1 2 3 JOÃO Hernandes Dias-Lopes.pdf

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About This Presentation

Comentário Biblico


Slide Content

com entários ; . ; ' ' ; . . ; :
EXPOS1TTVOS
......................................................
h a g n o s Hernandes Dias Lopes
1, 2, 3 J O A O
Como ter garantia da salvação
Si
ca[iev mi aKT|Koa|iev
v Kai i)\ú.v, Iva
íig K o iT W c a y <EYT]Te
Kai T) Koivwyia ôè f) rjjjl-
v - ‘
i€Ta ToO TTdrpÒÇ
MAGNOS I

COMENTÁRIOS
EXPOS1T1VOS
i I A G N O S
O Evangelho de João foi escrito para que as pessoas cressetn
que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo,
pudessem ter vida em seu nome. A Primeira Carta foi escrita
com o propósito de dar garantia aos que creram em Cristo
acerca da certeza da salvação. A Segunda Carta foi escrita para
alertar a igreja sobre o perigo dos falsos mestres e a Terceira
Carta para alertar a igreja sobre o perigo dos falsos lideres.
Hemandes Dias Lopes, casado com Udemilta Pimentel
Lopes, pai de Thiago e Mariana. Bacharel em teologia pelo
Seminário Presbiteriano do Sul, Campinas, SP e Doutor
em Ministério pelo Reformed Theological Seminary de
Jackson, Mississippi, Estados Unidos. Pastor da Primeira
Igreja Presbiteriana de Vitória, Espirito Santo, desde 1985.
Conferencista e escritor, com mais de 80 livros publicados.
Contatos:
www.hernandesdiaslopes.com.br
h dl opes @vel oxm ail .com .br
ISBN 9 78 -85-7742-073-5
Categoria: Liderança

, 2 , 3 J 0 A 0
Como ter garantia da salvação

© 2010 por Hernandes Dias Lopes
Revisão
João Guimarães
Doris Kõrber
Adaptação de capa
Patricia Cay cedo
Diagramação
Sandra Oliveira
Ia edição - Junho de 2010
Reimpressão - abril de 2011
Editor
Juan Carlos Martinez
Coordenador de produção
Mauro W. Terrengui
Impressão e acabamento
Imprensa da Fé
-dqfsáôs^mèltns desta edição reservados para:
!nto Júlio, 27
0^15-160- São Paulo - SP - Tel (11)5668-5668
[email protected] - www.hagnos.com.br
i Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
tíJop^S-^MxLandes dias -
\ João: como ter garantia da salvação; Hernandes Dias Lopes - São Paulo,
: Hagnos 2010. (Comentários expositivos Hagnos)
ISBN 978-85-7742-073-5
1. Bíblia N.T. João - crítica e interpretação 2. Bíblia N.T. João 1-2-3 - crítica e
interpretação 3. Salvação I. Título
10-03549 CDD-226.506
índices para catálogo sistemático:
1. João 1-2-3: Interpretação e crítica 226.506

Dedicatória
■ D e d i c o e s t e l i v r o à irmã Clarice
Robles Egea, amiga preciosa, sábia con­
selheira, fiel cooperadora, intercessora
incansável, bálsamo de Deus em nossa
vida, família e ministério.

Sumário
Prefácio 7
1. Uma introdução à Primeira Carta de Joáo 11
2. Jesus, a manifestação de Deus entre os homens 35
ajo Li-4)
3. Como o homem pecador pode ter comunhão
com o Deus santo 55
(ljo 1.5-10)
4. Jesus, o advogado incomparável 77
(ljo 2.1,2)
5. Como conhecer um cristão verdadeiro 95
(ljo 2.3-11)
6. Como podemos ter garantia de que somos
cristãos verdadeiros 113
(ljo 2.12-17)
7. Quando a heresia ataca a igreja 133
(ljo 2.18-29)
8. Razões imperativas para uma vida pura 151
(ljo 3.1-10)

9. O amor, a apologética final 167
(ljo 3.11-24)
10. Como podemos conhecer um verdadeiro
cristão 185
(ljo 4.1-21)
11. As certezas inabaláveis do crente 207
(ljo 5.1-21)
12. Como viver à luz da verdade 229
(2Jo 1-13)
13. A liderança na igreja de Cristo 249
(3Jo 1-15)
Todos que são beneficiados pelo que faço, fiquem
certos que sou contra a venda ou troca de todo
material disponibilizado por mim. infelizmente
depois de postar o material na Internet não tenho o
poder de evitar que “alguns aproveitadores tirem
vantagem do meu trabalho que é feito sem fins
lucrativos e unicamente para edificação do povo
de Deus. Criticas e agradecimentos para:
mazinhorodrigues@yahoo. com. br
Att: Mazinho Rodrigues.

As TRÊS CARTAS DO APÓSTOLO JOÃO
têm uma mensagem solene e urgente
para a igreja contemporânea. Os pro­
blemas que motivaram o idoso apóstolo
a escrevê-las ainda atingem a igreja hoje.
Os tempos mudaram, mas o homem é
o mesmo. Os problemas podem ter as­
pectos diferentes, mas em essência sâo
os mesmos.
O Evangelho de João foi escrito
para que as pessoas cressem que Jesus é
o Cristo, o Filho de Deus, e para que,
crendo, pudessem ter vida em seu nome
(Jo 20.31). A Primeira Carta foi escrita
com o propósito de dar garantia aos que
creram em Cristo acerca da certeza da
salvação (ljo 5.13). A Segunda Carta foi

escrita para alertar a igreja sobre o perigo dos falsos mestres
e a Terceira Carta para alertar a igreja sobre o perigo dos
falsos líderes.
Nessas cartas, o apóstolo João apresenta três provas
irrefutáveis que identificam um indivíduo verdadeiramente
salvo:
A primeira prova é a prova doutrinária, ou seja, a fé em
Cristo. Aquele que nega que Jesus veio em carne e nega que
Jesus é o Cristo não procede de Deus. Esse é o enganador e
o anticristo. Ninguém pode se considerar cristão negando
a encarnação de Cristo. Ninguém pode ser salvo negando a
doutrina da natureza divino-humana de Cristo. Jesus Cristo
não é meio Deus e meio homem. Ele é Deus-Homem.
O apóstolo João deixa claro que o ensino gnóstico acerca
de Jesus estava absolutamente equivocado. Os gnósticos
faziam distinção entre o Jesus histórico e o Cristo divino.
Para eles, o Cristo veio sobre Jesus no batismo e saiu dele
antes da crucificação. O ensino gnóstico era uma perversão
da verdade, uma heresia que a igreja deveria rechaçar.
A segunda prova que evidencia um verdadeiro cristão é a
prova social, ou seja, o amor. Quem não ama não é nascido
de Deus. Quem não ama permanece nas trevas. Quem não
ama permanece na morte. Quem não ama jamais viu a
Deus, porque Deus é amor. Não podemos separar a nossa
relação com Deus da nossa relação com os irmãos. Quem
não ama a seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus a
quem não vê. Também, o amor cristão não consiste apenas
de palavras, mas, sobretudo, de ação. A prova do amor é o
serviço. Demonstramos nosso amor não com palavras, mas
com ações concretas de ajuda aos necessitados. O amor é
a apologética final, a evidência insofismável de que somos
discípulos de Cristo.

A terceira prova que evidencia um verdadeiro cristão é
a prova moral, ou seja, a obediência. Aqueles que creem
em Cristo e amam a Cristo devem andar assim como ele
andou. O credo precisa estar sintonizado com a vida. O
que cremos precisa desembocar naquilo que fazemos. Não
pode existir um abismo entre a teologia e a ética, entre a fé
e as obras, entre o que falamos e o que fazemos.
O contexto das três cartas mostra uma igreja assediada
pelos falsos mestres. Muitos desses falsos mestres saíram
de dentro da própria igreja (ljo 2.19) e se corromperam
teológica e moralmente. O apóstolo Paulo havia alertado
para essa possibilidade (At 20.29,30). A heresia é nociva.
Ela engana e mata. Não podemos ser complacentes com o
erro. Não podemos tolerar a mentira. Não podemos apoiar
a causa dos falsos mestres.
Hoje, ainda, há muitos falsos profetas, muitos falsos
mestres e muito engano religioso. A igreja evangélica bra­
sileira tem sido condescendente com muitos ensinos forâ-
neos à Palavra de Deus. Novidades estranhas às Escrituras
têm encontrado guarida nos redutos evangélicos. Precisa­
mos nos acautelar. Precisamos nos firmar na verdade para
vivermos de modo digno de Deus.
A verdade é inegociável. Os absolutos de Deus não po­
dem ser relativizados. Precisamos convocar a igreja evangé­
lica brasileira a voltar-se para as Escrituras. Precisamos de
uma nova Reforma. Precisamos de um reavivamento nos
púlpitos e nos bancos!
Hernandes Dias Lopes

Uma introdução
à Primeira Carta
de João
A P r i m e i r a C a r t a d e J o á o , s e g u n d o
alguns estudiosos, ocupa o lugar mais
elevado nos escritos inspirados, a pon­
to de João Wesley chamá-la de “a parte
mais profunda das Escrituras Sagradas”.1
William MacDonald diz que essa epís­
tola é como um álbum de família. Ela
descreve aqueles que são membros da
família de Deus. Assim como os filhos
refletem os pais, os filhos de Deus têm a
sua semelhança. Quando um indivíduo
se torna filho de Deus, ele recebe a vida
de Deus, ou seja, a vida eterna.2
Essa epístola não tem as características
normais de uma carta antiga.3 Simon
Kistemaker corretamente afirma que
essa carta é desprovida do nome do

remetente e dos destinatários, de saudações e bênçáo e de
lugar de origem e destino. Essa epístola poderia ser chamada
de tratado teológico.4
William Barclay coloca isso de forma ainda mais clara:
A Primeira Carta de João se denomina uma carta, mas não começa
nem termina como tal. Não principia com um destinatário nem
finaliza com saudações como ocorre com as cartas de Paulo, no
entanto, não se pode lê-la sem perceber seu caráter intensamente
pessoal.5
Augustus Nicodemus, nessa mesma linha de pensamento,
diz que existem 21 cartas no cânon do Novo Testamento, e
apenas ljoáo e Hebreus náo trazem o prefácio costumeiro
no qual o autor se apresenta.6
O autor da carta
Há um consenso quase unânime na história da igreja,
por meio de evidências externas e internas, que essa carta
foi escrita pelo apóstolo Joáo. Muito embora o nome do
apóstolo náo apareça no corpo da missiva, como acontece
em outras epístolas, a semelhança com o quarto evangelho
e com as outras duas missivas, no que tange ao vocabulário,
ao estilo, ao pensamento e ao escopo náo deixa dúvida de
que o evangelho e as três cartas podem ser considerados
obras do mesmo autor. Donald Guthrie tem razáo quando
diz que essa carta combina pensamentos profundos com
simplicidade de expressão. Ela é tanto prática quanto pro­
funda.7
Antes de prosseguirmos, precisamos conhecer o autor
dessa epístola. Quem foi João?
Primeiro, João era filho de Zebedeu e Salomé e irmão de
Tiago. Seu pai era um empresário da pesca e sua mãe era irmã

de Maria, mãe de Jesus. João era galileu e certamente deve
ter crescido em Betsaida, às margens do mar da Galileia.
Ele, à semelhança de seu pai, também era pescador.
Segundo, João tornou-se discípulo de Cristo. Inicial­
mente João era discípulo de João Batista, mas deixou suas
fileiras para seguir o carpinteiro de Nazaré, o rabino da
Galileia. Depois da morte de João Batista, João abandonou
suas redes para integrar o grupo de Jesus permanentemente
(Mc 1.16-20), tornando-se mais tarde um dos doze após­
tolos (Mc 3.3-19).
Terceiro, João tornou-se integrante do círculo mais ínti­
mo de Jesus. Ao lado dos irmãos Pedro e André, João inte­
grava esse grupo seleto que desfrutava de uma intimidade
maior com Jesus. Eles acompanharam Jesus no monte de
Transfiguração (Lc 9.28), na casa de Jairo (Lc 8.51), onde
Jesus ressuscitou sua filha de 12 anos, e também no Jar­
dim do Getsêmani, na hora mais extrema da sua agonia
(Mc 14.33).
Desses três apóstolos, João é o único que encostou a
cabeça no peito de Jesus e foi chamado de discípulo amado.
No quarto evangelho, João se refere a si mesmo como:
“discípulo”, “outro discípulo”, “o discípulo a quem Jesus
amou”, “aquele que se reclinou sobre o peito de Jesus”. Esse
foi o caminho mais modesto de João apresentar-se.8
Quarto, João acompanhou o julgamento e a crucificação
de Jesus. Enquanto os outros apóstolos fugiram, João, que
era aparentado do sumo sacerdote, pôde estar presente no
julgamento de Jesus (Jo 18.15,16) e em sua crucificação,
quando assumiu a responsabilidade pela mãe de Jesus (Jo
19.26,27).
Quinto, João foi uma testemunha ocular da ressurreição
e da ascensão de Cristo. Ele foi um dos primeiros a ver

o túmulo de Jesus vazio (Jo 20.1-8) e a testemunhar o
Cristo ressurreto, primeiro na casa com as portas trancadas
(Jo 20.19-28) e, depois, no mar da Galileia (Jo 21.1-24).
Quando Jesus foi assunto aos céus, João estava entre os
discípulos que olhavam para as alturas enquanto Jesus
subia (At 1.9-11). O autor é testemunha ocular e ouvinte
de Jesus (1.2). Ele viu, ouviu e tocou em Jesus.
Sexto, João tornou-se uma das colunas da igreja de
Jerusalém. Por volta do ano 40 d.C., quando Paulo e
Barnabé subiram a Jerusalém, Tiago, Cefas e João eram
considerados colunas da igreja de Jerusalém (G1 2.6-10).
Muito embora não tenhamos nenhum registro de milagre
operado por ele, tinha a autoridade de dizer como Pedro ao
paralítico: “Olha para nós” (At 3.4).
Sétimo, João passou seus últimos dias em Efeso. E muito
provável que João tenha fugido para Efeso por volta do ano
68 d.C., antes da destruição da cidade de Jerusalém por
Tito Vespasiano em 70 d.C. Dali ele foi banido para a Ilha
de Patmos pelo imperador Domiciano, onde escreveu o
livro de Apocalipse (Ap 1.9).
João morreu de morte natural, enquanto todos os
outros apóstolos foram martirizados. Seu irmão Tiago foi
o primeiro dos apóstolos a morrer enquanto João foi o
último. De acordo com Irineu, o apóstolo João viveu “até o
tempo de Trajano”. João morreu por volta do ano 98 d.C.,
durante o reinado do imperador Trajano (98-117 d.C.).
O apóstolo João foi o autor desta carta que estamos
considerando. Destacaremos duas evidências de autoria
joanina:
Em primeiro lugar, as evidências externas. Os pais da
igreja do segundo século, como Policarpo (69-155), Papias
(60-130), Clemente de Alexandria (150-215), e Irineu

(150-200) dão testemunho eloquente da autoria joanina
dessa missiva.9 Tertuliano, no começo do terceiro século,
Cipriano, nos meados do terceiro século, e Eusébio, no
quarto século, também dão testemunho que João foi o autor
desta carta. Todas as três epístolas se acham nos manuscritos
mais antigos. A primeira epístola está incluída também nas
mais antigas versões da igreja do Oriente e do Ocidente, a
saber, a Siríaca e a Latina.10 O Cânon Muratório atribui a
João tanto o evangelho como esta primeira carta.11
Em segundo lugar, as evidências internas. A Primeira
Carta de João tem forte semelhança com o evangelho se­
gundo João. E impressionante a semelhança entre o evan­
gelho de João e as epístolas quanto aos paralelos verbais
e à escolha de palavras. O vocabulário tanto nas epístolas
quanto no evangelho mostra semelhança inconfundível.
Ambos os livros enfatizam os mesmos temas: amor, luz,
verdade, testemunho e filiação. Tanto a epístola quanto o
evangelho revelam o uso literário de contraste: vida e mor­
te, luz e trevas, verdade e mentira, amor e ódio.12
Embora C. H. Dodd tenha questionado e negado estas
semelhanças, concordo com John Stott quando diz que as
diferenças existentes entre o evangelho e a carta são expli­
cadas pelo propósito diferente que o autor tinha ao escrever
cada uma dessas obras.
Assim escreve Stott:
João escreveu o evangelho para incrédulos a fim de despertar-lhes a fé
(Jo 20.30,31), e a epístola para crentes, a fim de aprofundar a certeza
deles (5.13). O seu desejo, quanto aos leitores do evangelho, era que
pela fé recebessem a vida; aos leitores da epístola, que soubessem que
já a possuíam. Por conseguinte, o evangelho contém “sinais” para
evocar a fé, e a epístola, provas para julgá-la. Ademais, no evangelho
os inimigos da verdade são judeus incrédulos, que duvidavam, não

da historicidade de Jesus (a quem eles podiam ver e ouvir), mas de
que é o Cristo, o Filho de Deus. Contudo, na epístola, os inimigos
da verdade são cristãos professos (conquanto as provas dadas por João
mostrem que a profissão que fizeram é uma mentira), e o problema
deles diz respeito não à divindade de Cristo, mas à sua relação com
o Jesus histórico. O tema da epístola é: ‘O Cristo é Jesus’; o tema do
evangelho é: ‘Jesus é o Cristo’.13
As semelhanças podem ser observadas tanto com
respeito ao conteúdo quanto ao estilo. A Primeira Carta de
João, à semelhança de Hebreus, não tem o nome do autor
na introdução nem saudações na conclusão. Isso pressupõe
que o autor já era uma pessoa muito conhecida de seus
leitores e dispensava qualquer apresentação. E uma carta de
um pastor que ama as suas ovelhas e está profundamente
interessado em protegê-las das seduções do mundo e dos
erros dos falsos mestres, e em vê-las firmes na fé, no amor
e na santidade.14
O local e a data em que a carta foi escrita
Alguns estudiosos acreditam que João escreveu as três
cartas canônicas por volta do ano 60 d.C., de Jerusalém,
antes da destruição da cidade pelos romanos. A data
mais aceita, porém, situa essas cartas em um momento
posterior.15 E muito provável que o apóstolo João, o último
representante do colégio apostólico vivo, tenha passado
seus últimos dias morando na cidade de Efeso, a capital
da Ásia Menor. E quase certo que João escreveu essa e as
outras duas epístolas de Efeso, onde João pastoreou a igreja
nos últimos dias da sua vida.
Simon Kistemaker diz corretamente que as epístolas
em si não trazem nenhuma informação que nos ajude a

determinar a data de sua composição. Estudiosos normal­
mente datam a composição das epístolas de João entre 90
e 95 d.C. A razão para isso é o fato de as epístolas terem
sido escritas para contra-atacar os ensinamentos do gnos-
ticismo, que estava ganhando proeminência perto do final
do século primeiro.16
Levando em conta que João escreveu o evangelho que
leva seu nome e que há profunda similaridade entre o evan­
gelho e essa carta, concordo com Everett Harrison quando
diz que o peso das possibilidades parece favorecer uma data
posterior a do evangelho, e isto equivale aos anos 90 ou
algo posterior.17
Os destinatários da carta
A Primeira Carta de João não foi endereçada a uma
única igreja nem a uma pessoa específica, mas às igrejas
do primeiro século. Trata-se de uma carta circular, geral ou
católica.
Concordo com A. Plummer quando disse que esta carta
de João não foi endereçada à igreja de Efeso, nem à igreja
de Pérgamo, nem mesmo às igrejas da Ásia coletivamente,
mas a todas as igrejas. Não há dúvida que ela circulou
primeiramente entre as igrejas da Ásia e João tinha suas
razões para escrevê-la em face dos perigos que atacavam
as igrejas daquele tempo. Entretanto, seus ensinos e suas
exortações não se restringem àquela época e àquelas igrejas.
As doutrinas e exortações são tão oportunas para as igrejas
de hoje como o foram para as igrejas daquele tempo.18
João não lida com nenhuma situação específica de
determinada igreja. Essa carta é uma espécie de tratado
teológico, onde João submete os crentes a três testes
distintos: o teste teológico, ou seja, se acreditam que Jesus é

o Filho de Deus; o teste moral, ou seja, se vivem de forma
justa; e o teste social, se amam uns aos outros.19
Simon Kistemaker diz que o autor se dirige aos seus
leitores com palavras ternas de amor. Os termos filhinhos
ou amados aparecem várias vezes (2.1,12,14,18,28; 3.7,18;
4.4; 5.21) e indicam que o autor é de idade avançada.
Como um pai na igreja, ele considera os leitores seus filhos
espirituais.20
Quando Joáo escreveu essa carta, da cidade de Efeso,
muitos dos cristáos já pertenciam à segunda ou terceira
geração. Nessa época, a igreja de Efeso já havia perdido o
seu primeiro amor (Ap 2.4). O amor estava se esfriando (Mt
24.12). O perigo que atacava a igreja não era a perseguição,
mas a sedução. O problema não vinha de fora, mas de
dentro.
Jesus já havia alertado que “[...] muitos falsos profetas
se levantariam, e enganariam a muitos” (Mt 24.11). Paulo
já alertara os presbíteros da igreja de Efeso acerca dos lobos
que entrariam no meio do rebanho e de homens pervertidos
que se levantariam no meio deles para arrastarem após si os
discípulos (At 20.29,30).
Esses falsos mestres saíram de dentro da própria igreja
(2.19) para fazer um casamento espúrio entre o cristianis­
mo e a filosofia secular. Esse sincretismo produziu uma per­
niciosa heresia chamada gnosticismo. E esse perigo mortal
que João combate nesta epístola.
Os propósitos da carta
João escreveu o evangelho para os descrentes e seu
propósito era que seus leitores cressem que Jesus é o Cristo,
o Filho de Deus, e para que, crendo, tenham vida em seu
nome (Jo 20.31). A Primeira Epístola, por sua vez, foi

escrita aos crentes para dar-lhes segurança da salvação em
Cristo (5.13).
Myer Pearlman corretamente diz que o evangelho trata
dos fundamentos da fé cristã, a epístola dos fundamentos da
vida cristã. O evangelho foi escrito para dar um fundamento
da fé; a epístola para dar um fundamento da segurança.21
O apóstolo João teve um duplo propósito ao escrever
essa carta: Em primeiro lugar, expor os erros doutrinários dos
falsos mestres. Esses falsos mestres estavam disseminando
suas heresias perniciosas. João mesmo diz: “Isto que vos
acabo de escrever é acerca dos que vos procuram enganar”
(2.26).
João escreveu para defender a fé e fortalecer as igrejas
contra os falsos mestres e sua herética doutrina. Esses falsos
mestres haviam saído de dentro da própria igreja (2.19).
Eles se desviaram dos preceitos doutrinários. João identi­
ficou o surgimento de uma perigosa heresia que atacaria
implacavelmente a igreja no segundo século, a heresia do
gnosticismo.
O gnosticismo era uma espécie de filosofia religiosa que
tentava fazer um concubinato entre a fé cristã e a filoso­
fia grega. Os gnósticos, influenciados pelo dualismo grego,
acreditavam que a matéria era essencialmente má e o espíri­
to essencialmente bom. Esse engano filosófico desembocou
em grave erro doutrinário.
Os gnósticos diziam que o corpo, sendo matéria, não
podia ser bom. Por conseguinte, negavam a encarnação de
Cristo. Essa posição resultou em duas diferentes atitudes
em relação ao corpo: ascetismo ou libertinagem.
William Barclay diz que a ideia de que o celibato é me­
lhor do que o matrimônio e que o sexo equivale a pecado
é uma influência das crenças gnósticas. De igual forma, a

imoralidade desbragada e a perversão moral que assolam a
sociedade contemporânea também são produtos dessa per­
versa filosofia.22
O gnosticismo é termo amplo e abrange vários sistemas
pagãos, judaicos e semicristãos. Na origem era pagão,
combinando elemento do “intelectualismo ocidental e
do misticismo oriental”.23 O gnosticismo é totalmente
sincrético em seu gênio, uma espécie de guisado misto
teosófico. Ele não hesitou em grudar-se primeiro ao
judaísmo e depois ao cristianismo, e em corromper a ambos
na mesma ordem.
As principais crenças do gnosticismo são: a impureza
da matéria e a supremacia do conhecimento.24 Com isso,
a filosofia gnóstica produziu uma aristocracia espiritual
por um lado e uma acentuada imoralidade por outro. O
gnosticismo ensinava que a salvação podia ser obtida por
intermédio do conhecimento, em vez da fé. Esse conheci­
mento era esotérico e somente poderia ser adquirido por
aqueles que tinham sido iniciados nos mistérios do sistema
gnóstico.25
O gnosticismo ensinava que o corpo era uma vil prisão
em que a parte racional ou espiritual do homem estava en­
carcerada, e da qual precisava ser libertada pelo conheci­
mento ignosis). Os gnósticos acreditavam na salvação pela
iluminação. Essa iluminação podia ser mediante a comuni­
cação de um conhecimento esotérico em alguma cerimônia
secreta de iniciação.
Os iniciados eram os pneumatikoi, pessoas verdadei­
ramente “espirituais”, que desprezavam os não iniciados
como psuchikoi, condenados a uma vida animal na terra.26
William Barclay sintetiza esse ponto nas seguintes

A crença básica de todo pensamento gnóstico é que só o espírito é bom,
e que a matéria é essencialmente má. Assim, o gnosticismo despreza
o mundo, porque o mundo é matéria, e todas as coisas criadas do
mundo são naturalmente más. Em particular o gnosticismo despreza
o corpo: o corpo é matéria, portanto é mau. Prisioneiro dentro do
corpo está o espírito, a razão humana. O espírito é uma semente, uma
emanação do espírito que é Deus, inteiramente bom. Assim, pois, o
propósito da vida deve ser libertar essa semente celestial prisioneira na
maldade do corpo; e isso só pode acontecer mediante um complicado
e secreto conhecimento e ritual de iniciação que só a fé gnóstica pode
administrar. A única tarefa sensata na vida é libertar o espírito da
prisão pecaminosa do corpo.27
A heresia gnóstica atingiu verdades essenciais do cris­
tianismo. A primeira delas foi a doutrina da Criação. Os
gnósticos estavam errados quando afirmavam que a maté­
ria era essencialmente má. Deus criou o mundo e deu uma
nota: “Muito bom” (Gn 1.31).
Russell Shedd corretamente afirma que, enquanto
o gnosticismo colocou a matéria em oposição a Deus, a
Encarnação traz o Deus transcendente para dentro da
nossa humanidade. Não é a matéria, em oposição a Deus, o
antagonismo fundamental; mas ela é o meio pelo qual Deus
se revela no corpo de Cristo. Não é a matéria o obstáculo ao
progresso, mas o veículo pelo qual Deus nos salva por meio
da cruz e do túmulo vazio.28
A segunda verdade que foi afetada pela heresia gnóstica
foi a doutrina da Encarnação. Para os gnósticos, era
impossível que Deus houvesse assumido um corpo físico,
material. Essa heresia em sua forma mais radical é chamada
de Docetismo. O verbo grego dokein significa “parecer” e
os docetistas pensavam que Jesus só parecia ter um corpo.

Afirmavam que seu corpo era um fantasma sem substância;
insistiam em que nunca havia tido carne e um corpo
humano, físico, senão que era um ser puramente espiritual,
que não tinha senão aparência de ter um corpo.29
O apóstolo João se levanta contra essa perniciosa heresia
com palavras veementes:
Nisto reconheceis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa
que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e todo espírito que não
confessa a Jesus não procede de Deus; pelo contrário, este é o espírito
do anticristo... (4.2,3).
Dentro do Docetismo surgiu uma variante ainda mais
sutil e perigosa, liderada por Cerinto, contemporâneo
e inimigo do apóstolo João. Ele fazia uma distinção en­
tre Jesus e Cristo; entre o Jesus humano e o Cristo divino.
Dizia que Jesus era um homem nascido de uma maneira
totalmente natural, que viveu uma vida de particular obe­
diência a Deus e que depois no seu batismo, o Cristo, que
era uma emanação divina desceu sobre ele em forma de
pomba, capacitando-o a trazer aos homens as novas do Pai,
até então desconhecidas. Mas esse Cristo divino deixou o
Jesus humano na cruz, e foi embora, antes de sua morte na
cruz.30
De acordo com essa heresia de Cerinto Jesus morreu,
mas Cristo não morreu. Para ele, o Cristo celestial era
muito santo para estar em contato permanente com o corpo
físico. Dessa maneira, ele negava a doutrina da Encarnação,
que Jesus é o Cristo, e que Jesus Cristo é tanto Deus como
homem.31
João se levanta, e refuta também essa heresia de Cerinto,
quando escreve: “Este é aquele que veio por meio de água e
sangue, Jesus Cristo; não somente com água, mas também

com a água e com o sangue...” (5.6). O ponto deste
versículo é que os mestres gnósticos haviam concordado
que o Cristo divino havia descido a Jesus por meio da água,
ou seja, mediante o batismo, mas negavam que houvesse
vindo mediante o sangue, ou seja, por intermédio da cruz.
Para eles, o Cristo divino abandonara a Jesus antes de sua
crucificação. O apóstolo João afirma, entretanto, que Jesus
Cristo veio por meio de água e sangue.
Russell Champlin diz que essa heresia foi tão devastadora
que oito livros do Novo Testamento foram escritos para
combatê-la: Colossenses, 1 e 2Timóteo, Ti to, 1, 2, 3João
e Judas.32
Augustus Nicodemus destaca o fato de que esses en­
sinamentos heréticos que negavam a humanidade e a di­
vindade de Cristo foram posteriormente rejeitados pela
igreja nos concílios de Niceia e Calcedônia, que adotaram
o ensino bíblico da perfeita humanidade e divindade de
Cristo.33
Em segundo lugar, confirmar os verdadeiros crentes na
doutrina dos apóstolos. João escreve para fortalecer e encora­
jar os crentes em três áreas essenciais: primeira, a área dou­
trinária, mostrando a eles que Jesus é o Filho de Deus e que
aqueles que creem em seu nome têm a vida eterna (5.13).
Segunda, a área moral, mostrando que aqueles que creem
em Cristo, são purificados em seu sangue, habitados pelo
seu Espírito e apartados do mundo devem, por conseguin­
te, aguardar a sua vinda, vivendo em santidade e pureza
(2.3-6). Terceira, a área social, mostrando que aqueles que
foram amados por Deus devem agora, como prova do seu
amor por Deus, amar os irmãos (4.20,21). Esse amor não é
apenas de palavras, mas um amor prático que se evidencia
na assistência ao necessitado (3.17,18).

