R$ 0,40. Por uma série de razões, o programa foi
desativado em 2003 e, em seu lugar, uma onda de contratos de licitação para que empresas
de alimentação criassem pequenas lojas e prestassem seus serviços dentro das estações foi
oferecida ao mercado.
Com o passar dos meses, ainda trabalhando como vendedor na feira, Ricardo soube dessa
realidade e vislumbrou uma oportunidade de empreender: “Aqui é o meu escape! Eu preciso
entrar nesse negócio!”, afirmou. A falta de experiência com o processo burocrático de licitações
exigido para adquirir o primeiro ponto de venda dentro das estações não foi suficiente para
superar seu ímpeto empreendedor: “A gente era ambulante (sic). Aquele negócio era com o
Estado, . . . eu não sabia nem o que era uma empresa, e nunca tinha assinado um cheque, eu
não tinha conta em banco, entendeu?”, afirma Ricardo.

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Se, por um lado, pesava a falta de conhecimento técnico quanto à administração de um
negócio com o Estado, por outro, sua experiência com vendas possibilitava que ele lançasse um
olhar crítico sobre a forma como os negócios das lojas de alimentação eram gerenciados, dentro das
estações, pelos atuais proprietários. O que ele via era claro, como ele mesmo afirma: era possível
fazer algo melhor do que o que estava sendo feito, até então. Isso porque Ricardo percebeu que
as lojas de alimentação dentro das estações pecavam, por exemplo, na qualidade, atendimento e
estoque. E eram esses tipos de erros que Ricardo não queria que ocorressem em sua loja.
Juntando as economias que havia poupado até aquele momento, e contando com o apoio
de seu antigo parceiro de negócios e sobrinho, Sávio, juntos adquiriram a primeira loja, em
uma região com características conhecidas por Ricardo, uma vez que era a mesma onde atuava,
até então, como feirante.
A compra do ponto pelos dois só foi possível graças a uma variável: os negócios, ali, não
iam muito bem para o antigo proprietário. As vendas fracas e os resultados no vermelho fizeram
da busca por outras pessoas para administrar o local algo inevitável por parte do antigo dono.
A primeira loja do que viria ser a rede MD tinha o nome de “Corujão”, e ficava localizada
na estação Corinthians – Itaquera, zona leste da cidade de São Paulo.
Enfim, nasce o monstro
A prática com vendas não minimizava o fato de que nem Ricardo nem Sávio detinham
conhecimento técnico sobre como conduzir os negócios no novo cenário que se desenhava. A
ajuda, com isso, veio de um amigo, então dono de uma padaria, que lhes ensinou desde o básico
de gestão, passando por como preparar um bom café e até assar e armazenar, corretamente,
diversos tipos de lanches e salgados. Paralelamente, mudanças importantes eram feitas na
estrutura do negócio, como a substituição de fornecedores dos alimentos que eram vendidos, que,
segundo Ricardo, cobravam um preço muito elevado por um produto de qualidade relativamente
inferior ao de seus concorrentes. Não menos importante, um detalhe que serviria para a futura
construção da identidade da empresa foi acrescentado ao modelo de negócio: Ricardo e Sávio
passaram a oferecer um hot dog produzido "na hora", além dos produtos prontos armazenados
na estufa, o que já era um costume do antigo proprietário.
O resultado das mudanças implementadas foi quase instantâneo. A soma da dedicação,
da ajuda dos amigos e da experiência acumulada com vendas desde a infância fez com que,
já no segundo mês, o volume de vendas dobrasse e, consequentemente, resultados positivos
começassem a ser registrados.
Não demorou muito para que ambos os sócios, animados com a resposta que estavam
obtendo quanto à nova loja dentro das estações, vendessem cada um seu carro para juntos
comprarem mais um ponto próximo dali, na estação Carrão.
Convencidos pelos resultados que foram registrados na primeira unidade, também, na
nova unidade localizada na estação Carrão, a estratégia de otimização da operação baseada

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primordialmente na substituição de fornecedores e aplicação do know-how acumulado com
vendas foi implementada, e, novamente, o sucesso nos resultados, já observados na primeira
loja, foi registrado.
Com o tempo e o contínuo sucesso que obtinham, Ricardo nos conta que a dupla de sócios
ficou conhecida pelas pessoas do ramo pelo interesse em adquirir pontos de venda localizados
dentro da rede de transportes da cidade de São Paulo que não estivessem obtendo resultados
muito positivos, e o mais importante: pela capacidade de reverter esses resultados. O que se
viu, nos meses que se seguiram, foi um amplo aumento na quantidade de pontos de venda
administrados por eles.
Paralelamente ao aumento no tamanho dos negócios, crescia a pressão feita pelas demandas
cada vez mais complexas que o empreendimento requisitava. Ricardo estava consciente da
necessidade de profissionalizar a gestão. Se isso não fosse suficiente, pesava em sua consciência
a promessa feita por ele a sua mãe, quando saiu do Ceará, de que continuaria os estudos quando
viesse a São Paulo. Somam-se esses fatores, e já era possível reunir motivos suficientes para que
ele voltasse ao banco da sala de aula. Era 2007, e Ricardo, convicto dos benefícios que sua
atitude agregaria aos negócios, se matriculou em um curso superior de Administração.
Enquanto frequentava as aulas, uma situação passou a incomodá-lo bastante: como as então
15 unidades adquiridas na época não possuíam relação entre si, era uma grande quantidade de
nomes diferentes que estavam sob sua gestão. “Era Pizzaria Express, Salgado Express, Corujão,
cada um com um nome”, aponta Ricardo. Ele notou que precisava de uma identidade para
seu empreendimento. “Poxa! A ideia é que o tamanho da minha empresa seja monstruoso, a
rede seja monstruosa, os lanches sejam monstruosos. É isso, tem tudo a ver, Monster Dog!”,
afirma. O desenho da logo (Figura 1) foi escolhido depois de algumas propostas desenvolvidas
por um amigo de Ricardo.
Consolidando o modelo de negócio
Engana-se quem pensa que bastava adquirir novas unidades, modificar alguns fornecedores e
usar o conhecimento da experiência como vendedor para extrair bons resultados. O modelo
de negócio proposto, pelo que agora se tornava oficialmente a MD, enfrentou dificuldades e
demorou a ser aceito pelos consumidores e mesmo pelos parceiros.
Um dos aspectos que marcaram os primeiros meses do empreendimento foi o fato de que
as pessoas que utilizavam o metrô não estavam habituadas a comer lanches preparados "na
hora", mas sim escolher algo que já estivesse pronto, na estufa, como uma coxinha ou esfirra.
Do seu ponto de vista, Ricardo nos conta algumas ações de propagandas promovidas que
tornaram seu produto mais conhecido entre os clientes: entre elas, a adoção de miniaturas
em biscuit nos balcões das lojas e a aplicação de fotografias com imagens gigantescas dos
lanches nas fachadas que contribuíram para, aos poucos, habituar a clientela à nova opção
de produto disponível.

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Outro ponto fundamental para o modelo de negócio proposto pela MD demandou dos
clientes ainda mais tempo de adaptação. Ao contrário das lanchonetes de rua, as unidades da
MD, localizadas dentro das estações de metrô, trem ou terminais de ônibus, foram pensadas para
não oferecer mesas ou cadeiras para que os clientes pudessem se sentar, ao consumir os produtos.
A proposta da empresa, estritamente alinhada ao aproveitamento do alto fluxo de pessoas que
circula nos meios de transporte, buscava maximizar a quantidade de lanches vendidos no período
de operação das lojas, mantendo sempre um bom nível de qualidade no produto, por um preço
altamente competitivo. Nesse sentido, a existência de clientes sentados geraria uma demanda
operacional que não seria aderente a essa estratégia, dado que seria necessário, entre outros
aspectos: mais espaço para o dimensionamento das lojas para acomodar os clientes; que mesas e
cadeiras fossem constantemente higienizadas e que, em todas elas, fossem fornecidos molhos e
guardanapos, por exemplo, que gerariam custos operacionais contraditórios ao modelo de negócio.
Logo, para se manter coerente à proposta inicial, optou-se por adotar, desde o princípio,
uma postura distinta da maioria das lanchonetes de rua. Conforme apontado por Ricardo:
“Pagou, pegou e sai andando . . . É muita gente. É muita gente mesmo”.
Além de adaptação da clientela, também houve resistência por parte da administração das
estações de metrô. Habituados a associar estabelecimentos que produziam lanches "na hora",
com alto nível de geração de sujeira e restos de comida espalhados pelo chão, Ricardo precisou
fazer lobby para que pudesse implantar alguns de seus pontos de venda. Somado a isso, a sua
proposta de levar comida feita "na hora" para o ambiente das estações de trem, metrô e ônibus
ganhou ainda mais força quando uma nutricionista foi contratada para compor a equipe com
o objetivo de balancear nutricionalmente os produtos oferecidos e instruir o time sobre os
cuidados necessários durante a manipulação de alimentos.
Outra ação que se mostrou necessária foi a diversificação do cardápio. Como, no metrô,
o horário de funcionamento das lojas ocorre entre as 4 e as 23 horas, existia a percepção de
que as pessoas que iam para o trabalho, logo cedo, normalmente não optavam por se alimentar
com hot dog. Foi aí que Ricardo decidiu incluir outros tipos de alimentos no seu menu, como
o pão de queijo, o misto quente e o pão na chapa, por exemplo, uma decisão que se mostrou
eficaz na diminuição do período ocioso das lojas, incrementando consideravelmente as vendas
e, inclusive, aproximando o cliente das outras opções de lanches.
A multiplicação dos pães
O passar dos anos e o crescimento que a rede de lojas atingia aproximavam os sócios do limite
de pontos de venda que ambos conseguiam gerenciar. Comprometidos com a continuidade de
ampliação da rede de lojas da MD, Ricardo propôs uma nova estratégia de expansão para solucionar
esse problema. Ela envolvia duas frentes: uma primeira, com foco interno e de médio prazo, visando
à preparação de funcionários para assumirem unidades; e a segunda, externa e de longo prazo,
diretamente associada ao processo de preparação da MD para tornar-se um modelo de franquia.

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Franklin Jean Machado | Alice Freitas Oleto FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 8 | ISSN 2179-135X 8
Entre as ações que envolviam a primeira frente de expansão, estava a prospecção de
funcionários que já atuavam em unidades existentes da empresa e que demonstravam interesse
em se tornar futuros proprietários de unidades para, gradativamente, serem capacitados para
assumir esse posto e, de fato, se tornarem gerentes de unidades, quando a oportunidade surgisse.
Essa estratégia de multiplicar internamente os primeiros gerentes de lojas que não seriam
diretamente controladas por Ricardo ou Sávio se mostrou como uma eficiente forma de teste e
preparação para a segunda frente de expansão: a criação do modelo de franquia da MD.
A segunda frente de expansão da empresa – ao contrário da primeira, mais imediata –
teve início em 2015, e tem sido desenvolvida, desde então, por Ricardo e sua equipe. Um fator,
porém, ainda impede que ela seja implantada: “A nossa empresa já tá preparada para franquia
já tá com quase cinco anos . . . a gente preparou todos os manuais, tudo bonitinho, todas as
circulares de oferta de franquia (COFs) com o jurídico, tudo, tudo amarradinho, tudo bonitinho
pra começar a franquear, e, mesmo assim, eu não me sentia seguro”, afirma Ricardo.
Segundo ele, a abertura do modelo de negócios a novos entrantes, que nunca tiveram
contato com a cultura e o dia a dia da MD, ofereceria uma série de riscos que poderiam ser
minimizados, antes de efetivamente implementá-lo. “. . . pra criar um modelo de franquia, eu
fui pra shopping, eu fui pra galeria, eu fui bater cabeça. Eu não queria arriscar o dinheiro dos
franqueados, eu queria arriscar o meu e ver o que dá certo e o que não dá.”
Um dos riscos detectados por Ricardo, durante a etapa de testes, foi a despadronização dos
lanches ocasionada tanto pela forma como estes eram produzidos pelos funcionários como pela
flexibilidade de escolha dos fornecedores adotada pelos responsáveis na compra da matéria-
prima de algumas unidades. Conforme apontado por Ricardo, “às vezes entra um funcionário
novo na chapa e ele começa a querer alterar os molhos, os sabores das coisas, tal”. Depois de
refletir, as soluções apresentadas por ele à sua equipe para essa despadronização foram duas: a
primeira, mais simples, foi reforçar o treinamento periódico dos funcionários que produzem os
lanches para aumentar a aderência às receitas originais, enquanto a segunda, mais ambiciosa,
foi a criação um centro de distribuição (CD) que passaria a fornecer todos os ingredientes de
maneira padronizada para todas as unidades da rede de produção dos lanches.
Ambas as iniciativas foram implementadas e, desde 2017, toda a rede MD é abastecida com
matéria-prima originária desse CD próprio, localizado na cidade de Guarulhos, na Grande São
Paulo. Além de possibilitar a padronização dos lanches, motivo original da sua implementação,
a criação de um CD próprio trouxe uma série de outras vantagens ao modelo de negócio da
empresa, ao oferecer uma nova forma de monitoramento das vendas, baseada no consumo de
matéria-prima demandado por cada unidade, ao possibilitar a adoção de estratégias logísticas
mais eficazes de fornecimento de insumos em uma cadeia extremamente restrita, dado o horário
de funcionamento expandido das lojas e do pouco tempo disponível para entrega da matéria-
prima, e ainda, não menos importante, ao possibilitar a negociação de vantagens competitivas
com fornecedores, dada a concentração dos pedidos em volumes maiores.
Outro ponto detectado por Ricardo como um risco à expansão por meio de franquias foi a
necessidade de informatização da operação. A MD sempre fez uso de um sistema de enterprise

