© | moacyrscliar
Foi mesmo. Naquele ano de 1855, a vida do jovem transfor-
mou-se radicalmente. Deixou a casa do pai e mudou-se para o.
centro da cidade. Empregou-se na tipografia do escritor e edi-
tor Francisco de Paula Brito, Ali era impresso um pequeno jor-
nal, a Marmota Fluminense, no qual Joaquim Maria começou a
publicar seus poemas (o primeiro foi “A palmeira”). Depois,
tornou-se colaborador em vários jornais e revistas: O Paraíba,
de Petröpolis, o Correio Mercantil, o Diário do Rio de Janeiro, us
revistas O Espelto e A Guanabara... Engajou-se em politica, d
fendendo ideiasliberais e atacando a incompctóncia « a corrup-
ño do governo, Suas crónicas cram muito agressivas, mas aos
pouces foi optando pelo humor e pela ironia.
Arranjou um emprego público, e chegou a ter altos cargos
na administragio federal; casou com portuguesa Carolina
Xavier de Novais, rma de seu amigo, o poeta Faustino Xavier
de Novais; nfo tiveram filhos, mas o casamento foi muito fe-
liz e durou mais de trés décadas. Carolina, mulher culta, era
uma grande companheira, e ajudava-o no trabalho literério.
Os livros iam se sucedendo: Contos fluminenses, Ressurreizáo,
A mio e a luva, Helena, Taiá Garcia, Memérias péstumas de Bras
Cubas, Quincas Borba, Dom Casmurro... Junto vinha o reco-
nhecimento: foi elcito presidente da Academia Brasileira de
Letras, que fundara com Joaquim Nabuco.
A morte de Carolina, em 1904, abateu-o profundamente.
Escreveu, na ocasiño, um poema que assim comesava:
Querida, ao pe do leito derradeiro
Em que descansas desca longa vida,
Aquí venbo e virei, pobre querida,
Trazer-te o corazáo de companbeire
OMerinoeo Bro (E)
Um coragäo que agora batia só. E à solidäo juntava-se a
doenga: continuava sofrendo daquelas crises misteriosas, que
se acompanhavam de perdas de consciéncia e de visöcs estra-
nhas. Disso ele náo falava para ninguém; como muitos ou-
os, a enfermidade era para ele motivo de constrangimento,
de vergonha mesmo.
Nos últimos anos de sua vida, Joaquim Maria Machado de
Assis morou no número 18 da rua Cosme Velho, Era uma
casa relativamente grande, de dois andares. No térreo, a por-
ta, ladeada por duas janelas; no andar de cima, trés portas,
com pequenos balcóes gradcados. Na lateral, um outro bal-
cio, maior e coberto, Tanto as portas como as janelas tinham,
na parte superior, frontóes decorados. Também era decorado
© beiral do telhado. Diante da casa, ¢ 20s lados, um jardim,
separado da rua por uma mureta e grades, Entrava-se por um
porto, que quase sempre estava fechado. Nos fundos, outro
jardim, com árvores e arbustos.
Vito, sozinho, docnte, o escritor passava os dias em casa,
endo ou escrevendo, De vez em quando, levantava-se da mesa
de trabalho e ia espiar a rua, quase sempre descrta, por entre
as cortinas fechadas. Ficava muito tempo ali, como se esperas-
se a chegada de alguém. Quem? Essa era uma pergunta à qual
cle nio sabia, ou no queria responder.
Um dia, no final de 1907, estava, como de costume, olhan-
do para fora, quando de repente se sentiu mal, muito mal: era
uma crise que se aproximava. E näo havia ninguém para ajudá-
-lo. Em pánico, pensou em abrir a jancla e gritar por socorro,
mas antes que pudesse fazer qualquer coisa, desmaiou, tom=
bando sobre um diva.
Por quanto tempo ficou ali, inconsciente, näo saberia dizer. Fi-
nalmente, recuperou os sentidos e, ao abrir os olhos, estremeceu.