L. Bonnet, citando H. Holtzmann, sintetiza as verdades
essenciais dessa carta em quatro pontos distintos: 1) A
marcha nas trevas e a marcha na luz (1.5a2.17);2)0 erro
e a verdade (2.18-28); 3) A justiça e o amor fraternal (2.29
a 3.18); 4) A relação do amor fraternal com a verdadeira fé
(3.19 a 5.12).34
As principais ênfases da carta
A Primeira Carta de João é marcada por contrastes: luz e
trevas, vida e morte, santo e pecador, amor e ódio, Cristo e
anticristo. Destacaremos agora, as principais ênfases dessa
epístola:
Em primeiro lugar, ela é uma carta geral. Essa epístola
não foi endereçada a uma igreja específica, mas a todos os
crentes. Ela é uma carta escrita de um pai para os seus filhos
(2.1,12,18,28; 3.1,7,18,21; 4.1,4,7,11; 5.2,21).
Em segundo lugar, ela é uma carta apologética. João
combate com ousadia os falsos mestres e suas perniciosas
heresias. Os hereges cometiam três erros básicos: doutriná­
rio, moral e social. Eles negavam a realidade da pessoa te-
antrópica de Cristo, ou seja, sua natureza divino-humana.
Negavam a necessidade de uma vida santa como prova do
conhecimento de Deus e negavam a prática do amor como
evidência da conversão.
João descreve-os com três expressões que chamam a
atenção para a sua origem diabólica, sua influência perni­
ciosa e seu falso ensino: eles são falsos profetas (4.1), enga­
nadores (2Jo 7) e anticristos (2.18).
Donald Guthrie tem razão quando diz que a heresia
gnóstica, ao negar a humanidade de Cristo, atacava o pró­
prio coração do cristianismo, porque se Cristo não se tor­
nou homem e não morreu, então a expiação não foi feita e

se ela não aconteceu, então estamos ainda debaixo da con­
denação do pecado.35
John Stott tem razão quando diz que João não está en­
sinando novas verdades, nem lançando novos mandamen­
tos; os hereges é que são os inovadores. A tarefa de João
consiste em fazê-los recordar o que já conhecem e possuem.
A epístola é um comentário do evangelho, um sermão cujo
texto é o evangelho.36
Em terceiro lugar, ela é uma carta de segurança espiritual.
A expressão: “nós sabemos” é usada nessa carta treze vezes
para dar segurança aos crentes. A epístola garante aos crentes
que Deus enviou seu Filho ao mundo para salvar o homem,
acentuando a doutrina da Encarnação. A carta assegura aos
crentes que aqueles que creem têm a vida eterna.
John Stott, citando Robert Law, fala sobre as três grandes
provas da vida, ou as três provas cardinais com as quais po­
demos julgar se possuímos ou não a vida eterna: a primeira
é teológica, se cremos que Jesus é “o Filho de Deus” (3.23;
5.6,10,13). A segunda prova é moral, se estamos praticando
a justiça e guardando os mandamentos de Deus (1.5; 3.5).
A terceira prova é social, se nos amamos uns aos outros.
Desde que Deus é amor e todo amor vem de Deus, é claro
que uma pessoa sem amor não conhece a Deus (4.7,8).37
Em quarto lugar, ela é uma carta de testes. Essa carta foi
escrita para dar teste após teste aos crentes, pelos quais eles
pudessem provar se conheciam ou não a Deus. L. Bonnet
tem razão quando diz que a vida em Deus é apresentada
por João em contraste absoluto com a vida do mundo. O
homem está na luz ou nas trevas; na verdade ou na mentira;
ama ou aborrece; está completamente dominado pelo amor
do mundo ou pelo amor do Pai; é filho de Deus ou filho
do diabo.38

Em quinto lugar, ela é uma carta pessoal e espiritual.
Muito embora essa epístola esteja repleta de doutrina, a
ênfase é sobre a justiça pessoal, a pureza, o amor e a lealdade
a Jesus Cristo, o Filho de Deus.
Simon Kistemaker diz que os falsos profetas que negam
a doutrina central a respeito da pessoa de Cristo também
desenvolvem uma visáo distorcida do pecado e da lei. Afir­
mam, por exemplo, que estão livres de pecado (1.8) e tor­
nam conhecido o fato de não terem pecado (1.10). Negam
que a comunhão com Deus exija a prática da verdade (1.6).
Recusam-se a seguir o exemplo que foi deixado por Jesus
durante seu ministério na terra (2.6). Afirmam estar em
comunhão com Deus, mas continuam a andar em trevas
(1.6) e dizem conhecer a Deus, mas não estão dispostos a
obedecer aos seus mandamentos (2.4).39
Em sexto lugar, ela é uma carta que enfatiza o amor. O
amor a Deus e o amor aos irmãos caminham juntos (2.7­
11; 3.1-3; 3.11-17; 3.23; 4.7-21). Quem não ama vive nas
trevas. Quem não ama não conhece a Deus. A prova do
nosso amor por Deus é o nosso amor ao irmão (4.20,21).
Concordo com John MacArthur quando diz que o
zelo pela verdade deve ser contrabalançado pelo amor
às pessoas. Não há honradez alguma na verdade sem o
amor; ela não passa de brutalidade. Entretanto, não há
caráter algum no amor sem a verdade; ele não passa de
hipocrisia.40
Aqui cabe bem a seguinte história concernente a João:
quando o apóstolo chegou a uma idade muito avançada e
somente com dificuldade podia ser transportado à igreja
nos braços dos seus discípulos, e estava fraco demais para
poder proferir exortações extensas, nas reuniões dizia
apenas: “Filhinhos, amai-vos uns aos outros”.41

Em sétimo lugar, ela é uma carta que enfatiza a essência do
próprio Deus. João diz duas coisas muito importantes acerca
do ser de Deus. “Deus é luz, e não há nele treva nenhuma”
(1.5). Deus é amor e por causa desse amor ele nos enviou
seu Filho para nos redimir do pecado (4.7-10,16).
Em outras palavras Deus é luz e se revela; Deus é amor e
se entrega a si mesmo.42 Deus é a fonte de luz para a mente
e a fonte de calor para o coração dos seus filhos.43
Em oitavo lugar, ela é uma carta que enfatiza a divindade
de Cristo. João combate os hereges gnósticos mostrando
que Jesus é o Filho de Deus, o Messias prometido, o ungido
de Deus (1.7; 2.1,22; 3.8; 4.9,10,14,15; 5.1,9-13,18,20).
Já na introdução de sua primeira epístola, João ensina sobre
a humanidade e a divindade de Jesus Cristo. Os falsos
profetas negavam que Jesus é o Cristo (2.22) e que ele é o
Filho de Deus (2.23; 4.15).
Concordo com William Barclay quando diz que afirmar
que Jesus é o Filho de Deus é preservar sua relação com a
eternidade; mas dizer que é o Cristo, o Messias, é conservar
sua conexão com a Flistória, pois Cristo não emergiu da
Flistória, mas da eternidade; para ele é que toda a Flistória
44-
aponta.
Em nono lugar, ela é uma carta que enfatiza a huma­
nidade de Cristo. Contrariando os ensinos gnósticos que
proclamavam que a matéria era essencialmente má, João
mostra que Jesus veio em carne (1.1-3,5,8; 4.2,3,9,10,14;
5.6,8,20).
John Stott está coberto de razão quando diz que a men­
sagem de João está supremamente interessada na manifesta­
ção histórica, audível, visível e tangível do Eterno. João está
atestando a sua mensagem com a sua experiência pessoal.
Não se trata de “[...] fábulas engenhosamente inventadas”

(2Pe 1.16), mas de uma revelação histórica verificada pelos
três sentidos superiores do homem: audição, visão e tato.45
Em décimo lugar, ela é uma carta que enfatiza que Jesus
é o Salvador. Jesus morreu pelos pecados dos homens (1.7;
2.1,2; 3.5,8,16; 4.9,10,14). O Pai enviou seu Filho como
Salvador do mundo (4.14). Ele manifestou-se para tirar os
pecados e nele não existe pecado (3.5). Com respeito ao
pecado do homem, Jesus é: primeiro, o nosso advogado
junto ao Pai (2.1) e, segundo, a propiciação pelos nossos
pecados (2.2; 4.10). Um sacrifício propiciatório restaura
a relação quebrada entre duas partes. E um sacrifício que
reconcilia o homem e Deus.46
Em décimo primeiro lugar, ela é uma carta que enfatiza o
Espírito vivendo dentro do crente. O Espírito é quem nos faz
conscientes de que Deus permanece em nós (3.24) e habita
em nós e nós habitamos nele (4.13).
Em décimo segundo lugar, ela é uma carta que enfatiza
a necessidade de separação do mundo. O amor a Deus e o
amor ao mundo são incompatíveis e irreconciliáveis (2.15­
17; 3.1,3,13; 4.3-5; 5.4; 5.19). O mundo é hostil a Deus e
ao crente (3.1). Os falsos profetas são do mundo e não de
Deus, porque falam a linguagem do mundo (4.4,5). Todo
o mundo está sob o maligno (5.19). Por isso, o crente deve
vencer o mundo pela fé (5.4). Todos os desejos do mundo
são passageiros (2.17). Entregar o coração ao mundo que
marcha para a destruição é uma verdadeira loucura.47
Em décimo terceiro lugar, ela é uma carta que enfatiza a
necessidade de obediência aos mandamentos divinos. A prova
moral de que pertencemos à família de Deus é a obediência
(2.3-8,29; 3.3-15,22-24; 4.20,21; 5.2-4,17-19,21). O
conhecimento de Deus e a obediência a Deus devem
caminhar sempre juntos. Aquele que diz que conhece a

Deus, mas não guarda seus mandamentos é mentiroso (2.3­
5). A obediência a Deus é uma das condições para termos
nossas orações respondidas (3.22). Somos conhecidos como
crentes pela obediência a Deus e pelo amor aos irmãos.
A importância dessa carta para a igreja contemporânea
Os tempos mudaram, mas o homem é o mesmo; as
heresias que atacaram a igreja no passado mudaram o
vestuário e os cosméticos, mas sua essência é a mesma. Nas
palavras de Augustus Nicodemus, “os mesmos erros daquela
época se manifestam hoje, usando outra embalagem”.48
Assim como os falsos mestres saíram de dentro da igreja
(2.19), hoje há muitos falsos mestres que estão perverten­
do o evangelho dentro das próprias igrejas. A igreja evan­
gélica brasileira é um canteiro fértil onde têm florescido
muitas novidades estranhas à Palavra de Deus. Precisamos
nos acautelar. Precisamos nos firmar na verdade e saber que
todos aqueles que não trazem a doutrina de Cristo são mo­
vidos pelo espírito do anticristo. Dentre tantos perigos que
atacam a igreja contemporânea, destacamos três: o libera­
lismo, o misticismo e o pragmatismo.
O liberalismo teológico, que nega a inerrância e a su­
ficiência das Escrituras, tem atacado severamente a igreja
em nossos dias, devastando muitas delas. A semelhança dos
gnósticos, movidos por uma falsa sabedoria, esses mestres
do engano disseminam suas heresias negando as verdades
essenciais da fé. Temos as doutrinas liberais da paternidade
universal de Deus e da irmandade universal do homem como
exemplos. Essas doutrinas são contrárias às doutrinas da
religião cristã. Dizer que todos os credos são igualmente
verdadeiros e que estão baseados na experiência é simples­
mente retroceder ao agnosticismo.

J. Gresham Machen diz que o protestantismo liberal
náo é um mero tipo de cristianismo diferente, mas total­
mente outra religião.49 Michael Horton é enfático quando
escreve:
O liberalismo representa a fé na humanidade, ao passo que o
cristianismo representa a fé em Deus. O primeiro não é sobrenatural,
o último é absolutamente sobrenatural. Um é a religião da moralidade
pessoal e social, o outro, contudo, é a religião do socorro divino.
Enquanto um tropeça sobre a “rocha de escândalo”, o outro defende
a singularidade de Jesus Cristo. Um é inimigo da doutrina, ao passo
que o outro se gloria nas verdades imutáveis que repousam no próprio
caráter e autoridade de Deus.50
John MacArthur faz um solene alerta à igreja contempo­
rânea, relembrando os ventos liberais que sopraram sobre
a Inglaterra no século 19. Segundo ele, no início do século
20 a pregação da falsa doutrina e do mundo, ou seja, o
liberalismo teológico já devastara o cristianismo denomi-
nacional em todo o mundo.
A maioria das denominações históricas foi violenta e
fatalmente alterada por essas influências. Cem anos após
Charles Spurgeon ter soado o alarme na Inglaterra, a maior
parte da educação teológica na Inglaterra é completamente
liberal. O número de pessoas que frequentam as igrejas
é apenas uma fração do que foi na época. Cem anos se
passaram, e estamos vendo a história se repetir. A igreja
evangélica se tornou mundana; e não apenas mundana, mas
conscientemente mundana. Os ventos que comprometeram
a doutrina voltam a soprar.51
O misticismo sincrético-, que acrescenta às Escrituras
rituais e práticas estranhas, de igual forma está ganhando
mais e mais espaço, força e influência em muitas igrejas na

atualidade. O evangelho da graça está sendo substituído
pelo misticismo semipagão.
Pregadores inescrupulosos reciclam no laboratório do
engano velhas heresias e engendram ainda outras novas
para enganar os incautos. Náo podemos calar nossa voz
diante de crendices que se espalham nas igrejas, onde pre­
gadores supostamente espirituais recomendam aos fiéis co­
locar um copo d’água sobre o televisor e depois da oração
de consagração beber essa água ungida como se ela passasse
a ter poderes sobrenaturais.
O pragmatismo tornou-se filosofia de ministério em
muitas igrejas. John MacArthur diz que o pragmatismo
tem suas raízes no darwinismo e no humanismo secular. E
inerentemente relativista, rejeitando a noção dos absolutos
— certo e errado, bem e mal, verdade e erro.
Em última análise, o pragmatismo define a verdade
como aquilo que é útil, significativo e benéfico. As ideias
que não parecem úteis ou relevantes são rejeitadas como
sendo falsas.52 Para o pragmatismo, a verdade não mais
importa, e sim os resultados. A fidelidade foi substituída
pelo lucro. O sucesso tomou o lugar da santidade. A igreja
tornou-se um clube, onde multidões se aglomeram para
buscar o que gostam, e não para receber o que precisam.
A mensagem da cruz foi substituída pela pregação da
prosperidade. A mensagem do arrependimento foi trocada
pelo calmante da autoajuda. As glórias do mundo porvir
foram substituídas pelos supostos direitos que o homem
exige de Deus nesta própria vida. Por estas e muitas outras
razões, estudar a Primeira Carta de João é uma necessidade
vital para a igreja contemporânea!

No t a s d o c a p í t u l o 1
1 B laney, Harvey. A primeira epístola de João. Em Comentário Bíblico
Beacon. Vol. 10. 2005: p. 287.
2 MacDo n a l d, William. Believer’s Bible commentary. Thomas Nelson
Publishers. Nashville, TN. 1995: p. 2.307.
3 E lw e ll, Water A. e Y arb ro u g h , Robert W. Descobrindo o Novo
Testamento. Editora Cultura Cristá. Sáo Paulo, SP. 2002: p. 366.
4 Kistem a k er, Simon. Tiago e epístolas de João. Editora Cultura
Cristá. Sáo Paulo, SP. 2006: p. 263.
5 B arclay, William. I, II, III Juan y Judas. Editorial La Aurora.
Buenos Aires. 1974: p. 9.
6 Lo pe s, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. Editora Cul­
tura Cristã. São Paulo, SP. 2005: p. 9.
7 G u th rie , Donald. New Testament introduction. Intervarsity Press.
Downers Grove, IL.1990: p. 858.
8 T uck, Robert. The first epistle general of John. In The Preacher’s
Homiletic Commentary. Vol. 30. 1996: p. 221.
9 E lw e ll, Walter A. e Y arb ro u g h , Robert W. Descobrindo o Novo
Testamento. 2002: p. 367.
10 Stott, John. I, II, III João: Introdução e comentário. Edições Vida
Nova. São Paulo, SP. 1982: p. 13.
11 Lo pes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 10.
12 Kistem a k er, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 265,266.
13 St o t t, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 21.
14 St o t t, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 7.
15 Ma cDo n a l d, William. Believer’s Bible commentary. 1995: p.
2.307,2.308.
16 Kistem a k er, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 292.
17 Ha r r iso n, Everett. Introducion al Nuevo Testamento. TELL. Grand
Rapids, MI. 1980: p. 445.
18 Plu m m er, A. The epistles of St. John. In The Pulpit Commentary.
Vol. 22. Wm B. Eerdmans Publishing Company. Grand Rapids, MI.
1978: p. 6.
19 Blaney, Harvey. A primeira epístola de João. Em Comentário Bíblico
Beacon. Vol. 10. 2005: p. 287.
20 Kistem a k er, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 277.
21 Pea rlm an, Myer. Através da Bíblia. Editora Vida. Miami, FL. 1987:
p. 331.
22 Barclay, William. I, II, III Juan y Judas. 1974: p. 16,17-

23 Tu c k, Robert. The first epistle general of John. In The Preacher’s
Homiletic Commentary. Vol. 30. Baker Books. Grand Rapids, MI.
1996: p. 219.
24 St o t t, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 40.
25 Ba r to n, Bruce B. et all. Life application Bible commentary on Philip-
pians, Colossians and Philemon. Tyndale House Publishers. Wheaton.
IL. 1995: p. 133.
26 St o t t, John. I, II, III João: Introdução e comentário. 1982: p. 40,41.
27 Barclay, William. I, II, III Juany Judas. 1974: p. 11,12.
28 Sh e d d, Russell. Andai nele. ABU. São Paulo, SP. 1979: p. 10.
29 Barclay, William. I, II, III Juany Judas. 1974: p. 14.
30 B arclay, William. I, II, III Juany Judas. 1974: p. 15,16.
31 M a c D o n a ld , William. Believer’s Bible commentary. 1995: p. 2.308.
32 Ch a m pl in, Russell Norman. O Novo Testamento interpretado versículo
por versículo. Vol. 5. Guaratinguetá, SP. A Voz da Bíblia. S/d: p. 72.
33 Lopes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 13.
34 S c h ro e d e r, L. Bonnet y A. Comentário del Nuevo Testamento.
Tomo 4. 1982: p. 301.
35 Gu t h r ie, Donald. 1 John. In New Bible Commentary. Edited by
G . J. Wenham et all. Intervarsity Press. Downers Grove, IL. 1994:
p. 1.398.
36 St o t t, John. I, II, III João: Introdução e comentário. 1982: p. 22.
37 St o t t, John. I, II, III João: Introdução e comentário. 1982: p. 47.
38 Sc h r o e d er, L. Bonnet y A. Comentário del Nuevo Testamento. Tomo
4. Casa Bautista de Publicaciones. El Paso, TX. 1982: p. 295,296.
39 Kistem a k er, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 283,284.
40 MacAr t h u r, John. Doze homens comuns. 2004: p. 108.
41 Pearlm an, Myer. Através da Bíblia. 1987: p. 331.
42 Barclay, William. I, II, IIIJuany Judas. 174: p. 20.
43 Gu t h r ie, Donald. 1 John. In New Bible Commentary. Edited by
G . J. Wenham et all. 1994: p. 1.398.
44 Barclay, William. I, II, III Juany Judas. 1974: p. 21.
45 St o t t, John. I, II, III João: Introdução e comentário. 1982: p. 24.
46 Barclay, William. I, II, III Juany Judas. 1974: p. 22.
47 Barclay, William. I, II, III Juany Judas. 1974: p. 23.
48 Lo pes, Augustus Nicodemus. Primeim carta de João. 2005: p. 16.
49 Ma c h e n, J. Gresham. Cristianismo e liberalismo. Editora Puritanos.
São Paulo, SP. 2001: p. 18.
50 Ho r t o n, Michael. Prefácio à obra cristianismo e liberalismo. Editado
por J. Gresham Machen. 2001: p. VIII.

31 M a c A rth u r, John. Com vergonha do evangelho. Editora Fiel. São
José dos Campos. 1997: p. 19.
52 M a c A rth u r, John. Com vergonha do evangelho. 1997: p- 7.

Jesus, a
manifestação de
Deus entre os
homens
(Uo 1.1-4)
A P r i m e i r a C a r t a d e João t e m
uma mensagem tão urgente e decisiva
para a igreja que o apóstolo, deixando
de lado as saudações costumeiras, vai
direto ao assunto e apresenta Jesus, a
manifestação suprema de Deus entre os
homens.
João não se detém em detalhes como
remetente, endereçamento e saudação
quando tem algo tão imenso a declarar.
Ele está totalmente focado no propósito
de apresentar Jesus aos seus leitores.
Somando a isso, João conhece tão
bem seus leitores que pode abster-se
de apresentação pessoal. A intimidade
com seus leitores é tal que várias ve­
zes se dirige a eles como “filhinhos”,

“amados”, “irmãos” (2.1,12,18; 3.7,18; 4.4; 5.21). João é
uma pessoa que possui autoridade e fala como testemunha
ocular.53
Concordo com Werner de Boor quando diz que João
não se denomina “apóstolo” nem reivindica expressamente
“autoridade apostólica”. Mas as primeiras linhas de sua
carta representam uma única exposição do que na verdade
é o “apóstolo” e sua autoridade apostólica. O apóstolo é a
testemunha original que viu com os próprios olhos e ouviu
com os próprios ouvidos, de cujo testemunho vive a igreja
crente de todos os tempos.54
No primeiro parágrafo (1.1-4) o tema central é Jesus,
o verbo da vida. João abre sua carta falando sobre Jesus:
Quem é Jesus. Como podemos conhecê-lo. Como ele pode
ser experimentado. Como ele deve ser proclamado. Qual a
principal razão da sua vinda ao mundo.
A mensagem de João é que Deus não está distante nem
indiferente a este mundo, como pensam os gnósticos e de-
ístas. O testemunho de João é que Deus está profunda­
mente interessado neste mundo. Ele enviou seu Filho ao
mundo e seu nome é Jesus Cristo, o verbo da vida. Ele é o
Messias, o Salvador do mundo.
Não há qualquer sombra de dúvida de que o propósi­
to da carta é anunciar aquele que é, desde o princípio, o
verbo da vida, a vida eterna. Aquele que estava com o Pai
manifestou-se em carne e foi ouvido, visto e tocado. O pro­
pósito da carta é proclamar aquele que veio para revelar o
Pai e dar vida aos que estavam mortos. Veio para entrar em
comunhão com aqueles que estavam perdidos e mortos.
Veio para reconciliar aqueles que estavam separados uns
dos outros. Veio para dar alegria perfeita àqueles que estão
entregues ao infortúnio de seus pecados.

A mensagem do apóstolo é tanto formativa quanto
preventiva. Ao ensinar, também previne a igreja contra
a incipiente heresia do gnosticismo que negava tanto a
divindade quanto a humanidade de Cristo.
Concordo com Augustus Nicodemus quando diz que
João, ao dar testemunho como apóstolo acerca da humani­
dade e da divindade de Cristo, tinha como propósito que
seus leitores permanecessem na unidade da doutrina apos­
tólica. Por conseguinte, desde o preâmbulo da carta con­
fronta as doutrinas errôneas sobre a pessoa de Cristo que os
falsos mestres ensinaram nas igrejas da Ásia.55
Devemos, à luz desse ensinamento do apóstolo João, de
igual modo rejeitar prontamente o ensinamento liberal que
separa o Jesus histórico do Cristo da fé, pois nos apegamos
à doutrina das Escrituras de que Jesus é o Cristo.56
Destacaremos, agora, as verdades essenciais do texto em
tela:
A preexistência do verbo de Deus (1.1)
João abre sua missiva, dizendo: “O que era desde o prin­
cípio, o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos
próprios olhos, o que contemplamos, e as nossas mãos apal­
param, com respeito ao verbo da vida” (1.1). As primeiras
palavras nessa epístola são “o que”. Em vez de dizer: “Jesus
Cristo, aquele que era desde princípio”, João escreve “o que
era desde o princípio”. O termo o que é mais amplo do que
quem, pois inclui a pessoa e a mensagem de Jesus Cristo.57
A palavra grega arche, “princípio”, pode significar
“fonte ou origem” (Cl 1.18; Ap 3.14) e também “poder ou
autoridade” (ICo 15.24; Ef 1.21). Jesus é tanto o criador
do universo (Jo 1.3; Cl 1.16) como seu governador (Ef
1.20-22).58

Fritz Rienecker diz que “o princípio” aqui pode se referir
ao princípio da criação ou ao princípio em sentido absoluto,
enfatizando a preexistência e o caráter divino de Jesus.59
Werner de Boor tem razão quando diz que aqui, arche,
“princípio” não é apenas o início cronológico. Os latinos
reproduziram o termo grego arche com principium. Deri­
va daí a palavra “princípio”. O que era desde o princípio
não significa apenas aquilo que era “inicial”, mas também
o que é “por princípio”, fundamental, original, essencial. É
aquilo que existia “antes da fundação do mundo” e embasa
toda a existência.60
O tempo imperfeito do verbo grego eimi, “era”, descreve
uma ação contínua no passado, enfatizando a preexistência
do verbo. Isso indica que ele estava continuamente em exis­
tência antes do começo. O uso do verbo grego eimi enfatiza
que o verbo sempre existiu. Dessa forma, tanto a expressão
“O que era desde o princípio” (1.1) como a expressão “[...]
a qual estava com o Pai” (1.2) apontam para a preexistência
do verbo.
O propósito de João é apresentar Jesus, e ele recua ao
princípio e diz que Jesus não apenas estava no princípio,
mas era desde o princípio. Ele não começou a existir no
princípio. Ele é antes do princípio. Ele é o princípio de
todas as coisas. Ele não foi criado, é o Criador. Ele não teve
origem, ele é a origem de todas as coisas. Ele não passou a
existir, ele é preexistente.
O Filho Eterno era antes de sua manifestação histórica.
Ele nunca passou a existir, porque ele sempre existiu em
comunhão perfeita com o Pai, na harmonia do amor da
trindade divina (5.7; Jo 17.24).
Augustus Nicodemus deixa esse ponto absolutamente
claro, quando escreve:

A preexistência de Cristo é um dos temas prediletos de João em seus
escritos. No seu Evangelho, ele a enfatiza com frequência. Cristo existia
antes de João Batista (Jo 1.15) e mesmo antes de Abraão (Jo 8.58).
Antes de vir ao mundo, ele estava com Deus Pai, e compartilhava
da sua glória (Jo 17-5,24). Jesus não começou a ser divino apenas
depois do seu batismo, conforme ensinavam os mestres gnósticos. Ele
já existia antes da criação do mundo. Jesus Cristo não foi criado por
Deus Pai em algum tempo antes da criação - ele já existia. O Filho
eterno era antes da sua manifestação histórica. Com isso, João não
afirmou que Jesus já existia antes da sua encarnação com um corpo
físico. João asseverou, sim, que o Jesus homem, que nasceu, viveu
entre nós e morreu, já existia antes de nós, pois é Deus Filho.61
Como a autoexistência e a eternidade sáo atributos ex­
clusivos da divindade, concluímos, com diáfana clareza,
que Jesus é divino. Essa verdade fica ainda mais clara quan­
do lemos no prólogo do evangelho de João: “No princípio
era o verbo, e o verbo estava com Deus, e o verbo era Deus”
(Jo 1.1).
O verbo pré-encarnado e preexistente tinha plena
comunhão com o Pai antes que houvesse mundo (Jo
17.24). Ele não é uma emanação de Deus, como queriam os
gnósticos. Ele não é um ser criado antes da criação de todas
as coisas, como ensinou mais tarde Ario de Alexandria e
como ensina hoje a seita herética “Testemunhas de Jeová”.
Ele não é apenas um profeta, como ensina o islamismo.
Ele é Deus, eternamente coigual, coeterno e consubstanciai
com o Pai. Ele é o verbo da vida.
Toda a vida física ou espiritual originam-se dele. Ele
é o único mediador da vida de Deus para a criação, em
qualquer esfera da criação. Cristo é o Alfa e o Omega de
toda a criação, pois tudo foi criado nele, por ele e para ele.62