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resource planning (ERP) de mercado que é capaz de integrar diversas áreas de uma empresa
em um só sistema, permitindo que a empresa trabalhe com um banco de dados único e, assim,
consiga automatizar processos, além de ser capaz de controlar desde os pedidos de venda da
empresa até a produção, qualidade, estoque e expedição. Ele é normalmente empregado em
padarias, mas gera algumas reclamações dos usuários em razão da falta de suporte técnico
oferecido, o que põe em risco todo o ganho na implementação de um sistema de gestão,
podendo gerar falhas de sistema, ameaças internas, incidentes evitáveis ao longo da operação
corporativa que comprometem a produção, além de poder causar grandes prejuízos financeiros
e para a imagem da empresa.
Ciente das limitações, Ricardo decidiu estudar a possibilidade de desenvolver um software
próprio, que seria, posteriormente, licenciado para as futuras franquias. Disse ele: “Vamos
imaginar em escala . . . e aí o cara não consegue dar um suporte, entendeu? Então é onde eu
vou começar a ter problema. É uma coisa que eu não quero”.
No segundo semestre de 2019, apesar de ainda não ter se lançado como franquia, os
resultados da primeira frente de expansão já eram visíveis: somente sete lojas da rede eram
gerenciadas diretamente por Ricardo, enquanto as outras 37 já eram gerenciadas por outros
gestores, em sua maioria, ex-funcionários capacitados internamente para assumir unidades
da rede.
Colocando em prática a máxima do produto certo, por um preço
acessível, no local e momento adequados
Desde o início da sua experiência na área de vendas, ainda na infância, como vendedor de
doces, Ricardo aprendeu a reconhecer a importância de se oferecer o produto certo, por um
preço acessível, no local e momento adequados. Cerca de 30 anos depois, com a aquisição
do Corujão, essa lição passou a fazer parte da natureza da MD, que adotou como propósito
oferecer alimentos com um bom nível de qualidade associado a um preço bastante competitivo
às pessoas que fazem uso da rede de transporte público paulistana e nem sempre conseguem
reservar tempo adequado para realizarem suas refeições.
O processo de desenvolvimento de produtos da MD usualmente tem início na mente de
Ricardo. Quando novas ideias de produtos surgem, muitas vezes em inspirações que ele tem ao
experimentar ingredientes diferentes em suas viagens, tudo é anotado em seu caderno de ideias,
o qual serve de base para os testes que se seguem, antes de qualquer lançamento. O primeiro
passo para materializar a ideia é contatar Rodrigo, gerente do CD, e solicitar o preparo dos
ingredientes para o teste na minicozinha desenvolvida para esse fim, também localizada no
CD. Nesse momento, envolvem-se, apenas, os funcionários do círculo mais próximo de Ricardo,
entre eles, a nutricionista da companhia.
Se aprovado por eles, o próximo passo é convidar para experimentar o potencial novo
produto aqueles que efetivamente o oferecerão ao consumidor: todos os gerentes das unidades.

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Somente se passar por esse crivo é que a ideia, de fato, se tornará produto, o que, muitas
vezes, demanda alguns ajustes na receita inicialmente proposta. É aí que todas as variáveis
que compõem a cadeia produtiva do novo lanche são planejadas: a preparação do CD para
fornecimento dos ingredientes às unidades – o que envolve, entre outras necessidades, a
negociação com fornecedores, a preparação da ficha nutricional pela nutricionista responsável,
a produção dos encartes para divulgação do lanche e sua inclusão no menu pela equipe de
marketing, a precificação do produto pelo time financeiro, o treinamento dos funcionários
feito pela nutricionista para produção do novo lanche de acordo com as boas práticas de
manipulação de alimentos, bem como outros aspectos que juntos contribuem para ilustrar o
nível de complexidade do processo de criação e lançamento de um novo produto.
O histórico da MD mostra que, por vezes, o estímulo para a criação de um novo lanche
não foi uma ideia armazenada no caderninho de Ricardo, mas sim uma demanda de mercado.
Um caso desse tipo pôde ser observado no final de 2017, quando o País passava por um dos
maiores períodos de crise de toda a sua história. Com base em suas percepções do mercado
da época, Ricardo afirma: “Até aí, a gente não tinha sido afetado pela crise. E aí eu comecei a
pensar muito no meu público de uma forma diferente”, e adiciona, ressaltando que a clientela
que frequenta a MD estava em um período de gastos menores: “O pessoal tá circulando, e a
gente percebe que ele está gastando cada vez menos, mesmo com os produtos sendo baratos”.
A solução encontrada para estimular as vendas foi o lançamento do Dog Jr., um lanche
com pão de tamanho reduzido, menor quantidade de molho e menos itens de recheio, o que
resultou em um preço que coubesse no bolso do cliente inserido naquele contexto de crise
econômica. O slogan criado pelo Marketing, “Com três moedinhas você faz uma refeição”, foi
reforçado nas comunicações de lançamento do produto, já que o seu preço sugerido de venda,
em um combo que incluía o lanche mais um refresco, era R$ 2,50 (Figura 2).
Os resultados comerciais obtidos confirmaram a leitura de mercado feita por Ricardo: as
vendas foram muito positivas.
Tratando mais especificamente das iniciativas que buscam conectar a MD aos seus clientes,
notou-se que a empresa desenvolve suas principais ações de promoção nas próprias unidades,
pensadas e construídas por uma equipe que busca, desde o início da experiência do cliente,
chamar a sua atenção, dada a identidade visual que compõe, desde o cardápio da empresa
(Figura 3) à fachada dos pontos de venda (Figura 4). Além das próprias características estéticas
da loja, ações de promoção são frequentemente lançadas, com foco maior na segunda quinzena
de cada mês, quando a maior parte da renda mensal dos consumidores já foi gasta (como no
caso já narrado do Dog Jr.).
Outro aspecto constantemente explorado pela empresa é a comunicação visual, tanto nas
fachadas das lojas, como já mencionado, quanto em peças publicitárias expostas em diferentes
locais das lojas, em espaços publicitários das próprias estações, ou nas embalagens dos lanches
(Figura 2).
Ainda, outro canal utilizado para se aproximar do seu público são suas redes sociais, de
modo específico, o Facebook e o Instagram, cujas páginas possuíam, respectivamente, cerca
de 70 mil curtidas e 40 mil seguidores, no início de 2021.

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Todas essas ações são idealizadas, desenvolvidas e lançadas por uma equipe interna de
funcionários capacitada para essa atividade, sem uso de agência de publicidade, o que possibilita
à empresa oferecer seus produtos por um preço final relativamente menor.
Especificamente sobre esse aspecto, é válido mencionar que a MD faz uma gestão
compartilhada do processo de precificação dos seus lanches. Apesar de haver uma orientação
geral sobre os valores que podem ser cobrados, gerada pela equipe financeira que atua na
administração central, há a possibilidade de os gerentes de cada unidade definirem seus preços
finais, de acordo com o seu público consumidor.
Essa estratégia se baseia em fatores individuais que afetam as localidades onde estão
estabelecidas as diferentes unidades da MD. Conforme relatado por Ricardo, o aluguel, por
exemplo, que normalmente representa um valor significativo do custo de mercadorias vendidas
(CMV) da maioria das organizações, aqui também exerce uma forte influência na determinação
do preço final e, obviamente, varia de acordo com a localização de cada um dos pontos de venda.
A importância da localização dos pontos de venda, inclusive, é evidente no propósito de
“se oferecer o produto certo, por um preço acessível, no local e momento adequados”. Conforme
aponta Ricardo, é um fator tão importante que justifica o envolvimento dele próprio na análise
dos potenciais pontos de instalação de novas unidades, que, mesmo oferecendo um alto fluxo
de pessoas, podem guardar algumas armadilhas fatais com potencial de comprometer o negócio.
“De repente vai alguém lá e diz, 'Olha isso aqui vai ser um estouro!' e não vende nada. Mas
está lotado de gente, entendeu?”, e ressalta a importância de sua experiência com vendas para
o público que circula nas estações de metrô: “Porque o público dali é a minha área, é uma
coisa que, como eu estou ali, desde que eu sou camelô eu entendo bem, entendeu?”, afirma.
O sistema de transporte por trilhos paulistano tem 13 linhas de metrô e trens, com 178
estações que se distribuem em uma rede de, aproximadamente, 369 km de trilhos e atendeu,
em 2018, cerca 863 milhões de pessoas no sistema de trens e 1,09 bilhão de pessoas no sistema
de metrô (como algumas pessoas utilizam ambos os sistemas, não é adequado simplesmente
somar esses números).
É bastante comum que esse público realize refeições fora de casa, principalmente em
fast-foods, fator que é potencializado em cidades grandes, dada a constante sensação de que
é necessário que as pessoas se alimentem cada vez mais rápido. Nesse contexto, é natural
que as pessoas busquem aproveitar o tempo de deslocamento entre um ponto e outro para se
alimentarem.
A alta concentração diuturna de pessoas que circulam no sistema de transporte por trilhos
torna-se, dessa forma, uma interessantíssima variável que passou a ser explorada pelo modelo de
negócio da MD de diversas formas, desde a busca pela maior capilarização das suas unidades,
que oferece uma maior probabilidade de captura de clientes que utilizam diversas estações no
mesmo trajeto, até a utilização das unidades como canal de propaganda, como já mencionado.
Outra característica da rede de metrô de São Paulo explorada pela MD, por exemplo, é o
fato de, em número significativo, as vias de acesso às estações ficarem localizadas, literalmente,
dentro de shopping centers, que, por sua vez, contam com unidades de cinema. Ciente desse
fato e reconhecendo as características do público que consome seus produtos, a empresa avaliou

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pertinente o lançamento de campanhas para promover de maneira conjunta seus produtos e
filmes, como na parceria com a Coca-Cola para a promoção de estreia do filme Vingadores:
Guerra infinita. A ação oferecia a oportunidade de concorrer a ingressos para o filme, além de
uma viagem para Atlanta, nos Estados Unidos, para conhecer os estúdios do filme, aos clientes
que consumissem um valor previamente estabelecido nas unidades da MD (Figura 5). Uma
ação similar também foi promovida para o lançamento do filme John Wick 3.
Como o espaço disponível para a instalação das lojas nas estações de metrô varia,
consideravelmente, de um ponto para o outro, a experiência de erros e acertos com a instalação
de diversas unidades fez com que Ricardo passasse a solicitar ao arquiteto e ao engenheiro da sua
equipe que avaliem toda proposta de instalação de nova unidade da MD. Paralelamente, também,
foram criadas “lojas-padrão”, de diferentes tamanhos, estruturadas de modo a aproveitar todos
os centímetros disponíveis para otimizar sua operação. Nada que não possa ser ajustado, como
destacado pelo próprio Ricardo: “A gente conseguiu adaptar o MD numa área, por exemplo,
de quatro metros quadrados. Então, a gente sabe cada espacinho ali, quanto mede o pão, pra
dentro do armário ficar com o pão, quanto cabe a salsicha, o tamanho do freezer, o tamanho de
um caixa, o tamanho de um computador. Ah, a loja é menor? Então, vamos encolher isso aqui”.
Próxima estação? O dilema da expansão
“– Pensando na sua trajetória, partindo como uma pessoa que passou parte da infância como
vendedor ambulante no interior do Ceará e, agora, atua em 44 lojas, em São Paulo, uma das
maiores cidades do planeta: quando você percebeu que você virou realmente um “monster”?
– Eu não tenho essa percepção ainda, porque eu ainda acho muito pequeno.”
Esse trecho foi extraído de uma das conversas que tivemos com Ricardo e deixa claro seu
desejo em expandir, ainda mais, sua rede de lojas.
Alguns aspectos, porém, surgiram com potencial de colocar em xeque seus planos de
expansão os quais, caso não sejam tratados, podem comprometer seriamente o futuro da empresa.
Conforme apontado pelo próprio Ricardo, apesar de a rede de transportes por trilhos ainda
oferecer certa possibilidade de crescimento, ela também traz consigo riscos para a continuidade
da expansão da MD que têm tirado seu sono.
Nesse contexto, há o fato de um bom número de lojas da rede estar estabelecido em pontos
de venda ocupados com base em contratos de licitação com o governo, o que se constitui em
um potencial problema tanto para a abertura de novas unidades como para as lojas já abertas.
Para abertura de novas unidades, trata-se de um risco por não permitir que a MD decida
unilateralmente pela aquisição de um novo ponto de venda, mas dependa de uma combinação
de variáveis político-econômicas que façam com que a empresa seja a vencedora dos editais que
vier a disputar. Além disso, trata-se de um fator de risco para possível perda dos pontos de venda
já estabelecidos, quando do encerramento dos contratos de licitação já ativos, dada a crescente
ameaça da entrada de novos concorrentes, muitos dos quais já declararam seu interesse em
explorar esse mercado.

