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Parte II - Cenas do Cotidiano
se verga ao peso das gaiolas com coleiros, canários, sofrês, cardeais, bem-te-vis,
assanhaços, azulões, pintassilgos.
A Feira não se limita ao comércio das mercadorias dos da cidade e dos da
roça. Caminhões apinhados despejam um mundo de gente que vem de Água
Fria, da Caroba, do Retiro, de Pedrão, de Ouriçangas, de Conceição, de Pataíba
e até de Coração de Maria, Feira de Santana, Alagoinhas e Serrinha: gente do
município e de fora, que vem comprar e vender. E trazem livrinho de violeiro,
malas com decoração em couro, brincos e argolas de metal, molduras com figu-
ras de santo, jaleques, chapéus-de-couro, selas, bridas, cilhas, cabrestos e demais
tipos de arreios.
Para completar o cenário, os artesãos da cidade abancam, no chão forrado
por esteiras, alpercatas, botas, sapatos com solado de pneu, cintos de couro cur-
tido, fifós, ralos, formas para bolo, bandejas, assadeiras, camisas de chita, calças
de mescla e de brim, bonecas de pano, tudo aquilo que o lufa-lufa da semana
produziu nas tendas e oficinas.
O local é a Praça do Comércio em toda a sua grandeza. O movimento começa
cedo com o entrar dos caminhões, que se enfileiram nas laterais da Rua Direita.
Os animais, esses deixam suas cargas na Praça e vão, pachorrentos, pros quintais
de guarda a duzentos réis o dia.
A Feira é bem dividida e organizada. No mercado, os secos a granel, os beijus
e similares e os balcões dos açougues. Na calçada do lado da Praça, as bancas de
verduras e de legumes, os sacos de amendoim torrado e cozido, o milho cozido
e assado, as frutas e as raízes. No largo, as bancas e barracas, começando com
as de doces e bolos, depois as de carne-do-sol e moquecas de piaba. A seguir,
as bancas dos artesãos, as pilhas de malas e apetrechos de montaria. Lá pras
sombras das palmeiras, os livrinhos de violeiro, as molduras com santo e outras
miudezas. Tudo muito arrumadinho, espaço sobrando pro freguês passar, já que
só se compra o que se vê.
Às oito, o mercado já despeja gente pelas calçadas. As donas-de-casa chegam
com suas sacolas de lona, a pechinchar a dúzia de beijus, a quarta de farinha,
o litro de feijão, o móio de coentro e de hortelã, a medida de tomate miúdo,
a dúzia de laranja e de lima, a mão de pimenta. As sacolas se enchem e as fregue-
sas se revezam. A cada banca que esvazia é um freguês que parte pr’uma venda,
quitanda, padaria ou loja, a fazer sua feira, essa pra roça. Nos açougues, a compra
é de patinho, chã-de-dentro e alcatra, que filé é coisa de cidade grande. Miúdos,
só no mercado de fato, lá na esquina do cinema com a Mangabeira.
Nas vendas, entre uma cachaça com alecrim e outra com cidreira, saem duas
libras de açúcar mascavo, duas de charque, meia libra de chumbo fino, um pacote
de foscro, cem gramas de colorau e cinco litros de gás. Nas lojas, o metro não
pára de medir cambraia, gorgorão, chita e algodãozinho alvejado. Até um ou dois
guarda-sóis são embalados pra viagem. Nas padarias, o que mais se pede é fari-