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não identificado à tríade, e sim posicionado em um nível anterior a ela, “transcendente”.
O nível do limite e do ilimitado, por sua vez, governado pelo uno positivo, gera, por meio
da mistura, um terceiro princípio, o unificado (tó hênomenon), que seria resultado de uma
reunião dos dois elementos em si separados (DILLON, 2010, p. 360).
Este princípio, o unificado, geraria o intelecto (noûs); nas palavras de Dillon,
“constitui uma ligação ontológica com a próxima hipóstase, o intelecto” (2010, p. 360).
Seria precisamente no nível deste unificado que estariam dispostas as hênadas, “que
servem como prefigurações unitárias do sistema das formas que são o conteúdo do
intelecto” (2010, pp. 360-361). De acordo com Dillon, Jâmblico poderia ter incluído esta
hipóstase, anteriormente ao intelecto, com o objetivo de afirmar um princípio de
continuidade para as formas da realidade, como Dodds já teria considerado em relação à
teoria de Proclo sobre as hênadas. As hênadas seriam ainda os deuses de Jâmblico, que
funcionariam, ao mesmo tempo, como o topo da hipóstase seguinte, o noûs
128
(DILLON,
2010, p. 361).
Esta sistematização que Dillon faz das primeiras hipóstases, sobretudo das
hênadas
129
, gerou controvérsias. Saffrey e Westerink, no volume III de sua tradução
francesa da Teologia Platônica de Proclo, ix-xl, 1978, consideram que não se pode
atribuir uma teoria das hênadas a Jâmblico, apenas a Proclo, de quem dependemos para
as referências a Jâmblico sobre elas. O argumento principal seria que, para Jâmblico, os
deuses eram noéticos, de modo que não haveria uma instância superior para eles (logo,
não havendo, em absoluto, essa instância superior). Em “Iamblichus and Henads Again”,
The Divine Iamblichus, 1993, Dillon retoma a discussão, mantendo sua posição anterior,
argumentando o que já expusemos acima, que o topo do nível do intelecto, sua “mônada”,
seria ao mesmo tempo o nível inferior do uno, isto é, tó hen on, um uno positivo que
contém já as determinações do ser que vem logo abaixo, o que caracterizaria bem a
definição das hênadas e permitiria a identificação delas com os deuses.
Abaixo das hipóstases supra-noéticas, o mundo noético se divide de modo
correspondente: as hênadas (que seriam, também, o topo do que vem a seguir, e
substância matemática). A rigor, tó peperasménon é um particípio perfeito com artigo, e tó ápeiron é um
adjetivo verbal com artigo; ambos, porém, se intercambiam com tó péras e tó ápeiron, princípios
ontológicos de origem pitagórica. Por isso, Dillon costuma traduzir respectivamente por “Limit” e
“Unlimitedness”, por exemplo em 2010, p. 360, e eu, na medida em que o português permite, preferi segui-
lo. Romano traduz também, na mesma passagem citada, por “limite” e “illimitato”, por ex. 2012, p. 501.
128
Segundo In Timaeum, fr. 54, o elemento inferior de uma hipóstase superior também funciona, de um
certo modo, como o elemento superior, ou “mônada”, da hipóstase inferior, próxima à primeira.
129
Primeiramente em “Iamblichus and the Origin of the Doctrine of Henads”, Phronesis XVII, 1972.