A humanidade do verbo de Deus (1.1)
Joáo continua: “[...] o que temos ouvido, o que temos
visto com os nossos próprios olhos, o que contemplamos, e
as nossas mãos apalparam, com respeito ao verbo da vida”
(1.1). O Eterno penetrou no tempo e foi manifestado aos
homens. O verbo de Deus preexistente, eterno e divino fez-
se carne (Jo 1.14).
João dá testemunho de que ele e os demais apóstolos o
ouviram, o viram e o apalparam. Usando seus três sentidos
mais nobres - a audição, a visão e o tato - testemunham
que Jesus não era uma emanação divina, uma espécie de
fantasma, como pregavam os docetistas, mas uma pessoa
real, com um corpo físico real (Lc 24.39).
Concordo com Simon Kistemaker quando diz que João
ensina a doutrina apostólica da ressurreição de Jesus. Fala
como testemunha ocular, pois, com seus sentidos naturais,
ele e aqueles que estavam com ele viram, ouviram e
tocaram Jesus pessoalmente e declararam que o corpo físico
ressurreto do Senhor é real.63
O verbo grego etheasametha, “contemplamos”, expressa
a contemplação tranquila, intencional e constante de um
objeto que permanece diante do espectador. Já o verbo
epshelafesan, “apalparam”, traz a ideia de apalpar como um
homem cego apalpa, ou seja, cuidadosamente.64 Esse verbo
pode ser empregado no sentido de examinar de perto.65
Harvey Blaney é da opinião que esse “toque” lembra o
pedido de Tomé de uma evidência sensorial da realidade
do corpo ressurreto de Cristo e, portanto, torna-se uma
referência ao fato da ressurreição.66
Jesus, o verbo da vida, encarnou-se e armou sua tenda
entre nós. Jesus, sem deixar de ser Deus, tornou-se homem,
perfeitamente homem. Sua encarnação não foi apenas

aparente. Ele foi concebido. Ele nasceu. Ele cresceu. Ele
viveu. Ele morreu. Ele ressuscitou. Ele voltará.
E preciso destacar que, ao afirmar a humanidade de
Cristo, João estava colocando o machado da verdade na raiz
da heresia gnóstica que negava tanto a divindade quanto a
humanidade de Cristo. João coloca tamanha importância
nesse ensino a ponto de considerar como sendo do anticristo
os que negam a real encarnação de Cristo (4.1-3). De fato,
se a morte de Cristo na cruz e a sua ressurreição não fossem
fatos concretos e reais, então a nossa fé seria vã e ainda
estaríamos em nossos pecados (ICo 15.14,15).
A encarnação de Cristo é a pedra fundamental onde
se apoia o cristianismo. Negando a encarnação, os falsos
mestres estavam na verdade atacando todas as doutrinas
centrais do cristianismo.67
João define o verbo de Deus como o “verbo da vida”
(1.1). Para João, Jesus não é apenas o doador da vida eterna,
mas a própria essência da vida eterna: “[...] e a vida se
manifestou, e nós a temos visto, e dela damos testemunho,
e vo-la anunciamos, a vida eterna...” (1.2).
Ele é o que dá vida. Em Jesus e nele somente o homem
pode vencer a morte e viver abundantemente tanto agora
como na eternidade. Em Jesus a própria vida de Deus jorra
dentro de nós como uma fonte que salta para a vida eterna.
Em Jesus temos vida maiúscula, superlativa, abundante e
eterna.
Quando João usa a expressão “verbo da vida”, emprega
uma palavra conhecida dos gregos. A palavra grega logos
significa: “verbo, palavra”. A filosofia grega afirmava a
existência do logos, um princípio racional e impessoal que
governava o universo e o destino dos homens. Apesar de
João usar uma palavra conhecida de seus leitores, dá a ela

um novo sentido. Se para os gregos logos era um princípio
impessoal, para João logos é uma pessoa, é Jesus, aquele
que executa os planos divinos (Jo 1.3) e traz vida e luz aos
homens (Jo 1.4).68 O logos que João apresenta não pode
ser apreendido apenas pelo intelecto. Ele não é destinado
apenas para uma elite espiritual.
Robert Tuck diz que há coisas que só podem ser co­
nhecidas eficazmente por intermédio da experiência. Não
é suficiente apenas uma apreensão intelectual. As maiores
verdades espirituais não podem ser apropriadas apenas por
meio do intelecto ou dos sentimentos. Nós só podemos co­
nhecer a Cristo depois que entramos num relacionamento
pessoal e íntimo com ele, e isto não por meio do conheci­
mento esotérico do gnosticismo, mas por intermédio da
sua generosa graça.69
Por que João apresenta Jesus como o verbo da vida?
Porque Cristo é para nós o que as nossas palavras são para
os outros. Nossas palavras revelam, para os outros, o que
nós pensamos e como nós nos sentimos. Cristo nos revela
a mente e o coração de Deus. Ele é o meio de comunicação
vivo entre Deus e os homens. Jesus é quem revela o Pai.
Conhecer a Jesus Cristo é conhecer a Deus.70 Jesus é a
exegese de Deus. Ele é Deus vestido de pele humana. Jesus
é o verdadeiro Deus e a verdadeira vida eterna (5.20). Por
isso, negar que Jesus Cristo é Deus é seguir o anticristo
(2.22,23). Quem tem uma concepção errada de Jesus Cristo
terá inevitavelmente uma concepção errada de Deus, pois
só podemos conhecer a Deus por seu intermédio.
A manifestação do verbo da vida (1.2)
O verbo da vida, preexistente e eterno, manifestou-se
no tempo e na História. Aquele que era desde o princípio

não ficou isolado na glória. João escreve: “E a vida se
manifestou, e nós a temos visto, e dela damos testemunho,
e vo-la anunciamos, a vida eterna, a qual estava com o Pai
e nos foi manifestada” (1.2).
Essa audível, visível e tangível apreensão daquilo que
era desde o princípio só foi possível aos homens porque
a vida se manifestou.71 Nenhuma pessoa pode encontrá-la
por meio da busca; ela pode ser vista e conhecida somente
pela revelação.
Simon Kistemaker diz que esse versículo é uma nota ex­
plicativa sobre a palavra vida, um comentário sobre o texto
anterior. João coloca o artigo definido a antes do substan­
tivo vida para chamar atenção para a plenitude de vida em
Jesus Cristo. Quando João diz que a vida se manifestou, ele
se refere ao acontecimento histórico que foi o nascimento
de Jesus, sua vida, morte, ressurreição e visitas pessoais de­
pois de sua ressurreição.72
Concordo com John Stott quando diz que a ênfase a essa
manifestação material de Cristo aos ouvidos, olhos e mãos
dos homens por certo é dirigida primariamente contra
os hereges que perturbavam a igreja. Demonstra-se aos
seguidores de Cerinto que “a Palavra da vida”, o evangelho
de Cristo, tem a ver com a encarnação histórica do Filho
eterno. Aquele que é desde o princípio é Aquele a quem os
apóstolos ouviram, viram e tocaram. E impossível distinguir
entre Jesus e o Cristo, entre o histórico e o eterno.73
Nicodemus destaca que João emprega o plural “nós”
quatro vezes nessa passagem, referindo-se a ele e aos demais
apóstolos, embora os mesmos náo tenham escrito essa carta
com João. Os apóstolos não inventaram ou imaginaram
essas coisas, mas simplesmente as transmitiram da forma
com que as receberam.

O testemunho e o ensino dos apóstolos acerca de Cristo
foram preservados por escrito; e a coleção desses escritos
apostólicos é o Novo Testamento. Essa é a base para
afirmarmos que hoje não precisamos ter visões ou novas
revelações acerca de Jesus Cristo — Deus nos deixou a sua
Palavra escrita como única fonte revestida de autoridade de
conhecimento das coisas divinas.74
A grande mensagem de João é que a vida se manifestou
(1.2). O verbo se fez carne e habitou entre nós (Jo 1.14).
Deus veio morar com o homem. O infinito entrou no
finito. O eterno entrou no tempo e foi manifestado aos
homens. O divino fez-se humano. Aquele a quem nem os
céus dos céus podiam conter deitou numa manjedoura e foi
enfaixado com panos. Ele comunicou-se com os homens,
fazendo-se homem. O Criador do universo nasceu entre os
homens. A encarnação é uma verdade bendita e gloriosa, é
o raiar do Sol da Justiça na escuridão da história humana.
O apóstolo João deixa claro que o conhecimento de Deus
não é fruto de lucubração humana, mas da revelação divina.
O homem só conhece a Deus porque Deus se revelou. A fé
cristã não é o caminho que o homem abre para Deus. Mas
é Deus vindo ao homem em Cristo. Deus estava em Cristo
reconciliando consigo o mundo (2Co 5.18). Deus revelou-
se na criação (Rm 1.20), mas a criação, por si mesma, jamais
seria capaz de contar a história do amor do Criador. Deus
também se revelou de maneira mais plena nas Escrituras
(2Tm 3.16,17), mas a revelação mais completa e absoluta
de Deus deu-se em seu Filho, Jesus Cristo. Jesus disse:
“Quem me vê a mim, vê o Pai” (Jo 14.9).75
A comunhão com o verbo da vida (1.2)
O verbo da vida não é um ser alienígena, distante e

intangível, mas além de ter se manifestado, também pôde
ser ouvido, visto e tocado. Ele deu-se a conhecer aos nossos
sentidos mais nobres: audição, visão e tato.
Jesus é o verbo da vida que não apenas se manifestou,
mas que também foi experimentado. “[...] e vimos a sua
glória, glória como do unigénito do Pai” (Jo 1.14). Aquele
que estava com o Pai foi manifestado (1.2). O Jesus que
João apresenta não é o Cristo do docetismo (um fantasma).
Não é o Cristo do gnosticismo (uma divindade distante que
não pode tocar o material e que apenas oferece emanações
do seu ser). O verbo da vida é o Deus que se fez carne. Ele é
o Deus presente, que tem cheiro de gente, que chora como
gente, que sente dor como gente. Ele é o verbo que veio
morrer por nós.
Matthew Henry diz que Jesus não é uma mera palavra
vocal, ele é a palavra da vida, ele é a palavra eterna do eterno
Deus vivo. Ele é a palavra manifestada em carne.76
João teve um encontro pessoal com Cristo. Sua experi­
ência com Cristo não era de segunda mão nem arrancada
das páginas de algum livro. João conhecia a Cristo face a
face. Ele sabia que Jesus era real e não um fantasma, uma
visão, mas o Deus encarnado. Ele andou com Cristo, ele
viu Cristo. Ele ouviu Cristo. Ele tocou em Cristo. Ele re­
clinou sua cabeça no peito de Cristo. Ser cristão não é co­
nhecer apenas de ouvir falar, mas ter uma experiência real e
pessoal com Cristo (Jo 7.37,38).
O verbo da vida, aquele que estava com o Pai, a vida
manifestada, Jesus, é a essência e o conteúdo da própria
vida eterna. Conhecer a Cristo é ter a vida eterna (1.2). A
vida eterna não é apenas uma quantidade interminável de
tempo no céu, mas um relacionamento estreito com Cristo
a partir de agora e para sempre (1.2; 5.20; Jo 17.3).

Champlin tem razão quando diz que a vida eterna não
consiste apenas de vida “sem fim”, porquanto também é
uma modalidade de vida, a saber, a participação na mais
elevada forma de vida, a própria vida de Deus.77
Werner de Boor chama a atenção para o fato de que a
ideia de “eterno” para nós sugere um conceito filosófico
abstrato que causa a impressão de atemporalidade rígida
e vazia. Contudo, isto é exatamente o que a Bíblia, que
pensa em termos tão concretos e corporais, não quer dizer!
Eterno não é definição de quantidade, mas um conceito
de qualidade. Vida eterna é vida verdadeira, plena, divina,
que como tal evidentemente também está liberta da
transitoriedade e da morte, e dura de forma inesgotável.78
João escreveu seu Evangelho para dizer às pessoas
como receber a vida eterna (Jo 20.31) e escreveu essa
carta para dar garantia de que os crentes em Cristo têm a
vida eterna (5.13). Em seis ocasiões ao longo dessa carta
João usa a expressão: “nascido de Deus”. O próprio Jesus
já havia ensinado essa verdade: “Se alguém não nascer de
novo, não pode ver o reino de Deus” (Jo 3.3). Quem não
é filho de Deus é “[...] filho da ira” (Ef2.3) e pode tornar-
se “[...] filho do diabo” (3.10). Um “filho do diabo” é um
cristão falso que age como se fosse “salvo” sem nunca
ter nascido de novo. Jesus disse aos fariseus, indivíduos
extremamente religiosos: “Vós sois do diabo, que é vosso
pai” (Jo 8.44).
Warren Wiersbe compara um cristão falso a uma cédula
de dinheiro falsificada. Suponha que uma pessoa tenha
uma cédula falsa, mas não saiba disso. Ela a usa para pagar
a gasolina no posto. O dono do posto a usa para pagar seu
fornecedor de alimentos. O fornecedor a coloca com outras
cédulas verdadeiras e leva para o banco, a fim de fazer um

depósito. Então, o caixa do banco diz: “Sinto muito, mas
esta cédula é falsa”.
A cédula falsa pode até ter ajudado muita gente enquanto
passava de mão em mão, mas quando chegou ao banco, foi
descoberta e tirada de circulação. O mesmo acontece com o
falso cristão. Pode fazer muitas coisas boas ao longo da vida,
mas, no dia do julgamento final, será rejeitado. Jesus disse:
“Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor!
Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em
teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não
fizemos muitos milagres? Então, lhes direi explicitamente:
nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a
iniquidade” (Mt 7.22,23).
A proclamação do verbo da vida (1.3,4)
Eis o relato de João:
O que temos visto e ouvido anunciamos também a vós outros, para
que vós, igualmente, mantenhais comunhão conosco. Ora, a nossa
comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo. Estas coisas,
pois, vos escrevemos para que a nossa alegria seja completa (1.3,4).
Quando você experimenta essa vida que é real, a vida de
Cristo, a vida eterna, então você tem uma grande alegria
em partilhar essa vida com outras pessoas. Quem tem um
verdadeiro encontro com Cristo não pode mais calar a sua
voz. A manifestação da vida eterna foi proclamada, não
monopolizada. A revelação foi dada a poucos para muitos.
Eles deviam ministrá-la ao mundo. A manifestação que nos
foi feita (1.2) torna-se proclamação a vós (1.3). João deseja
que os seus leitores desfrutem a mesma condição vantajosa
que ele e seus colegas de apostolado desfrutavam quanto ao
conhecimento de Deus em Cristo.79

João emprega dois verbos para descrever a proclamação
apostólica. Ambas as palavras implicam autoridade, mas
de diferente espécie. Marturoumen indica a autoridade da
experiência. O testemunho é uma atividade que pertence
propriamente a uma testemunha ocular. A pessoa tem de
ser uma testemunha antes de ter competência para dar
testemunho.
A testemunha verdadeira fala não do que colheu de se­
gunda mão, de outros, mas do que ela mesma viu e ouviu
pessoalmente. Se marturoumen é a palavra da experiência,
apangellomen indica a autoridade da comissão. A experiência
é pessoal; a comissão é derivada. A fim de dar testemunho,
os apóstolos precisam ter visto e ouvido pessoalmente a
Cristo; a fim de proclamar, precisam ter sido comissionados
por ele. Jesus não apenas se manifestou aos discípulos para
qualificá-los como testemunhas oculares, mas também lhes
deu uma comissão autorizada como apóstolos para pregarem
o evangelho.80
André encontrou-se com Cristo e levou seu irmão Pedro
a ele. Felipe encontrou Natanael e convidou-o a conhecer
a Cristo, dizendo-lhe: “Vem e vê”. Os apóstolos estiveram
com Cristo e disseram: “Nós não podemos deixar de fa­
lar do que temos visto e ouvido”. Paulo disse: “Ai de mim
se não pregar o evangelho”. A proclamação da Pessoa de
Cristo deve ser uma missão imperativa, intransferível e im-
postergável. Há cinco grandes comissões nos evangelhos e
Atos. O crente é um faminto que encontrou pão e anuncia
a outros que achou pão com fartura. E um homem mor­
rendo pregando para outros homens morrendo.
John Stott corretamente diz que a proclamação não
era um fim em si mesma; agora se define o seu propósito,
imediato e último. O imediato é comunhão (1.3), e o último

é alegria (1.4).81 A religião cristã é a religião da comunhão,
do encontro com Deus e com os homens, e não a religião
da solidão. E a religião da alegria e não a religião da tristeza.
A proclamação de Cristo visa dois propósitos:
Em primeiro lugar, promover comunhão com o Pai, com o
Filho e uns com os outros (1.3). João escreve: “O que temos
visto e ouvido anunciamos também a vós outros, para que
vós, igualmente, mantenhais comunhão conosco. Ora, a
nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo”.
O propósito de João é convidar os leitores à comunhão
com os apóstolos, que são testemunhas oculares da vida e
ministério de Jesus na terra. Ao mesmo tempo, João quer
proteger os leitores dos ataques doutrinários dos falsos
profetas e fortalecê-los espiritualmente dentro da comu­
nhão com os apóstolos e discípulos.82 Nicodemus diz que
a comunhão que João tem em mente é principalmente a
unidade doutrinária entre seus leitores e os apóstolos, com
respeito à pessoa e à obra de Cristo.83 O mesmo autor ainda
alerta:
A doutrina apostólica é a base para a verdadeira comunhão. Boa parte
dos esforços modernos para a unidade entre os cristãos tem ignorado
esse princípio fundamental, e tentado promover uma “unidade” que
se baseia primariamente em trabalhos conjuntos de evangelização,
obras de caridade, shows gospel, marcha para Jesus ou luta em defesa
dos direitos humanos. A ideia que atua por trás dessa filosofia é a de
que definições doutrinárias e exatidão teológica levam à divisão entre
os crentes.84
A unidade doutrinária com os apóstolos também leva à
comunhão com Deus e com Jesus Cristo. Essa comunhão
é a suprema bênção cristã. Fala de uma honra indizível, de
uma alegria permanente e de uma santidade progressiva.85

A nossa comunhão não é apenas de identidade doutri­
nária, mas também uma comunhão mística com Deus.
Essa koinonia, “comunhão”, é a vida eterna que vem do Pai
e se torna a vida compartilhada pelos crentes.86
Vale ressaltar, entrementes, que o homem natural não
pode ter comunhão com Deus por causa do seu pecado.
Mas Deus enviou seu Filho. Ele se fez carne, carregou no
seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro. Ele morreu
pelos nossos pecados e ressuscitou para a nossa justificação.
Ele nos perdoou. Ele nos deu um novo coração, uma nova
vida.
Agora, podemos ter comunhão com Deus. Podemos
nos deleitar em Deus. Agora podemos ser filhos de Deus,
herdeiros de Deus, habitação de Deus, herança de Deus, a
menina dos olhos de Deus, a delícia de Deus. Agora Deus
é o nosso prazer, a nossa alegria, o nosso alvo, a nossa vida.
Essa comunhão com Deus e com Jesus é a essência da vida
eterna (Jo 17.3). Intimidade com Cristo é a inspiração e o
motivo de nosso viver.
Mas a nossa comunhão não é apenas vertical, com
Deus; é, também, horizontal, com os nossos irmãos. A
comunhão com os irmãos é derivada da nossa comunhão
com Deus (1.7). Essa comunhão que houve entre os
apóstolos, entre os crentes em Pentecostes, agora se
estende a todos os crentes, em todos os lugares, em todos
os tempos (1.3). Assim o propósito da proclamação do
evangelho é a comunhão dos filhos de Deus. O amor é a
marca do discípulo verdadeiro (Jo 13.34,35). A união dos
crentes é testemunho ao mundo e o desejo do coração de
Cristo (Jo 17.21,22).
William Barclay alerta para o fato de que qualquer
mensagem que produza cismas e divisões é uma mensagem

falsa, uma vez que a mensagem cristã pode resumir-se
em duas grandes finalidades: amor aos homens e amor
a Deus.87 O pecado separa, o evangelho une. O pecado
separou o homem de Deus, de si mesmo e do próximo. O
evangelho reconcilia o homem com Deus, consigo e com
seu próximo. Onde o pecado cava abismos, o evangelho
constrói pontes. Onde o pecado gerou a morte, o evangelho
trouxe a vida. Onde o pecado abriu fissuras, o evangelho
promoveu comunhão e restauração.
Em segundo lugar, promover completa alegria (1.4).
“Estas coisas, pois, vos escrevemos para que a nossa alegria
seja completa.” A comunhão é a raiz da alegria; a alegria é
o fruto da comunhão. A comunhão é a resposta de Cristo
para a solidão da vida; alegria é a sua resposta para o vazio
e a superficialidade da vida.
Harvey Blaney diz que comunhão com o Senhor e co­
munhão com os irmãos constituem a base do nosso gozo
mais elevado. E nosso gozo é cumprido por meio da comu­
nhão contínua.88 A alegria é um apanágio do cristianismo.
O evangelho é boa nova de grande alegria. O reino de Deus
que está dentro de nós é alegria no Espírito Santo. O fruto
do Espírito é alegria, e a ordem de Deus é: “Alegrai-vos”
(Fp 4.4).
Na verdade, a alegria é uma das principais marcas da
vida cristã. O nosso problema não é a busca da alegria, mas
contentar-nos com uma alegria pequena demais, terrena
demais. Deus nos salvou para a maior de todas as alegrias,
a alegria de glorificá-lo e desfrutá-lo para sempre. No céu
Deus enxugará dos nossos olhos toda lágrima. Lá não
haverá pranto, nem luto nem dor.
A alegria não é um sentimento que nós mesmos
produzimos, mas um subproduto de um relacionamento

com Cristo. Só na presença de Deus há plenitude de alegria
(SI 16.11). Essa alegria é divina, ela vem do céu. Esta
alegria é imperativa, ultracircunstancial e cristocêntrica, ela
reina mesmo no vale da dor. Essa alegria é indestrutível, o
mundo náo pode dá-la nem tirá-la.
O pecado promete alegria e produz sofrimento. Os
prazeres do pecado sáo transitórios e passageiros — duram
apenas algum tempo (Hb 11.25), mas a alegria de Deus é
eterna — dura para sempre. Jesus disse: “E a vossa alegria
ninguém poderá tirar” (Jo 16.22).
A ideia de plenitude de alegria náo é incomum nos
escritos de Joáo (Jo 3.29; 15.11; 16.24; 17.13; ljo 1.4;
2Jo 12). A perfeita alegria náo é possível neste mundo
de pecado, porque a perfeita comunháo com Deus náo é
possível. Assim, deve-se entender que o versículo 4 olha
também para além desta vida, para a vida do céu. Entáo
a comunháo consumada produzirá alegria completa. E
para esse fim último que aquele que era desde o princípio
se manifestou no tempo, e que o que os apóstolos ouviram,
viram e apalparam, nos proclamaram. A substância da
proclamação apostólica era a manifestação histórica do
Eterno; seu propósito era e é uma comunhão uns com os
outros, a qual se baseia na comunhão com o Pai e o Filho e
irrompe na plenitude da alegria.89

No t a s d o c a p í t u l o 2
53 Kistem a k er, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 309.
54 d e Bo o r, Werner. Cartas de João. Em Comentário Esperança. Edi­
tora Esperança. Curitiba, PR. 2008: p. 307.
55 Lo pes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 28.
56 Kistem a k er, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 317.
57 Kistem a k er, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 310.
58 MacArth u r, John. The MacArthur New Testament commentary —
John 1-11. M oody Publishers. Chicago, IL. 2006: p. 15,16.
59 R ien eck er, Fritz e R o g ers, Cleon. Chave linguística do Novo Testa­
mento grego. 1985: p. 583.
60 d e B o o r, Werner. Cartas de João. Em Comentário Esperança. 2008:
p. 308.
61 Lopes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 28.
62 C h am p lin , Russell Norman. O Novo Testamento interpretado
versículo por versículo. Vol. 6. A Voz Bíblica. Guaratinguetá, SP. N.d.:
p. 222.
63 K istem aker, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 311.
64 R ien eck er, Fritz e R o g ers, Cleon. Chave linguística do Novo
Testamento grego. 1985: p. 583.
65 St o t t, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 52.
66 Blaney, Harvey. A primeira epístola de João. Em Comentário Bíblico
Beacon. Vol. 10. 2005: p. 292.
67 Lo pes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p- 29.
68 Lo pes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p- 29.
69 Tu c k, Robert. The first epistle general of John. In The Preacher’s
Complete Homiletic Commentary. Vol. 30. 1996: p. 233.
70 Wier sb e, Warren W . Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 609.
71 St o t t, John. I, II, III João: Introdução e comentário. 1982: p. 53.
72 Kistem a k er, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 312,313.
73 St o t t, John. /, II, III João: Introdução e comentário. 1982: p. 53.
74 Lo pes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 30.
75 Wier sb e, W arren W. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 609.
76 Henry, Matthew. Matthew Henry’s commentary in one volume.
Marshall, Morgan & Scott. Grand Rapids, MI. 1960: p. 1.955.
77 Ch a m p l in, Russell Norman. O Novo Testamento interpretado
versículo por versículo. Vol. 6. N.d.: p. 223.

78 d e Bo o r, Werner. As cartas de João. Em Comentário Esperança.
2008: p. 310.
79 St o t t, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 54.
80 St o t t, John . I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 54,55.
81 Stott, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 55.
82 Kistem a k er, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 315.
83 Lo pes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 30.
84 Lo p e s, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 31.
85 Tu c k, Robert. The first epistle general of John. In The Preachers
Complete Homiletic Commentary. Vol. 30. 1996: p. 234.
86 B ark er, Glenn W. 1 John. In Zondervan NIV Bible Commentary.
Zondervan Publishing House. Grand Rapids, MI. 1994: p. 1.083.
87 B arclay, William. I, II, III Juany Judas. 1974: p. 29.
88 B laney, Harvey. A primeira epístola de João. Em Comentário Bíblico
Beacon. Vol. 10. 2005: p. 293.
89 St o t t, John. I, II, III João: Introdução e comentário. 1982: p. 57.