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Se a concorrência era menor em 2003, quando esse tipo de iniciativa começava a
florescer, o passar dos anos só fez com que novas empresas desejassem um lugar ao sol nesse
formato de atuação.
A Megamatte, por exemplo, que já atua no metrô do Rio de Janeiro, desde 2018, revelou,
por meio do seu CEO, ter um plano de expansão nacional para a rede: “O projeto Metrô tem
muito a ver com o negócio Megamatte. Temos um grande foco no atendimento, com produtos
saudáveis, frescos e preparados diariamente. Sabemos do alto fluxo de pessoas nas estações, elas
buscam e tentam se alimentar entre uma parada e outra, de forma correta”.
Além de novos entrantes, como a Megamatte, há a ameaça de concorrentes que já se
inseriram no mercado ofertado pela malha de trilhos paulistana e têm buscado expandir suas
operações, como a Oakberry e a ManiaMais. A primeira, com uma proposta de oferecer fast-food
saudável por meio de alimentos à base de açaí, já está inserida em algumas estações de metrô de
São Paulo, e demonstra interesse em expandir suas operações. A ManiaMais, por sua vez, é um
empório de produtos naturais que oferece um cardápio com opções orgânicas, vegetarianas e
integrais, e fundou sua primeira loja na rua, fora da rede de transportes, em 2011. Porém, desde
2016, reconhece o potencial do mercado oferecido por esse outro nicho, e abriu sua primeira
loja na estação Brás do metrô paulistano, rapidamente expandindo sua rede em outras estações.
Essa crescente pressão da concorrência e o fato de que, a cada dia, os contratos de licitação
atualmente conquistados pela MD estão mais próximos do vencimento do seu prazo de validade,
fazem com que uma decisão precise ser tomada com a maior brevidade possível, no sentido
de se definir uma estratégia de expansão, sob o risco de, ao invés de expandir, a rede de lojas
vir a diminuir.
Como se os riscos que a concorrência direta oferece já não fossem suficientes, paralelamente,
outro meio de alimentação tem se expandido nos metrôs paulistanos: as vending machines.
Esse canal de vendas se mostrou uma alternativa aos empreendedores concorrentes da MD e
que nele veem uma oportunidade de empreender com custos menores, ou ainda ter um canal
secundário de vendas.
Entre a grande quantidade de vending machines que oferecem opções de alimentação no
metrô, é possível citar, entre outras, a Mais Pipoca, que, há algum tempo, tem espalhado sua
vending machine, a qual fabrica pipoca no vapor e sem gordura, por shoppings, aeroportos e
estações de metrô, e a Red Machine, que se propõe a preparar e vender pizzas em menos de
três minutos, por meio de vending machines instaladas em shoppings, estações de metrô e lojas
de conveniência. Todas elas surgem com potencial de abocanhar parte dos consumidores que,
atualmente, frequentam a MD.
Levando em consideração as informações apresentadas sobre Ricardo, a MD e o cenário
que envolve o anseio em dar continuidade à expansão da rede de lojas, reflita e responda: Que
estratégia pode ser adotada para superar as barreiras descritas e dar continuidade à expansão
da rede de lojas MD?

GVcasos ¹ Revista Brasileira de Casos de Ensino em Administração FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 9 | ISSN 2179-135X 1
CASO
Submissão: 20/09/2021 | Aprovação: 02/05/2022
DOI: https://doi.org/10.12660/gvcasosv12n1c9
BELO MONTE DO XINGU
Belo Monte of Xingu
Antonio Marcos Duarte Júnior¹ | [email protected]
¹Ibmec e UERJ – Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
RESUMO
O complexo hidrelétrico de Belo Monte, com a quarta maior usina hidrelétrica do mundo em capacidade
instalada, e a maior genuinamente brasileira, tem a sua história envolta em muito debate. De um lado
seus defensores, munidos de bons argumentos, como a necessidade crescente de energia renovável e
limpa do País, e, do outro lado, seus detratores, também munidos de bons argumentos, como os custos
ambientais e sociais resultantes da obra. O objetivo do estudo de caso é conduzir o aluno ao longo da
tênue linha divisória que contrapõe o desenvolvimento econômico aos seus impactos negativos sobre o
meio ambiente e comunidades locais.
Palavras-chave: ASG, desenvolvimento sustentável, energia limpa, energia renovável, fontes de energia.
ABSTRACT
The Belo Monte hydroelectric complex, with the fourth largest hydroelectric plant in the world in terms
of installed capacity, and the largest genuinely Brazilian, has a much-troubled history, immersed in
hot debates. On the one hand, its defenders, with good arguments, such as the country's growing need
for renewable and clean energy, and, on the other, its detractors, also with good arguments, such as the
environmental and social costs resulting from the hydroelectric. The purpose of the case study is to lead
the student along the tenuous line that divides economic development from its negative impacts on the
environment and local communities.
Keywords: ESG, sustainable development, clean energy, renewable energy, energy sources.

CASO | BELO MONTE DO XINGU
Antonio Marcos Duarte Júnior FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 9 | ISSN 2179-135X 2
Introdução
Desde o início dos estudos de viabilidade sobre o potencial hidrelétrico da bacia do rio Xingu
(1975) no governo do presidente Ernesto Geisel, passando pelo início de suas obras (2011),
“primeira inauguração” (2016) pela presidenta Dilma Rousseff, até a sua conclusão e “segunda
inauguração” (2019) pelo presidente Jair Bolsonaro, o complexo hidrelétrico de Belo Monte tem
sido motivo de debates acalorados e atos como o de uma indígena que ameaçou o presidente
de Eletronorte, em reunião ocorrida em 1989, ao encostar um terçado em seu rosto.
No centro do debate, está uma questão fundamental para o desenvolvimento do Brasil:
Como produzir energia renovável e limpa em quantidade crescente? Algumas alternativas, como
as energias eólica e solar, ainda exibiam custos proibitivos e careciam de desenvolvimento que
as tornassem eficientes quando do início da construção de Belo Monte, uma realidade que vem
sendo alterada em velocidade surpreendente. Havia ainda os impactos negativos socioambientais
levantados durante a fase de estudos de viabilidade do projeto, que foram paulatinamente
mitigados para alguns autores, mas que ainda estão presentes para outros, que os tratam como
problemas insolúveis.
Fica então a pergunta: O Brasil acertou ou errou ao construir o complexo hidrelétrico
de Belo Monte?
Fontes de energia
As fontes de energia podem ser categorizadas de diferentes formas de acordo com a International
Energy Agency, órgão da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
Uma possibilidade é, conforme o Office of Energy Efficiency and Renewable Energy,
órgão do US Department of Energy, classificar em:
a. fontes de energia não renováveis: aquelas cujo ritmo de consumo atual se encontra acima
do ritmo de reposição por parte da natureza, o que deve levar ao seu desaparecimento
no futuro, dado que suas quantidades são finitas. Exemplos de fontes de energia não
renováveis são as chamadas fontes fósseis (carvão mineral, gás natural, e petróleo e seus
derivados) e as fontes nucleares;
b. fontes de energia renováveis: aquelas cujo ritmo de consumo atual permite que sejam
renovadas continuamente, sendo consideradas inesgotáveis. Exemplos de fontes de
energia renováveis são as energias hidrelétrica, eólica, solar, biomassa, geotérmica e
oceânica.
Na Figura 1, está exibida a matriz energética mundial para o ano de 2018. É possível
constatar que 86,20% da energia consumida no mundo foi obtida de fontes de energia não
renováveis, com somente 13,80% vindo de fontes de energia renováveis. Para efeito de comparação,
a matriz energética brasileira para o mesmo ano se encontra na Figura 2, o que permite ao
leitor observar que o percentual de fontes de energia não renováveis no Brasil foi inferior ao do
mundo, somente 55,50%, com o complemento, 44,50%, sendo obtido de energias renováveis.

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Antonio Marcos Duarte Júnior FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 9 | ISSN 2179-135X 3
Figura 1. Matriz energética mundial (2018)
26,90%
31,50%
22,80%
5,00% 2,50%
11,30%
13,80%
Carvão Mineral Petróleo e Derivados
Gás Natural Nuclear e Outras Fontes Não Renováveis
Fontes Renováveis - HidrelétricaFontes Renováveis - Outras
Fonte: Autor com dados da International Energy Agency.
Figura 2. Matriz energética brasileira (2018)
5,50%
35,40%
12,60%
2,00%
12,20%
32,30%
44,50%
Carvão Mineral Petróleo e Derivados
Gás Natural Nuclear e Outras Fontes Não Renováveis
Fontes Renováveis - HidrelétricaFontes Renováveis - Outras
Fonte: Autor com dados da Empresa de Pesquisa Energética.
Uma segunda possibilidade é, segundo o US Environmental Protection Agency, classificar em:
a. fontes de energia sujas: aquelas que geram a emissão de gases causadores do efeito
estufa (dióxido de carbono, metano, óxido nitroso e gases fluorados), com danos no
longo prazo ao meio ambiente e todos os seres vivos. Essas fontes estão diretamente
ligadas ao aquecimento global e suas consequências, como as mudanças climáticas
que a Terra vem sofrendo. As fontes fósseis são consideradas as maiores causadoras da
emissão de gases do efeito estufa. Como exemplo, do total das emissões de gases do
efeito estufa nos EUA em 2019, 80% foram de dióxido de carbono, 10%, de metano
e 7%, de óxido nitroso, tendo sido os três principais causadores os meios de transporte
(29%), geração de eletricidade (25%) e a indústria (23%);

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b. fontes de energia limpas: aquelas que não geram a emissão de gases causadores do
efeito estufa. Temos como exemplos as fontes de energia hidrelétrica, eólica e solar.
Muitos autores tendem a usar as classificações fontes de energia não renováveis e sujas
como equivalentes, assim como as classificações de fontes de energia renováveis e limpas, mas
isso não se verifica sempre. Por exemplo, as fontes de energia carvão vegetal e bagaço da cana-
de-açúcar são consideradas renováveis e sujas. Um segundo (e polêmico) exemplo é dado pela
fonte de energia nuclear, sabidamente uma fonte de energia não renovável, mas considerada por
muitos autores (por exemplo, o US Department of Energy) limpa por não causar a emissão de
gases do efeito estufa, muito embora tenha como subprodutos os perigosos resíduos nucleares,
cujo manuseio e armazenamento demandam extrema atenção por um longo prazo.
A utilização de energia renovável e limpa é percebida como o caminho correto a ser trilhado
pela humanidade na sua busca incessante por novas fontes de energia. Entretanto, conforme a
Tabela 1, onde está resumido um conjunto de dados para alguns países selecionados no que se
refere às principais fontes de produção e consumo de energia ao final de 2018, é possível observar
que a quase totalidade dos países ainda depende de fontes de energia não renováveis e sujas. Por
exemplo, a China foi o país que mais produziu e consumiu energia naquele ano, tendo sido a
sua principal fonte o carvão mineral, fonte fóssil de energia não renovável e altamente poluente.
Um segundo exemplo é dado pelos EUA, segundo maior produtor e consumidor de energia
mundial em 2018, cuja fonte principal foi o gás natural, também uma fonte fóssil de energia
não renovável e suja. O Brasil, 10º maior produtor de energia mundial e 8º maior consumidor
no mesmo ano, utilizou como principal fonte de energia o petróleo e seus derivados, assim
como nos dois casos citados anteriormente, uma fonte fóssil de energia não renovável e suja.
É importante entender que, embora algumas fontes de energia pareçam mais promissoras,
toda fonte tem seus pontos positivos e negativos, os quais devem ser analisados e comparados.
Em outros termos, não há uma fonte de energia que possa ser considerada “perfeita”, no sentido
de não apresentar eventuais questionamentos.
Tabela 1. Produção e consumo de energia em alguns países (2018)
País
Posição
(por produção)
Produção
(quatrilhões
de BTUs)
Fonte Principal
de Produção
Posição
(por consumo)
Consumo
(quatrilhões
de BTUs)
Fonte Principal
de Consumo
China 1 117,8 Carvão Mineral 1 147,6 Carvão Mineral
Estados Unidos 2 95,7 Gás Natural 2 101,2 Gás Natural
Rússia 3 63,4 Gás Natural 3 33,3 Petróleo e Derivados
Arábia Saudita 4 29,5 Petróleo e Derivados 12 10,2 Petróleo e Derivados
Canadá 5 23,7 Petróleo e Derivados 6 15,2 Petróleo e Derivados
Irã 6 18,1 Petróleo e Derivados 10 11,7 Gás Natural
Continua

