Entre as ruínas da cadeia, Dulce lembrava-se da manhã em que, protegida pelas rótulas da janela, entrevira a chegada de Raul. Seu porte baixo, porém garboso, era inconfundível. Quem não o conhecesse, logo imaginaria, ser descendente do velho Joaquim Ribeiro, tal a semelhança física. Como o avô, não dispensava o chapéu de palhinha, nos dias de muito sol. Viera num sedã azul, que ele próprio guiava, antes de transpor a ponte, já os meninos corriam à sua frente, cheios de alegria. À porta, velhas e mocinhas acenavam-lhe a sorrir. Com exceção de alguns rapazes, que se distraíam no jogo de damas, todos se esforçavam para ver o automóvel e o chofer. Raul, um pouco envaidecido, andara sem pressa, buzinando nas esquinas, nas ruas estreitas por onde os burricos carregavam lenha e até mesmo na Praça da Vitória, onde sobressaía o Sobrado. O prazer, sendo inédito, não tinha limites, e a cada instante exibia as luvas, ao saudar os parentes e amigos. Dulce não pudera vê-lo bem, e continuava em seu posto quando a mãe entrou no quarto. - Não tem vergonha, menina? Ela corara e não conseguira responder. D. Odete, percebendo-lhe o vexame, abanara a cabeça em negativa . SOMOS TODOS INOCENTES