Como o
pecador p
comunhã
r Deus santo
o
BaCl^natureza de Deus a quem ele veio
XeVelar. Também João vai enfatizar que
o conhecimento de Deus abre o cami­
nho para o autoconhecimento. Somente
quando estamos diante da luz reconhe­
cemos as nossas trevas. Somente diante
da santidade de Deus é que vemos a ma-
Ugnídade
A guisa de introdução, destacamos
três pontos:
Em primeiro lugar, a teologia não é
fruto de lucubração humana, mas da re­
velação divina. A teologia de João não
é resultado de sua própria descoberta

ou invenção. Ele não cria nem faz teologia. Ele recebe sua
mensagem de Jesus e a transmite. Sua mensagem não ema­
na de suas pesquisas nem de meditações transcendentais.
A sua mensagem não é da terra, é do céu; não vem do ho­
mem, mas de Deus. Augustus Nicodemus diz que a auto­
ridade do ensino apostólico remonta ao próprio Cristo.90
Em segundo lugar, a teologia não é separada da ética, mas
exige santidade de vida. A teologia cristã não é apenas con­
ceituai, mas, sobretudo, prática. João não é um filósofo,
mas um teólogo. Sua mensagem não é apenas para o de­
leite da mente, mas para a transformação do coração. Sua
teologia não é destinada apenas a uma elite intelectual na
igreja, mas para todos os que reconhecem seus pecados e se
voltam contritos para Deus. Sua mensagem tem profundas
implicações práticas.
O propósito do apóstolo é mostrar que não podemos
ter comunhão com Deus e com os irmãos sem santidade.
E impossível andar nas trevas e ter comunhão com Deus,
que é luz. William Barclay tem razão quando diz que o
caráter de uma pessoa estará determinado necessariamente
pelo caráter do Deus a quem adora.91
Concordo com Simon Kistemaker quando diz que
a santidade exige verdade em palavras e atos.92 Como já
acentuamos nesta obra, o verdadeiro crente passa pelo teste
doutrinário, moral e social. Ele professa o nome de Cristo,
anda como Cristo andou e ama aos irmãos não apenas de
palavras, mas de fato e de verdade.
Em terceiro lugar, a teologia não é neutra, mas exige do
homem um posicionamento. Aqueles que dizem conhecer a
Deus, que é luz, mas vivem nas trevas; aqueles que, embora
pecadores, negam a própria natureza pecaminosa; aqueles
que, embora manchados pela mácula do pecado, dizem

estar isentos de pecado mentem para si mesmos, para os
outros e para Deus.
O cristão é o indivíduo que fez uma escolha e vive de
forma consistente com essa escolha. Falar uma coisa e fazer
outra é uma contradição. Viver nas trevas e afirmar que tem
comunhão com Deus é uma consumada mentira.
Werner de Boor diz que assim como é intrinsecamente
impossível que na “luz” haja simultaneamente “treva”, as­
sim a permanência em Jesus e o estar abrigado em Deus é
inconciliável com qualquer pecado.93
A natureza santa de Deus é exposta (1.5)
João escreve: “Ora, a mensagem que, da parte dele,
temos ouvido e vos anunciamos é esta: que Deus é luz, e
não há nele treva nenhuma”. João passa da revelação do
verbo de Deus para a revelação do próprio Deus, a quem
revela. Destacamos aqui alguns pontos:
Em primeiro lugar, a mensagem acerca da natureza de Deus
vem do próprio Jesus (1.5). “A mensagem que, da parte dele,
temos ouvido...” A palavra grega aggelia, “mensagem”, pode
sugerir que a mensagem contém uma concepção de Deus
que os homens não poderiam ter formado por si próprios
sem a sua ajuda. E uma revelação e não uma descoberta.94
João não é a fonte da mensagem; Jesus o é. A natureza
de Deus é revelada por aquele que estava com o Pai (1.2).
O próprio João escreve: “Ninguém jamais viu a Deus; o
Deus unigénito, que está no seio do Pai, é quem o revelou”
(j0l,18)- « „ '
Essa mensagem vem “da parte dele”, daquele Único que
vem de Deus e conhece a Deus e por isso é capaz de nos
dizer qual é a realidade de Deus. De tudo o que Jesus foi,
disse e fez resplandeceu essa notícia de que “Deus é luz”.95

Em segundo lugar, a mensagem acerca da natureza de
Deus é anunciada pelos apóstolos (1.5). “[...] e vos anuncia­
mos é esta...” João não criou a mensagem acerca do caráter
santo de Deus; ele a recebeu. João não é o autor da men­
sagem, mas seu arauto. João não reteve a mensagem, mas
a anunciou com urgência e fidelidade. A proclamação da
verdade acerca de Deus não apenas edifica os salvos, mas
reprova os falsos mestres. O nosso ministério não é apenas
combater a mentira, mas, sobretudo, anunciar a verdade.
Em terceiro lugar, a mensagem acerca da natureza de Deus
ê desvendada (1.5). “[...] que Deus é luz e não há nele treva
nenhuma”. João já havia registrado as palavras de Jesus à mu­
lher samaritana: “Deus é espírito” (Jo 4.24). Agora diz que
Deus é luz (1.5) e mais tarde afirma que Deus é amor (4.8).
Harvey Blaney diz que Deus é espírito em sua natureza
essencial. Deus é luz em sua autorrevelação ao homem. E
Deus é amor em sua obra de salvação redentora.96 A síntese
do ensino de Jesus acerca de Deus é que ele é luz. A luz
ilumina, aquece, purifica e alastra. Ela traz o conhecimento
da verdade e resplandece nas trevas da ignorância. O que
isto significa?
Primeiro, Deus é luz no sentido de que é da sua natureza
revelar-se. Só conhecemos a Deus porque ele se revelou. E
de sua natureza revelar-se, assim como a propriedade da
luz é brilhar. Dizer que Deus é luz significa que não há
nenhuma coisa secreta, furtiva e encoberta ao seu redor.
Deus quer que os homens o vejam e o conheçam.97
Deus se revelou na criação, na consciência, nas Escrituras
e em Jesus, o verbo encarnado. O conhecimento de Deus não
é um privilégio apenas de um grupo seleto de iluminados
pelos mistérios do gnosticismo, mas é franqueado a todos
que contemplam seu Filho, a luz do mundo.

Segundo, Deus é luz no sentido de sua perfeição moral
absoluta. Deus é santo e puro. Não há mácula em seu
caráter. Ele é imaculado. Ele é puríssimo em seu ser, em
suas palavras e em suas obras. Não há trevas que ocultam
algum mal secreto em Deus nem sombra de alguma coisa
que tema essa luz. João diz que não há nele treva nenhuma.
John Stott diz que, intelectualmente, luz é verdade e
trevas, ignorância. Moralmente, luz é pureza e trevas, mal.
Por conseguinte, a pretensão dos falsos mestres gnósticos
de conhecer a Deus, que é luz, e de manter comunhão com
ele apesar de sua indiferença para com a moralidade é vista
como sendo absurdo.98
Augustus Nicodemus diz que se Deus é luz, segue-se que
quem professa ter estreito relacionamento com ele deve
exibir santidade em sua vida (IPe 1.15,16). Caso contrário,
o relacionamento é falso.99
Terceiro, Deus é luz no sentido de que nada pode ficar
oculto aos seus olhos. Deus é luz e habita em luz inacessível
(lTm 6.16). A luz penetra nas trevas e as trevas não podem
prevalecer contra ela. Deus é onisciente e para ele luz e
trevas são a mesma coisa. Ele a tudo vê, a todos sonda e
nada escapa ao seu conhecimento. A luz penetra nas trevas
e as dissipa. As trevas não podem prevalecer contra a luz.
Faltas ocultas pelas sombras ficam a descoberto pela luz. E
impossível esconder-se de Deus, seja nos confins da terra,
seja nas profundezas do mar.
Quarto, Deus é luz no sentido de que não há nele treva
nenhuma. Nos escritos de João, trevas têm uma conotação
moral. Trata-se da vida sem Cristo (Jo 8.12; 2.8). As
trevas e a luz são inimigas irreconciliáveis (Jo 1.5). As
trevas expressam a ignorância da vida à parte de Cristo (Jo
12.35,46). As trevas significam a imoralidade da vida sem

Cristo (Jo 3.19). As trevas apontam para o desamor e o
ódio (2.9-11). Aquele que é puro em seu ser e santo em
suas obras não pode tolerar as trevas nem ter comunhão
com aqueles que vivem nas trevas.
A natureza pecaminosa do homem é declarada (1.6-10)
Os falsos mestres, que haviam desembarcado na Ásia
Menor, traziam em sua bagagem uma teologia falsa acerca
de Deus, de Cristo, do homem, do pecado e da salvação.
No pacote de suas heresias, esses falsos mestres desconec-
tavam a religião da vida, afirmando que podiam ter co­
munhão com Deus e ao mesmo tempo viver nas trevas
(1.6). Eles chegavam a ponto de negar a própria existência
do pecado (1.8) e afirmar que não eram susceptíveis a ele
(1.10).
John Stott diz que em ljoão 1.6—2.2 três das espúrias
pretensões dos falsos mestres são expostas e contraditadas.
Cada uma delas é introduzida pela fórmula: “Se dissermos”
(1.6,8,10). A simetria dos sete versículos é evidente.
Primeiro, ele introduz o ensino falso com as palavras: “se
dissermos”. Depois, ele o contradiz com um inequívoco:
“mentimos” ou expressão parecida. Finalmente, faz uma
afirmação positiva e verdadeira correspondente ao erro
que refutou: “se, porém, nós”, embora no último dos três
exemplos o término seja diferente (1.7,9; 2.1,2).
Os três erros de que trata dizem respeito ao fato do
pecado em nossa conduta, sua origem em nossa natureza e
sua consequência em nossas relações com Deus.100
Esses três erros desembocaram em três atitudes. Essas
atitudes resumem a tentativa dos falsos mestres e dos falsos
crentes de encobrir e negar seus pecados. William Barclay
destaca que eles diziam que haviam avançado tanto no

caminho do conhecimento que não se importavam mais
com o pecado. Diziam ser tão espirituais que de nenhuma
maneira os preocupava o pecado.101 Quais eram essas
atitudes?
Em primeiro lugar, a tentativa de enganar os outros (1.6).
“Se dissermos que mantemos comunhão com ele e andar­
mos nas trevas, mentimos e não praticamos a verdade.” Os
mestres gnósticos separaram a teologia da vida, a religião da
prática da piedade. Mesmo imersos no caudal de seus peca­
dos ainda proclamavam que tinham comunhão com Deus.
Ainda hoje nós desejamos que os nossos irmãos pensem
que somos espirituais; então, mentimos sobre nossa vida e
tentamos causar uma boa impressão. Desejamos que eles
pensem que estamos andando na luz, embora, na realidade,
estejamos andando nas trevas.102
John Stott diz que temos razão de suspeitar dos que ale­
gam intimidade mística com Deus e, entretanto, “andam nas
trevas”. Religião sem moralidade é ilusão, uma vez que o pe­
cado é sempre uma barreira para a comunhão com Deus.103
Andar nas trevas significa viver no erro, no pecado, na ig­
norância de Deus e em hostilidade a ele. Nesse caso, menti­
mos e não praticamos a verdade. Andamos em trevas quando
as coisas mais cruciais da vida passam sem o exame da luz de
Cristo. Se nossa carreira, nossa vida sexual, dinheiro, família,
autoimagem, esperanças e sonhos jamais lhe foram abertos,
nosso cristianismo e vida eclesiástica são uma mentira elo­
quente. E esse o motivo da falta de poder de tantos cristãos
hoje e a razão de haver igrejas sem vida e sem poder.104
Concordo com Augustus Nicodemus quando diz: “Os
atos de um cristão professo são mais eloquentes do que suas
palavras, e revelam o estado real de seu relacionamento com
Deus”.105

Lloyd John Ogilvie esclarece este ponto nas seguintes
palavras:
A intimidade está arraigada na honestidade. E a exposição de nosso
ser interior à luz perscrutadora da verdade de Deus. Deus nos conhece
por inteiro. Então por que tentar esconder o que somos ou o que
temos feito? Por que fingimos ser o que não somos? A desonestidade
resulta em colocarmos o disfarce da justiça, enquanto por dentro
somos um emaranhado de teias de ambições distorcidas e frustrações,
lembranças do passado e temores do futuro. O Senhor deseja ir abaixo
da superfície, à pessoa real que vive em nossa pele.106
William Barclay está certo quando diz que para o cristão
a verdade nunca é somente uma verdade intelectual; a ver­
dade é sempre verdade moral; não se trata de uma coisa que
só exercita a mente, mas algo que coloca em marcha toda
a personalidade. A verdade não é o descobrimento de uma
verdade abstrata; é uma maneira concreta de viver. Não é só
pensamento, também é atividade. Por essa razão, é perfeita­
mente possível que a eminência intelectual e o fracasso moral
marchem de mãos dadas. Para o cristão, entretanto, a verda­
de é algo que primeiro deve descobrir-se, e logo obedecer.107
Simon Kistemaker tem toda razão quando escreve: “O
pecado aliena o ser humano de Deus e de seu próximo.
Ele perturba a vida e gera confusão. Em vez de paz, há dis­
córdia; em vez de harmonia, há desordem; e, no lugar de
comunhão, há inimizade”.108
Em segundo lugar, a tentativa de enganar a nós mesmos
(1.8). “Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós
mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós.” O
pecado nos leva a mentir não apenas para os outros, mas
também a mentir para nós mesmos. O problema agora não
é enganar os outros, mas enganar a nós mesmos.

Lloyd John Ogilvie declara que se dissermos que náo
temos pecado, negamos a razáo por que Cristo veio e
rejeitamos o perdáo pelo qual ele morreu numa cruz.109 O
pecado é uma fraude táo sutil que aquele que o comete
perde a consciência dessa realidade. O pecado anestesia o
coraçáo, insensibiliza a alma e cauteriza a consciência. E
possível viver em pecado e ainda assim sentir-se seguro e
ter a certeza de que tudo está bem na relaçáo com Deus.110
Isso é mais do que esconder o pecado como fez Davi. Isso
é negar a própria existência do pecado, como fizeram os
falsos mestres do gnosticismo.
William Barclay destaca, também, a tendência do ser
humano de fugir da responsabilidade por seus pecados, fa­
zendo projeções e transferências. Podemos atribuir nossos
pecados à nossa herança, ao nosso meio ambiente, ao nos­
so temperamento, à nossa condiçáo física. Podemos argu­
mentar que alguém nos enganou e fomos levados a fazer o
que náo queríamos.111 Essa ginástica mental e essa fraqueza
moral sáo táo antigas quanto a queda dos nossos primeiros
pais, no Éden.
Simon Kistemaker escreveu: “Qualquer um que náo
precise fazer o quinto pedido do Pai Nosso — ‘perdoa as
nossas dívidas’ - por achar que náo tem pecado engana-
se a si mesmo”.112 O rei Salomão observou sabiamente:
“O que encobre as suas transgressões jamais prosperará;
mas o que as confessa e deixa alcançará misericórdia”
(Pv 28.13).
John Stott diz que a primeira alegação herética (1.6) ao
menos parecia conceber a existência de pecado, embora
negando que ele tivesse o efeito de afastar o pecador de
Deus. Agora, o próprio fato do pecado é negado. Esses
homens não podem beneficiar-se dos efeitos purificadores

do sangue de Jesus porque dizem: “Não temos pecado”. Os
hereges estão dizendo agora que, seja qual for a sua conduta
externa, não há pecado inerente à sua natureza. O apóstolo
João possivelmente está se referindo aqui à sutileza gnóstica
de que o pecado era uma questão ligada à carne e não tocava
nem manchava o espírito.113
Pensar e falar alguma coisa não transforma necessaria­
mente o pensamento e as palavras em realidade. Os mes­
tres gnósticos falavam que não eram pecadores, mas a vida
deles reprovava suas palavras. Havia um abismo entre sua
teologia e sua vida, um hiato entre sua crença e sua prática.
A argumentação do apóstolo João é que o homem que fala
uma coisa e faz outra, mente. O homem que diz uma coisa
com seus lábios e outra totalmente diferente com sua vida
é um mentiroso. O que contradiz suas afirmações com sua
maneira de viver, está faltando com a verdade e enganando
a si mesmo (2.4,22; 4.20).
Em terceiro lugar, a tentativa de enganar a Deus (1.10).
“Se dissermos que não temos cometido pecado, fazemo-lo
mentiroso, e a sua Palavra não está em nós.” O pecado pode
nos fazer mentir para os outros, mentir para nós mesmos
e mentir para Deus. Tendo-se tornado mentiroso, depois
também se procura transformar Deus em mentiroso.
Concordo com Harvey Blaney quando diz que essa
atitude é a mais repreensível de todas, porque torna Deus
um mentiroso. E o pecado acima de todos os outros pecados
- o pecado da arrogância e orgulho, que coloca a sabedoria
do homem acima da sabedoria de Deus.114
Aquele que diz que não é pecador contradiz o testemunho
que Deus dá acerca da pecaminosidade humana. Aquele
que nega o seu pecado, nega a própria verdade divina e
chama Deus de mentiroso.

Werner de Boor diz que quando negamos que somos
pecadores transformamos Deus em mentiroso não apenas
em sua Palavra, mas em seu feito na cruz. Deus entregou
seu Filho porque não podíamos ser salvos de maneira dife­
rente e menos custosa. Nós, porém, declaramos que isso é
desnecessário, visto que não teríamos cometido pecado.115
Isto é escarnecer da cruz. E incluir no rol dos mentirosos
aquele que é luz!
John Stott diz que, das três heresias disseminadas pelos
falsos mestres, esta era a mais ruidosa. Os hereges sustenta­
vam que a sua iluminação superior os tornava incapazes de
pecar.116 Dizer, porém, que não cometemos pecado não é
apenas uma deliberada mentira (1.6), ou uma ilusão (1.8),
mas é também uma blasfêmia (1.10). Isso é chamar Deus
de mentiroso e aqueles que fazem isso provam que sua pala­
vra não está neles, uma vez que ela sobejamente demonstra
a universalidade do pecado (lRs 8.46; SI 14.3; Ec 7.20; Is
53.6; Rm 2.23).
Simon Kistemaker diz que esta é a atitude do infiel que
não se arrepende. No versículo 8, o descrente diz que não
tem pecado; agora, afirma que não é pecador. Se ele não é
pecador, pois insiste que não pecou, faz de si mesmo um
ser igual a Deus, aquele que não tem pecado. Ainda mais,
ao se recusar ouvir as evidências que Deus apresenta, o ho­
mem acusa Deus de estar mentindo. Na sequência de três
versículos, o autor se dirige para um clímax: “[...] menti­
mos” (1.6), “[...] a nós mesmos nos enganamos” (1.8) e
“[...] fazemo-lo mentiroso” (1.10).117
Concluímos este ponto com as palavras de Warren
Wiersbe, dizendo que os falsos mestres e os falsos crentes
mentem sobre sua comunhão com Deus (1.6), sobre sua
natureza pecaminosa (1.8) e sobre seus atos pecaminosos

(1.10).118 Aquele que procura encobrir os seus pecados
perde a Palavra de Deus. Ele deixa de praticar a Palavra
de Deus (1.6), logo a verdade deixa de estar nele (1.8), e,
finalmente, ele torna a verdade em mentira (1.10). Aquele
que tenta encobrir os seus pecados perde a comunhão com
Deus e com o seu povo (1.6,7).
Davi tentou encobrir seus pecados, e isto lhe custou a
saúde (SI 32.3,4), a alegria (SI 51), a família e, por pouco,
não lhe custou o reino. Abraão Lincoln costumava dizer
que, se um homem deseja ser mentiroso, é melhor ter boa
memória! Quando uma pessoa gasta todas as energias fin­
gindo ser algo, não lhe restam forças para viver, e a vida
torna-se superficial e insípida.119
A natureza da comunhão com Deus e com os irmãos é
estabelecida (1.7,9)
João fala acerca da comunhão com os irmãos (1.7) e da
comunhão com Deus (1.9). Para termos comunhão uns
com os outros precisamos andar na luz como Deus está na
luz, e para termos comunhão com Deus precisamos reco­
nhecer o pecado e confessá-lo. Vamos destacar aqui esses
dois pontos vitais:
Em primeiro lugar, a comunhão com os irmãos (1.7). “Se,
porém, andarmos na luz, como ele está na luz, mantemos
comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus, seu
Filho, nos purifica de todo pecado.” Destacamos aqui três
pontos:
Umaexigência (1.7a). “Se, porém, andarmos na luz, como
ele está na luz...” Não há comunhão fora da verdade. Onde
as trevas escondem as motivações, distorcem as palavras e
maculam as ações não pode existir verdadeira comunhão.
O engano do pecado nos leva a pensar que se as pessoas nos

conhecerem como somos de fato, elas se afastarão de nós.
Somos induzidos a esconder os nossos pecados para sermos
aceitos. Mas isto é um engodo. A verdadeira comunhão só
acontece na luz.
Concordo com Werner de Boor quando diz que quan­
do ocultamos a verdade da nossa vida a comunhão já está
destruída. Estamos separados dos outros por temor e cons­
trangimento, sensíveis e desconfiados em nossa conduta.
Em contrapartida, quando temos a coragem de mostrar
nossa vida sob luz total pode despertar em outros uma ma­
ravilhosa confiança. No entanto, observe também que não
se trata de exibir o pecado em si, mas de testemunhar da
experiência do perdão purificador de Deus. Essa experiên­
cia abre corações e conduz para um convívio franco, livre
e alegre.120
Andar na luz é um ato contínuo. Significa que vivemos
no brilho da luz de Deus, de modo que refletimos virtudes
e glória.121 O próprio Deus vive em “[...] luz inacessível”
(lTm 6.16).
John Stott está correto quando diz que Deus está eterna
e necessariamente na luz porque ele mesmo é luz. Deus está
na luz porque ele é sempre fiel a si próprio e sua atividade é
coerente com sua natureza “[...] de maneira nenhuma pode
negar-se a si mesmo” (2Tm 2.13). Andar na luz descreve
sinceridade absoluta, não ter nada para esconder.122 Andar
na luz produz dois resultados: comunhão com os irmãos
e purificação de todo pecado. Esses dois resultados serão
tratados nos dois pontos seguintes.
Uma realidade (1.7b). “[...] mantemos comunhão uns
com os outros...” Andar na luz pavimenta o caminho da
comunhão com Deus e com o próximo. Andar na luz é
a exigência para a comunhão fraternal. Viver para Deus

significa que temos um relacionamento íntegro com o
nosso próximo. Um profundo desejo de glória celestial na
presença de Deus deve ser acompanhado de uma vontade
intensa de ter comunhão com a igreja na terra.123
A comunhão fraternal é resultado da santidade. Nas tre­
vas não há comunhão, mas cumplicidade. Nas trevas não
há comunhão, mas parceria no pecado. Porém, se andamos
na luz, temos comunhão uns com os outros. Nenhuma
crença pode ser autenticamente cristã se separar o homem
de sua relação com os demais. Nada que destrua a comu­
nhão fraternal pode ser verdadeiro.124
Uma promessa (1.7c). “[...] e o sangue de Jesus, seu Filho,
nos purifica de todo pecado”. O fato de andarmos na luz
e mantermos comunhão uns com os outros não implica
ausência de pecado nem nos torna essencialmente perfeitos
e imaculados. Ainda continuamos sujeitos ao pecado, mas
temos a promessa da purificação pelo sangue de Jesus.
Seremos iguais a ele somente na glorificação. Agora, porém,
nós, que andamos na luz, temos a purificação no sangue de
Jesus. Andar na luz, portanto, é confessar pecado; andar nas
trevas é ignorar ou negar pecado. Quando andamos na luz
temos provisão divina para limpar-nos de todo e qualquer
pecado. Essa provisão é o sangue de Jesus, o Filho de Deus.
João enfatiza a natureza divino-humana daquele cujo
sangue nos purifica. Ele é o homem Jesus, mas também é o
Filho de Deus. Harvey Blaney diz que na criação o homem
foi feito à imagem de Deus. Na redenção, Deus foi feito à
imagem do homem.125
O verbo divino se fez carne. Deus se fez homem. O
segredo do poder desse sangue é que foi derramado pelo
Filho de Deus, imaculado, perfeito e sem pecado algum. O
sangue humano comum está contaminado pela corrupção

do pecado. A morte de um ser humano não tem qualquer
poder para limpar ou remover a culpa de outros seres
humanos. Jesus, porém, sendo Filho de Deus, derramou
sangue isento de pecado, não contaminado e, por isso,
eficaz para esse fim.126
O verbo grego katkarizein, traduzido aqui por “purificar”,
sugere que Deus faz mais que perdoar: ele apaga a mancha
do pecado. E o tempo presente mostra que é um processo
continuado.127 O sacrifício de Cristo foi eficaz não apenas
para perdoar os pecados passados, mas também para
purificar-nos no presente, dia a dia.
L. Bonnet diz que o tempo presente do verbo “purificar”
indica a ação permanente do sacrifício de Cristo. O sacrifício
da cruz é o meio do perdão e da reconciliação com Deus e,
ao mesmo tempo, o meio da purificação interna do pecado,
abrindo-nos a porta da plena comunhão com Deus e com
os irmãos.128
Jesus nos purifica e nos apresenta a si mesmo como
“[...] igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa
semelhante, porém santa e sem defeito” (Ef 5.27).
Simon Kistemaker diz que o pecado pertence ao mundo
de trevas e não pode entrar na esfera de santidade. Assim,
Deus deu seu Filho para morrer na terra. Por meio da
morte de seu Filho, Deus removeu o pecado e a culpa do
ser humano para que este possa ter comunhão com ele.129
O sangue de Jesus é suficiente para nos limpar pro­
funda e totalmente. Nenhuma terapia humana, nenhum
rito religioso pode purificar o homem do seu pecado. Ne­
nhum esforço humano ou obra de caridade pode produ­
zir essa realidade. Somente o sangue de Jesus, o Filho de
Deus, pode nos lavar, nos purificar e nos tornar aceitáveis
a Deus.

Digno de observar é o fato de que o sangue de Jesus
purifica não apenas alguns pecados, mas todo pecado. Não
há causa perdida para Deus. Não há pecador irrecuperável
para Deus. Não há pecado imperdoável para Deus, exceto
a blasfêmia contra o Espírito Santo, ou seja, a rejeição
consciente da graça e a atribuição da ação divina ao próprio
diabo.
Em segundo lugar, a comunhão com Deus (1.9). “Se
confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos
perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça.” O
crente verdadeiro não é aquele que esconde seus pecados
nem os justifica, mas os confessa a Deus para receber perdão
e purificação. O pecado é maligno. Ele é treva e Deus é luz.
O pecado faz separação entre o homem e Deus (Is 59.2).
A única condição, portanto, para o homem ter comunhão
com Deus é reconhecer o seu pecado e confessá-lo. Antes
de termos comunhão com Deus precisamos ser perdoados
e purificados. Destacamos aqui três sublimes verdades:
A condição do perdão. “Se confessarmos os nossos peca­
dos...”. Esta é a parte condicional da frase, que mostra nos­
so conhecimento do pecado. Encaramos o pecado aberta e
honestamente sem escondê-lo ou achando desculpas para
ele. Confrontamos os pecados que cometemos sem nos de­
fendermos ou justificarmos. Confessamos nossos pecados
para mostrar arrependimento.130
O que é confessar os pecados? E concordar com Deus
que pecamos. A palavra grega homologeo significa homo­
logar, concordar com, dizer a mesma coisa. Confessar é
concordar com o diagnóstico de Deus a nosso respeito,
que somos pecadores e que temos cometido pecados, e
assim verbalizamos essa concordância com tristeza e pe-

Em vez de negar o pecado ou escondê-lo, devemos ad­
mitir a nossa culpa e confessar o nosso pecado. Esta é a
condição do perdão e o caminho da comunhão com Deus.
Vale ressaltar, igualmente, que não se trata de uma confis­
são genérica, inespecífica e superficial. A verdadeira con­
fissão requer a especificação dos pecados. Chamá-los pelo
mesmo nome que Deus chama: inveja, ódio, mágoa, impu­
reza. Confessar é ser honesto com Deus e consigo mesmo.
E mais do que admitir o pecado, é julgá-lo.132
John Stott tem razão quando diz: “O que se requer
não é uma confissão geral do pecado, mas uma confissão
particular de pecados”.133
Simon Kistemaker ressalta que não nos é dito quando,
onde e como confessar nossos pecados, mas o arrependimen­
to diário dos pecados nos leva à confissão contínua. João, na
verdade, escreve: “Se continuarmos confessando nossos pe­
cados”. Ele escreve a palavra “pecados” no plural para indicar
a magnitude de nossas transgressões.134 Nós devemos confes­
sar nossos pecados primeiramente a Deus e depois àqueles
contra quem os cometemos. A confissão deve ser tão extensa
quanto o estrago feito pelo pecado. A confissão de certos
pecados exige uma reparação, além da confissão. Em alguns
casos, a disciplina deve também ser aplicada.
A base do perdão. “[...] ele é fiel e justo...” A garantia e a
segurança do perdão estão no caráter fiel e justo de Deus.
A segurança da salvação não está edificada sobre o frágil
alicerce da confiança humana, mas sobre a rocha firme da
pessoa divina e suas promessas. Deus é fiel às suas promessas
e é justo para não aplicar em nós o castigo dos mesmos
pecados que Jesus carregou sobre o corpo no madeiro. Deus
é fiel para perdoar porque ele cumpre a sua aliança e sua
promessa de perdoar os nossos pecados e não se lembrar

mais deles. “Pois perdoarei as suas iniquidades e dos seus
pecados jamais me lembrarei” (Jr 31.34; Hb 8.12; 10.17).
A primeira vista, poderíamos pensar que Deus, em sua
justiça, estaria muito mais propenso a condenar do que a
perdoar. O justo não perdoa, mas aplica a pena da lei aos
transgressores. Se Deus visita no pecador o seu pecado e
“[...] não inocenta o culpado” (Ex 34.7), como ele pode
perdoar pecados? Este é o dilema divino.
O Juiz de toda a terra não pode apagar o pecado leviana­
mente. A cruz é, de fato, absolutamente a única base moral
sobre a qual ele pode perdoar o pecado, pois ali o sangue
de Jesus, seu Filho, foi derramado para que ele pudesse ser
“a propiciação” por nossos pecados (2.2). Assim, podemos
dizer que, ao perdoar os nossos pecados e nos purificar de­
les, Deus manifesta lealdade à sua aliança — sua fidelidade
por causa da palavra que a iniciou e sua justiça por causa
do efeito que a ratificou. Mas, simplesmente, é fiel para
perdoar porque prometeu fazê-lo e justo porque seu Filho
morreu por nossos pecados.135
Werner de Boor expressa com clareza esta ideia:
Como Deus pode ser justo ao apagar o pecado? Jamais poderíamos
imaginar ou experimentar isso se o perdão apenas consistisse de um
“dito” de Deus. Contudo, ele reside em uma ação de seriedade absoluta
e suprema justiça. “Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado
por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus” (2Co 5.21).
Todo pecado foi julgado e punido no Cabeça da humanidade, Cristo.
Deus é justo ao não vingar o pecado pela segunda vez em nós quando
aceitamos Jesus como nosso substituto pela fé.136
A posse do perdão. “[...] para nos perdoar os pecados e
nos purificar de toda injustiça”. E justamente de nossas
“injustiças” que essa “justiça de Deus” nos purifica.

John Stott diz que, na primeira frase, pecado é um dé­
bito que Deus quita, e, na segunda, uma mancha que ele
remove.137 Deus perdoa os pecados e purifica de toda in­
justiça. Ele lava por fora e purifica por dentro. Deus não
coloca mais os nossos pecados em nossa conta, este é o lado
judicial; Deus limpa e purifica, este é o lado pessoal. O
primeiro verbo, perdoar, descreve o ato de cancelar uma
dívida e pagar pelo devedor. E o segundo verbo, purificar,
se refere ao fazer do pecador alguém santo, de modo que
possa ter comunhão com Deus.138 Deus toma a iniciativa,
pois ele nos diz: “Vinde, pois, e arrazoemos, diz o Senhor;
ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se
tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos
como o carmesim, se tornarão como a lã” (Is 1.18).
No t a s d o c a pIt u l o 3
90 Lo pes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 34.
91 B arclay, William. I, II, 111Juany Judas. 1974: p. 34.
92 Kistem aker» Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 323.
93 d e Boor, Werner. Cartas de João. Em Comentário Esperança. 2008: p. 315.