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País
Posição
(por produção)
Produção
(quatrilhões
de BTUs)
Fonte Principal
de Produção
Posição
(por consumo)
Consumo
(quatrilhões
de BTUs)
Fonte Principal
de Consumo
Índia 7 17,2 Carvão Mineral 4 31,3 Carvão Mineral
Austrália 8 16,7 Carvão Mineral 18 6,0 Petróleo e Derivados
Indonésia 9 15,8 Carvão Mineral 15 8,0 Petróleo e Derivados
Brasil 10 12,1 Petróleo e Derivados 8 12,8 Petróleo e Derivados
México 18 6,3 Petróleo e Derivados 14 8,0 Gás Natural
África do Sul 20 5,9 Carvão Mineral 20 5,6 Carvão Mineral
Reino Unido 21 5,5 Petróleo e Derivados 13 8,3 Petróleo e Derivados
França 22 5,3 Nuclear 11 10,3 Nuclear
Colômbia 23 5,1 Carvão Mineral 45 1,7 Carvão Mineral
Venezuela 24 5,0 Petróleo e Derivados 35 2,6 Petróleo e Derivados
Alemanha 25 4,8 Renováveis 7 13,8 Petróleo e Derivados
Argentina 31 3,3 Gás Natural 33 3,6 Gás Natural
Japão 34 2,6 Renováveis 5 19,2 Petróleo e Derivados
Coreia do Sul 44 1,6 Nuclear 10 12,4 Petróleo e Derivados
Equador 48 1,3 Petróleo e Derivados 68 0,7 Petróleo e Derivados
Peru 51 1,1 Gás Natural 57 1,1 Petróleo e Derivados
Fonte: Autor com dados do U.S. Department of Energy e International Energy Agency.
ConclusãoTabela 1. Produção e consumo de energia em alguns países (2018)

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No caso das fontes de energia não renováveis, o principal ponto negativo é a questão
da finitude, mas o leitor não pode esquecer que, na maioria das vezes, são fontes altamente
poluentes, entre as principais causadoras do aquecimento global, com impactos negativos de
longo prazo ainda não totalmente compreendidos sobre o clima da Terra. O uso de fontes
de energia renováveis tende a causar menores impactos negativos ao meio ambiente quando
comparados aos causados pelo uso de fontes de energia não renováveis, especialmente no
caso dos combustíveis fósseis. Por outro lado, as fontes de energia não renováveis já são bem
compreendidas pela humanidade, algumas tendo sido utilizadas por séculos, apresentando
custos de obtenção usualmente baixos, além de poderem ser armazenadas, transportadas e
entregues em qualquer local do planeta com boa previsibilidade.
Na Tabela 2, estão resumidos os principais pontos positivos e negativos associados às quatro
fontes de energia não renováveis exibidas na Figura 1. Assim como as fontes de energia não
renováveis, as fontes de energia renováveis apresentam pontos positivos e negativos, conforme
detalhado para as energias hidrelétrica, biomassa, eólica e solar na Tabela 3, Tabela 4, Tabela
5 e Tabela 6, respectivamente.
Tabela 2. Pontos positivos e negativos de quatro fontes de energia não renováveis
Fonte de EnergiaAlguns Pontos Positivos Alguns Pontos Negativos
Carvão Mineral
Fonte barata e confiável, que pode ser
utilizada em qualquer lugar do planeta, em
qualquer época do ano, podendo ser facilmente
armazenada, transportada e utilizada, sendo a
segunda fonte de energia mais utilizada
Uma das principais fontes de energia
causadoras do aquecimento global, além de
apresentar na sua fase de extração inúmeros
perigos para a saúde e vida dos trabalhadores
mineiros
Gás Natural
Fonte barata e confiável, que pode ser
utilizada em qualquer lugar do planeta, em
qualquer época do ano, podendo ser facilmente
armazenada, transportada e utilizada, sendo
muito menos poluente do que o carvão mineral
e o petróleo e seus derivados
Processo de extração pode ser danoso para
o meio ambiente, especialmente quando da
inserção de água pressurizada ou produtos
químicos no subsolo, o que pode causar a
contaminação de lençóis freáticos a serem
usados no futuro por populações locais
Petróleo e seus
Derivados
Fonte barata e confiável, que pode ser
utilizada em qualquer lugar do planeta, em
qualquer época do ano, podendo ser facilmente
armazenada, transportada e utilizada, sendo a
principal fonte de energia global
Uma das fontes causadoras do aquecimento
global, além de poder levar a severos danos
ambientais em função de derramamentos, com
consequências duradouras, especialmente para
a fauna marinha
Nuclear
Fonte confiável, que pode ser utilizada em
qualquer lugar do planeta, em qualquer época
do ano, sem a emissão de gases tóxicos
causadores da poluição atmosférica, com
poucos impactos nos arredores das usinas
O lixo nuclear produzido é altamente tóxico para
os seres vivos e de difícil armazenagem, com
operação difícil e demandante, com potencial
para verdadeiras catástrofes humanas, como
ocorrido em Chernobil
Fonte: Autor com dados da International Energy Agency, Empresa de Pesquisa Energética e U.S. Department of Energy.

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Tabela 3. Alguns pontos positivos e negativos do uso da energia hidrelétrica
Pontos Positivos Pontos negativos
Energia renovável e limpa que pode ser obtida com baixo
custo de operação
Dependência dos níveis de precipitação nas regiões a
montante da barragem para represamento e uso futuro
Potencial turístico para as regiões alagadas pela
formação de lagos, que podem ser usadas para
recreação
Possível desaparecimento de locais históricos ou
turísticos, encobertos pela água, assim como cidades,
com a realocação de pessoas
Possibilidade de desenvolvimento de empreendimentos
para a criação de peixes e quelônios no lago formado
Potencial impacto para a migração e procriação de peixes
e quelônios que viviam nos rios antes do represamento
Possibilidade de controle da disponibilidade de água para
períodos de seca para cidades e regiões agrícolas
Possibilidade de que, em períodos de seca, haja pouca
água para o consumo de populações a jusante da
barragem
Possibilidade de navegação no rio a montante da
barragem, em função do represamento de água
Possibilidade de que, em períodos de seca, haja pouco
volume de água para navegação a jusante da barragem
Usinas hidrelétricas têm vida útil muito superior
quando comparadas a usinas baseadas em fontes não
renováveis
Pode impactar a qualidade da água ao reduzir os níveis de
oxigenação, após o início do represamento, para formação do
lago a montante
Fonte: Autor com dados da International Energy Agency, Empresa de Pesquisa Energética e U.S. Department of Energy.
Tabela 4. Alguns pontos positivos e negativos do uso da energia de biomassa
Pontos Positivos Pontos negativos
Energia renovável que pode ser obtida de modo
sustentável a um custo de operação competitivo
A queima de biomassa gera emissões de gás carbônico e
fumaça, prejudiciais à saúde humana
Produzida de materiais orgânicos que podem ser obtidos
e armazenados em praticamente todo o planeta
A obtenção de energia da biomassa pode concorrer com
a produção de alimentos, elevando os preços dos últimos
Produção de biomassa tende a gerar empregos em
áreas rurais, onde usualmente há menor demanda de
qualificação profissional
A utilização de biomassa para a produção de energia
pode levar à monocultura em determinadas regiões
Utilização de rejeitos orgânicos para produção de energia
evita que acabem sendo colocados em lixões
A produção de biomassa usualmente demanda a
utilização de muita água, assim como grandes áreas de
cultivo
A queima do biogás, composto principalmente por gás
metano, é menos prejudicial que a sua liberação na
atmosfera
Como o gás metano é altamente inflamável e explosivo, o
armazenamento do biogás demanda extremo cuidado
Dado o potencial agrícola brasileiro, a produção de
biomassa pode compor a pauta de exportações, gerando
divisas para o País
O incentivo à produção de biomassa pode dificultar a
preservação de florestas primárias e da vida animal
A queima de biomassa é menos prejudicial para o planeta
do que a queima de carvão mineral
A queima de biomassa é tão prejudicial para o planeta
quanto a queima de gás natural
Fonte: Autor com dados da International Energy Agency, Empresa de Pesquisa Energética e U.S. Department of Energy.

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Tabela 5. Alguns pontos positivos e negativos do uso da energia eólica
Pontos Positivos Pontos negativos
Energia renovável e limpa que pode ser obtida a custos
decrescentes de operação
Fonte de energia intermitente, que pode ser impactada em
função da circulação de ar em determinadas épocas do ano
Aerogeradores podem ser instalados em diversos locais,
seja sobre a terra (praias, dunas etc.), seja na água
(baías, rios etc.)
Aerogeradores instalados em praias, dunas e na região
da caatinga no Nordeste causam danos à vegetação
nativa
Proprietários de terras podem conceder permissão para
instalação em suas propriedades, obtendo remuneração
extra
Aerogeradores causam mortes de pássaros se instalados
próximos às rotas de migração anual e áreas de
alimentação
Possibilidade de instalação em locais distantes,
facilitando o acesso de comunidades isoladas à energia
renovável e limpa
Muitas vezes os aerogeradores são instalados em pontos
turísticos, enfeando substancialmente a cercania
Fonte: Autor com dados da International Energy Agency, Empresa de Pesquisa Energética e U.S. Department of Energy.
Tabela 6. Alguns pontos positivos e negativos do uso da energia solar
Pontos Positivos Pontos negativos
Energia renovável e limpa que pode ser obtida a custos
decrescentes de operação
Fonte de energia que não pode ser utilizada durante o
período noturno ou em dias nublados
Equipamento apresenta elevada mobilidade, podendo ser
usado em praticamente em qualquer lugar no planeta
Grandes fazendas coletoras de energia solar demandam
áreas enormes, com impactos ambientais locais negativos
Equipamento pode ser instalado nas coberturas de casas,
fábricas e outras locais de fácil acesso
Equipamentos por vezes instalados em locais de alta
visibilidade, levando à deterioração visual da região
Possibilidade de instalação em locais distantes, facilitando o
acesso de comunidades isoladas à energia renovável e limpa
Alguns dos materiais utilizados para a produção de placas de
energia solar são tóxicos e de manuseio perigoso
Fonte: Autor com dados da International Energy Agency, Empresa de Pesquisa Energética e U.S. Department of Energy.
Figura 3. Produção de energia no Brasil (1980-2018)
0
2
4
6
8
10
12
14
1980 1999 2018
(quatrilhões de BTUs)
Fontes Renováveis Petróleo e seus Derivados
Demais Fontes Não Renováveis
Fonte: Autor com dados do U.S. Department of Energy.

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Na Figura 3, está exibida a evolução da produção total de energia no Brasil durante um
período de quase 40 anos (1980-2018), discriminada em:
a. fontes de energia renováveis;
b. petróleo e seus derivados;
c. demais fontes de energia não renováveis.
Quatro observações ficam imediatamente claras nessa figura:
a. A tendência de crescimento na quantidade total de energia produzida no País, saindo
de aproximadamente 2 quatrilhões de BTUs em 1980 para mais de 12 quatrilhões de
BTUs ao final de 2018.
b. A tendência de crescimento da quantidade de energia renovável produzida no País,
saindo de aproximadamente 1,5 quatrilhão de BTUs em 1980 para mais de 5 quatrilhões
de BTUs ao final de 2018.
c. A tendência de crescimento da dependência do País em petróleo e seus derivados, saindo
de aproximadamente 0,5 quatrilhão de BTUs em 1980 para mais de 5,5 quatrilhões
de BTUs ao final de 2018.
d. A diminuição da porção oriunda de fontes de energia renováveis em relação ao total
de energia produzida, com o consequente aumento da porção oriunda de fontes de
energia não renováveis.
Necessidade de energia
O Brasil tem necessidade de buscar continuamente novas fontes de energia. Na Figura 4, estão
ilustrados a produção e o consumo de energia no País no período de 1980 até 2018, donde é possível
constatar a condição do Brasil de importador de energia ao longo de todo o período considerado.
Figura 4. Produção e consumo de energia no Brasil (1980-2018)
0
2
4
6
8
10
12
14
1980 1999 2018
(quatrilhões de BTUs)
Produção Consumo
Fonte: Autor com dados do U.S. Department of Energy.

