Maurice consiste numa superprodução, com alto investimento financeiro e esse
dado importante se considerarmos que o cinema constitui uma grandiosa indústria, cujos
efeitos audiovisuais e estéticos dependem muitas vezes do orçamento de que dispõem os
produtores. Todavia, a magnitude deste trabalho reside na predisposição para tematizar
a conjunção dos contrários, no que concerne aos afetos, à lei, às normas sociais e à
sexualidade, num ambiente repressivo e homofóbico. A cada cena, em meio às luzes e
sombras que se alternam na elaboração deste grande afresco cinematográfico, o olho
técnico e sensível da câmara vai desvendando nuances sutis e particulares dos
personagens, exibindo os tormentos dos corpos reprimidos, a fome do outro, a explosão
incontrolável dos desejos humanos. Faz, assim, uma psicanálise da vida sentimental.
A narrativa é instigante na medida em que contempla o universo das relações
afetivas, sociais e políticas no contexto decadente da Inglaterra pós-vitoriana, um
ambiente marcado por uma teatralização da vida cotidiana que no fim das contas torna
opressiva a existência dos homens e mulheres. E neste ambiente a única estratégia de
sobrevivência seria pelo caminho da arte, da literatura, da música, do teatro. Todavia, a
vida iria cobrar um preço muito alto pela livre expressão, quando a esfera privada e as
provocações estéticas se misturam, conforme se observa na experiência de Oscar Wilde.
O livro é respeitoso no que concerne à reconstrução histórica, remodelando com
fidelidade o requinte, a beleza e a sofisticação da belle époque, sem esquecer a sua
dimensão de hipocrisia, preconceito e perversidade. Assim, a fleugma britânica é
retratada aqui - ao mesmo tempo - com esmero e sarcasmo, e a película parece saída
diretamente das páginas do autor de O Retrato de Dorian Gray.
Parece mas não é: os matizes de crítica social neste filme, adaptado de um livro
com fortes traços marxistas e anti-freudianos levam-nos a apreciar a experiência
homoafetiva numa outra perspectiva: por meio de uma elaboração estética e filosófica,
Maurice se distingue dos filmes com temática similar, mirando a luta dos corpos e
classes sociais, quando os homossexuais eram considerados criminosos.
Para Camile Paglia, “a natureza é implacável e se vinga dos transtornos gerados
pela cultura. O sexo é a natureza em estado bruto instalado no corpo dos homens”. E, o
Maurice epifaniza esta faceta da condição humana: o amor e o sexo como sintomas da
natureza que se rebela contra as convenções das classes sociais e dos modelos sexuais
dominantes; aí reside a sua função poética e a sua força libertadora.
O filme pode ser contemplado sob diferentes prismas, mas existem na obra
alguns feixes semióticos, cuja significação salta aos olhos e conviria destacá-los