“Qual é o problema, querida?”, sussurrou ela.
“A coisa estava brincando comigo de novo, tia, estava fazendo aquilo de novo!”,
exclamou entredentes, pressionando o rosto contra o ombro de Carmen. “Estava
cutucando o meu sutiã antes de eu me despir e então peguei o rosário e a cruz se
soltou — simplesmente se soltou, como se tivesse sido arrancada —, e então a coisa
começou a puxar as minhas cobertas e me tocar e, e, e-e…”
Carmen passou um braço em volta de Laura e começou a guiá-la pelo corredor,
dizendo: “Ok, ok, fique calma, está tudo bem agora. Vamos até o seu quarto e vamos,
hum… o que você de a gente ler a Bíblia juntas um pouquinho?”.
E foi isso que fizeram. Laura se enroscou embaixo das cobertas e Carmen se sentou
na beirada da cama. Sob a luz do abajur na mesa de cabeceira, com Stephanie ainda
dormindo profundamente na cama dobrável a poucos metros delas, Carmen começou
a ler os Salmos em voz baixa, esperando abrandar os temores de Laura.
Pareceu funcionar por algum tempo. O quarto estava quieto, o único som sendo a
voz suave e quase sussurrante de Carmen enquanto ela lia.
“‘Lembra-te da palavra dada ao teu servo, na qual me fizeste esperar’”, leu ela.
“‘Isto é a minha consolação na minha aflição, porque a tua palavra me vivificou.’”
A respiração de Laura começou a ficar lenta e ritmada, os olhos estavam fechados, e
o corpo, relaxado.
Então, ela se sentou de súbito, jogando as cobertas para o lado, olhos arregalados, o
corpo estremecendo, os lábios trêmulos enquanto ofegava: “Está sentindo isso? Sinta,
tia Carmen, está vindo, está vindo agora mesmo!”.
Carmen parou no meio de uma frase, as palavras presas na garganta como cacos de
vidro, porque ela de repente se sentiu engolfada pelo medo. Por muito tempo, não
conseguiu respirar, como se todo o oxigênio estivesse de algum modo sendo sugado
para fora do quarto por… alguma coisa, e o ar ficou frio, e havia, sem dúvida, uma
nova presença no quarto com elas.
“Está aqui!”, sussurrou Laura. “Meu Deus, Jesus amado, está aqui!”
Carmen olhou em volta do quarto e estendeu a mão para o rosário, apertando-o na
mão, a Bíblia fechada entre as pernas enquanto ela recitava depressa: “Pai nosso que
estás nos céus, santificado seja o Vosso nome…”. A sua voz foi ficando mais alta
conforme ela começava a se sentir mais e mais sufocada, como se estivesse sendo
asfixiada por alguma força invisível. “Venha a nós o Vosso Reino, seja feita a Vossa
vontade assim na Terra como no Céu; o pão nosso de cada dia nos dai hoje, perdoai as
nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido…” A voz dela se
ergueu em um grito quando a atmosfera no quarto se tornou ainda mais opressiva e o
ar foi preenchido pelo fedor de lixo abandonado. “E não nos deixeis cair em tentação,
mas livrai-nos do mal, amém, Senhor, amém, Jesus, por favor, Deus, leve isso embora
daqui.”