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A necessidade pela contínua busca por fontes de energia não é exclusividade do Brasil,
como ilustrado na Figura 5, que nos permite apreciar o histórico da produção de energia dos
EUA e China entre 1980 e 2018, onde chama a atenção em especial o crescimento desse último
país no atual século.
Figura 5. Produção de energia em três países (1980-2018)
0
20
40
60
80
100
120
1980 1999 2018
(quatrilhões de BTUs)
Brasil EUA China
Fonte: Autor com dados do U.S. Department of Energy.
Figura 6. Produção de energia nos BRICS (1980-2018)
0
20
40
60
80
100
120
1980 1999 2018
(quatrilhões de BTUs)
Brasil Rússia China Índia África do Sul
Fonte: Autor com dados do U.S. Department of Energy.
Comparativamente aos países BRICS, o leitor pode observar na Figura 6 que o Brasil
supera apenas a África do Sul no que se refere à produção de energia, sendo amplamente
superado pela China, Índia e Rússia (nesse último caso, somente com os dados posteriores à
dissolução da URSS). A análise da Tabela 1 revela que a China foi a maior importadora de

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energia do mundo em 2018 (117,8 quatrilhões de BTUS produzidos contra o consumo de 147,6
quatrilhões de BTUS), com a Índia também na condição de importadora (17,2 quatrilhões de
BTUS produzidos contra o consumo de 31,3 quatrilhões de BTUS). Por outro lado, a Rússia foi
uma grande exportadora de energia (63,4 quatrilhões de BTUS produzidos contra o consumo de
33,3 quatrilhões de BTUS) em 2018, principalmente para os países da Europa Ocidental, com
destaque para a Alemanha. É possível constatar ainda que o Brasil foi um importador marginal
de energia em 2018, enquanto a África do Sul foi uma exportadora marginal de energia. Por
fim, vale observar na mesma tabela que todos os países BRICS são muito dependentes de fontes
fósseis de energia não renováveis e sujas, com destaque para o carvão mineral e o petróleo e
seus derivados.
Figura 7. Posição do Brasil na produção e consumo mundiais de energia (1980-2018)
1
5
9
13
17
21
25
29
1980 1999 2018
Posição Mundial
ProduçãoConsumo
Fonte: Autor com dados do U.S. Department of Energy.
O grande esforço do Brasil na busca da autossuficiência energética pode ser compreendido
a partir da análise da Figura 7. Por exemplo, em 1980, o País era somente o 29º maior produtor
mundial de energia, enquanto ocupava a 12ª posição entre os consumidores de energia no mundo.
Ao observar a evolução do Brasil até 2018, o leitor percebe que o País se tornou o 10º maior
produtor mundial de energia, passando a ocupar a 8ª posição entre os maiores consumidores de
energia. O complexo hidrelétrico de Belo Monte não pode ser dissociado dessa busca mandatória
do País por novas fontes de energia renováveis e limpas.
Geração de eletricidade
Uma das questões mais importantes quando se fala de energia está relacionada à capacidade
instalada de um país em gerar energia elétrica para a sua indústria e população. Em outros
termos, nos referimos nesta seção especificamente às fontes de energia que são utilizadas pelos
países para a geração da energia elétrica usada em residências, fábricas, escolas, hospitais,
praças, ruas etc.

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A matriz elétrica mundial de 2018 está ilustrada na Figura 8, donde é possível observar
que, em nível mundial, o carvão mineral foi a principal fonte de geração de energia elétrica
naquele ano, ou seja, uma fonte fóssil de energia não renovável e suja. As fontes de energia
renováveis foram usadas para gerar apenas 25,90% de eletricidade no mundo, sendo 16,20%
especificamente relacionados à energia hidrelétrica.
Figura 8. Detalhamento da matriz elétrica mundial (2018)
38,00%
2,90%
23,00%
10,20%
16,20%
9,70%
25,90%
Carvão Mineral Petróleo e Derivados
Gás Natural Nuclear e Outras Fontes Não Renováveis
Fontes Renováveis - HidrelétricaFontes Renováveis - Outras
Fonte: Autor com dados da International Energy Agency.
Figura 9. Fontes de energia para geração de eletricidade no mundo (1980-2018)
0%
20%
40%
60%
80%
100%
1980 1999 2018
Nuclear Carvão Mineral Petróleo e Derivados
Gás Natural Fontes RenováveisOutras
Fonte: Autor com dados da International Energy Agency.
Na Figura 9, podemos observar a evolução das fontes de energia usadas no mundo para a
geração de energia elétrica entre 1980 e 2018. O carvão mineral foi a principal fonte usada ao
longo de todo o período, tendo permanecido com uma participação percentual praticamente
constante ao longo desses últimos quase 40 anos. É também patente a redução percentual do
uso de fontes nucleares e do petróleo e seus derivados no período, e o uso crescente do gás
natural e de fontes de energia renováveis. Segundo dados do US Department of Energy, em

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2018, a China detinha aproximadamente 26,5% da capacidade instalada global para a geração
de energia elétrica, contra 16,1% dos EUA, 5,8% da Índia, 4,4% do Japão, e 2,3% do Brasil.
Figura 10. Detalhamento da matriz elétrica brasileira (2018)
3,20%
2,40%
8,60%
2,50%
66,70% 8,50%
7,60%
0,50%
16,60%
Carvão Mineral Petróleo e Derivados
Gás Natural Nuclear e Outras Fontes Não Renováveis
Fontes Renováveis - HidrelétricaFontes Renováveis - Biomassa
Fontes Renováveis - Eólica Fontes Renováveis - Solar
Fonte: Autor com dados da Empresa de Pesquisa Energética.
Para consideração, temos na Figura 10 a matriz elétrica brasileira de 2018. O leitor pode
observar que 66,70% da energia elétrica obtida no País naquele ano foi de fontes hidrelétricas,
enquanto 16,60%, de outras fontes renováveis, perfazendo o total de 83,30% – contra apenas
25,90% de fontes de energia renováveis no caso da matriz elétrica mundial (Figura 8). A
comparação da matriz elétrica brasileira, Figura 10, com a matriz elétrica chinesa, Figura 11,
mostra que, enquanto a principal fonte para a geração de energia elétrica no Brasil era renovável
e limpa em 2018, energia hidrelétrica, com 66,70% do total, no caso chinês, a principal fonte
para a geração de energia elétrica era não renovável e suja, a fonte fóssil carvão mineral, com
64,08% do total.
Figura 11. Detalhamento da matriz elétrica chinesa (2018)
64,08%
1,90%
3,09% 4,22%
17,61%
1,34%
5,23%
2,53%
9,11%
Carvão Mineral Petróleo e Derivados
Gás Natural Nuclear e Outras Fontes Não Renováveis
Fontes Renováveis - HidrelétricaFontes Renováveis - Biomassa
Fontes Renováveis - Eólica Fontes Renováveis - Solar
Fonte: Autor com dados da China Energy Portal.

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É importante reconhecer, entretanto, o esforço da China em buscar uma matriz elétrica
mais limpa e renovável ao construir usinas hidrelétricas, como ilustrado na Tabela 7: somente
neste século, aquele país inaugurou quatro entre as 10 maiores usinas hidrelétricas no mundo.
Na mesma Tabela 7, o leitor observa que três entre as seis maiores usinas hidrelétricas no mundo
estão no território brasileiro. Entre essas três, a maior genuinamente brasileira é justamente
Belo Monte, na bacia do rio Xingu, no Pará.
Tabela 7. Dez maiores hidrelétricas no mundo (2020)
Posição País Nome Inauguração
Capacidade
Instalada (MW)
Rio
Vazão Média
m
3
/s
1 China Três Gargantas 2003 22.500 Yangtzé 30.170
2 Brasil & Paraguai Itaipu 1984 14.000 Paraná 17.270
3 China Xiluodu 2013 13.860 Jinsha 4.470
4 Brasil Belo Monte 2016 11.230 Xingu 9.680
5 Venezuela Guri 1978 10.200 Caroni 5.100
6 Brasil Tucuruí 1984 8.450 Tocantins 11.800
7 EUA Grand Coulee 1942 6.800 Columbia 7.500
8 China Xiangjiaba 2012 6.500 Jinsha 4.470
9 China Longtan 2009 6.430 Hongshui 2.100
10 Rússia
Sayano-
Shushenskaya
1985 6.400 Ienissei 18.000
Fonte: Autor com dados da Itaipu Binacional, Enciclopédia Barsa e Enciclopédia Britânica.
Segundo informações do US Department of Energy, em 2018, a China detinha 27,1% da
capacidade instalada global para geração de eletricidade a partir de fontes hidrelétricas, contra
aproximadamente 8,0% dos EUA e Brasil, 6,2% do Canadá e 4,1% da Rússia.
Energia hidrelétrica
Somente países com muitos recursos hídricos podem considerar a exploração de fontes de energia
renováveis e limpas de origem hidrelétrica. A América do Sul é uma região privilegiada no que
se refere a recursos hídricos, com alguns dos rios mais volumosos do mundo, como ilustrado
na Tabela 8. Não por coincidência, quatro entre as seis mais potentes usinas hidrelétricas no
mundo encontram-se na América do Sul, conforme exibido na Tabela 7.
O Brasil destaca-se entre os países da América do Sul por sua extensão territorial e por ser
o detentor da maior porção da bacia amazônica, além de ter acesso em seu território aos três
principais rios formadores da bacia do Rio da Prata (rios Paraná, Paraguai e Uruguai). Exatamente
por esse motivo, as fontes de energia hidrelétrica podem ter a representação percentual elevada
na matriz elétrica brasileira, como exibido na Figura 10, ponto diretamente relacionado à
ampla gama de usinas hidrelétricas existentes no País, conforme exibido na Tabela 9, em todas
as regiões, do norte ao sul, do nordeste ao sudeste.

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Tabela 8. Rios mais volumosos no mundo
Posição Nome Localização
Volume
m
3
/s
Bacia
(1000 km²)
Extensão
(km)
1 Amazonas
América do Sul
(Brasil, Peru etc.)
210.000 7.500 6.400
2 Congo
África
(R. D. Congo, R.
Congo etc.)
41.250 4.000 4.400
3 Ganges
Ásia
(Índia e Bangladesh)
38.100 1.700 2.700
4 Orinoco
América do Sul
(Venezuela e
Colômbia)
37.000 880 2.250
5 Madeira
América do Sul
(Brasil e Bolívia)
31.300 1.350 1.450
6 Yangtzé
Ásia
(China)
30.170 1.800 6.300
7 Negro
América do Sul
(Brasil e Colômbia)
28.500 690 2.250
8 Rio da Prata
América do Sul
(Argentina e Uruguai)
22.000 3.100 290
9 Bhramaputra
Ásia
(Bangladesh, Índia e
China)
20.000 720 3.400
10 Japurá
América do Sul
(Brasil e Colômbia)
18.600 270 2.100
12 Paraná
América do Sul
(Argentina, Brasil
etc.)
17.300 2.600 4.900
14 Mississipi
América do Norte
(EUA)
16.800 3.200 3.700
15 Marañón
América do Sul
(Peru)
16.700 360 1.700
20 Tocantins
América do Sul
(Brasil)
13.600 920 2.700
21 Tapajós
América do Sul
(Brasil)
13.500 500 2.000
28 Xingú
América do Sul
(Brasil)
9.700 530 2.250
Fontes: Autor com dados da Enciclopédia Barsa e Enciclopédia Britânica.