94 Rie n e c k e r, Fritz e Ro g er s, Cleon. Chave linguística do Novo Testa­
mento grego. 1985: p. 584.
95 d e Bo o r, Werner. Cartas de João. Em Comentário Esperança. 2008:
p. 314.
96 Blaney, Harvey. A primeira epístola de João. Em Comentário Bíblico
Beacon. Vol. 10. 2005: p. 294.
97 Barclay, W illiam . I, II, III Juany Judas. 1974: p. 34.
98 St o t t, John. I, II, III João: Introdução e comentário. 1982: p. 61.
99 Lo p e s, Augustus Nicodemus. A primeira carta de João. 2005: p. 35.
100 St o t t, John. I, II, III João: Introdução e comentário. 1982: p. 63,64.
101 Barclay, William. I, II, III Juany Judas. 1974: p. 37­
102 Wier sb e, Warren W. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 617.
103 St o t t, John. I, II, III João: Introdução e comentário. 1982: p. 64,65.
104 Og ilv ie, Lloyd John. Quando Deus pensou em você. Editora Vida.
Miami, FL. 1983: p. 16.
105 Lo p e s, Augustus Nicodemus. A primeira carta de João. 2005: p. 35.
!0S Og ilv ie, Lloyd John. Quando Deus pensou em você. 1983: p. 15.
107 Barclay, William. I, II, III Juany Judas. 1974: p. 38,39.
108 Kistem a k er, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 323.
109 Og ilv ie, Lloyd John. Quando Deus pensou em você. 1983: p. 19.
110 Wier sb e, Warren W. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 617.
111 Barclay, William. I, II, III Juan y Judas. 1974: p. 42.
112 Kistem a k er, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 325.
113 St o t t, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 67.
114 Blaney, Harvey. A primeira epístola de João. Em Comentário Bíblico
Beacon. Vol. 10. 2005: p. 297.
115 d e Bo o r, Werner. Cartas de João. Em Comentário Esperança. 2008:
p. 320.
116 St o t t, John. I, II, III João: Introdução e comentário. 1982: p. 69.
117 Kistem a k er, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 328.
118 Wier sb e, Warren W. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 617.
119 W iersbe, W arren W. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 618.
120 d e Bo o r, Werner. Cartas de João. 2008: p. 318.
121 Kistem a k er, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 324.
122 St o t t, John. I, II, III João: Introdução e comentário. 1982: p. 65.
123 Kistem a k er, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 324.

124 Barclay, W illiam . I, II, III Juany Judas. 1974: p. 39.
125 Blaney, Harvey. A primeira epístola de Joáo. Em Comentário Bíblico
Beacon. Vol. 10. 2005: p. 296.
126 Lo pes, Augustus Nicodemus. A primeira carta de João. 2005:
p. 36,37.
127 St o t t, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 65,66.
128 Sc h r o e d e r, L. Bonnet y A. Comentário del Nuevo Testamento. Tomo
4. 1982: p. 309.
129 Kistem a k er, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 324.
130 Kistem aker, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 326.
131 Lo pes, Augustus Nicodemus. A primeira carta de João. 2005: p. 40.
132 Wier sb e, Warren W. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 620.
133 St o t t, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 68.
134 Kistem aker, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 326,327.
135 St o t t, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 68.
136 d e Bo o r, Werner. Cartas de João. Em Comentário Esperança. 2008:
p. 319.
137 St o t t, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 67.
138 Kistem a k er, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 327.

Jesus, o advogado
incomparável
(IJo 2.1,2)
O a p ó s t o l o JoÃo a i n d a e s t á
lidando com o problema do pecado. O
pecado é universal e também enganador.
O pecado nos induz a tentar enganar os
outros (1.6), a nós mesmos (1.8) e ao
próprio Deus (1.10). Podemos ter três
atitudes em relação ao pecado: escondê­
-lo (1.5,6,8,10), confessá-lo (1.7,9) e
triunfar sobre ele (2.1,2).
João agora nos aponta o caminho
para vencermos o pecado. O propósito
dessa carta é encorajar os crentes a não
pecarem (2.1). A prática do pecado é in­
compatível com a nova vida em Cristo.
Quem vive pecando não viu a Deus nem
o conheceu (3.6). Quem vive na prática
do pecado não é nascido de Deus (3.9).

Toda essa carta está impregnada de horror, ódio, temor
e repúdio ao pecado. João espera que os crentes sejam
preservados do mau ensino dos hereges e que não caiam
em pecado.139 Precisamos ressaltar, entretanto, que a
perfeição moral absoluta é impossível de ser conquistada
nesta vida. O perfeccionismo não é bíblico. Precisamos
distinguir entre perfeição posicionai e perfeição processual.
Somos perfeitos em Cristo (Cl 2.10; Fp 3.15), mas ainda
estamos num processo de aperfeiçoamento. A santificação
é um processo gradual. A perfeição obtida em Cristo é
operada gradualmente em nós (2Co 7.1). Esse processo só
é terminado na glorificação (ICo 15.51,52).140
Há duas posições perigosas em relação ao pecado: a
indulgência por um lado e a severidade por outro. Vale
ressaltar que João trata da questão do pecado de forma
negativa - “Filhinhos meus, estas coisas vos escrevo para
que não pequeis” - e depois positivamente - “Se, todavia,
alguém pecar...”.
John Stott está correto quando diz que é importante
manter essas duas afirmações em equilíbrio. E possível ser
demasiado indulgente e demasiado severo para com o peca­
do. A indulgência demasiado grande seria quase encorajar
o pecado no cristão salientando a provisão de Deus para o
pecador. Uma severidade exagerada, entretanto, seria negar
a possibilidade de um cristão pecar ou recusar-lhe perdão e
restauração, se ele cair. As duas posições extremas são con­
testadas por João.141
E preciso tocar a trombeta e alertar que o pecado é
maligno e jamais deve ser incentivado ou tolerado. Cristo
morreu não para nos salvar em nossos pecados, mas dos
nossos pecados. Entretanto, aqueles que fecham a porta da
esperança para os que são surpreendidos no pecado estão

também em desacordo com a Palavra de Deus. O propósito
de João é que os crentes não pequem, mas, se pecarem, eles
têm Jesus como advogado e propiciação.
O apóstolo João nos mostra como triunfar sobre o
pecado nesses dois versículos em apreço (2.1,2). Ele nos
apresenta Jesus como o advogado, o Justo e a Propiciação.
Trataremos, portanto, desses três pontos, sob a perspectiva
de Jesus, como o advogado incomparável.
Jesus é o advogado incomparável quanto ao seu caráter
(2.1)
O apóstolo escreve: “Filhinhos meus, estas coisas vos
escrevo para que não pequeis. Se, todavia, alguém pecar,
temos advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo” (2.1).
João se dirige aos crentes como seus filhos na fé. Ele tem
amor e autoridade para ensiná-los. Não apenas os chama
carinhosamente de filhinhos, mas de meus filhinhos. A
palavra grega teknion pode ser traduzida por “criancinha”.
A forma diminutiva é usada para expressar afeto.142
Werner de Boor diz acertadamente que o trato leviano
com o pecado por parte dos cristãos por causa do perdão
“justo” (1.9) e pleno não representa mero perigo teórico.
Quem encontra o “perdão justo” de Deus exclusivamente
na cruz e no sangue do Filho de Deus de forma alguma pode
pensar: logo, pecar não é tão grave, posso tranquilamente
continuar a pecar. Então jamais teria compreendido o que
o perdão de seus pecados custou. De qualquer modo, o
apóstolo deseja constatar expressamente que a finalidade
de sua mensagem é a rejeição séria e resoluta do pecado.143
A ordem de João para os seus queridos filhos é: “não
pequeis”. O verbo grego hamcvrthete, “pequeis”, no aoristo
indica atos específicos de pecado e não um estado habitual

de pecado.144 Em outras palavras, o pecado na vida dos
crentes deve ser um acidente e não um hábito, uma prática.
João usa o termo parakletos para descrever Jesus. Essa
palavra significa ajudador, advogado, intercessor. Fritz
Rienecker diz que na literatura rabínica essa palavra podia
indicar a pessoa que oferecia auxílio legal ou aquela que
intercedia em favor de outra. No presente contexto, a
palavra significa, indubitavelmente, advogado de defesa -
num sentido jurídico.145
William Barclay diz que o termo parakletos, “advogado”,
era usado em oposição ao termo “acusador”.146 A palavra
parakletos aparece mais quatro vezes no Novo Testamento,
todas no evangelho de João, onde é traduzida como “Con­
solador”, e se refere ao Espírito Santo (Jo 14.16,26; 15.26;
16.7). Essa palavra significa, em geral, alguém que se colo­
ca ao lado de outro para ajudar. Quando João usa a palavra
aqui, aplicada a Cristo, a ideia é que ele fala com o Pai
sobre nós, em nossa defesa, e intercede para que sejamos
perdoados (Rm 8.34; lTm 2.5; Hb 7.24,25).147
John Stott destaca o fato de que se temos um advogado
no céu, Cristo tem um advogado na terra. O Espírito é o
Paráclito de Cristo, como o Senhor Jesus é o nosso. No
entanto, enquanto que o Espírito Santo pleiteia a causa de
Cristo perante um mundo hostil, Cristo pleiteia a nossa
causa contra o nosso “acusador” (Ap 12.10) e junto ao Pai,
que ama e perdoa a seus filhos.148
Agora não somos mais réus, mas filhos. Deus não é mais
o nosso Juiz, mas Pai. Nós, que cremos em Cristo, não en­
tramos mais em juízo, mas passamos da morte para a vida
(Jo 5.24). Uma vez justificados, entramos na família de
Deus. Se pecarmos, não precisaremos de uma nova justifi­
cação do Juiz divino, mas do perdão do Pai.

Esta expressão, “Jesus Cristo, o Justo” indica a sua na­
tureza humana (Jesus), o seu ofício messiânico (Cristo) e
o seu caráter justo (o Justo).149 Joáo enfatiza náo apenas a
humanidade de Jesus e o ofício messiânico de Cristo, mas
também, seu caráter perfeito, justo e impoluto como ho­
mem (Mt 27.19,24). Ele é o Justo que veio morrer pelos
injustos (Rm 5.6-11; IPe 3.18). Sendo justo, Jesus pode
comparecer diante de Deus e nos defender.150
Destacamos aqui dois pontos para a nossa reflexáo:
Em primeiro lugar, Jesus Cristo não é apenas nosso advo­
gado, mas também, nosso exemplo (2.1). Hoje vemos uma
separação entre a vida moral e o desempenho profissional.
Muitos advogados são gigantes na tribuna, mas nanicos na
conduta. São imbatíveis na oratória, mas vulneráveis na
ética. Muitos advogados, por esperteza e pela ganância do
lucro fácil, burlam as leis, corrompem os tribunais, aviltam
a justiça e assaltam o direito dos inocentes.
No tribunal dos homens, muitas vezes a verdade é
pisada e a justiça, negada. No tribunal dos homens, não
raras vezes a lei é torcida, as testemunhas são subornadas,
os juizes são corrompidos e as sentenças, compradas. No
tribunal dos homens, muitas vezes vemos um Herodes livre
e um João Batista na prisão; um Pilatos julgando e o Jesus
de Nazaré sendo julgado; um Nero no trono e um Paulo
no calabouço.
No entanto, Jesus como advogado nunca usou de
espertezas para torcer a lei. Jesus nunca aceitou suborno.
Ele nunca vendeu sua consciência. O diabo quis dar-lhe os
reinos do mundo em troca de sua adoração (Mt 4.8-11). As
multidões queriam fazê-lo rei (Jo 6.15). Nunca ninguém
pôde acusá-lo de pecado. Não havia dolo em sua boca. Sua
vida era impoluta e sem jaça. Ele é a Verdade, a luz do

mundo, o verbo da vida, o advogado junto ao Pai, Jesus
Cristo, o Justo.
Em segundo lugar, Jesus Cristo como nosso advogado nunca
transigiu com o erro (2.1). Jesus não veio para manipular a
lei, mas para cumpri-la. Ele não veio para encontrar brechas
na lei para nos inocentar da culpa, mas para cumprir as
exigências da lei e nos livrar da condenação do pecado. Ele
se colocou sob a lei e viveu em obediência à lei.
Os judeus o acusaram de beberrão, violador do sábado,
amigo dos pecadores e até de endemoninhado. Os membros
do sinédrio contrataram testemunhas falsas para acusá-lo.
Ninguém, contudo, pôde acusá-lo de pecado. Por essa
razão, ele pode ser o nosso advogado.
Jesus é o advogado incomparável quanto ao seu método
(2.1,2)
Jesus é singular não apenas quanto ao seu caráter, mas
também quanto ao seu método. Destacaremos aqui alguns
pontos importantes:
Em primeiro lugar, Jesus não veio para defender nossa ino­
cência, mas destacar a nossa culpa (2.1,2). Jesus não veio
para mostrar nossas virtudes, mas para apontar os nossos
pecados. Jesus como nosso advogado não defende que so­
mos inocentes, nem aduz circunstâncias atenuantes. Reco­
nhece a nossa culpa e apresenta a sua obra vicária como a
base da nossa absolvição.151
Jesus Cristo, nosso advogado, não veio buscar justos, mas
pecadores. Ele não veio para os sãos, mas para os enfermos.
Ele não veio salvar os que se julgam bons, mas veio buscar
e salvar os perdidos (Lc 19.10). Destacamos alguns pontos:
Jesus não veio para dizer que o homem é bom. O pensador
francês Jean Jacques Rousseau diz que o homem é bom.

Muitos creem nessa tolice e se julgam perfeitos e essencial­
mente bons. Mas a Bíblia diz que todos pecaram e destitu­
ídos estão da glória de Deus (Rm 3.23). As Escrituras nos
informam que “Não há justo, nem um sequer” (Rm 3.10).
E bom enfatizar que Jesus veio para morrer pelos
pecadores e não por aqueles que aplaudem as próprias
virtudes. Aquele que diz que não tem pecado engana-se a si
mesmo e ainda faz Deus mentiroso.
Jesus não veio para dizer que temos méritos diante de Deus
para sermos absolvidos. A defesa que Jesus apresenta em
nosso favor à destra de Deus não é fazendo uma apologia
dos nossos méritos pessoais, mas da virtude e eficácia de seu
sacrifício em nosso favor. Somos salvos pela fé e não pelas
obras (Ef 2.8,9). Não somos aceitos por Deus pelas obras
que fazemos, mas pela obra que Cristo fez. Não somos
recebidos nos céus pelas obras que fazemos para Deus, mas
pela obra que Deus fez por nós em Cristo.
Jesus não veio para dizer que somos inocentes. Longe de
defender nossa inocência, Jesus reafirma a nossa culpa. Deus
não inocenta o culpado (Êx 34.7) e a alma que pecar, essa
morrerá (Ez 18.4). Só aqueles que se reconhecem pecadores
culpados podem ter a Jesus como seu advogado. Só aqueles
que estão desesperados por causa de seus pecados podem
encontrar o alívio do perdão e a alegria da reconciliação
por meio de Cristo. Se não tivermos uma concepção real da
malignidade e gravidade do pecado não teremos uma visão
correta do Salvador nem mesmo da salvação.
Jesus não veio para dizer que somos livres. O pecado escra­
viza. O pecado é uma prisão. Jesus diz que quem pratica o
pecado é escravo do pecado. Muitos pensam que o maior
problema do homem é a ignorância. Os positivistas pensa­
ram que se déssemos educação ao homem ele viveria num

paraíso, mas o maior problema do homem não é ignorân­
cia, mas o pecado.
Há pessoas cultas que ainda são escravas do seu pecado.
Somente Cristo liberta. Jesus disse: “Conhecereis a verdade
e a verdade vos libertará” (Jo 8.32). Ele mesmo disse: “Se,
pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” (Jo
8.36). Só aqueles que se reconhecem culpados, perdidos e
condenados é que podem ser livres e salvos. No tribunal
de Deus não existe réu primário, bons antecedentes e pena
comutada. Só os arrependidos serão absolvidos!
Jesus não veio para dizer que a sinceridade é suficiente.
Muitos pensam que o importante é ser sincero. Mas a Bíblia
diz que “Há caminho que ao homem parece direito, mas
ao cabo dá em caminhos de morte” (Pv 14.12). Há muitas
pessoas sinceramente enganadas. Há muitos indivíduos que
estão no caminho largo da perdição e jamais se aperceberam
que estão caminhando para a morte. Jesus não veio para
dizer que a sinceridade é a porta do céu. A porta do céu
é Jesus. O caminho para Deus é Jesus. O único advogado
junto ao Pai é Jesus Cristo, o Justo.
Em segundo lugar, Jesus não cobra honorários, ele defende
a nossa causa de graça. Quanto mais famoso é um advogado,
tanto mais caro é o seu serviço. Jesus é o advogado divino e
ele não cobra nada; aliás, ele pagou tudo.
A salvação é de graça, mas não é barata. Ela custou
muito caro para Deus. Ela custou o sangue do seu Filho
bendito. Jesus suportou a ignomínia da cruz para nos salvar
(Hb 12.2). Ele suportou o escárnio, as cusparadas e a vil
humilhação para ser o nosso advogado. Ele foi esbordoado,
despido e pregado na cruz por ser o nosso representante e
substituto. Ele morreu a nossa morte. Ele ressuscitou e está
à destra de Deus.

A graça é um dom imerecido. Jesus é o advogado
daqueles que estão desamparados, que estão esmagados
pela culpa, que estão sob o senso da condenação. Jesus não
cobra pelo seu serviço. Ele não exige o pagamento de custas
processuais nem cobra honorários.
Em terceiro lugar, Jesus é o titular da ação ou pede substa-
belecimento. Jesus não é um advogado dentre outros. Ele é o
único advogado que nós temos junto ao Pai. Ele é o único
Mediador entre Deus e os homens. Ninguém pode ir ao Pai
senão por ele. Não há salvação em outro nome dado entre
os homens pelo qual importa que sejamos salvos. Não po­
demos confiar em nossos méritos, obras, penitências, nem
recorrermos a Pedro, Maria ou outros intercessores. Jesus é
o titular da ação ou, então, não é o nosso advogado.
Em quarto lugar, Jesus jamais está ocupado, mas está
sempre pronto a nos atender. Quanto mais importante é um
advogado, tanto mais cheia é a sua agenda e tanto mais
indisponível está para os seus clientes. Jesus, o advogado
incomparável, está sempre disponível. Ele não está
ocupado em viagens e audiências. Temos livre acesso a ele a
qualquer tempo, em qualquer lugar. Sua assistência é direta
e constante. Podemos falar com ele em casa, no trabalho,
na escola ou no hospital. Sua linha nunca está ocupada. Ele
está à direita do Pai e intercede por nós (Rm 8.34).
Jesus é o advogado incomparável quanto à sua eficácia
(2.2)
Alistaremos em seguida as razões por que Jesus é abso­
lutamente eficaz em seu ministério como nosso advogado.
Em primeiro lugar, Jesus veio não apenas para estar ao
nosso lado, mas em nosso lugar. Ele não veio apenas para falar
por nós, mas para morrer por nós. Jesus é o nosso fiador,

representante e substituto. O apóstolo João diz que Jesus
é a propiciação pelos nossos pecados. Destacamos aqui
dois pontos: a natureza do seu sacrifício e o alcance do seu
sacrifício.
A natureza do sacrifício de Cristo. João escreve: “E ele é a
propiciação pelos nossos pecados...” (2.2a) A palavra grega
hilasmos significa satisfação e propiciação. A ideia é aplacar
a ira de Deus. A ideia dessa passagem é que Jesus propicia a
Deus com relação a nossos pecados.152
A “propiciação” está ligada aos sacrifícios do Antigo
Testamento. Animais eram sacrificados e o seu sangue
derramado como “pagamento” pelo pecado (Lv 16.14,15;
17.11). Os sacrifícios eram oferecidos para cobrir os peca­
dos e afastar a ira de Deus sobre os pecadores. Cristo é o
sacrifício, providenciado pelo próprio Deus, que satisfaz a
justa ira de Deus pelos nossos pecados, e desvia essa ira de
sobre nós, apaziguando a Deus e nos reconciliando com ele
(4.10; Rm 3.25,26; IPe 2.24; 3.18).153
Cristo morreu na cruz para propiciar a Deus. John Stott
é categórico quando diz que Deus precisa ser propiciado,
uma vez que sua ira permanece sobre todo pecado e de
algum modo tem de ser afastada ou aplacada, se é que o
pecador há de ser perdoado.154
John Stott ainda refuta aqueles que rejeitam a doutrina
da propiciação, vinculando-a a toscas ideias pagãs do apla-
camento da ira caprichosa dos deuses por meio de dádivas
e sacrifícios. Ele ressalta que a ira de Deus não é arbitrária
nem caprichosa. Não tem semelhança com as paixões im­
previsíveis e com o espírito vingativo e pessoal das divinda­
des pagãs. Em vez disso, ela é seu determinado, controlado
e santo antagonismo a todo mal. Também a propiciação é
uma iniciativa inteiramente de Deus.155

É sempre bom enfatizar que não foi a cruz que produziu
o amor de Deus, mas o amor de Deus que produziu a cruz
(4.10). Não devemos imaginar nem que o Pai enviou seu
Filho para fazer alguma coisa que o Filho estava relutante
em fazer nem que o Filho era uma terceira parte que
interveio entre o pecador e um Deus relutante. O que João
atribui tanto ao Pai como ao Filho é amor, e não relutância.
Jesus não é apenas o propiciador, ele é a propiciação.
Como ele fez isso? Para defender-nos diante do tribunal de
Deus era necessário que a lei violada por nós fosse cumpri­
da e que a justiça de Deus ultrajada por nós fosse satisfeita.
Jesus veio como nosso fiador e substituto. Ele tomou sobre
si os nossos pecados. Ele sofreu o duro golpe da lei em nos­
so lugar. Ele levou sobre si a nossa culpa. Ele bebeu sozinho
o cálice da ira de Deus contra o pecado. Ele se fez pecado
por nós. Ele foi humilhado, cuspido, espancado, moído.
Ele morreu a nossa morte. A cruz é a justificação de Deus.
Pelo seu sacrifício, nossos pecados foram cancelados. Agora
estamos quites com a lei de Deus e com a justiça de Deus.
Agora estamos justificados. Jesus é a propiciação pelos nos­
sos pecados.
John Stott de forma oportuna alerta:
Cristo ainda é a propiciação, não porque em algum sentido ele
continue a oferecer o seu sacrifício, mas porque o seu sacrifício
único, uma vez oferecido, tem virtude eterna que é eficaz hoje nos
que creem. Assim, a provisão do Pai para o cristão que peca está
em seu Filho, que possui tríplice qualificação: seu caráter justo, sua
morte propiciatória e sua advocacia celestial. Cada uma depende
das outras. Ele não poderia ser nosso advogado no céu hoje, se não
tivesse morrido para ser a propiciação pelos nossos pecados; e a sua
propiciação não teria sido eficaz, se em sua vida e caráter não tivesse
sido Jesus Cristo, o Justo.156

Podemos sintetizar a explanação feita em três pontos
básicos:
Primeiro, a necessidade da propiciação. O fim principal
do homem é glorificar a Deus e ter comunhão com ele. O
problema supremo do homem, porém, é o pecado, pois
este separa o homem de Deus. Porém, mediante o sacrifício
de Cristo essa comunhão que foi quebrada pelo pecado é
restaurada.
William Barclay está certo quando diz que Jesus é a pes­
soa em virtude da qual são removidas tanto a culpa do pe­
cado passado como a contaminação do pecado presente.157
A necessidade da propiciação não se constitui nem da ira
de Deus, isoladamente, nem do pecado do homem, isola­
damente, mas de ambos juntos. O pecado é transgressão da
lei de Deus e rebelião contra Deus. O pecado provoca a ira
de Deus e precisa ser propiciado para sermos perdoados e
aceitos por Deus.
Segundo, a natureza da propiciação. Jesus Cristo é a
nossa propiciação (2.2; 4.10). E por meio do seu sangue que
somos purificados do pecado (1.7). Ele sofreu a morte que
era a recompensa justa dos nossos pecados. E a eficácia de
sua morte permanece, de sorte que hoje ele é a propiciação.
Terceiro, a origem da propiciação. A origem da propi­
ciação é o amor de Deus (4.10). Deus deu o seu Filho para
morrer pelos pecadores. Esse dom não foi apenas resultado
do amor de Deus (Jo 3.16), nem somente prova e penhor
dele (Rm 5.8; 8.32), mas a própria essência desse amor:
“Nisto consiste o amor [...] em que ele nos amou, e enviou
o seu Filho como propiciação pelos nossos pecados” (4.10).
Portanto, não pode haver a questão de homens apaziguan­
do com suas ofertas uma divindade irritada. A propiciação
cristã é completamente diferente, não só no caráter da ira

divina, mas no meio pelo qual é propiciada. É um apazi­
guamento da ira de Deus pelo amor de Deus, mediante a
dádiva de Deus.158
O alcance do sacrifício de Cristo. O apóstolo Joáo conclui:
“[...] e não somente pelos nossos próprios, mas ainda pe­
los do mundo inteiro” (2.2b). O que João está ensinando
certamente não é o universalismo. O sacrifício de Cristo
alcança todo mundo em extensão, no sentido de que ele
morreu para comprar para Deus os que procedem de toda
tribo, língua, povo e nação, mas não todo o indivíduo in­
distintamente de cada tribo, língua, povo e nação. E todo o
mundo sem acepção, mas não todo o mundo sem exceção.
Simon Kistemaker, nessa mesma linha de pensamento,
diz que a frase “o mundo inteiro” não está relacionada a
cada criatura feita por Deus. A palavra inteiro descreve o
mundo em sua totalidade, não necessariamente em sua
individualidade. O universalismo, a crença de que Deus
salvará a todos, é uma falácia. O próprio apóstolo João, em
outro contexto, distingue entre filhos de Deus e filhos do
diabo (3.1,10) e então conclui que “Cristo entregou sua
vida por nós” (3.16).159
Augustus Nicodemus lança luz sobre este assunto quan­
do escreve:
Essa declaração de Joáo parece contradizer outros textos bíblicos que
declaram que Cristo morreu com o propósito de pagar os pecados
somente do seu povo. Fica difícil entender que Joáo está ensinando
aqui (2.2) que Cristo pagou efetivamente os pecados de cada homem
e mulher que já existiram. Isto significaria três coisas: 1) que Cristo
sofreu e morreu em vão por milhares de pecadores que irão sofrer
eternamente no inferno; 2) que a pena paga por Cristo no lugar deles
náo foi válida, pois os perdidos pagarão outra vez essa pena, sofrendo
eternamente; 3) o sacrifício de Cristo apenas torna possível a toda

e qualquer pessoa salvar-se pela fé, mas não assegura a salvação de
ninguém.
Em outros escritos de João, porém, está claro que Jesus veio dar a sua
vida somente para os seus. Aqueles pelos quais Jesus sofreu e morreu
são chamados de “[...] minhas ovelhas” (Jo 10.11,15,26-30) e “[...]
meus amigos” (Jo 15.13); é por eles, e não pelo mundo, que Jesus
roga ao Pai (Jo 17.9-20). Esse conceito se percebe também em outras
partes do Novo Testamento: Jesus veio salvar “[...] o seu povo dos
pecados deles” (Mt 1.21); o que Deus comprou com o seu sangue
foi a sua igreja (At 20.28), pois Cristo amou a igreja e a si mesmo se
entregou por ela (Ef 5.25).160
Em segundo lugar, Jesus veio não apenas para cuidar das
nossas causas temporais, mas, sobretudo, das eternas. Jesus,
como nosso advogado, tem competência não apenas para
nos consolar, mas também autoridade para nos perdoar. Seu
sangue nos purifica de todo o pecado. Quando Jesus nos
absolve, ele é a última instância. Não cabe mais nenhum
recurso nem apelação no supremo pretório divino.
O apóstolo pergunta: “Quem intentará acusação contra
os eleitos de Deus? E Deus quem os justifica. Quem os
condenará? E Cristo Jesus quem morreu ou, antes, quem
ressuscitou, o qual está à direita de Deus e também intercede
por nós” (Rm 8.33,34).
Jesus é o advogado das causas perdidas. Ele nunca per­
deu uma causa. Ele nunca sofreu uma derrota. Não há pe­
cado que ele não possa perdoar. Não há casos indefensáveis
para ele. Para ele não há vidas irrecuperáveis. Jesus limpou
os leprosos, curou os cegos, levantou os coxos, ressuscitou
os mortos, perdoou as prostitutas e recebeu os publica-
nos e pecadores. Ele pode salvar totalmente aqueles que se

achegam a ele, vivendo sempre para interceder por eles
(Hb 7.25).
A mulher que foi apanhada em flagrante adultério e
lançada aos pés de Jesus, exposta ao vexame público pelos
escribas e fariseus, estava condenada pelo tribunal da lei,
pelo tribunal da religião e pelo tribunal da consciência. Mas
Jesus a absolveu, dizendo: “Nem eu tampouco te condeno,
vai e não peques mais” (Jo 8.11).
O endemoninhado gadareno já havia sido rejeitado pela
sociedade e enjeitado pela família. Vivia entre os sepulcros,
nu, furioso, insano, gritando de noite e de dia, ferindo-
se com pedras. Era um aborto vivo, um vivo morto, um
espectro humano, um pária da sociedade. Jesus não apenas
o libertou e o curou, mas também o salvou (Mc 5.1-20).
O ladrão na cruz estava condenado. Estava no apagar das
luzes de uma vida vivida no crime. Mas na undécima hora
arrependeu-se e pediu a Jesus que lembrasse dele quando
viesse no seu reino e Jesus o perdoou, dando-lhe garantia
imediata e graciosa de comunhão na bem-aventurança
eterna.
Em terceiro lugar, Jesus é o nosso advogado hoje; amanhã
será o nosso Juiz. Quem não o recebe agora como advogado,
enfrenta-lo-á inexoravelmente como o Juiz (At 17.30,31).
Todos os homens comparecerão perante o tribunal justo
de Deus: ricos e pobres, ateus e religiosos, doutores e anal­
fabetos (Mt 25.31-46; Ap 20.11-15). Não haverá revelia,
pois todos estarão lá. Não haverá réplica nem tréplica, mas
todos estarão calados, cobertos por um pesado silêncio.
Aqueles que recusaram confiar sua causa a Jesus, como
advogado, testemunhas se levantarão contra eles no tribunal.
A própria consciência os julgará. Os homens desesperados
vão clamar: “Montes, caí sobre nós...” (Ap 6.16). As suas

obras os condenarão, pois os livros serão abertos e eles serão
julgados segundo as suas obras (Ap 20.12). Suas palavras os
condenarão no juízo, pois eles darão contas no dia do juízo
por todas as palavras frívolas que proferiram. Suas omissões
e seus desejos secretos os denunciarão naquele grande dia
do juízo. A única maneira de entrarem pelos portais da
bem-aventurança eterna é terem a garantia de que Jesus é
o seu advogado.
No t a s d o c a p í t u l o 4
139 St o t t, John. /, II, III João: Introdução e comentário. 1982: p. 70.
140 Lo p e s, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 46.
141 Stott, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 69.
142 Rie n e c k e r, Fritz e Ro g er s, Cleon. Chave linguistica do Novo
Testamento grego. 1985: p. 584.
143 d e Bo o r, Werner. Cartas de João. Em Comentário Esperança. 2008:
p. 320.
144 Rie n e c k e r, Fritz e Ro g er s, Cleon. Chave linguística do Novo
Testamento grego. 1985: p. 584.
145 Rie n e c k e r, Fritz e Ro g er s, Cleon. Chave linguística do Novo
Testamento grego. 1985: p. 584.
146 Barclay, William. I, II, III Juany Judas. 1974: p. 47.
147 Lo p e s, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 47.

