CIDADEBIZ 20
CIDADEBIZ 21
A
feira livre de Itapetininga, com quase um século, é uma das
maiores do interior paulista. Com 92 anos de fundação, a
feira livre pede passagem para se tornar patrimônio histórico da
cidade. Desde 1928 em atividade, os feirantes se integram na
economia, e se consolidam símbolo vivo da cultura local. São 220
barracas, lado a lado, entrelaçadas que transformam as manhãs
das quintas-feiras, mas sobretudo, aos domingos quando atraem
20 mil visitantes que se interagem no consumo alimentar e no
lazer de forma lúdica e leve. Fomenta lembranças e contribui para
a identidade do município.
Na relação entre feirantes e clientes, aproximação ganha
contornos especiais. São sons, cores, sabores, vozes e barulhos
nas barracas azuis e brancas. Começam entre o pastel, percorrem
os estandes de legumes, frutas, verduras, hortaliças, orgânicos,
grãos, ervas, queijos, passam por roupas, brinquedos, floriculturas,
peixarias, galinhas caipiras, cereais, farinhas, até envolverem as
músicas, cantorias e chegarem à feira da barganha. O rural ocupa
o cenário urbano, desdenha o mundo tecnológico e rejeita a vida
fria digital.
O geógrafo Ricardo Hirata Ferreira, com doutorado pela USP,
avalia que se mantém resistente ao tempo, por isso, pode ser
considerada um patrimônio histórico imaterial. “A feira é um marco
de resistência que permaneceu e que permanece no tempo,
enquanto um fator ou elemento em movimento histórico. É um
espaço aberto de encontro das pessoas, não apenas de comércio”,
sintetizou. “Tratar a feira como patrimônio, traz segurança de
permanecer ao longo do tempo”, acrescentou.
Hirata destacou também que outra frente de resistência é em
relação aos surgimentos e avanços dos supermercados, que
investem milhões de reais em suas unidades e se debruçam
na guerra de marketing sobre sua imagem. É um contraste ao
olhar para a simplicidade das barracas de lona e estruturas de
madeira ou ferro, que suportam frio, sol e chuva. A feira esbanja
sorrisos, laços de afetividade e interação entre as pessoas ao ar
livre. O circuito que se lança num patamar cultural e turístico, pois
extrapola a venda de um produto.
A cada fato político relevante ou durante as eleições, a feira se
torna o palco para a discussão entre as pessoas. “Além de um espaço
de sociabilidade, onde as pessoas conversam, se comunicam olho
no olho sobre suas famílias, seu cotidiano e o que está acontecendo
na cidade. Quando têm eleições políticas, o debate vai para as ruas
e sempre está presente na feira livre de Itapetininga”, observa o
especialista. Este cunho político, ressalta a importância e riqueza
da preservação deste local.
“E pode se tornar um patrimônio cultural. Porque história, ela
já tem. Já entrou na tradição do município”, contou. A realização
às quintas e aos domingos deste evento também rompe com o
domínio dos carros ao reconfigurar a dinâmica urbana. “A rua não
é de uso exclusivo dos automóveis. A cidade não pode ser refém
dos veículos. Mas a rua é um espaço de conversação entre as
pessoas e de troca”, arrematou. Ele acrescenta que o local poderia
ser potencializado pelo governo municipal, com apresentações de
peças de teatro, de bandas e cantores, porém com melhoria da
infraestrutura para o público.
Para o feirante Oswaldo Molina, há três anos no local com uma
barraca de goiaba, a tradição garante a presença do público. “O
consumidor procura produtos direto da roça, sem a presença
do atravessador. Embora, neste período, aumentaram os artigos
vindos da Ceasa”, relatou. Porém, a atração de pessoas é reforçada
pela oferta de lazer. “É um momento de passeio com a família e
conversar com amigos, já que não tem muito aonde ir na cidade”,
explicou.
Ele continuou: “Quem vem cedo, está interessado em comprar
um produto mais fresquinho. Depois das dez horas, para passear,
comer um pastel”, ensinou. Com uma calma característica do
campo, entre a degustação de uma laranja, explicava que há 30
anos é produtor rural. “Eu nasci na roça. Mexo com isso a vida toda.
Tenho 55 anos de idade, desde os 12 já trabalhava. Mas peguei
firme mesmo depois que casei. Aí tem que trabalhar”, enfatizou
sorrindo.
Um dos mais antigos feirantes é Noel Filho, há 30 anos com
barraca de verduras e legumes, que reforça que a tradição se
assenta na múltipla variedade de produtos e preços. “Aqui as
pessoas podem escolher. Se a cenoura está cara ou está feia, elas
podem ir para outra banca. No supermercado, se o tomate está
com aparência ruim, não tem outra opção”, sintetizou diante da
multidão que desfila às quintas e aos domingos. Mas a vida do
produtor não é fácil.
“Levamos 40 dias pra produzir um pé de alface que custa um
real. Para vender por um real e pouco. São 40 dias para ganhar um
dinheiro”, apontou Noel. Dono de uma chácara de 6 mil metros,
no Mato Seco, em que cultiva a verdura. “Só vendo o que produzo.
Porém, tem que cuidar todos os dias. Molhar diariamente”, contou
diante do peso do trabalho. “Mas dá para sobreviver”, disse,
olhando para o neto que já atende na barraca e aprende o ofício
na feira livre. Depois da entrevista, se levantou do banco da praça
e foi arrumar a banca. Trabalho que começou às 4 da manhã e que
feirantes repetem há um século na cidade.
Feira Livre resiste em quase um século de atividades
Feira Livre (1930)