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Tabela 9. Dez maiores hidrelétricas no Brasil (2020)
Posição Nome Estado Inauguração
Capacidade
Instalada (MW)
Bacia
Equivalência
(Angra I)
1 Itaipu Paraná 1984 14.000 Rio Paraná 10,7 (50%)
2 Belo Monte Pará 2016 11.230 Rio Xingu 17,1
3 Tucuruí Pará 1984 8.450 Rio Tocantins 12,9
4 Jirau Rondônia 2016 3.750 Rio Madeira 5,7
5 Santo Antônio Rondônia 2012 3.570 Rio Madeira 5,4
6 Ilha Solteira Paraná 1973 3.450 Rio Paraná 5,3
7 Xingó
Alagoas &
Sergipe
1994 3.160 Rio São Francisco 4,8
8 Paulo Afonso Bahia 1979 2.460 Rio São Francisco 3,7
9 Itumbiara
Minas Gerais &
Goiás
1980 2.080 Rio Paranaíba 3,2
10 Teles Pires
Pará & Mato
Grosso
2015 1.820 Rio Tapajós 2,8
Fonte: Autor com dados da Empresa de Pesquisa Energética, Eletronuclear e Itaipu Binacional.
Vale mencionar em particular a última coluna da Tabela 9, onde temos a capacidade
instalada em cada usina hidrelétrica como múltiplo da capacidade instalada da usina nuclear
Angra I. Por exemplo, Belo Monte equivale (em capacidade instalada) a aproximadamente
17 reatores nucleares como aquele em Angra I. A soma da última coluna da Tabela 9 indica
que, se as 10 maiores usinas hidrelétricas brasileiras fossem substituídas por reatores nucleares,
seriam necessários 72 reatores nucleares como o de Angra I. Para efeito de comparação, em
meados de 2020, o país que mais produziu eletricidade a partir da energia nuclear, os EUA,
com aproximadamente 28% da capacidade instalada global, possuía 96 reatores nucleares em
operação; o segundo maior, França, com aproximadamente 18% da capacidade instalada global,
operava 58 reatores nucleares; a China, o terceiro maior produtor de eletricidade a partir de
energia nuclear, com aproximadamente 10% da capacidade instalada global, contava com 49
reatores nucleares em operação.
Pela sua dimensão continental, o Brasil, naturalmente, apresenta potencial elevado para a
produção de eletricidade a partir de outras fontes renováveis e limpas. Um exemplo importante
é o potencial eólico do País, que saltou de menos de mil MW (capacidade instalada) em 2010
para quase 13 mil MW (capacidade instalada) em 2017; ou seja, em sete anos, os aerogeradores
instalados no País superaram com folga a capacidade total instalada em Belo Monte. Outro
dado importante a ser mencionado é que no dia 18 de novembro de 2018, na época da chamada
“safra dos ventos”, os parques eólicos instalados na região Nordeste do País forneceram, pela
primeira vez, durante um período de duas horas, toda a energia demandada por aquela região,

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algo que agora vem se repetindo regularmente. Segundo a Associação Brasileira de Energia
Eólica, ao final de 2020, o País contava mais de 600 parques eólicos instalados em 12 estados
da Federação, com um total de mais de 7.500 aerogeradores, aproximadamente 80% dos quais
na região Nordeste. Esses dados promissores não são sem custo, entretanto, conforme colocado
na Tabela 5 e visualmente ilustrado na Figura 12, onde o belíssimo pôr do sol da praia de
Tourinhos, em São Miguel do Gostoso, RN, é enfeado por um dos maiores parques eólicos
instalados na região Nordeste.
Figura 12. Pôr do sol na Praia de Tourinhos, São Miguel do Gostoso, RN

Vale mencionar que, segundo dados do US Department of Energy, em 2018, a China
detinha 29,5% da capacidade instalada global para geração de eletricidade a partir de outras
fontes de energia renováveis que não a hidrelétrica (ou seja, eólica, solar, biomassa, ondas e
marés), contra 14,2% do EUA, 10,5% da Alemanha, 5,7% da Índia, e 2,8% do Brasil.
ASG
Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, um projeto de
investimento ASG (em inglês, ESG, de Environment, Social e Governance) é aquele que
incorpora em sua análise, em adição às tradicionais métricas econômico-financeiras, questões:
a. ambientais, como o uso de energia renovável e limpa, controle dos danos causados ao meio
ambiente, eficiência energética e o uso inteligente dos recursos naturais nos seus arredores;

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b. sociais, como políticas inclusivas e que estimulem a qualificação, a diversidade e o bem-
estar de seus empregados e familiares, respeito às comunidades que vivem nos arredores do
projeto e a inserção do projeto na sociedade de modo a gerar ganhos para a humanidade;
c. de governança, como ilustrado por uma gestão transparente, responsável, ética e
profissional.
A análise de projetos que satisfaçam a demandas ambientais, sociais e de boa governança
vem tomando importância crescente nos mercados financeiros, impactando decisivamente o não
financiamento de projetos que, outrora, poderiam ter obtido recursos para a sua implantação,
mas agora não mais. Em outros termos, a utilização dos chamados critérios ASG vem sendo
incorporada de maneira definitiva ao processo de análise de investimentos, especialmente na
análise de projetos em setores como energia e transportes, com alto potencial para impactos
negativos ambientais e sociais.
Tabela 10. Alguns esforços que levaram aos critérios ASG para análise de projetos
Ano Nome Explicação
1972
United Nations Conference
on Human Environment
Primeira discussão internacional sobre o trade off existente entre desenvolvimento
econômico e impactos ambientais negativos
1987
World Commission
on Environment and
Development
Primeira definição aceita internacionalmente sobre desenvolvimento sustentável é
alcançada por todos os países e publicada no Relatório Brundtland
1992
The United Nations
Environmental Progamme
Criação do Financial Institutions Initiative para discutir a questão do
desenvolvimento sustentável diretamente com as instituições financeiras
1992 Rio 92
Conferência de chefes de Estado que ocorreu na cidade do Rio de Janeiro para
iniciar o debate dos principais problemas ambientais mundiais
1997 Protocolo de Quioto
Tratado internacional que estabeleceu parâmetros para a redução de emissão dos
gases causadores do efeito estufa
2002 Governo do Reino Unido
Divulgação dos Princípios de Londres para a análise de projetos (financiados por
instituições britânicas) com possíveis impactos ambientais e sociais negativos
2002 OECD
Publicação do Common approaches on export credit and the environment revision 6
com relação à atuação das export credit agencies para o desenvolvimento sustentável
2002 Rio+10
Conferência de chefes de Estado que ocorreu na cidade de Joanesburgo para
continuar o debate sobre desenvolvimento sustentável
2003 Declaração de Collevecchio
Publicação de uma declaração baseada em seis princípios que buscava estabelecer
um balanço equilibrado entre resultados financeiros e desenvolvimento sustentável
2003 Princípios do Equador
Dez bancos internacionalmente ativos divulgam princípios que deveriam nortear a
análise de projetos com possíveis impactos ambientais e sociais negativos
2006 Al Gore
Publicação da primeira edição de An inconvenient truth: The planetary emergency
of global warming and what we can do about it
2012 Rio+20
Conferência de chefes de Estado que ocorreu na cidade do Rio de Janeiro para
continuar o debate sobre desenvolvimento sustentável
2012 Emenda de Doha
Emenda feita ao Protocolo de Quioto para o estabelecimento de novos valores e
datas para a redução das emissões de gases causadores do efeito estufa
2015 Acordo de Paris
Tratado internacional para o estabelecimento de uma nova meta global de
redução das emissões dos gases causadores do efeito estufa
Fonte: Autor com dados de BankTrack, IFC, The Equator Principles, US EXIM Bank e World Bank.

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Para alguns, o tema ASG pode até parecer recente, mas não é, tendo ganhado enorme
impulso após uma sequência de iniciativas, algumas das quais resumidas na Tabela 10. Vale
mencionar, em particular, que foi somente em 1987, quando da publicação do Relatório
Brundtland, que o mundo finalmente convergiu para uma definição para desenvolvimento
sustentável: trata-se do desenvolvimento que satisfaz as necessidades das gerações atuais sem
comprometer a capacidade das futuras gerações em satisfazer as suas próprias necessidades. O
desenvolvimento sustentável não pode comprometer os sistemas naturais que sustentam a vida
na Terra, incluídos os solos e as águas, sendo um processo no qual a exploração dos recursos e
os investimentos devem estar em harmonia.
Os principais problemas com várias das iniciativas listadas na Tabela 10 são: por vezes, podem
existir interesses escusos em determinadas participações, ou mudanças na condução política de
determinados países podem levar ao redirecionamento dos interesses e compromissos anteriormente
sinalizados, entre outras possibilidades, conforme os quatro exemplos seguintes ilustram:
a. Em 2017, o então presidente norte-americano Donald Trump comunicou que os EUA
se retirariam do Acordo de Paris, algo que se tornou efetivo (por questões burocráticas)
somente em 2020. A justificativa foi que “a economia norte-americana ficaria em uma
posição de desvantagem permanente” se permanecesse como signatário. É importante
lembrar que os EUA foram o segundo maior emissor mundial de dióxido de carbono
em 2018, com aproximadamente 15% das emissões globais, somente atrás da China
(com 28% das emissões globais). Em 2021, o presidente Joe Biden solicitou a readmissão
dos EUA, o que ocorreu no mesmo ano.
b. Os Princípios do Equador, que foram publicados inicialmente em 2003 com 10
signatários de cinco países, atingiram, em meados de 2021, a marca de 118 signatários
de 37 países, incluindo cinco do Brasil: Banco Bradesco (desde 8 de setembro de 2004),
Banco do Brasil (desde 6 de julho de 2006), Banco BTG Pactual (desde 31 de agosto de
2020), Banco Itaú-Unibanco (desde 12 de agosto de 2004) e Banco Votorantim (desde
30 de junho de 2016). Apesar desse crescimento, críticas surgiram quanto às várias
possibilidades de financiamento de projetos que não estão cobertas no documento,
assim como questões relativas a direitos humanos não endereçadas, mecanismos ágeis
e práticos ainda inexistentes para a responsabilização dos membros, e o acesso limitado
das comunidades locais ao processo de tomada de decisão de financiamento, que servem
para ilustrar as dificuldades ainda não devidamente endereçadas por esse esforço das
instituições financeiras.
c. Um dos signatários de Declaração de Collevecchio é o Mineral Policy Institute, que
opera a partir da Austrália, e cuja missão principal é “dar suporte a comunidades atingidas
por projetos de mineração [...] e em buscar a reforma da indústria de mineração por
melhorias de políticas, práticas e leis”. O Mineral Policy Institute se posiciona contra
vários projetos ao redor do mundo ao assinar a referida declaração, mas não consegue
impedir que o país onde se encontra baseado, a Austrália, continue como o maior

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exportador do mundo de carvão mineral, responsável por quase 40% do mercado global.
Vale lembrar que o carvão mineral é uma fonte fóssil de energia não renovável e suja,
cujo uso é considerado o mais poluente e danoso para a Terra.
d. Tratados internacionais como o Protocolo de Quioto e o Acordo de Paris tentam
abarcar os interesses de grupos de países tão diversos como os maiores emissores de
gás carbônico na atmosfera, China e EUA, países com enormes coberturas de florestas
virgens, como Brasil e Peru, países extremamente dependentes da energia nuclear,
como França e Coreia do Sul, grandes exportadores de carvão mineral, como Austrália
e Indonésia, grandes importadores de gás natural, como Alemanha e Japão, e assim
por diante. É uma tarefa hercúlea, portanto, tentar compor tantos interesses em um
único tratado, o que resulta, quase sempre, em metas pouco ambiciosas e que, muitas
vezes, são simplesmente descumpridas sem qualquer contratempo posterior para os
países faltosos.
Belo Monte
A Norte Energia S.A. foi a responsável pela construção do complexo hidrelétrico de Belo
Monte, e hoje é responsável por sua operação. A sua composição acionária em 2021 incluía
como principal acionista (49,98%) o Grupo Eletrobras, seguido de entidades de previdência
complementar (Funcef e Petros, cada com 10%), assim como outras empresas (Neoenergia,
Vale, Light, Cemig, Sinobras etc.). A concessão para a construção e operação de Belo Monte
pela Norte Energia começou em agosto de 2010 e vencerá em agosto de 2045. A cronologia
resumida do complexo hidrelétrico de Belo Monte encontra-se na Tabela 11.
Tabela 11. Cronologia resumida de Belo Monte
Data Acontecimento
1975 Início dos estudos sobre o potencial hidrelétrico da bacia do rio Xingu, no Pará.
1980
Início dos estudos para a construção do Complexo Hidrelétrico de Altamira. Segundo
estudos da época, seria necessário o deslocamento de 7 mil índios.
1989
Conclusão dos primeiros estudos de viabilidade. Questionamentos sobre impactos
socioambientais levam à suspensão temporária do projeto.
1994
Novos estudos para a redução da área do lago do barramento do complexo e garantia de
não inundação de terras indígenas.
Março de 2006 Primeira vistoria técnica por parte do Ibama.
Julho de 2008
Decidido que o único complexo hidrelétrico a ser construída na bacia do rio Xingu será Belo
Monte.
Março de 2009 Eletrobrás solicita a Licença Prévia.
Continua