148 St o t t, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 70.
149 St o t t, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 70,71.
150 Lo p es, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 47.
151 St o t t, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 71.
152 Rie n e c k e r, Fritz e Ro g er s, Cleon. Chave linguística do Novo
Testamento grego. 1985: p. 584.
153 Lo p es, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 47.
134 St o t t, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 72.
155 St o t t, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 72.
156 St o t t, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 73.
157 Barclay, William. I, II, IIIJuan y Judas. 1974: p. 49.
158 St o t t, John. I, II, III João: Introdução e comentário. 1982: p. 77.
159 Kistem a k er, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 336.
160 Lo pes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 48.

Como conhecer um
cristão verdadeiro
(IJo 2.3-11)
N O CAPÍTULO I DE SUA EPISTOLA, O
apóstolo João identificou três marcas de
um falso cristão: ele tenta enganar os
outros, a si mesmo e a Deus. Agora, o
apóstolo passa a falar sobre as marcas do
cristão verdadeiro. Quais são os critérios
para avaliarmos se um indivíduo é ver­
dadeiramente salvo? Num universo tão
diversificado, de tantas igrejas com tão
variadas doutrinas e práticas, como po­
demos distinguir o verdadeiro do falso?
Como podemos saber que uma pessoa é
verdadeiramente convertida?
Como já destacamos nesta obra,
João enfatiza nessa missiva três provas
básicas para identificarmos um cris­
tão verdadeiro: a obediência (a prova

moral), o amor (a prova social) e a fé em Cristo (a prova
doutrinária).161
Nós só podemos conhecer um cristão verdadeiro
verificando sua vida com o modelo perfeito que é Jesus. O
cristão precisa andar como Cristo andou. Ele precisa amar
como Cristo amou. Ele precisa ter a vida que Cristo doou.
Augustus Nicodemus destaca com pertinência que isto
não significa a perfeição absoluta aqui neste mundo.162 E
bem conhecida a interpretação de Calvino a este respeito.
Para o reformador genebrino, João se refere aos que lutam
de acordo com a capacidade da fraqueza humana, para
formar sua vida na obediência a Deus.
No texto em tela, vamos nos concentrar em duas dessas
provas básicas: a obediência e o amor.
A obediência, a evidência do verdadeiro conhecimento de
Deus (2.3-6)
Conhecer a Deus e ter comunhão com ele é a própria
essência da vida eterna (Jo 17.3). Comunhão com Deus e
conhecimento de Deus são dois lados da mesma moeda.163
Em suas Confissões, Agostinho de Hipona diz: “Deus
nos criou para ele e nossa alma não encontrará repouso até
descansarmos nele”. William Barclay destaca as três formas
de conhecimento correntes no primeiro século.164
Os gregos pensavam que podiam conhecer a Deus simples­
mente por intermédio da razão. Os falsos mestres do gnos-
ticismo desprezavam os cristãos julgando-se superiores a
eles, uma vez que estes tinham fé, enquanto eles tinham
conhecimento. O gnosticismo defendia a supremacia do
conhecimento. Eles se consideravam superiores aos outros
homens. Eles viam a si mesmos como uma casta espiritual.
Para os gregos, o caminho para Deus era o intelecto.

O cristianismo deveria converter-se em uma satisfação
intelectual em vez de uma ação moral.165 Movidos por essa
cosmovisão, os grandes expoentes da cultura grega, como
Sócrates e Platão, não tinham uma vida moral ilibada. Eles,
por exemplo, tinham amantes e defendiam o homossexu­
alismo. O conhecimento estava separado da ética. Vemos,
ainda hoje, resquícios dessa visão equivocada. Há aqueles
que têm conhecimento, mas não têm vida. São ortodoxos
de cabeça, mas hereges de conduta.
Posteriormente os gregos falavam no conhecimento de Deus
por intermédio da emoção. Com o surgimento das religiões
de mistério, um grande destaque foi dado à questão
emocional e mística. As cerimônias e rituais eram regados
de emocionalismo. Criava-se uma atmosfera emocional, por
uma iluminação sutil, música sensual, incenso perfumado
e uma cativante liturgia.
A proposta não era conhecer a Deus, mas sentir Deus.
Isso criou uma religião narcotizante. As pessoas entravam
em transe. Tinham catarses. Eram arrebatadas emocional­
mente. Essa tendência está em alta ainda hoje. O evange-
licalismo brasileiro tem laivos fortes desse misticismo. As
pessoas não querem conhecimento, mas experiências; não
querem saber, querem sentir. Buscam não a verdade, mas
arrebatamentos emocionais.
O conhecimento de Deus por meio da própria revelação. A
visão judeu-cristã é que só podemos conhecer a Deus por­
que ele se revelou e se revelou de forma plena e final em seu
Filho Jesus Cristo. O conhecimento de Deus não é produto
da especulação humana nem de exóticas experiências emo­
cionais, mas da revelação do próprio Deus ao homem por
intermédio de Cristo. Logo que Pedro confessou a Jesus
como o Cristo, o Filho do Deus vivo, o Senhor lhe disse:

“Bem-aventurado és, Simão Barjonas, porque não foi carne
e sangue que to revelaram, mas meu Pai, que está nos céus”
(Mt 16.17).
Dito isto, vamos agora considerar os versículos 3 a 6 do
texto em apreço. O ponto nevrálgico é identificar o verda­
deiro conhecimento de Deus. Estariam os gnósticos e as re­
ligiões de mistério com a razão? Será que o conhecimento
de Deus nos é concedido por meio do intelecto ou das emo­
ções? Será que o verdadeiro conhecimento de Deus é fruto
do conhecimento esotérico e das experiências místicas?
João rechaça essas possibilidades, e levanta a bandeira
do verdadeiro conhecimento de Deus. A verdade incon­
troversa e irrefutável ensinada pelo apóstolo é que o
verdadeiro conhecimento de Deus nos vem pela revelação
e é evidenciado pela obediência.
Destacaremos quatro pontos para a nossa reflexão:
Em primeiro lugar, a obediência éaprova do conhecimento
de Deus (2.3). “Ora, sabemos que o temos conhecido por
isso: se guardamos os seus mandamentos.”
Harvey Blaney diz que para os gregos o conhecimento
da realidade máxima vinha por meio da contemplação ra­
cional; para os gnósticos, ela vinha como resultado de uma
experiência mística. Para João, o conhecimento máximo é
o conhecimento de Deus em Jesus Cristo.166
Conhecer nas Escrituras e especialmente em João
(2.3,4,13,14) não significa nunca um conhecimento in­
telectual, teórico, mas um conhecimento experimental do
coração.167 O que João está dizendo é que nenhum conhe­
cimento é verdadeiro se não for transformador.
John Stott tem razão quando diz que nenhuma experi­
ência religiosa é válida se não tiver consequências morais
(Tt 1.16).168

Náo conhecemos a Deus pelo tanto de informações
que temos na mente, mas pelo grau de obediência que
manifestamos na vida. As palavras de um homem devem
ser provadas por suas obras. Se a sua vida contradiz as suas
palavras, o seu conhecimento de Deus é falso. João não
pode conceber um verdadeiro conhecimento de Deus que
não resulte em obediência.
O conhecimento de Deus só pode ser provado pela
obediência a Deus, e só pode ser adquirido obedecendo a
Deus. Conhecer a Deus é experimentar o amor de Cristo e
devolver esse amor em obediência.169
Warren Wiersbe diz que a obediência pode ter três
motivações: obedecemos porque somos obrigados, porque
precisamos ou porque queremos. O escravo obedece porque
é obrigado. Do contrário, será castigado. O empregado
obedece porque precisa. Pode não gostar de seu trabalho,
mas certamente gosta de receber o salário no final do mês!
Precisa obedecer, pois tem uma família para alimentar e
vestir. Mas o cristão deve obedecer ao Pai celestial porque
quer — porque tem um relacionamento de amor com
Deus.170 Jesus disse: “Se me amais, guardareis os meus
mandamentos” (Jo 14.15).
Em segundo lugar, a inconsistência moral é a negação do
conhecimento de Deus (2.4). “Aquele que diz: Eu o conheço
e não guarda os seus mandamentos é mentiroso, e nele
não está a verdade.” O pior dos enganos é o autoengano.
Há aqueles que estão certos de que conhecem a Deus,
mas estão enganados, são mentirosos, porque sua vida
está plantada na areia movediça da inconsistência moral.
Alguém poderá dizer: “Eu sou cristão, eu estou no caminho
do céu, eu pertenço a Cristo”. Mas se não fizer o que Cristo
lhe manda, é mentiroso.

Simon Kistemaker diz que a pessoa que fala uma coisa e
faz exatamente o contrário é uma mentira ambulante.171 A
prova do conhecimento de Deus é a obediência moral. As
palavras de um homem devem ser provadas por suas obras.
Jesus Cristo acentua essa verdade no Sermão do Monte,
quando diz:
Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor! Porventura,
não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não
expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres?
Então, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de
mim, os que praticais a iniquidade (Mt 7.22,23).
Os falsos mestres gnósticos, em virtude de sua teologia
herética, bandearam para a imoralidade. Influenciados pelo
dualismo grego, acreditavam que a matéria era essencial­
mente má. Por conseguinte, desvalorizavam o corpo e não
acreditavam na sua santidade. Essa atitude os levou ora
para o ascetismo, ora para a libertinagem. O resultado dis­
so é que professavam conhecer a Deus, mas negavam esse
conhecimento pela vida desregrada que tinham. O conhe­
cimento de Deus que alegavam ter era falso.
Em terceiro lugar, a obediência à Palavra é a prova de
que Deus está em nós e nós nele (2.5). “Aquele, entretanto,
que guarda a sua palavra, nele, verdadeiramente, tem sido
aperfeiçoado o amor de Deus. Nisto sabemos que estamos
nele...” O amor de Deus por nós é aperfeiçoado na
obediência à Palavra. Nosso amor por Deus é demonstrado
pela observância dos mandamentos de Cristo (5.3; Jo
14.15,21,23).
Como podemos saber que estamos em Deus? João res­
ponde com uma sucessão de declarações: Quando estamos
nele (2.5), quando permanecemos nele (2.6) e quando

andamos assim como ele andou (2.6). Concordo com
John Stott quando diz que o verdadeiro amor a Deus se
expressa, náo em linguagem sentimental ou em experiên­
cia mística, mas na obediência moral. A prova do amor é
a lealdade.172
Em quarto lugar, a imitação de Cristo é a prova de que
pertencemos a ele (2.6). “Aquele que diz que permanece nele,
este deve também andar assim como ele andou.” Cristo náo
é apenas nosso mestre; é também nosso exemplo. Qualquer
pessoa que diga que é cristáo deve viver como Cristo viveu.
A traduçáo Phillips deixa isso claro: “A vida daquele
que professa viver em Deus deve produzir perfeitamente o
caráter de Cristo”. Náo basta conhecer seus mandamentos
e sua Palavra, precisamos também imitá-lo (2.6; 3.3).
Precisamos andar como ele andou. Como Cristo andou?
Ele andou regido pela humildade. Ele se esvaziou a si mes­
mo. Ele andou em total submissáo ao Pai. Ele se entregou
a si mesmo. Ele andou por toda a parte fazendo o bem
e curando os oprimidos do diabo. Ele andou em amor e
perdoou até mesmo os seus algozes. E assim que devemos
andar, uma vez que o conhecimento de Deus náo é apenas
intelectual ou emocional, mas sempre desembocará na obe­
diência moral.
Concordo com William Barclay quando escreve:
O cristianismo é a religião que oferece o maior privilégio e também a
maior obrigação. No cristianismo, o esforço intelectual e a experiência
emocional não são descuidados - longe disso - devem, contudo,
combinar-se para frutificar em ação moral.173
John Stott tem razáo quando diz: “Náo podemos pre­
tender permanecer nele, a menos que nos comportemos
como ele”.174

O amor, a evidência da verdadeira caminhada na luz
(2.7-11)
Se a obediência é a prova moral que identifica o verda­
deiro cristão, o amor é a prova social. João faz uma transi­
ção da prova moral para a prova social, da obediência aos
mandamentos para o amor ao próximo. Algumas verdades
preciosas são aqui destacadas:
Em primeiro lugar, o amor é um mandamento velho e
novo ao mesmo tempo (2.7,8). O apóstolo João escreve:
Amados, não vos escrevo mandamento novo, senão mandamento
antigo, o qual, desde o princípio, tivestes. Esse mandamento antigo é
a palavra que ouvistes. Todavia, vos escrevo novo mandamento, aquilo
que é verdadeiro nele e em vós, porque as trevas se vão dissipando, e
a verdadeira luz já brilha.
O amor fraternal era parte integrante da mensagem ori­
ginal que chegara aos cristãos. O apóstolo não está inven­
tando esta mensagem agora. Não era uma inovação como o
que os hereges pretendiam ensinar. Era tão antigo como o
próprio evangelho.175
João mostra que o novo surge a partir do antigo, quando
diz que o novo mandamento, na verdade, é antigo. O
mandamento de amar o próximo é antigo. Ele é da lei:
“Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19.18). Ele
faz parte do Antigo Testamento. Entretanto, é um novo
mandamento, porque Cristo o revestiu de um significado
mais rico e mais amplo (Jo 13.34,35).
Lloyd John Ogilvie diz que Jesus transformou esse
mandamento em novo mandamento no fato de que ele
realmente chamou as pessoas a vivê-lo. Sua vida toda o
encarnou. Esse mandamento se torna novo toda vez que
permitimos que seu prumo desafiador caia em nossos

relacionamentos. A vida cristã é um milhão de novos co­
meços instigados pelo desafio sempre novo de amar uns
aos outros como Cristo nos amou. E verdade que reorienta
em meio ao conflito. E nosso mandato quando lidamos
com pessoas difíceis e impossíveis. E na prática do amor de
alto preço que o mandamento se torna novo outra vez.176
Conquanto o cristianismo doutrinário seja sempre antigo,
o cristianismo experimental é sempre novo.177
João não está entrando em contradição. Na língua grega
há duas palavras para “novo”. A palavra neós é novo em
termos de tempo e kainós é novo em termos de qualidade.
A palavra usada por João aqui é kainós. O mandamento
para amar uns aos outros não é novo em termos de tempo,
mas o é em termos de qualidade.178
Simon Kistemaker esclarece esse ponto quando diz
que não há nenhuma contradição nas palavras de João,
considerando três aspectos: 1) Literal - A palavra novo em
grego sugere que o antigo deu à luz o novo. O antigo não
deixa de existir, mas continua com o novo. Observamos
um bom exemplo com respeito aos dois testamentos: o
Antigo Testamento preparou o caminho para o Novo
Testamento, mas não perdeu a sua validade quando o Novo
chegou. 2) Teológico - O conceito de próximo (Lv 19.18)
inclui tanto o israelita quanto o estrangeiro que vivia na
terra prometida com o povo de Deus (Lv 19.34). Na época
do Novo Testamento, porém, Jesus deu novo significado
ao mandamento de amar ao próximo, quando contou a
parábola do bom samaritano (Lc 10.25-37) e quando
disse aos ouvintes que o mandamento de amar o próximo
também era válido para os inimigos (Mt 5.43,44). Jesus
tornou-se conhecido como “[...] amigo de publicanos
e pecadores” (Mt 11.19). 3) Evidente - Se a comunhão

cristã é caracterizada por tal amor, então será reconhecida
como a comunhão dos seguidores de Cristo; terá a marca
inconfundível de seu amor.179
Podemos afirmar que o mandamento de amar o próximo
é novo em três aspectos:
O mandamento é novo em profundidade. O novo man­
damento de Cristo nos desafia a amar como ele nos amou.
Isso é mais do que amar o próximo como a si mesmo, uma
vez que Cristo nos amou e a si mesmo se entregou por nós.
O amor cristão não é sentimento, é ação. Não somos quem
dizemos ser, mas o que fazemos. Cristo deu sua vida por
nós e devemos dar a nossa vida pelos irmãos (3.16).
O mandamento é novo em extensão. Jesus redefiniu o sig­
nificado de “próximo”. O próximo que devemos amar é
qualquer pessoa que precise da nossa compaixão, indepen­
dentemente de raça ou posição. Devemos amar até mesmo
os nossos inimigos. Em Jesus o amor busca o pecador. Para
os rabinos judeus ortodoxos, o pecador era uma pessoa a
quem Deus queria destruir.
Os judeus desprezavam os pecadores, considerando-os
indignos do amor de Deus, e repudiavam os gentios, con­
siderando-os combustível do fogo do inferno. Porém Deus
amou o mundo. Deus provou seu amor por nós, sendo nós
ainda pecadores. Ele não amou por causa dos nossos méri­
tos, mas apesar dos nossos deméritos. Jesus amou aqueles
que o feriram e perdoou aqueles que o pregaram na cruz. O
nosso amor deve alcançar a todos sem fazer discriminação.
O nosso amor deve incluir a todos sem acepção. O nosso
amor deve abranger a todos sem exceção.
O mandamento é novo em experiência. Andar em amor
e andar na luz são a mesma coisa. Quando conhecemos a
Deus tornamo-nos filhos da luz. Na vida cristã as trevas vão

se dissipando, pois as trevas não podem prevalecer sobre a
luz. Na vida cristã a verdadeira luz, que é Cristo, já brilha.
Quando Jesus nasceu, o “[...] sol nascente das alturas”
visitou o mundo (Lc 1.78).
Seu nascimento foi o início de um novo dia para a
humanidade. “O povo que jazia em trevas viu grande luz, e
aos que viviam na região e sombra da morte resplandeceu­
-lhes a luz” (Mt 4.16). Jesus é o Sol da Justiça. A vida cristã
é viver em Cristo, é permanecer nele. Por isso, a vida do
justo “[...] é como a luz da aurora, que vai brilhando mais
e mais até ser dia perfeito” (Pv 4.18).
Lloyd John diz que o antigo mandamento se torna novo
todas as vezes que vemos a verdade de Cristo penetrar as
trevas do preconceito. Na luz, vemos as pessoas pelo que são
em sua necessidade. Ao se dissiparem as trevas, a realidade
do indivíduo fica exposta, e novamente somos desafiados
a praticar o amor. Para João, luz é igual a amor, e trevas
equivalem a ódio. A aurora já raiou em Jesus Cristo, e as
trevas já vão se dissipando.180
Os cristãos já foram libertados e desarraigados deste
mundo perverso (G1 1.4) e já começaram a saborear os
poderes da era por vir (Hb 6.5). John Sott conclui esse
pensamento quando diz que o novo mandamento continua
novo porque pertence à nova era já introduzida pelo brilho
da verdadeira luz.181
Em segundo lugar, o ódio não sobrevive na luz (2.9).
“Aquele que diz estar na luz e odeia a seu irmão, até agora,
está nas trevas.” O falso mestre ou o falso cristão afirma
que está na luz. Na verdade, ele é a mesma pessoa que já
afirmou estar em comunhão com Deus (1.6) e conhecer a
Deus (2.4). Ele deixa isso claro a qualquer um que lhe der
ouvido, mas seus atos não são coerentes com suas palavras;

sua afirmação não tem valor, pois sua conduta a contradiz;
sua profissão da luz se traduz numa vida de trevas e, na falta
de amor, ele experimenta o poder destruidor do ódio em
seus relacionamentos pessoais.182
Concordo com Lloyd John quando diz que a inimizade
é cancerosa.183 Ela gera a própria espécie. Ela se multiplica
desordenadamente. Ela adoece, deforma e mata.
Assim como o amor não pode habitar nas trevas, o ódio
não pode sobreviver na luz. John Stott está coberto de razão
quando diz que luz e amor, trevas e ódio se pertencem
mutuamente. O verdadeiro cristão, que conhece a Deus
e anda na luz, obedece a Deus e ama a seu irmão. Vê-se a
genuinidade da sua fé em sua correta relação com Deus e
com o homem.184
Quem odeia a seu irmão está nas trevas e não conhece
a Deus, pois Deus é luz (1.5) e Deus é amor (4.8). Simon
Kistemaker diz corretamente que odiar o irmão não é uma
questão trivial. João repete a ideia desse capítulo nos dois
capítulos seguintes, quando diz que “Todo aquele que odeia
a seu irmão é assassino” (3.15) e que “Se alguém disser:
Amo a Deus, e odiar a seu irmão, é mentiroso” (4.20).
Quem odeia a seu irmão desobedece aos mandamentos de
Deus, está longe da verdade e vive em trevas espirituais.185
Augustus Nicodemus diz que o ódio ao irmão é bastante
revelador: indica a falta do verdadeiro conhecimento de
Deus. Indica falta de conversão; aponta, portanto, para
o estado de perdição daquele que odeia.186 Mas em que
consistiria esse ódio? O mesmo escritor responde:
O ódio a que João se refere na carta é a falta de cuidado, provisão e
ajuda para com irmãos verdadeiramente necessitados. Por desprezar
o corpo, o gnosticismo não via como parte da verdadeira religião a
preocupação para com as necessidades físicas dos outros.187

João mostra com diáfana clareza que a vida cristã esta­
belece uma correta relação tanto com Deus quanto com o
homem. Deve existir coerência entre o dizer e o fazer. O
amor é ativo como a luz. No amor não existe penumbra
como meio-termo. Não há neutralidade nas relações pesso­
ais. Não podemos estar em comunhão com Deus e com as
relações quebradas com os nossos irmãos ao mesmo tempo.
Não podemos cantar hinos que falam do amor e ao mesmo
tempo guardarmos mágoa no coração.
William Barclay é enfático: “Um homem está caminhan­
do na luz do amor ou nas trevas da maldade”.188 Simon
Kistemaker ainda reforça esse pensamento quando diz:
“Para João não há crepúsculo. Só há luz ou trevas, amor ou
ódio. Onde não há amor, o ódio reina em meio à escuridão.
Onde, porém, prevalece o amor, ali há luz”.189
Em terceiro lugar, o amor não produz tropeço para si nem
para os outros (2.10). “Aquele que ama a seu irmão perma­
nece na luz, e nele não há nenhum tropeço.” A palavra gre­
ga skandalon, traduzida por “tropeço”, é metáfora bíblica
para uma pedra saliente que faz tropeçar o viajor.190 O uso
desta palavra mostra que a falta de amor produz escândalo
e causa tropeço.
Um crente que guarda ódio no coração encontra em
si mesmo tropeço para crescer espiritualmente e serve de
escândalo na comunidade onde vive. Ele causa problemas
em vez de ajudar a resolvê-los. Em vez de bênção,
transforma-se em maldição. Em vez de pacificador, ele é
perturbador. Em vez de apagar os focos de incêndio, ele
mesmo é um incendiário.
Lloyd John está correto quando escreve: “As trevas da
animosidade tornam o caminho traiçoeiro, mas a luz de
Cristo transforma as pedras de tropeço em calçada”.191

Warren Wiersbe narra a história de um homem que cer­
ta noite andava por uma rua escura quando viu um ponto
muito pequeno de luz vindo em sua direção com movi­
mentos hesitantes. Pensou que a pessoa carregando a luz
talvez estivesse doente ou bêbada, mas, ao se aproximar, viu
que o homem com a lanterna também segurava uma ben­
gala branca. Por que será que um homem cego está carregando
uma lanterna acesa?, o homem pensou e resolveu pergun
a ele. O cego sorriu e respondeu: “Eu carrego essa luz
para que eu veja, mas para que outros me vejam. Nãj
fazer coisa alguma a respeito da minha cegueira, <™a^wsso
fazer algo para não ser um tropeço”.192
Em quarto lugar, o ódio é um ver, ríoi qtiejjèsjrói aqueles
que dele se nutrem (2.11). “Aquele,^pOTem^qOe^odeia a seu
irmão está nas trevas, e anda nasf ©pis, e não sabe para
onde vai, porque as t :vasllie (c^ajram os olhos.”
Augustus Nicodemus x^tói^certadamente, que as tre­
vas a que João se refeg^sãoNí escuridão moral e espiritual,
característica dVpma^/de pecado e corrupção em que a
human ... .. . \ \. .Nèssa escuridão não brilha o verdadeiro
conhecimentô dé Deus, que é o Senhor Jesus. Os incrédu­
los esíao! G^òs, andando no escuro com relação às coisas
Çèsjiitirüàis e morais; dessa forma, estão perdidos, sem rumo
^Imkn neste mundo.193
> A Escritura diz: “O caminho dos perversos é como a
escuridão; nem sabem eles em que tropeçam' , 4.19).
O ódio afasta o homem de Deus e do próximo. Quem
guarda mágoa no coração não pode adorar a Deus, não pode
orar a Deus nem levar sua oferta ao altar de Deus. Quem
tem ódio no coração não pode ser perdoado por Deus.
Quem se alimenta de ódio adoece emocional, espiritual e
fisicamente. Quem se empanturra de mágoa é entregue aos

flageladores da alma, aos verdugos da consciência. Quem se
alimenta do absinto do ódio não tem paz, não tem alegria
nem liberdade. Quem odeia a seu irmão está nas trevas,
anda nas trevas e não sabe para onde vai. Quem odeia a seu
irmão está cego pelo príncipe das trevas. Quem odeia a seu
irmão é responsável pela própria ruína.
Quem odeia a seu irmão evidencia em sua vida três
amargas realidades:
Quem. odeia a seu irmão não tem a salvação de sua alma
(2.11a). “Aquele, porém, que odeia a seu irmão está nas tre­
vas...”. As trevas são o oposto da luz. O diabo é o príncipe
das trevas. O seu reino é o reino das trevas. Os súditos do
seu reino são filhos das trevas. Por conseguinte, quem odeia
a seu irmão ainda não é convertido, ainda não foi transpor­
tado do reino das trevas para o reino da luz.
Quem odeia a seu irmão não tem propósito na vida (2.11b).
“[...] e anda nas trevas...”. Quem anda nas trevas, anda sem
segurança. Quem anda nas trevas, anda sem projeto e sem
propósito. Quem anda nas trevas, não sai do lugar, não faz
progresso, não tem direção clara na jornada na vida. De
igual forma, quem odeia a seu irmão vive um arremedo de
vida, sem alegria, sem paz, sem liberdade, sem propósito e
sem crescimento espiritual.
Quem odeia a seu irmão não tem direção na caminhada
da vida (2.1 lc). “[...] e não sabe para onde vai...”. Aquele
que vive e anda nas trevas não tem direção segura na vida.
Aquele que anda nas trevas vive tateando, tropeçando e
caindo. Fazer uma viagem nas trevas é caminhar em direção
ao desastre.
João ergue sua voz para dizer que o ódio cega como as
trevas. O amor não é cego; o ódio, sim, cega! Uma pessoa
amargurada fica cega. Seu raciocínio obscurece. Perde-se o

equilíbrio. Perde-se o discernimento. Perde-se a direção.
Perde-se a bem-aventurança eterna.
No t a s d o c a p í t u l o 5
161 S to tt, Jolln _ I' jjt mJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 77.
162 Lo p e s, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 52.
163 Kistem a k er, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 339.
164 Barclay, William. I, II, III Juan y Judas. 1974: p. 51-53.
165 Barclay, William. I, II, III Juan y Judas. 1974: p. 51.
166 Blaney, Harvey. A primeira epístola de João. Em Comentário Bíblico
Beacon. Vol. 10. 2005: p. 301.
167 ScHROEDER, L. Bonnet y A. Comentário del Nuevo Testamento.
Tomo 4. 1982: p. 311.
iss St o t t, John. I, II, III João: Introdução e comentário. 1982: p. 78.
169 Barclay, William. I, II, III Juan y Judas. 1974: p. 52.
170 Wier sb e, Warren W . Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 621.
171 Kistem a k er, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 340.
172 St o t t, John. I, II, III João: Introdução e comentário. 1982: p. 79.
173 Barclay, William. I, II, III Juan y Judas. 1974: p. 53.
174 St o t t, John. I, II, III João: Introdução e comentário. 1982: p. 80.
175 St o t t, John. I, II, III João: Introdução e comentário. 1982: p. 80.
176 Og ilv ie, Lloydjohn. Quando Deus pensou em você. 1983: p. 26,27.
177 St o t t, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 81.

