cabeceira. As palavras de minha mãe martelam em meus ouvidos, fazendo tudo
parecer tão fácil. Ela fala como se achasse que eu sou uma criança com fantasias de
heróis que arrebatam a garota e saem cavalgando com ela em direção ao pôr do sol.
Em que tipo de mundo ela acha que eu cresci?
— Provavelmente vai ser sangue — diz Thomas, em um tom de lamento que não
combina com o brilho de excitação em seus olhos. — Quase sempre é sangue.
— É? Se for mais de meio litro me avisa, para eu poder ir em um banco de
sangue — respondo, e ele sorri. Estamos na frente do armário dele, falando sobre o
ritual, que ele ainda não entendeu direito. Mas, para ser justo, faz apenas um dia e
meio. O sangue a que ele se refere é o conduto, ou seja, a ligação com o outro lado,
ou o preço. Não sei bem qual deles. Ele mencionou das duas maneiras, como uma
ponte e como um pedágio. Talvez seja ambos e o outro lado seja, basicamente, uma
estrada pedagiada. Ele está um pouco nervoso enquanto conversamos, acho que por
sentir minha ansiedade. Provavelmente também adivinhou que não dormi muito. Sei
que estou horrível.
Thomas endireita o corpo quando Carmel se aproxima, parecendo dez vezes
melhor do que nós, como sempre. Seu cabelo está preso com uma fivela, movendo-
se alegremente em um balanço loiro. O brilho de seus braceletes de prata dói em
meus olhos.
— Oi, Thomas — diz ela. — Oi, zumbi Cas.
— Oi — respondo. — Acho que você já sabe o que aconteceu.
— Sei, o Thomas me contou. Que história assustadora.
Eu encolho os ombros.
— Não foi tão ruim. A Riika era bem legal. Você devia ter ido junto.
— Bom, talvez eu fosse, se não tivesse sido chutada do clube. — Ela baixa os
olhos e Thomas entra imediatamente na defensiva, pedindo desculpas por Morfran,
insistindo que ele não devia ter feito isso, e Carmel concorda com a cabeça,
mantendo os olhos no chão.
Tem alguma coisa acontecendo sob os cílios abaixados de Carmel. Ela não acha
que eu a estou observando, ou talvez ache que estou cansado demais para notar, mas,
mesmo com minha exaustão, percebo o que é e o conhecimento me deixa surpreso.
Carmel ficou feliz por ter sido excluída. Em algum momento entre runas entalhadas
e ser pregada na parede por um forcado, aquilo acabou ficando demais para ela. Está
ali nos seus olhos; no modo como eles se demoram com pesar em Thomas quando
ele não está olhando, e no modo como piscam e brilham com falso interesse quando
ele lhe conta sobre o ritual. E, durante todo o tempo, Thomas continua sorrindo,
inconsciente do fato de que ela, basicamente, já se foi. É como se eu tivesse assistido
aos dez minutos finais de um filme primeiro.