deonervodeumaculturainteira.Nãoexplica,masimplicaavida
burguesacomtalfelicidadequeelasaitriturada-deumacena
simplesedoméstica,umpoucofantasiosa.Achavedomundo,
paraKafka,édelata,epodeestarnossubúrbios.SeKafkafosse
revolucionário,nãofabricariabombas,massupositórios.
AescolaalemãeaescolaeslavadisputamapalavraOdradek.
Disputam,masnãolheconhecemosentido.Ficaimplícitoquesão
idiotas,bemaocontráriodopaidefamília,quefazaobservação
etriunfanestasprimeiraslinhas.Opaidefamíliaconsolidaoseu
triunfo,dizendoque"realmente,comoénatural,àprimeiravis
ta,defato,ébemverdade'~palavrasquesupõem,epressupondo
estabelecem,acomunidadedobomsenso.Étãoponderadoeob
jetivo,alémdeespirituoso,quenãodiz"eu"nem"nós"atéperto
dofinal.Porenquanto,aliás,nãochegaaexistircomopersona
gem,ésimplesmenteumavoznarrativa.Osujeitodesuasafirma
çõesécomoqueum"se",paraindicaroconsensoanônimo,in
discutívelediscretamentealegredoshomensdejuízo.
Ohomemrazoável,comovimos,pretendenãoserumcha
to.Semprejuízodesolicitaraaprovaçãogeral,opaidefamília
dáumadescriçãocômicadeOdradek,apresentadocomovelha
riacujafinalidadeseperdeu.Éridículoumserquetenhaforma
decarretelsemsercarretel,tantomaisseestivercobertodefioem
baraçado.Oriso,diantedacoisainútileobsoleta,édesuperiori
dade.
Àsuperioridadedohomemsensatoerisonhoacrescenta-se
adohomemprático.Adiantevemadoadulto,criadapelabono
miacomquesefaladopequenoOdradek.Oprocedimentoésem
preomesmo:aliciaroleitor,estabeleceroacordotácitoentreadul
tos,brancos,civilizados.
Súbito,umdetalhequenãoédetalhe:acoisaestranhasabe
ficardepé,temvida.Ofatoémencionadocomosefosseumfia
poamaisnocarretel.Masnãoé,emudatudo-mudançaindica
danatraduçãopelatrocadainicialminúsculapelamaiúscula.Por
24
quedescrevercomoinerteumservivo? Écomodizer:maisredon
doqueanguloso,amarelo,umpoucoamassado,eprimodeJosé
Arthur.AprópriadescriçãofísicadeOdradek,descriçãodeum
traste,mudadesentido,poisseentreobjetosotrasteésemprene
gativo,entrevivosasuagratuidadepodemudardesinal-como
veremos.Anarraçãopassou,pois,aparecerintencional,hátáti
caemseugestodescritivoesensato.Oprocedimentopoderiaser
humorísticoapenas,masjáoparágrafoseguintemostraquenão.
Oanonimatodavoznarrativaéfalso,deixaentrever,aospoucos,
atribulaçãodopaidefamília,esedesmanchanaslinhasfinais,
quandoprevaleceopronomenaturaldatribulação,i.e.,"eu".Pa
ralelamente,opaidefamíliareconhecea"pessoa"deOdradek:
trata-opelopronomepessoal
(er,ele),enãomaispeloindefini
do
(es,it),comoaprincípio.Estereconhecimentoassociado,da
existênciadeOdradekedainfelicidadesubjetiva,malescondida
pelafacepúblico-razoável,éoquerestaexplicar.
AssimcomosonegouavidadeOdradek,porumparágrafo
inteiro,opaidefamíliasupõe,agora,queeleesteja"apenasque
brado"-emboralogoreconheça,erepitatrêsvezes,quenãoé
assim;atépelocontrário,Odradek"parececompleto
àsuama
neira".Serelemosocontonotamos,atrásdaposturaobjetiva,ou
nelamesma,quesepresta,adifamaçãoimpalpávelmassustenta
dadeOdradek-naescolhadaspalavras,nareticênciaponde
radadovezonarrativo.Porquê?
Odradekémóvel,colorido,irresponsável,livredosistema
decompromissosqueprendeopaiàfamília.Maisradicalmente,
comoconstrução,Odradekéoimpossíveldaordemburguesa.Se
aproduçãoparaomercadopermeiaoconjuntodavidasocial,
comoéprópriodocapitalismo,asformasconcretasdeatividade
deixamdeteremsimesmasasuarazãodeser;asuafinalidade
lheséexterna,asuaformaparticularéinessencial.Ora,Odradek
nãotemfinalidade,i.e.,finalidadeexterna,eécompletoàsua
25