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Data Acontecimento
Maio de 2009 Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental são entregues ao Ibama.
Fevereiro de 2010 Licença Prévia concedida.
Abril de 2010 Leilão de concessão para a construção e operação de Belo Monte por 35 anos.
Junho de 2011 Ibama permite início das obras.
Novembro de 2015 Ibama permite operação de Belo Monte.
Fevereiro de 2016 Primeiros testes com as comportas do vertedouro.
Abril de 2016 Início da operação comercial.
6 de maio de 2016
A presidente Dilma Roussef “inaugura” Belo Monte com apenas uma turbina em operação.
Ela sofreria impeachment em 31 de agosto de 2016.
Outubro de 2017 Potência instalada supera 4.500 MW.
Dezembro de 2018 Potência instalada supera 7.500 MW.
Novembro de 2019 Potência instalada atinge 11.230 MW.
27 de novembro de 2019
O presidente Jair Bolsonaro “inaugura” Belo Monte, agora com todas as turbinas
instaladas e em plena capacidade operacional.
Fonte: Autor com informações da Norte Energia.
As críticas ao complexo hidrelétrico de Belo Monte nas dimensões ambiental e social
sempre foram contundentes. Por exemplo, além da destruição de parte da floresta ao redor
do complexo e das alterações causadas ao habitat de peixes e quelônios, há a questão dos
deslocamentos compulsórios impostos a quase 10 mil famílias que, como argumentado por
várias fontes, ocorreu sem a devida transparência, sem a presença protetora do Estado, sem
a disponibilização de suporte jurídico adequado e sem a participação efetiva dos atingidos
no processo decisório, o que, por consequência, alguns autores concluem que levou à piora
da qualidade de vida de muitas dessas pessoas reassentadas (sendo importante mencionar
que essas críticas não são específicas para Belo Monte, mas sempre presentes quando uma
grande usina hidrelétrica é construída, de acordo com relatórios técnicos publicados pela
World Commission on Dams).
Por sua parte, a Norte Energia tem buscado sensibilizar o grande público brasileiro sobre
a contribuição de Belo Monte para a matriz elétrica brasileira, assim como para os vários
investimentos feitos pela concessionária para mitigar problemas ambientais e sociais, como
resumido na carta aberta da empresa de abril de 2021, reproduzida integralmente na Figura 13.
Tabela 11. Cronologia resumida de Belo Monte
Conclusão

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Figura 13. Carta aberta da Norte Energia S.A. de abril de 2021 sobre Belo Monte
CARTA ABERTA DA NORTE ENERGIA
Data de Publicação: 10/04/2021 11:00
Carta Aberta - Um outro olhar sobre Belo Monte
Essa carta faz um convite ao leitor:
Imagine como seria a realidade das comunidades dos municípios próximos à Usina Belo Monte, hoje, sem o empreendimento.
Vamos resgatar alguns dados de 2010, início das obras da Usina:
•cerca de 27.000 pessoas moravam em palafitas em Altamira, sujeitas a inundações recorrentes onde a mesma água tinha múltiplas funções;
•esgoto a céu aberto;
•surtos de doenças como a malária atingiam milhares de pessoas; 
•insuficiências nas áreas de saúde e educação;
•em torno de 25% das famílias estavam abaixo da linha de pobreza (IBGE, 2010);
•baixa perspectiva de futuro à população mais jovem.
Como estaria esse cenário hoje, 10 anos depois? Como seria sem o empreendimento?
Belo Monte foi decisiva para o resgate e a transformação da qualidade de vida da população dos municípios vizinhos, isso é um fato. Os dados
e as imagens do “antes” e “depois” são testemunhas dessa nova realidade.
Vejamos algumas dessas grandes transformações, realizadas pela Norte Energia em 10 anos:
•famílias que moravam nas palafitas foram indenizadas ou transferidas para cinco bairros planejados, construídos pela Norte Energia em
Altamira com abastecimento de água tratada, coleta de esgoto, iluminação pública, ruas asfaltadas, escolas, quadra de esportes e postos
de saúde;
•as casas entregues aos moradores têm 63 metros quadrados, sendo sala, cozinha, três quartos e dois banheiros; algumas com adaptação
para pessoas com deficiência;
•os moradores participam de ações de fortalecimento comunitário, geração de renda e educação ambiental, além de projetos de responsa-
bilidade social com cursos profissionalizantes;
•Altamira, maior cidade da região do Xingu/Transamazônica, foi beneficiada com a implantação de um sistema de coleta e tratamento de
esgoto, até então inexistente; a ampliação do sistema de abastecimento de água, que atendia menos de 10% da população; e a construção
de mais de 500 quilômetros de redes. Hoje, o saneamento implantado pela Norte Energia tem capacidade para atender mais de 90% dos
habitantes de Altamira - poucas cidades no Brasil têm um atendimento desta ordem e menos ainda avançaram tanto em tão pouco tempo;
•infraestrutura de saúde e educação: a região recebeu 304 novas salas de aula, 31 Unidades Básicas de Saúde e 3 Hospitais, além de um
programa de combate e controle da malária que já reduziu em mais de 90% o número de casos da doença endêmica;
•a Comunidade Indígena, além de energia elétrica e cesta básica, tem um sistema de atendimento de saúde permanente graças ao Convênio com
o Distrito Sanitário Especial Indígena do Ministério da Saúde, em que a Norte Energia disponibiliza cerca de 120 profissionais da área de saúde;
•um sistema de telemedicina começa a ser implantado nas comunidades indígenas;
•estamos iniciando a substituição da geração de energia nas comunidades indígenas, hoje à diesel, por geração solar, com placas instaladas
no leito do rio;
•A Norte Energia é hoje geradora de emprego na região com cerca de 30% do seu quadro representado por mão de obra de moradores locais.
A implantação de Belo Monte também estabeleceu uma nova dinâmica na economia. Somente em impostos municipais, propiciou uma arre -
cadação de cerca de R$ 1 bilhão na região. 
Concluída em fins de 2019, a Usina gerou em torno de R$ 170 milhões em royalties no seu primeiro ano de plena operação. Em 2021, serão
cerca de R$ 200 milhões, parte destinada ao Estado e parte distribuída aos Municípios do entorno. A destinação dos royalties é um dado de
realidade e corresponderá, durante o período de concessão do projeto (35 anos), em receita adicional aos municípios – superando, na maioria
dos casos, o próprio orçamento municipal.
Poderíamos continuar elencando uma enorme fundamentação dos benefícios do empreendimento à região, não reconhecidos por aqueles que
se propõem unicamente a condenar o Projeto. 
Quando o tema se traduz nos impactos do empreendimento à biodiversidade, importante esclarecer que foram previstos, avaliados e ponderados
no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) concebido pelo Estado brasileiro, em 2009, e autorizados no âmbito do licenciamento ambiental da Usina.
Tais impactos são mitigados, compensados e monitorados por meio de um robusto pacote com mais de 100 projetos socioambientais executa-
dos pela Norte Energia, com recursos superiores a R$ 6 bilhões, aproximadamente 15% do investimento total do empreendimento.
Recentemente a Norte Energia firmou com o IBAMA um Termo de Compromisso Ambiental, no qual ações e monitoramentos na Volta Grande
do Xingu foram readequados de modo a potencializar a mitigação desses impactos.
Importante ressaltar que não há efetivamente comprovação técnico-cientifica da ocorrência de extinção de peixes, tartarugas ou frutos até o
momento, nem mesmo de comprometimento da chamada piracema, período de desova dos peixes.
Vale lembrar ainda que a UHE Belo Monte é o único aproveitamento hidrelétrico autorizado para a bacia do rio Xingu, e utiliza aproximadamen-
te 174 km dos 1.979 km de extensão do rio, não tendo alagado terras indígenas para a formação dos seus reservatórios à fio d’água.
Por meio desta Carta Aberta, a Norte Energia busca esclarecer desinformações que circulam nos mais variados meios e assegurar seus com-
promissos, sobretudo socioambientais, na região amazônica ao longo do período de concessão do empreendimento. 
Também convida o leitor, em linha com a transparência de suas atividades, a conhecer o relatório anual 2020 da empresa, disponível
em: https://www.norteenergiasa.com.br/pt-br/norte-energia/relatorios-anuais. Elaborado com base nas diretrizes GRI – Global Reporting
Initiative, a publicação marca a adoção dos padrões ESG - Environment, Social and Governance - na prática de negócios no primeiro ano de
geração plena na Usina Hidrelétrica Belo Monte.
Consciente de que ainda há muito a ser feito, a Norte Energia está absolutamente engajada nas iniciativas e ações que representem não só
o desenvolvimento sustentável da região, mas sobretudo um instrumento alavancador das melhores condições de vida da população local,
indígena e não indígena. 
Norte Energia S.A
Concessionária de uso de bem público (UHE Belo Monte) para geração de energia

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Na Tabela 12, encontram-se resumidos alguns pontos positivos e negativos relacionados ao
complexo hidrelétrico que são usualmente usados pelos dois lados, um atacando a construção
do complexo, o outro defendendo a sua construção.
Tabela 12. Alguns pontos positivos e negativos de Belo Monte
Pontos Positivos Pontos negativos
Fonte de energia renovável e limpa, com expectativa de
produção de energia de longo prazo
Alterações causadas ao rio Xingu podem resultar na
diminuição da capacidade operacional de Belo Monte em
algumas décadas
O custo do MWh de Belo Monte era estimado em
aproximadamente 20% do MWh gerado por aerogeradores
na época da construção
O custo do MWh obtido de aerogeradores vem caindo
rapidamente, potencializando a criação de grandes
parques eólicos
O custo do MWh de Belo Monte era estimado em
aproximadamente 10% do MWh gerado por painéis solares
na época da construção
O custo do MWh obtido de painéis solares vem caindo
rapidamente, potencializando a criação de grandes
fazendas solares
A área alagada equivale a somente aproximadamente 35% e
17% das áreas alagadas em Itaipu e Tucuruí, respectivamente
A área alagada equivale a aproximadamente 40% e 31%
das áreas dos municípios do Rio de Janeiro e de São Paulo,
respectivamente
Foram criados mais de 30 mil empregos (diretos e indiretos)
durante a fase de construção de Belo Monte
As várias alterações feitas no rio Xingu alteraram o modus
vivendi das tribos indígenas a montante e a jusante da
barragem
Redução expressiva do número de casos de malária nas
cidades nos arredores de Belo Monte, após investimentos da
Norte Energia
Aumento do custo de vida e piora das condições de tráfego
na região em função da chegada de novos moradores para
a região
Construção de quase 4 mil casas, todas com rede de esgoto
e acesso à água potável, energia elétrica, ruas asfaltadas e
iluminação pública
Deslocamentos compulsórios, sem transparência,
assessoria jurídica e a presença do Estado, com alterações
na vida das pessoas
As cidades próximas a Belo Monte devem enriquecer
no futuro, como ocorrido na região do entorno da usina
hidrelétrica de Tucuruí
Belo Monte deve atrair mais de 100 mil pessoas para
a região, com o aumento esperado da criminalidade e
prostituição (inclusive, infantil)
Construção de canal para a migração de peixes e suporte
financeiro para estudos de preservação dos peixes e
quelônios da região
Impactos permanentes na migração e reprodução de
peixes e quelônios, apesar das obras realizadas, segundo
alguns biólogos
Fonte: Autor com dados da Norte Energia, BankTrack, Portal G1, World Commission on Dams e Eletronorte.
Por fim, vale mencionar que há uma gama diversificada de fontes provendo informações
sobre Belo Monte, sendo que essas fontes, por vezes, fornecem informações conflitantes sobre
um mesmo assunto, o que requer do leitor cautela na formação de sua opinião para não se
deixar levar por fake news.

GVcasos ¹ Revista Brasileira de Casos de Ensino em Administração FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 10 | ISSN 2179-135X 1
CASO
Submissão: 22/11/2021 | Aprovação: 18/02/2022
DOI: https://doi.org/10.12660/gvcasosv12n1c10
GESTÃO DE RISCOS: O DILEMA DO GESTOR PÚBLICO
Risk Management: The public manager's dilemma
Ellen Rodrigues D’Andrea¹ | [email protected]
¹Departamento de Polícia Rodoviária Federal – Brasília, DF, Brasil.
RESUMO
O caso relata a implementação da metodologia de gerenciamento de crises em determinado órgão de
segurança pública. Num movimento de vanguarda, o protagonista Salomão Falcone prospectou cenários
de riscos para neutralizar um possível evento de crise antes mesmo que ele se configurasse. Detalha-se
em meio à história central, o dilema vivenciado por um experiente gestor público ao implementar a
gestão de riscos em sua organização. Ao analisar o ponto de vista do gestor envolvido e os documentos
institucionais sobre a operação da “Crise do Diesel”, este caso contribui para que educadores possam
debater sobre liderança, cultura organizacional e gerenciamento de crise no ambiente governamental.
Palavras-chave: crise, liderança, gerenciamento, cultura organizacional, transformação.
ABSTRACT
The case reports the implementation of a crisis management methodology in a certain public security agency.
In an anticipatory move, the protagonist Salomão Falcone prospected risk scenarios to neutralize a crisis
event, even before it took shape. The case details the dilemma experienced by a skilled public manager when
implementing risk management practices in his organization. By analyzing the involved manager’s point
of view and the institutional documents on the operation of the “Diesel Crisis”, this case helps educators
discuss leadership, organizational culture and crisis management in the governmental environment.
Keywords: crisis, leadership, management, organizational culture, transformation.