178 Wier sb e, Warren W. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 624.
179 Kistem aker, Simon. Tiago e cartas de João. 2006: p. 346,347.
180 Og ilv ie, Lloydjohn. Quando Deus pensou em você. 1983: p. 27,28.
181 St o t t, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 81.
182 K istem aker, Simon. Tiago e cartas de João. 2006: p. 349.
183 Og ilv ie, Lloydjohn. Quando Deus pensou em você. 1983: p. 29.
184 St o t t, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 82.
185 Kistem aker, Simon. Tiago e cartas de João. 2006: p. 350.
186 Lo pes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 57.
187 Lo pes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 57.
188 Barclay, William. I, II, III Juan y Judas. 1974: p. 57.
189 Kistem a k er, Simon. Tiago e cartas de João. 2006: p. 350.
190 Og ilv ie, Lloydjohn. Quando Deus pensou em você. 1983: p. 30.
191 Og ilv ie, Lloyd John. Quando Deus pensou em você. 1983: p. 30.
192 Wier sb e, Warren W. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 628.
193 Lo pes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 58.

Capítulo 6
Como podemos
ter garantia de
que somos cristãos
verdadeiros
(1Jo 2.12-17)
JoÁo a c a b a r a d e s u b m e t e r o s
crentes a dois dos três testes que identi­
ficam o cristáo verdadeiro: o teste moral
(a obediência) e o teste social (o amor).
Eles poderiam ficar desanimados ou
até em dúvida se eram de fato cristãos
ou mesmo se estavam salvos. Os falsos
mestres gnósticos encastelados em sua
presunção e soberba acusavam os cris­
tãos de não terem ainda alcançado as
alturas excelsas do conhecimento de
Deus. Eles, sim, se julgavam espirituais,
dotados de um conhecimento superior,
esotérico e místico. A tese de João é que
o conhecimento deles era falso. A vida
deles era imoral e a teologia deles era
herética.

O propósito do apóstolo ao escrever essa passagem é
encorajar os crentes, assegurando a eles o que são e o que
têm em Cristo Jesus, ao mesmo tempo em que mostra a
eles como deve ser o relacionamento deles com o mundo.
Augustus Nicodemus tem razão quando diz que João,
o sábio pastor de almas, tempera a exortação de sua men­
sagem com palavras de ânimo e conforto. Nesta passagem
(2.12-14), ele interrompe a apresentação dos testes e crité­
rios pelos quais se poderia reconhecer o verdadeiro cristia­
nismo para dar uma palavra de conforto e ânimo aos seus
leitores.194
Vamos destacar duas verdades preciosas nesta exposição:
uma palavra de encorajamento e uma palavra de advertência.
Uma palavra de encorajamento - O que temos em Cristo
(2.12-14)
O apóstolo João escreve assim:
Filhinhos, eu vos escrevo, porque os vossos pecados são perdoados,
por causa do seu nome. Pais, eu vos escrevo, porque conheceis aquele
que existe desde o princípio. Jovens, eu vos escrevo, porque tendes
vencido o Maligno. Filhinhos, eu vos escrevi, porque conheceis o
Pai. Pais, eu vos escrevi, porque conheceis aquele que existe desde
o princípio. Jovens, eu vos escrevi, porque sois fortes, e a Palavra de
Deus permanece em vós, e tendes vencido o Maligno (2.12-14).
Antes de examinarmos, à luz do texto, o que temos em
Cristo, precisamos resolver dois problemas. Primeiro, o
que João verdadeiramente quer dizer com as palavras “fi­
lhinhos”, “jovens” e “pais”? Segundo, por que João usou
nos versículos 12 e 13 o verbo “conhecer” no presente e
no versículo 14, o usou no pretérito perfeito, ou seja, no
passado?

Os estudiosos têm se debruçado sobre este assunto.
Alguns pensam que Paulo está falando de três faixas etárias
na igreja (crianças, jovens e velhos). Outros creem que
Paulo está falando sobre três estágios de desenvolvimento
espiritual na igreja (os recém-nascidos em Cristo, os jovens
e os amadurecidos na fé).195
Estas duas interpretações encontram algumas dificulda­
des. Primeiro, porque todas as verdades aqui descritas se
aplicam a todos os crentes de todas as idades e de todos
os estágios da vida cristã.196 Segundo, porque o termo “fi­
lhinhos” nunca é empregado nessa carta para descrever as
crianças nem mesmo os recém-convertidos, mas os crentes
em geral (2.1; 2.12,14,28; 3.7; 4.4; 5.21).197 Por conse­
guinte, somos da opinião de que não é propósito de João
fazer essas distinções no texto em apreço. Talvez ele até es­
teja destacando dois grupos: os jovens e os pais, ou seja,
aqueles que estão vivendo no fragor da luta espiritual e
aqueles que já são mais experimentados.
John Stott diz que entre os filhinhos e os pais estão os
jovens, ativamente envolvidos na batalha do viver cristão.
A vida cristã, pois, não é só gozar o perdão e a comunhão
de Deus, mas combater o inimigo. O perdão dos pecados
passados deve ser acompanhado pela libertação do poder
atual do pecado, a justificação pela santificação.198
João usa duas palavras gregas distintas e que foram
traduzidas da mesma forma nos versículos 12 e 14: a palavra
teknia, “filhinhos” (2.12), e a palavra paidia, “filhinhos”
(2.14). A palavra teknia salienta a associação natural
entre a criança e o seu pai, ao passo que paidia se refere à
menoridade da criança como alguém sob disciplina. Paidia
difere de teknia pela ênfase que dá à ideia de subordinação
e não à de parentesco.199 William Barclay diz que teknia se

refere a uma criança tenra em idade e paidia a uma criança
tenra em experiência.200
O outro problema que precisamos resolver é sobre o
tempo verbal usado por João. Por que ele usa nos versículos
12 e 13 o verbo “conhecer” no presente e o mesmo verbo
no passado no versículo 14? Alguns estudiosos creem que
João, a partir do versículo 14, está escrevendo uma nova
carta e então, referindo-se a uma carta anterior. Outros
creem que João deu uma pausa depois do versículo 13 e
está recomeçando sua missiva. Entendemos, porém, que
essas conjecturas não têm qualquer fundamentação. Essa
era uma maneira comum dos judeus escreverem.
John Stott diz que o aoristo usado no versículo 14 é o
aoristo epistolar e se refere à presente epístola. Assim não há
diferença entre os dois tempos verbais. Primeiro “escreve” e
depois confirma o que “escreveu”. Sua mensagem é segura
e firme; não muda de opinião; esse é seu “testemunho
completo e final”.201
Augustus Nicodemus, nessa mesma linha de pensamento,
escreve: “Como é quase certo que João não se refere a outra
carta que porventura haja escrito antes dessa aos moradores
da Ásia, cremos que o sentido é mesmo eu escrevo’ em
todas as ocorrências do verbo”.202
O propósito de João ao escrever para os crentes é dar-
lhes uma palavra de encorajamento. Eles não podem ficar
abalados com as acusações dos falsos mestres. Eles não
podem claudicar na vida espiritual, pensando que ainda
estão perdidos.
João fala sobre três preciosas bênçãos que os cristãos têm
em Cristo Jesus:
Em primeiro lugar, o cristão tem perdão em Cristo Jesus
(2.12). “Filhinhos, eu vos escrevo, porque os vossos pecados

são perdoados, por causa do seu nome”. Aqueles que creem
no Senhor Jesus já estão perdoados. Seus pecados já foram
cancelados. Eles já estão limpos.
Fritz Rienecker diz que o perfeito afeontai, “perdoado”,
indica que os pecados foram e permanecem perdoados.203
E isso não por causa de um conhecimento esotérico ou
experiências místicas, como ensinavam os falsos mestres,
mas por causa do nome de Cristo. Ou seja, por causa da obra
expiatória de Cristo na cruz. O perdão não é merecimento
nosso, é merecimento de Cristo. Não o alcançamos pelas
nossas obras, mas pela obra de Cristo na cruz. Não é um
troféu que merecemos, mas uma graça que não merecemos.
João diz que temos perdão pelo nome de Jesus.
Concordo com Augustus Nicodemus que João não está
atribuindo nenhum poder mágico ao nome de Jesus.204
Werner de Boor interpreta corretamente a expressão “pelo
nome de Jesus” quando escreve: “O nome contém toda
a natureza e obra daquele que o carrega. Assim somos
perdoados por causa de toda a obra de Jesus ao se encarnar,
sofrer, morrer e ressuscitar”.205
Em segundo lugar, o cristão tem o verdadeiro conhecimento
de Deus (2.13,14). “Pais, eu vos escrevo, porque conheceis
aquele que existe desde o princípio [...]. Filhinhos, eu vos
escrevi, porque conheceis o Pai. Pais, eu vos escrevi, porque
conheceis aquele que existe desde o princípio...”
Os falsos mestres pensavam que eram os detentores do
verdadeiro conhecimento de Deus. Ufanavam-se por causa
disso. Porém, João escreve aos crentes para mostrar-lhes que
o verdadeiro conhecimento de Deus não é um privilégio
dos gnósticos, mas dos crentes. Este conhecimento não é
teórico nem esotérico. Este conhecimento não é apenas
intelectual. Trata-se de um conhecimento experimental,

relacional, profundo. Não é conhecer a Deus apenas de
ouvir falar. E conhecê-lo por intermédio de um íntimo
relacionamento. O conhecimento de Deus é a própria
essência da vida eterna (Jo 17.3). O povo que conhece a
Deus é um povo forte e ativo (Dn 11.32).
Em terceiro lugar, o cristão tem a força vitoriosa contra
o Maligno (2.13,14). “[...] jovens, eu vos escrevo, porque
tendes vencido o Maligno [...]. Jovens, eu vos escrevi,
porque sois fortes, e a palavra de Deus permanece em vós,
e tendes vencido o Maligno”. Os jovens são fortes não
por causa de sua força física. Eles são fortes não por causa
de sua audácia. Eles são fortes porque a Palavra de Deus
permanece neles. Eles têm vencido o Maligno não fiados
em sua própria força, mas pelo poder da Palavra que neles
permanece.
E importante ressaltar que João fala que os jovens já
venceram o Maligno. João não apenas deseja que eles possam
vencê-lo. Não desafia a igreja para a luta e o engajamento,
para que talvez obtenha a vitória. Ele fala no pretérito:
“tendes vencido o Maligno”. Como isso aconteceu? Esses
“jovens” estão “em Cristo” e têm “comunhão com ele”.
Portanto, são partícipes da vitória que Jesus conquistou
sobre todos os poderes das trevas ao morrer na cruz. A
vitória dos crentes sobre o Maligno é um fato consumado.206
A vitória dos cristãos sobre o Maligno consiste em diversos
pontos: 1) eles não vivem mais na prática do pecado, que é
característica dos filhos do diabo (3.8); 2) eles não são mais
do Maligno, como Caim que odiava seu irmão e acabou
por matá-lo (3.12); 3) eles foram libertados do domínio e
do poder que o Maligno exerce sobre o mundo (5.19). Tal
vitória foi concedida mediante Jesus Cristo e não mediante
207
a gnose. '

Uma palavra de advertência - não devemos amar o
mundo (2.15-17)
O apóstolo João escreve:
Não ameis o mundo nem as coisas que há no mundo. Se alguém
amar o mundo, o amor do Pai não está nele; porque tudo que há no
mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a
soberba da vida, não procede do Pai, mas procede do mundo. Ora, o
mundo passa, bem como a sua concupiscência; aquele, porém, que
faz a vontade de Deus permanece eternamente (2.15-17).
O apóstolo João passa do encorajamento para a adver­
tência, faz uma transição do nosso relacionamento com
Deus para o nosso relacionamento com o mundo.
John Stott diz que João agora se volta de uma descrição
da igreja para uma descrição do mundo e instruções sobre
a atitude da igreja para com o mundo.208
Se a marca do verdadeiro crente é conhecer a Deus, ago­
ra João diz que outra marca é não amar o mundo. Esse
é o amor que Deus odeia. Warren Wiersbe ilustra essa
verdade de forma bem simples. Um grupo de crianças da
primeira série foi conhecer um grande hospital. Depois de
falar sobre os cuidados e a higiene no hospital e percorrer
os corredores, ao final do tour pelo hospital, a enfermeira
perguntou se alguém tinha alguma pergunta. Uma criança
levantou a mão e perguntou: “Por que as pessoas que tra­
balham aqui estão sempre lavando as mãos?” A enfermeira
sorriu e respondeu: “As pessoas que trabalham no hospital
estão sempre lavando as mãos por duas razões: Primeira,
porque elas amam a saúde; e segunda, porque elas odeiam
os micróbios”.209
Muitas vezes, o amor e o ódio caminham lado a lado: “Vos
que amais o Senhor, detestai o mal” (SI 97.10). O apóstolo

Paulo escreve: “O amor seja sem hipocrisia. Detestai o mal,
apegando-vos ao bem” (Rm 12.9). A mesma Bíblia que nos
ensina a amar a Deus e ao próximo (4.20,21) também nos
ensina a não amar o mundo (2.15).
Há três motivos eloquentes pelos quais não devemos
amar o mundo:
Em primeiro lugar, por causa da incompatibilidade entre
o amor do mundo e o amor do Pai (2.15). “Não ameis o
mundo nem as coisas que há no mundo. Se alguém amar
o mundo, o amor do Pai não está nele.” De que tipo de
mundo João está falando? Há três significados diferentes
no Novo Testamento para a palavra “mundo”: 1) o mundo
físico, o universo - “Deus que fez o mundo e tudo o que nele
existe” (At 17.24); 2) o mundo humano, a humanidade -
“Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu
Filho unigénito para que todo o que nele crer não pereça,
mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16); 3) o mundo sistema,
inimigo de Deus - “Não ameis o mundo nem as coisas que
há no mundo...” (2.15).210
E desse terceiro tipo de “mundo” que João está falando.
Devemos amar o mundo como sinônimo de natureza e o
mundo como sinônimo de pessoas; porém, o mundo como
sinônimo de sistema, esse não podemos amar. O cristão
deve amar a Deus (2.5) e a seu irmão (2.10), mas não deve
amar o mundo (2.15).
O que significa este mundo sistema? William Barclay
define kosmos, “mundo”, como a sociedade pagã com
seus falsos valores, sua falsa maneira de viver e seus falsos
deuses.211 O mundo é o sistema de Satanás que se opõe à
obra de Cristo na terra. Esse sistema se opõe a tudo o que é
piedoso (2.16). João diz: “O mundo inteiro jaz no Maligno”
(5.19). Jesus chamou o diabo de príncipe deste mundo (Jo

12.31). O diabo tem uma organização de espíritos maus
trabalhando com ele e influenciando as coisas deste mundo
(Ef 2.11,12).
Lloyd John Ogilvie diz que a palavra grega kosmos,
“mundo”, tem aqui uma inferência moral profunda. Impli­
ca a vida à parte de Deus. O mundo é qualquer pessoa, re­
lacionamento, estrutura social, circunstâncias ou situações
que não foram redimidos pela graça de Deus. O mundo é
a sociedade independente de Deus, governo sem a linha do
prumo de Deus, sistemas econômicos que não têm a sobe­
rania de Deus, indústrias e corporações sem interesse pelas
pessoas ou pelos propósitos divinos.212
As pessoas não salvas pertencem a esse sistema do mundo.
Elas são filhas do mundo (Lc 16.8). Este mundo não
conheceu a Cristo nem conhece a nós (3.1). Esse sistema
odiou a Cristo e odeia a igreja (Jo 15.18). Este sistema do
mundo não é o habitat natural do crente.
Nossa cidadania está no céu (Fp 3.20). Estamos no
mundo, mas não somos do mundo (Jo 15.15). Estamos no
mundo, mas o mundo não deve estar em nós, assim como
a canoa está na água, mas a água não deve estar nela. Há
um processo na mundanização do homem: primeiro, ele
se torna amigo do mundo (Tg 4.4). Segundo, ele ama o
mundo (2.15). Terceiro, ele se contamina com o mundo
(Tg 1.27). Quarto, ele se conforma com o mundo (Rm
12.2). Quinto, ele é condenado com o mundo (1 Co 11.32).
As Escrituras nos ensinam a não amar o mundo (2.15),
a não sermos amigos do mundo (Tg 4.4) nem a nos
conformarmos com o mundo (Rm 12.2).
Da mesma maneira que não nos conformamos com a
poluição do meio ambiente, com a contaminação dos rios,
com as chaminés das indústrias poluidoras, com as toneladas

de dióxido de carbono despejados pelos milhões de carros
que circulam em nossas cidades, devemos também protestar
contra a poluição moral do sistema do mundo: o crime orga­
nizado, o tráfico de drogas, a prostituição institucionalizada,
a corrupção galopante, a impunidade criminosa.
Mais do que isso, o mundo não é tanto uma questão
de atividade, mas de atitude interior. E possível ter uma
vida externa irretocável e um coração cheio de podridão. E
possível que um fariseu legalista não passe de um sepulcro
caiado. E possível nunca ir com uma mulher para a cama
do adultério e ainda assim desejá-la no coração. E possível
nunca assassinar alguém e ainda assim odiar esse alguém.
E possível nunca ser rico e ainda assim, cobiçar a riqueza.
O amor ao mundo compromete o nosso amor a Deus,
o Pai. A razão pela qual somos intimados a não amar o
mundo é que o amor pelo Pai e o amor pelo mundo são
mutuamente exclusivos. Concordo com Werner de Boor
quando diz que é essencialmente impossível amar a Deus
e ao mundo ao mesmo tempo.213 E impossível haver
um vazio na alma. Neste assunto não cabe neutralidade:
amamos a Deus ou amamos o mundo. Jesus Cristo mesmo
disse: “Ninguém pode servir a dois senhores” (Mt 6.24).
Em segundo lugar, por causa dos resultados opostos entre
o amor do mundo e o amor do Pai (2.16). “Porque tudo que
há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência
dos olhos e a soberba da vida, não procede do Pai, mas
procede do mundo.”
O sistema do mundo usa três armadilhas para derrubar
o cristão: a concupiscência da carne, a concupiscência dos
olhos e a soberba da vida. De acordo com Simon Kistemaker,
as duas primeiras categorias (concupiscência da carne e dos
olhos) se referem a desejos pecaminosos; a última (soberba)

é um comportamento pecaminoso. As duas primeiras são
pecados internos e ocultos; a última é um pecado externo
e revelado. As primeiras dizem respeito à pessoa como
indivíduo; a última, à pessoa em relação àqueles que estão
ao seu redor.214 Vamos analisar mais detidamente essas três
armadilhas.
A concupiscência da carne (2.16). A carne fala daquelas
tentações que nos atacam de dentro para fora. São desejos
sórdidos. E o apelo para se viver o prazer imediato. E en­
deusar os prazeres puramente físicos e carnais. E viver sob
o império dos sentidos.
Segundo Lloyd John Ogilvie, a concupiscência da carne
simboliza a vida dominada pelos desejos, com pouco
respeito por nós mesmos e por outras pessoas, a ponto de
usá-las como coisas.215
A carne é a nossa natureza caída. São os impulsos e os
desejos que gritam para ser satisfeitos. Estes desejos estão
dentro do nosso coração. Segundo Augustus Nicodemus,
“a carne” se refere aos desejos impuros, que incluem todos
os pensamentos, palavras e ações não castos: fornicação,
adultério, estupro, incesto, sodomia e demais desejos não
naturais, quer à intemperança no comer e no beber, motins,
arruaças e farras, bem como todos os prazeres sensuais da
vida, que gratificam a mente carnal e pelos quais a alma é
destruída e o corpo, desonrado.216
A tese de João prova que o homem não é apenas o
produto do meio, como pensava John Locke. Também o
homem não é bom, como ensinava Jean Jacques Rousseau.
Jesus diz que é do coração do homem que os maus desígnios
procedem.
As pessoas que tentaram fugir do pecado, trancando-se
em mosteiros, na Idade Média, não conseguiram resolver o

problema da concupiscência da carne. O pecado não está
apenas do lado de fora, mas está, sobretudo, do lado de
dentro, em nosso coração. O sistema do mundo é a vitrina
que busca satisfazer os desejos da carne.
Concordo com Werner de Boor quando diz que a “car­
ne” é a condição natural egoísta, que nasce em cada nova
criança. Essa nossa natureza egocêntrica é, desde a infância,
um feixe de “desejos”: eu quero... eu gostaria... eu exijo.217
Uma coisa boa em si mesma pode ser pervertida quando
ela nos controla: comer não é um mal, mas a glutonaria
sim. Beber não é um mal, mas a bebedice sim. O sexo não
é um mal, mas a imoralidade sim. O sono não é um mal,
mas a preguiça sim.
A concupiscência dos olhos (2.16). A concupiscência dos
olhos são as tentações que nos atacam de fora para dentro.
A concupiscência dos olhos é a tendência a deixar-se cativar
pela exibição externa das coisas, sem investigar os seus
valores reais. A concupiscência dos olhos inclui o amor pela
beleza separado do amor pela bondade.218
William Barclay diz que a concupiscência dos olhos é o
espírito que não pode ver nada sem desejá-lo. E o espírito
que crê que a felicidade se encontra nas coisas que pode
comprar com dinheiro e desfrutar com os olhos.219
Lloyd John Ogilvie diz que a concupiscência dos olhos
é a ostentação do espetáculo externo em nossa feira da
vaidade. E a incapacidade de alguém ver algo sem desejá-lo
para si mesmo como um símbolo de segurança. Mais, mais,
mais! O ponto é que tentamos encher com coisas, pessoas e
atividades o vazio que somente Deus pode preencher.220
Os olhos são a lâmpada do corpo e as janelas da alma.
Por eles entram os desejos. Eva caiu porque viu o fruto
proibido. Ló viu as campinas do Jordão e foi armando

suas tendas para as bandas de Sodoma. Siquém viu Diná
e a seduziu. A mulher de Potifar viu José e tentou dei­
tar-se com ele. Acá viu a capa babilónica e arruinou-se.
Davi viu Bate-Seba e adulterou com ela e a espada não
se apartou da sua casa. Cuidado com os seus olhos. Se
eles o fazem tropeçar, arranque-os, porque é melhor você
entrar no céu caolho do que todo o seu corpo ser lançado
no inferno.
A soberba da vida (2.16). A palavra grega que descreve
soberba é alazoneia. Essa palavra só aparece novamente em
Tiago 4.16. O soberbo é o alazon. O alazon é um fanfarrão.
Na antiguidade, essa palavra era usada para descrever os
charlatães que faziam propaganda de produtos falsos.
Aristóteles usou alazon para definir o homem que atri­
bui a si mesmo qualidades dignas de louvor que realmente
não tem. Teofrasto usou o termo alazon para descrever o
indivíduo que frequenta os mercados e fala com os foras­
teiros acerca da frota de barcos que não tem, e de grandes
negócios, quando seu saldo no banco é precisamente ir­
risório. Gaba-se de cartas que diz que os grandes gover­
nantes lhe escrevem solicitando ajuda e conselho. Alardeia
a grande mansão em que vive, quando na verdade vive
numa pousada. Trata-se daquela atitude de querer impres­
sionar todos com a sua inexistente importância.221
Lloyd John diz que a soberba é como um narcótico. E
um falso moderador de humor, que estimula nossa autoi-
magem e um sedativo que anestesia uma aceitação honesta
de nosso verdadeiro eu. A soberba produz uma alucinação
ilusória em nós mesmos.222
A alazoneia, jactância ou soberba é a vanglória com coi­
sas externas como riqueza, posição social, inteligência, po­
der, beleza, joias, carros, vestuário. E ostentação pretensiosa.

É gostar dos holofotes. É o desejo de brilhar ou de ofuscar
os outros com uma vida luxuriosa.223
Há muitas pessoas que sacrificam a própria integridade
para ostentar poder, posses e honras. Eu visito todas as
semanas as livrarias. Gosto de ver as novas publicações.
Chama-me a atenção o número colossal de revistas que
discorrem sobre essas frivolidades mundanas.
Enfim, o alazon é a pessoa que se jacta do que tem,
quando nada possui. E aquele que faz propaganda enganosa
de si mesmo, de suas obras e de suas posses. William Barclay
diz que alazon é um interminável jactar-se acerca de coisas
que não se possui, e que a vida desse tipo de pessoa é um
esforço para impressionar a todos os que encontra com a
própria fictícia importância.224
Em terceiro lugar, por causa da transitoriedade do mundo
contrastado com a eternidade daquele que faz a vontade
do Pai (2.17). “Ora, o mundo passa, bem como a sua
concupiscência; aquele, porém, que faz a vontade de Deus
permanece para sempre.”
O apóstolo João contrasta dois estilos de vida: aqueles
que vivem apenas para o aqui e agora e aqueles que vivem
na perspectiva da eternidade. Não somente a efemeridade
do mundo é contrastada com a eternidade de Deus, mas,
também, aqueles que fazem a vontade de Deus e permane­
cem para sempre são contrastados com aqueles que vivem
no fluxo da transitoriedade e frivolidade.225
Não devemos amar o mundo por duas sobejas razões:
primeira, por causa de sua transitoriedade; segunda, por
causa da permanência daqueles que fazem a vontade de
Deus. Vamos destacar esses dois pontos:
A transitoriedade do mundo (2.17). João está dizendo
que não devemos amar o mundo, porque chegou a nova

era e a era presente está condenada. O mundo e as suas
trevas estão se dissipando (2.8) e os homens na sua con­
cupiscência mundana passarão com ele. O mundo não é
permanente. Um dia este sistema passará. Seus prazeres e
encantos passarão. A grande meretriz, a grande Babilônia,
o sistema deste mundo corrompido e mau, com seus en­
cantos, cairá e entrará em colapso. O mundo não perma­
necerá para sempre.
Um cristão maduro considera-se estrangeiro e peregrino
sobre a terra (Hb 11.13). Ele não tem cidade permanente
aqui, mas procura a cidade que está por vir (Hb 13.14).
Não podemos nos sentir em casa aqui neste mundo. Nossa
pátria está no céu (Fp 3.20). Jesus disse que não somos do
mundo, embora estejamos no mundo. Lloyd John Ogilvie
diz corretamente que o cristianismo não é uma virtude
enclausurada que deve ser vivida em separação monástica.226
Quem passa atentamente pela vida vê em todos os
lugares o “passar” do mundo. As coisas que cobiçamos não
preenchem o vazio do nosso coração. Quando colocamos
as mãos em alguma coisa, já começamos a desejar outra.
Concordo com Werner de Boor, quando expõe que de
forma alguma o desejo saciado é silenciado, mas fica seden­
to de novas conquistas. Nossa vida torna-se inquieta e in­
satisfeita enquanto estivermos sujeitos ao mundo e às suas
cobiças. Finalmente, ao morrermos, somos privados de
tudo o que tínhamos no mundo. Na morte, todo o mundo
é aniquilado para nós.227
Quando John Rockeífeler, o primeiro bilionário do
mundo, morreu, perguntaram para o seu contador no
cemitério: “Quanto o Dr. John RockefFeler deixou?” Ele
respondeu de pronto: “Ele deixou tudo; ele não levou ne­
nhum centavo”.