CASO | GEST?O DE RISCOS: O DILEMA DO GESTOR P?BLICO
Ellen Rodrigues D’Andrea FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 10 | ISSN 2179-135X 2
Introdução
Na última semana de janeiro de 2021, após um extenuante dia de trabalho o Diretor de Operações
Salomão Falcone, gestor de um importante órgão de segurança pública nacional, retornava
para sua residência, enfrentando um longo congestionamento.
Como de costume, conduzia ouvindo “A voz do Brasil”, aproveitando o tempo no
engarrafamento de Brasília para se atualizar sobre as notícias nacionais. Entre os trágicos
informes sobre as mazelas da Covid-19, o radialista comentou a respeito da possível greve dos
caminhoneiros diante do aumento da tarifa de combustível. Nesse instante, um filme com as
cenas violentas de 2018 da última greve dos caminhoneiros começou a passar pela mente do
Sr. Salomão Falcone.
Ao reviver todas as dificuldades enfrentadas para gerenciar o episódio nacional conhecido
como “Crise do Diesel”, Salomão Falcone relembrou como a falta de uma cultura organizacional
de gerenciamento de crise foi um fator desfavorável para o êxito de sua gestão.
Em sua reflexão, Falcone trouxe à memória como ele e os vários policiais que atuavam
diretamente na greve dos caminhoneiros tiveram de se valer da força para dissuadir os
manifestantes e, assim, desbloquear vários trechos de rodovia.
Envolto em lembranças, Falcone continuou seu trajeto convicto de que uma cena como
essa não se repetiria enquanto permanecesse como Diretor de Operações. Para ele, a notícia
no rádio, além de sinalizar uma ameaça iminente à logística e à segurança pública nacionais,
propiciava o contexto ideal para a modificação da cultura organizacional reativa de seu órgão.
Findo mais um dia de trabalho, ao chegar em casa exausto e com a cabeça flamejando
de ideias, Salomão Falcone foi direto para seu banho relaxante. Enquanto a água banhava seu
corpo, Falcone lembrou-se do Manual de Gerenciamento de Crises que publicou logo no início
de sua gestão. Esse documento, até então inédito em sua instituição, necessitava ser aplicado
para não incorrer em letra morta, ou, como disse seu Diretor-Geral, o Sr. Rápido, em mais um
documento “red tape” da administração pública.
As ideias que tilintavam na mente de Falcone o levaram a sair rapidamente do banho e já
começar a esboçar um plano de gerenciamento de crise para conter a possível greve. Ao fim e
ao cabo, o cenário nacional, aliado à fala pejorativa do Sr. Rápido, dava a Salomão Falcone a
oportunidade ímpar de provar que seu manual de gestão de crise seria eficaz para expurgar a
cultura de reatividade do órgão, que já fora motivo de insucesso nas crises anteriores.
A preocupação de Falcone não era infundada, afinal, com o estado alarmante da economia
nacional perante a crise sanitária instalada pela pandemia da Covid-19, uma atuação policial
assertiva seria necessária para conter os caminhoneiros revoltosos e impedir qualquer tipo de
movimento que prejudicasse a logística e mobilidade nacional. Caberia então a ele, Salomão
Falcone, atual Diretor de Operações, influenciar os integrantes da organização para promover
a mudança cultural necessária em cenários de crise.

CASO | GEST?O DE RISCOS: O DILEMA DO GESTOR P?BLICO
Ellen Rodrigues D’Andrea FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 10 | ISSN 2179-135X 3
O Diretor de Operações
Planejamento e dedicação eram palavras cruciais nas ações perpetradas na vida profissional de
Salomão Falcone. Tendo atuado em grandes eventos de mobilização nacional, como a Copa
do Mundo em 2014, Olimpíadas Mundiais em 2016, Jogos Mundiais Sub-20 e Greve dos
Caminhoneiros em 2018, o atual Diretor de Operações ascendeu na escada do conhecimento
do mundo operacional agregando expertise em operações complexas, especialmente no que
concerne à liderança e processo dissuasório.
Tanto é que, na Crise do Diesel, Salomão Falcone sentiu na carne a vivência de que como
uma intervenção policial pode ser catastrófica quando desprovida da adequada metodologia.
Justamente por ter vivido os dissabores de uma batalha inglória, sua primeira entrega institucional
após assumir o cargo de Diretor de Operações, em maio de 2020, foi publicar o primeiro Manual
de Gerenciamento de Crises do órgão.
Quando da publicação do manual, Falcone foi motivo de chacota para seu chefe, Sr.
Rápido, que profetizou: “Falcone, esse seu manualzinho será mais um red tape no meio dessa
cultura organizacional ultrapassada”. Falcone sabia que seu chefe era um jovem visionário e
de uma inteligência ímpar, mas incapaz de acreditar que o efetivo de seu órgão pudesse mudar
algumas práticas já ultrapassadas, como a falta de planejamento e de proatividade.
Tendo consigo a vivência de atuação no front da Crise do Diesel, Salomão Falcone sabia
o quão imprescindível era uma metodologia institucional para guiar os gestores em cenários
como as greves nacionais, os desastres naturais, as manifestações sociais, entre outros.
É fato que as palavras do Sr. Rápido mexeram com o brio de Falcone na ocasião. Afinal,
entre a publicação de um manual de metodologia de gerenciamento de crise e sua efetivação,
havia um grande dilema organizacional que perpassava alguns valores, como a tenacidade, a
perseverança, o engajamento incondicional, o treinamento intensivo e o espírito de corpo.
Assim, aquela notícia que ouvira no “A voz do Brasil” sobre o aumento da tarifa de
combustível era o prelúdio do evento ideal para Salomão Falcone demonstrar como a gestão
de riscos pode auxiliar a administração pública como um todo.
Para tanto, o Diretor de Operações deveria não só lutar contra a cultura da reatividade
perante a crise, mas também, liderar o Gabinete de Crise (- GNC) responsável por direcionar
as ações de mais de 7 mil policiais distribuídos por todo o território nacional.
Prevenir para não remediar
Salomão Falcone levantou todas as informações de inteligência policial no sentido de confirmar
a ocorrência do evento. Essa prospecção de cenários enquanto fase que antecede a resposta à
crise teve como resultado a publicação do ato que instituiu o GNC e determinou que todos os
7 mil policiais do órgão entrassem em sobreaviso durante o interregno de 30 de janeiro de 2021
(sábado) à 02 de fevereiro de 2021 (terça-feira) para executar a operação que ficou conhecida
como “Exercício Nacional e Conjunto de Amplo Espectro”.

CASO | GEST?O DE RISCOS: O DILEMA DO GESTOR P?BLICO
Ellen Rodrigues D’Andrea FGV EAESP | GVcasos | Volume 12 | Número 1 | Jan-Jun 2022 | Doc. 10 | ISSN 2179-135X 4
Como Presidente do GNC, Falcone orientou as 27 unidades regionais a executarem
ações voltadas à promoção da paz no trânsito, enfrentamento da criminalidade e garantia da
livre circulação de pessoas e bens nas rodovias federais e, consequentemente, neutralizarem a
iminência de qualquer evento crítico.
O sobreaviso determinado por Falcone quebrou paradigmas no órgão, pois, ao mobilizar
todo aparato humano e material para evitar uma possível crise, modificou a costumeira postura
reativa da instituição, determinando ações pontuais de neutralização, antes mesmo que qualquer
paralisação fosse concretizada. Para o êxito dessas ações, Falcone demandava ao serviço de
inteligência informes minuto a minuto, sempre se mantendo atualizado para melhor orientar
os gestores regionais no cumprimento da missão.
Enquanto responsável por gerir a crise, Salomão Falcone preconizou o emprego de ações
dissuasórias sem violência, porém assertivas, para impedir qualquer obstrução no tráfego de
veículos, afinal o grande objetivo da missão era evitar a instalação de um cenário de crise
semelhante àquele que ocorrera em 2018.
Durante o período de sobreaviso, Falcone permaneceu 24 horas disponível em cada dia de
exercício, sempre disposto a auxiliar as equipes, realizando diversas reuniões de planejamento
com os gestores das unidades federativas e enfatizando o espírito de corpo entre todos. Suas
falas alertavam a equipe sobre a importância da comunicação fluida entre os envolvidos, em
especial com a inteligência policial, posto ser essa a fonte de dados sobre o cenário da crise e
possíveis pontos de fechamento nas rodovias.
Mesmo sem dormir diante do excesso de demandas, a expressão facial e postura profissional
de Salomão Falcone reverberavam tranquilidade e segurança para todos da equipe. Afinal
de contas, Falcone tinha ao seu favor o conhecimento empírico de como atuar em cenários
semelhantes, o que lhe dava condições para oferecer atenção personalizada aos integrantes da
equipe, aconselhando-os e provendo o suporte quando necessário. Mesmo envolto em um clima
de tensão e atribulado com a chefia do GNC, Falcone conseguiu estabelecer um ambiente
seguro, de comprometimento e atuação eficaz entre todos os envolvidos na operação.
Também, a ênfase nos canais de comunicação para engajar e mobilizar continuamente os
gestores locais possibilitou uma maior interação entre os operadores, transformando-os em uma
equipe multifuncional de policiais, uma vez que os atuantes nas áreas de operações policiais,
corregedoria, inteligência e comunicação institucional atuaram unidos a com um mesmo propósito.
Falcone fazia questão de repetir, quase no tom de mantra: “Toda crise é uma crise, ao
final deixa um aprendizado, porém, se bem gerenciada, deixa um legado”. Sempre envolto em
informações atualizadas e fidedignas, solicitava inopinadamente dos gestores os panoramas
gerais da operação como tática para aumentar o nível de alerta.
Entre seus comandos como GNC, Salomão Falcone ordenou que todos os operadores
atuassem em rede com stakeholders locais, como: prefeituras, concessionárias de rodovias,
secretarias municipais e órgãos de segurança pública locais para construir uma governança em
rede de modo a estabelecer um eficaz plano de contingência, caso a crise dos caminhoneiros
efetivamente se instaurasse.

CASO | GEST?O DE RISCOS: O DILEMA DO GESTOR P?BLICO
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No quesito logístico da operação, além de mobilizar a força de choque em pontos estratégicos
do território nacional, Salomão Falcone também se valeu do motopoliciamento para garantir
maior mobilidade no atendimento de pontos críticos. Seguindo o mapa de calor dos registros da
Crise do Diesel de 2018 e atento às constantes mudanças de cenário reportadas pelos informes
de inteligência, Falcone aumentou a capacidade de resposta policial, pois, além de rapidamente
se desvencilhar do tráfego e encontrar os manifestantes, a cadeia comunicacional alimentava
a equipe policial local para acompanhar tudo e, rapidamente, recebia reforços de viaturas e da
força de choque para abafar o crescimento da manifestação.
À guisa de exemplo, um determinado ponto de manifestantes que vinha sendo monitorado
pela inteligência policial, ao ser acompanhado pela equipe operacional local e, ainda assim,
prosseguir em conflito, pôde, em menos de uma hora, ser reprimido com um efetivo de
aproximadamente 30 policiais que rapidamente se deslocaram para conter 18 manifestantes.
Esse caso encerra o exemplo de como uma logística ágil, somada à soberania numérica e ao
poder dissuasório dos policiais articuladores, pôde, sem o uso de força, garantir que a segurança
viária permanecesse incólume.
Encerrando o exercício
Ao fim do exercício nacional de amplo espectro, em 2 de fevereiro de 2021, Falcone realizou o
briefing para noticiar a todos os envolvidos o êxito da missão. Com os registros produzidos pelo
GNC, a equipe de Salomão apresentou um relatório final que pôde provar como a logística do
efetivo policial contribuiu para uma atuação célere, ostensiva e numericamente superior aos
manifestantes. Não menos importante foi o efeito dissuasório da comunicação dos policiais de
primeira intervenção, aqueles que mantiveram contato direto com os caminhoneiros.
Segundo os relatórios dos gestores locais, pode-se elencar os seguintes pontos positivos do GNC:
1. Planejamento;
2. Reuniões contínuas;
3. Estado de alerta;
4. Atuação em rede com outras agências de segurança pública;
5. Monitoramento ininterrupto pelos agentes de inteligência;
6. Logística e deslocamento célere da força policial.
Em sua fala de encerramento, Salomão Falcone agradeceu a todos os envolvidos o empenho
e abnegação, enfatizando como cada servidor foi indispensável para o êxito do primeiro exercício
de gerenciamento de crise, marcando historicamente a cultura do órgão.
Os dados angariados ao final da missão serviram como “case de sucesso” para as ações
futuras, demonstrando que o dilema da reatividade pode ser superado quando bem orientado
por gestores experientes.