João está contrastando dois tipos de vida: a vida vivida
para a eternidade e a vida vivida para o tempo. Uma pessoa
mundana vive para os prazeres da carne, mas um cristão
vive para as alegrias do Espírito. Uma pessoa mundana vive
para as coisas que pode ver, segundo o desejo dos olhos, mas
um cristão vive para as realidades invisíveis de Deus (2Co
4.16-18). O homem, portanto, que se apega aos caminhos
mundanos está entregando sua vida ao que, literalmente,
não tem futuro. O homem do mundo está condenado ao
desengano e à desilusão.228
Em 1793, durante a revolução ateísta da Revolução
Francesa, a atriz Maillard desfilou garbosamente num carro
alegórico representando a deusa razão. Quinze anos depois,
o Dr. Restorini atende uma mulher acabada, num sótão
sujo, à beira da morte. O médico pergunta à mulher mo­
ribunda: “Quem é você?” Ela responde: “Eu sou a deusa
razão”.
A permanência eterna daqueles que fazem a vontade de
Deus (2.17). Mesmo depois que este mundo acabar, com
sua refinada cultura, suas vaidosas filosofias, seu egocên­
trico intelectualismo, seu impiedoso materialismo. Mesmo
depois que tudo isso for esquecido e este mundo tiver dado
lugar aos novos céus e à nova terra, os fiéis servos de Deus
permanecerão para sempre, refletindo a glória de Deus por
toda a eternidade.
E conhecida a famosa expressão do missionário Jim
Elliot: “Não é tolo aquele que dá o que não pode reter para
ganhar o que não pode perder”.
A vontade de Deus não é alguma coisa que devemos
consultar esporadicamente, como uma enciclopédia, mas é
algo que deve controlar nossa vida. A vontade de Deus não é
como um restaurante self-service em que você apanha o que

gosta e deixa o que não gosta.229 Precisamos experimentar
toda a boa, perfeita e agradável vontade de Deus para a
nossa vida.
O apóstolo Joáo diz que náo devemos amar o mundo,
porque o mundo passa. O investimento no mundo é um
péssimo negócio. Ary Velloso conta a história narrada por
Joseph Aldrich em seu livro Satisfaction.230 Suponhamos
que você tivesse chegado ao topo, com alguns dos mais
bem-sucedidos empresários do mundo, que se reuniram no
Edgewater Beach Hotel, de Chicago, em 1923.
A guisa de ilustração imagine-se como um deles, mas
invisível, participando dessa reuniáo histórica. Você está ao
lado de gigantes do mundo dos negócios. Olhando à sua
volta, você vê, naquele elegante saláo, o presidente de uma
grande companhia de aço, o presidente do National City
Bank, o presidente de uma grande companhia de aparelhos
elétricos, o presidente de uma companhia de gás, o presi­
dente da New York Stock Exchange, um grande especula­
dor de trigo, um membro do gabinete do presidente dos
Estados Unidos, o diretor do maior monopólio do mundo,
o presidente do Bank of International Settlement e você.
A conversa casual gira em torno de iates, férias exóticas,
casas, propriedades, clubes a que pertencem e assombrosas
transações financeiras. Esses homens acharam a mina! Sáo
donos do mundo. Eles náo precisam procurar coisa alguma.
Têm tudo e muito mais. Mas o que aconteceu com esses
homens que chegaram ao ponto máximo de suas carreiras?
Vinte e cinco anos mais tarde, o que aconteceu a estas
personalidades? O presidente da grande companhia de
aparelhos elétricos morreu como fugitivo da justiça, sem
dinheiro e em terra estrangeira. O presidente da companhia
de gás ficou completamente louco. O presidente do New

York Stock Exchange foi solto da penitenciária de Sing-
-Sing. O membro do gabinete do presidente dos Estados
Unidos teve sua pena comutada para que pudesse morrer
em casa. O grande especulador de trigo, falido, morreu no
estrangeiro. O líder da Wall Street suicidou-se. O diretor
do maior monopólio morreu, também cometendo suicídio.
O presidente do Bank of International Settlement teve
o mesmo fim, suicidou-se. O Senhor Jesus é enfático em
sua pergunta: “O que adianta ao homem ganhar o mundo
inteiro e perder a sua alma?”
No t a s d o c a p í t u l o 6 _______________________
194 Lopes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 62.
195 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 83.
196 B arclay, William. I, II, III Juany Judas. 1974: p. 62.
197 d e B o o r, Werner. Cartas de João. Em Comentário Esperança. 2008:
p. 331.
198 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 84,85.
199 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 84.
200 B arclay, William. I, II, III Juany Judas. 1974: p. 62.
201 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 83.
202 Lopes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 63.

203 Rie n e c k e r, Fritz e Ro g er s, Cleon. Chave linguística do Novo
Testamento grego. 1985: p. 585.
204 Lo pes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005 p. 63.
205 d e Bo o r, Werner. Cartas de João. Em Comentário Esperança. 2008:
p. 331.
206 d e Bo o r, Werner. Cartas de João. Em Comentário Esperança. 2008:
p. 332.
207 Lo pes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 64.
208 St o t t, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 85.
209 Wier sb e, Warren W. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 631.
210 Wier sb e, Warren W. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 631.
211 Barclay, William. I, II, III Juan y Judas. 1974: p. 67.
212 Og ilv ie, Lloydjohn. Quando Deus pensou em você. 1983: p. 39.
213 d e Bo o r, Werner. Cartas de João. 2008: p. 333.
214 Kistem aker, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 361.
215 Og ilv ie, Lloyd John. Quando Deus pensou em você. 1983: p. 40.
216 Lo p es, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 69.
217 d e Bo o r, Werner. Cartas de João. Em Comentário Esperança. 2008:
p. 334.
218 sTOTTj John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 86,87.
219 Barclay, William. I, II, III Juan y Judas. 1974: p. 68.
220 Og ilv ie, Lloydjohn. Quando Deus pensou em você. 1983: p. 41.
221 Barclay, William. Palabras griegas del Nuevo Testamento. Casa
Bautista de Publicaciones. Buenos Aires. 1977: p. 37,38.
222 Og ilv ie, Lloyd John. Quando Deus pensou em você. 1983: p. 41.
223 Stott, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 87.
224 Barclay, William. I, II, III Juan y Judas. 1974: p. 69.
225 Lo pes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 70.
226 Og ilv ie, Lloyd John. Quando Deus pensou em você. 1983: p. 37.
227 d e Bo o r, Werner. Cartas de João. Em Comentário Esperança. 2008:
p. 335.
228 Barclay, William. /, II, III Juan y Judas. 1974: p. 69.
229 Wier sb e, Warren W. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6, 2006:
p. 637.
230 Vello so, Ary. Ehora de investir. Editora Modelo. Campinas, SP.
2009: p. 10-12.

Quando a heresia
ataca a igreja
(IJo 2.18-29)
O a p ó s t o l o JoÃo e s t á fa z e n d o
nesta carta uma distinção entre o verda­
deiro crente e o falso crente. Para isto,
ele criou três provas: a) a prova moral
(2.6); b) a prova social (2.10) e c) a pro­
va doutrinária (2.23).
A heresia tem solapado as igrejas
hoje. Muitas pessoas dizem que não
importa o que você crê, o importante
é ser sincero. Mas é a sinceridade um
ingrediente mágico que transforma o
falso em verdadeiro? Se isso pode ser
aplicado no campo religioso, deveria
também ser válido em outras áreas da
vida.
Warren Wiersbe cita duas possibili­
dades:231

Primeira, uma enfermeira, num hospital, dá um remédio
para um paciente e logo ele começa a passar mal. A
enfermeira é sincera, mas deu o remédio errado e o paciente
quase morre.
Segunda, um homem escuta um barulho dentro de casa
durante a noite e, certo de que é um ladráo, levanta-se, pega
a sua arma e atira “no ladráo”, que na verdade era sua filha!
Sem sono, a menina havia se levantado para fazer um lan­
che e acabou tornando-se vítima da “sinceridade” do pai.
E preciso muito mais do que “sinceridade” para que algo
seja verdadeiro. A fé em uma mentira sempre traz conse­
quências desastrosas. O apóstolo Joáo já havia advertido a
igreja sobre o conflito entre luz e trevas (1.5-2.6) e entre
amor e ódio (2.7-17). Agora, Joáo os adverte sobre o ter­
ceiro conflito: o conflito entre a verdade e a mentira (2.18­
29). Náo é suficiente ao cristáo andar na luz e no amor, ele
deve também andar na verdade.232
John Stott, expondo o texto em apreço, diz que Joáo
primeiro traça uma clara distinçáo entre os hereges e os
cristáos genuínos (2.18-21); depois define a natureza e o
efeito da heresia (2.22,23); e, finalmente, descreve as duas
salvaguardas contra a heresia (2.24-29).233 Vamos seguir
por essa mesma trilha.
A distinção entre os hereges e os cristãos genuínos
(2.18-21)
O apóstolo Joáo destaca quatro pontos importantes
aqui:
Em primeiro lugar, já estamos vivendo a última hora
(2.18). “Filhinhos, já é a última hora; e, como ouvistes que
vem o anticristo, também, agora, muitos anticristos têm
surgido; pelo que conhecemos que é a última hora.” Apesar

de a frase “a última hora” aparecer apenas aqui em todo o
Novo Testamento, ela parece equivalente às expressões “os
últimos dias” ou “os últimos tempos”.234
Joáo é enfático em afirmar que vivemos a última hora.
A era por vir já tinha vindo. O futuro já tinha chegado.
Estamos vivendo a escatologia antecipada. Vivemos sob a
tensão entre o já e o ainda não. Uma nova realidade já foi
implantada.
O mundo e as trevas já estavam passando (2.8; 2.17).
Desde a morte e ressurreição de Cristo, Deus está fazendo
coisa nova neste mundo. O tempo do fim chegou com
Cristo. A era messiânica já foi inaugurada com Cristo. O
tempo do fim, a última hora, é o tempo que vai da primeira
à segunda vinda de Cristo.
Augustus Nicodemus diz: “De acordo com o Novo
Testamento, a última hora deste mundo perdido já soou
com a ressurreição de Cristo e terminará com seu regresso
em glória”.235 Aquele que está além e acima do tempo não
trabalha no tempo humano. Para ele, mil anos são como
um dia.
Concordo com Warren Wiersbe quando diz que “a últi­
ma hora” descreve um tipo de tempo, e não uma duração
de tempo.236 John Stott tem razão quando diz que João es­
tava expressando uma verdade teológica, e não fazendo uma
referência cronológica.237 Os últimos tempos são descritos
em 1 Timóteo 4. O apóstolo Paulo, assim como o apóstolo
João, observou características do seu tempo e nós vemos as
mesmas características hoje em intensidade ainda maior.
Estamos vivendo sempre nos últimos dias. Ainda é “a
última hora”, a hora da oposição final a Cristo. Embora
possa haver ainda um tempo especial de tribulação antes do
desenlace, toda a era cristã consiste da “grande tribulação”,

pela qual todos os remidos têm de passar. Ainda esperamos
o fim.
Em segundo lugar, o espírito do anticristo já está operando
no mundo (2.18). A palavra anticristo só aparece nas epístolas
de João (ljo 2.18,22; 4.3; 2Jo 7), mas o conceito se acha
em outros lugares. O profeta Daniel o descreveu como o
pequeno chifre (Dn 7.8,11,20-26) e o príncipe que há de
vir (Dn 9.26), cuja característica principal é a guerra contra
o povo de Deus e o desejo de ocupar o lugar de Deus.
O Senhor Jesus expandiu a nossa compreensão deste
assunto no sermão escatológico: antes do anticristo surgirão
anticristos, falsos mestres apresentando-se em nome de
Cristo, fazendo sinais e prodígios e enganando a muitos
(Mt 24.5,11,24).
Jesus fez referência ao anticristo, chamando-o de “[...] o
abominável da desolação” (Mt 24.15). O apóstolo Paulo o
chamou de “[...] o homem da iniquidade, o filho da per­
dição, o iníquo” (2Ts 2.3,8). Ele virá no poder de Satanás,
fazendo sinais e prodígios da mentira e com todo engano
de injustiça aos que perecem (2Ts 2.9,10). Em Apocalip­
se, temos uma descrição simbólica dessa figura sinistra (Ap
13.1-10).238
O prefixo anti tem dois significados: “contra” ou “em
lugar de”.239 O anticristo é aquele que imita e também se
opõe a Cristo. O anticristo é o adversário de Cristo ou aquele
que procura ocupar o lugar de Cristo (2Ts 2.3,4). O espírito
do anticristo está por trás de toda doutrina falsa e por trás de
qualquer prática religiosa que tome o lugar de Cristo.
Warren Wiersbe tem razão quando diz que atualmente
há duas forças em ação no mundo a verdade operando por
intermédio da igreja e do Espírito Santo e o mal operando
por meio da energia de Satanás.240

O aparecimento do anticristo é um sinal claro do
tempo do fim (2Ts 2.7-12; Ap 13.1-10). Mas o espírito do
anticristo já está em ação no mundo (ljo 4.3). Os muitos
anticristos são precursores do que ainda há de vir.241 Assim
como Cristo é a encarnação de Deus, o anticristo será uma
espécie de encarnação do diabo.
Werner de Boor diz que o anticristo é o adversário dire­
to de Cristo, aquele que tenta eliminar o Cristo de Deus,
assumir o lugar dele, arrancando definitivamente o mundo
e a humanidade de Deus e apoderando-se deles. O anti­
cristo detém poder, e até mesmo poder mundial. Ele não é
apenas um falso mestre que nega a Jesus na teoria, tentando
expurgá-lo da fé da igreja, mas o soberano universal que
dissipa a igreja de Jesus com terror e sangue e tenta aniqui­
lar toda recordação de Jesus, para externa e internamente
manter a humanidade sob seu próprio e total controle (Ap
13.3,4,7,8).242
Em terceiro lugar, os anticristos saem de dentro da própria
igreja (2.19). “Eles saíram de nosso meio; entretanto, não
eram dos nossos; porque, se tivessem sido dos nossos, teriam
permanecido conosco; todavia, eles se foram para que ficasse
manifesto que nenhum deles é dos nossos.” Os muitos anti­
cristos que já vieram (em contraste com o anticristo que virá)
são identificados como mestres humanos que abandonaram
a igreja (Mt 24.5; Mc 13.6; At 20.29,30).
Werner de Boor tem razão quando diz que o aspecto
perigoso dessas pessoas é que não chegam de fora. Saíram
das fileiras da própria igreja. Devem até mesmo ter argu­
mentado com este fato: ora, somos do meio de vocês! Co­
nhecemos muito bem esse seu cristianismo. Agora, porém,
encontramos algo maior e melhor e queremos trazê-lo a vo­
cês para substituir essa sua estreita e precária fé em Jesus.243

Com a sua deserção, deram clara prova do seu verda­
deiro caráter. O rompimento da conexão mostra que essa
condição de membro era apenas exterior.244 Com a saída
deles, as máscaras caíram. Aquilo que estava escondido veio
à plena luz e suas intenções perniciosas foram manifestas.245
Fritz Rienecker diz corretamente que João não relata,
apenas, o fato de saírem da comunidade, mas vê também um
propósito nele. Os hereges saíram por sua livre vontade, mas
por trás dessa decisão estava o propósito divino de que eles
“seriam manifestos”. Sua saída foi seu “desmascaramento”.
O fingimento não pode ficar sempre escondido.246
Augustus Nicodemos é da opinião que esses falsos
doutrinadores tinham sido pastores e mestres que acabaram
sucumbindo à atração oferecida pelas ideias daquela forma
inicial de gnosticismo; após terem apostatado da fé, saíram
das igrejas e passaram a tentar convencer os demais cristãos,
infiltrando-se nas comunidades e fomentando suas ideias.247
Lloyd John Ogilvie alerta para o fato de que hoje a
heresia tem muitas formas sutis. Uns colocam Jesus entre
grandes mestres como Buda, Confucio e Maomé. Outros
sugerem que Jesus ensinou grandes princípios acerca de
Deus, mas não foi o Deus encarnado. Ainda outros negam
que a morte de Jesus na cruz foi uma expiação necessária
de nossos pecados.248
Esse versículo 19 lança luz sobre duas gloriosas doutrinas:
a perseverança dos santos e a natureza da igreja. “Aquele,
porém, que perseverar até o fim, esse será salvo” (Mc
13.13), não porque a salvação é o prêmio da constância,
mas porque a constância é o carimbo dos salvos.249
A constância é uma marca dos salvos. Os que caem
e deixam a igreja total e finalmente, nunca dela fizeram
parte. Nem todos os membros da igreja visível fazem parte

da igreja invisível. Nem todos os membros comungantes da
igreja, professos e batizados, sáo necessariamente membros
do corpo de Cristo. Nem todos os que têm seus nomes
arrolados na igreja têm seus nomes escritos no livro da
vida. Somente o Senhor conhece os que lhe pertencem
(2Tm 2.19). Nem todos os que estão na igreja realmente
pertencem à igreja.
O pertencer à igreja não garante que um homem per­
tença a Cristo, e não ao anticristo. O apóstolo Paulo diz
que nem todos os de Israel são, de fato, israelitas (Rm 9.6).
John Stott tem razão quando diz que nem todos os que
compartilham nossa companhia terrena compartilham o
nosso nascimento celeste.250
F. F. Bruce é oportuno quando escreve: “A perseverança
dos santos é uma doutrina bíblica, mas não é uma doutrina
criada para levar os indiferentes a um sentimento de falsa
segurança; significa que a perseverança é a marca essencial
da santidade”.251
Warren Wiersbe alerta para o fato de que ao investigar­
mos a história das seitas e de sistemas religiosos contrários
ao cristianismo, vemos que, na maioria dos casos, seus fun­
dadores saíram de igrejas. Estavam “em nosso meio” e, no
entanto, “não eram dos nossos”, de modo que “se foram”.252
Em quarto lugar, os verdadeiros crentes têm duas marcas
claras: unção e conhecimento (2.20,21). “E vós possuís unção
que vem do Santo e todos tendes conhecimento. Não vos
escrevi porque não saibais a verdade; antes, porque a sabeis,
e porque mentira alguma jamais procede da verdade.”
A proteção contra o anticristo está na unção que os
crentes recebem.253 No Antigo Testamento os sacerdotes, os
reis e os profetas eram ungidos e separados por Deus para
um ministério especial. Na dispensação cristã, a unção com

o Espírito Santo é um privilégio de todos os crentes. Nós
fomos selados com o Espírito Santo como propriedade
exclusiva de Deus. Temos o selo de Deus (Ef 4.30; Ap 9.4).
Concordo com Augustus Nicodemus quando ele diz
que a unção a que João se refere é o Espírito Santo, pois:
1) Jesus Cristo foi ungido pelo Espírito Santo por ocasião
de seu batismo no Jordão (At 10.38); 2) Cristo é o Ungido
(Dn 9.26), e o Santo (At 4.27,30) que unge os crentes com
este mesmo Espírito, quando eles se convertem ao Evange­
lho da verdade (Ef 1.13); desta forma, os separa e os con­
sagra para Deus; 3) esta unção ou selo, que é a presença
do Espírito nos crentes, é a defesa contra o erro religioso
propagado pelos anticristos, pois o Espírito ilumina, guia e
sela os cristãos na verdade (Jo 15.26; 16.13), dando-lhes o
verdadeiro conhecimento de Deus.254
Concordo com John Stott quando diz que é pela
iluminação do Espírito da verdade que temos conhecimento,
como o versículo 27 desenvolve. Não somos uma minoria
esotérica, iluminada, como os hereges pretendiam ser. E
provável que usassem a palavra grega chrisma, “unção”, como
um termo técnico para a iniciação numa gnose especial.255
Os falsos cristãos do tempo de João costumavam usar duas
palavras para descrever sua experiência: “conhecimento” e
“unção”. Afirmavam ter uma unção especial de Deus que
lhes dava um conhecimento singular. Eram “iluminados”
e, portanto, viviam em um nível muito mais elevado do
que o restante das pessoas. Mas João ressalta que todos os
cristãos verdadeiros conhecem a Deus e recebem o Espírito
de Deus.256
Simon Kistemaker diz que o crente ungido com o Espí­
rito Santo é capaz de discernir a verdade do engano, opor-
se à heresia e suportar os ataques de Satanás.257

William Barclay interpreta corretamente quando diz
que o propósito de João não é comunicar um novo conhe­
cimento, mas conduzi-los a um uso dinâmico do conheci­
mento que já possuem. A maior defesa cristã é recordar o
que já sabemos.258 O que eles precisavam não era uma nova
verdade, mas pôr em prática em suas vidas a verdade que
já conheciam. Temos o conhecimento verdadeiro: conheci­
mento doutrinário da verdade e comunhão com aquele que
é a verdade. O verdadeiro conhecimento não é o esotérico
dos gnósticos, mas o conhecimento do Deus vivo. Deve­
mos permanecer na doutrina de Cristo e não ultrapassá-la
(2Jo 9).
João estava convencido de que os crentes, seus filhos na
fé, estavam firmes na verdade: “Não vos escrevi porque não
saibais a verdade; antes, porque a sabeis; e porque mentira
alguma jamais procede da verdade” (2.21). A verdade a que
João se refere é o Evangelho de Cristo, conforme pregado
pelos apóstolos e registrado nas Escrituras. A mentira, ou
seja, os erros religiosos que surgiram no mundo, procede­
ram não do puro evangelho, mas de distorções dele, uma
vez que a mentira procede do diabo (Jo 8.44).259
A natureza e o efeito da heresia (2.22,23)
Duas verdades merecem destaque aqui:
Em primeiro lugar, a mentira das mentiras é a negação da
messianidade de Cristo (2.22). “Quem é o mentiroso, senão
aquele que nega que Jesus é o Cristo? Este é o anticristo,
o que nega o Pai e o Filho.” Para o apóstolo João não tem
meio-termo quando se trata de doutrina. E verdade ou
mentira (2.21). João já havia falado sobre duas mentiras
básicas dos hereges: 1) é mentiroso aquele que diz que tem
comunhão com Deus e anda nas trevas (1.6); 2) é mentiroso

aquele que diz que conhece a Deus, mas não guarda os seus
mandamentos (2.4). O falso ensino dos que deixaram a
igreja é revelado agora. Eles negavam que Jesus é o Cristo.
Assim, o apóstolo João aponta a terceira mentira básica dos
hereges: é mentiroso por excelência aquele que nega que
Jesus é o Cristo (2.22). Essa é a arquimentira, a mentira das
mentiras. Ela é a mentira engendrada pelo próprio espírito
do anticristo (4.3; 2Jo 7).
John Stott tem toda razão quando afirma: “A teologia
dos hereges não é apenas defeituosa, mas diabólica”.260 A
natureza diabólica da heresia é negar a encarnação, a morte,
a ressurreição e a obra expiatória de Cristo. Vale lembrar que
os hereges, influenciados pelo dualismo grego, consideravam
a matéria essencialmente má. Por conseguinte, negavam
a doutrina da encarnação. E, ao negarem a encarnação,
negavam também sua morte expiatória e sua ressurreição.
Os hereges criaram um Cristo místico, um Cristo falso.
Certo segmento do gnosticismo separava o homem Jesus
do Cristo divino. Conforme já destacamos nesta obra,
eles acreditavam que o Cristo divino tinha descido sobre
o Jesus humano no batismo. Na cruz, porém, antes de
Jesus morrer, o Cristo divino o abandonou, ocasionando o
grito: “Deus meu, Deus meu, por que me desampareste?”
O resultado final deste ensino era a separação entre Jesus e
o Cristo, a negação de que Jesus e o Cristo eram uma e a
mesma pessoa.261
Em segundo lugar, o efeito da heresia é a consequente
negação do próprio Pai (2.23). “Todo aquele que nega o
Filho, esse não tem o Pai; aquele que confessa o Filho tem
igualmente o Pai.” Tendo colocado a descoberto a natureza
da heresia, João desenvolve agora o seu temível efeito, que
já mencionou no fim do versículo 22. Afirma a verdade em

termos absolutos e inequívocos, primeiro negativa e depois
positivamente. “Todo aquele que nega o Filho, esse não
tem o Pai; aquele que confessa o Filho, tem igualmente o
Pai” (2.23).262
O nosso relacionamento com o Pai necessariamente
precisa passar pelo nosso relacionamento com o Filho. So­
mente o Filho pode revelar o Pai aos homens (Mt 11.27;
Jo 1.18; 12.44,45; 14.6,9; ljo 2.1; lTm 2.5). Jesus Cristo
disse: “Quem me vê a mim vê o Pai” (Jo 14.9). E impos­
sível separar Deus de Jesus. Negar a Jesus é perder todo
o conhecimento de Deus, porque só ele pode trazer-nos
esse conhecimento. Negar a Jesus é estar separado de Deus,
porque nossa comunhão com Deus depende de nossa res­
posta a Jesus.263 O próprio apóstolo João escreve: “Aquele
que tem o Filho, tem a vida; aquele que não tem o Filho de
Deus não tem a vida” (5.12).
Um falso mestre vai dizer: nós adoramos o Pai. Nós cre­
mos em Deus Pai, muito embora discordemos sobre Jesus.
Mas negar o Filho é negar também o Pai. Não podemos
ter comunhão com aqueles que negam as verdades essen­
ciais da fé cristã. Não há unidade fora da verdade. Onde a
teologia é desprezada, a vida cristã entra em colapso. Cons­
tatamos com profunda dor o desprezo da igreja contempo­
rânea pela Palavra.
Estamos vivendo um tempo de anafalbetismo bíblico.
Heresias antigas e novas encontram acolhida na igreja atual.
As pessoas não querem discutir doutrinas, elas querem
apenas relacionamentos. Há um caso interessante ocorrido
com o grande evangelista inglês, George Whitefield.
Conversando com um homem acerca de sua fé, o evangelista
inglês perguntou-lhe:
— Em que o senhor crê?

- Eu creio naquilo que a minha igreja crê.
- E em que a sua igreja crê?
- Na mesma coisa em que eu creio.
- E em que você e sua igreja creem?
- Nós cremos na mesma coisa.264
A proteção contra a heresia (2.24-29)
Duas coisas devem permanecer nos crentes verdadeiros:
A Palavra (2.24) e a unçáo do Espírito (2.27). Duas coisas
devem ainda ser marcas do crente verdadeiro: a esperança
da segunda vinda (2.28) e a prática da justiça (2.29). Vamos
examinar mais detidamente esses quatro pontos:
Em primeiro lugar, nós devemos permanecer no antigo
evangelho que ouvimos em vez de buscar novos ensinos (2.24­
26). O apóstolo João escreve:
Permaneça em vós o que ouvistes desde o princípio. Se em vós
permanecer o que desde o princípio ouvistes, também permanecereis
vós no Filho e no Pai. E esta é a promessa que ele mesmo nos fez,
a vida eterna. Isto que vos acabo de escrever é acerca dos que vos
procuram enganar (2.24-26).
João diz: “O que ouvistes desde o princípio” é o evan­
gelho, o ensino apostólico, a mensagem original que fora
pregada. Não tinha mudado e não iria mudar. Os cristãos
devem ser sempre conservadores em sua teologia. Ter “co­
ceira nos ouvidos” e sempre correr atrás de novos mestres,
dando ouvidos a qualquer um e nunca chegando ao co­
nhecimento da verdade, é uma característica dos “tempos
difíceis” que sobrevirão “nos últimos dias” (2Tm 3.1,7;
4.3).265
Augustus Nicodemus está coberto de razão quando diz
que não era a antiguidade que tornava a doutrina apostólica

verdadeira, mas o fato de que era apostólica. Ela fora ensi­
nada por homens inspirados por Deus, canais da revelação
divina. E essa revelação já havia se encerrado e era imutá­
vel. Todo novo ensinamento que contradissesse a doutrina
dos apóstolos ou fosse além dela deveria ser considerado
falso.266
A obsessão por novidades doutrinárias é um grande
perigo e um sinal do espírito do anticristo que opera no
mundo. John Stott alerta: “O cristão nunca pode levantar
âncora e zarpar para o alto-mar do pensamento especula­
tivo. Tampouco pode abandonar o ensino primitivo dos
apóstolos, trocando-o pelas subsequentes tradições dos ho­
” 267
mens .
O propósito dos hereges e das falsas doutrinas é enganar
(2.26). Mas o resultado da nossa lealdade ao Filho e ao Pai
e dessa comunhão com eles é a vida eterna (2.15; 5.11-13).
O que está em jogo não é apenas uma mera discussão de
opiniões teológicas diferentes, mas a própria vida eterna.
O apóstolo João nos dá três marcas dos falsos mestres que
disseminam heresias na igreja: primeira, eles abandonam a
comunhão da igreja (2.18,19). Segunda, eles negam a fé
(2.22,23). Terceira, eles tentam enganar os fiéis (2.26).
A grande pergunta do cristianismo é: quem é Jesus?
Um exemplo, um bom homem, um grande mestre ou
ele é Deus feito carne? Os falsos mestres diziam que eles
tinham um novo conhecimento e uma nova unção. Mas
João rebate dizendo que os crentes é que têm o verdadeiro
conhecimento e a verdadeira unção.
Negar a encarnação de Cristo é negar a sua morte, a
sua ressurreição e a sua obra expiatória. E esvaziar o cris­
tianismo. Isso é satanismo (Mt 16.23). Os falsos mes­
tres são proselitistas. Eles não vão atrás dos perdidos. O

alvo deles são os cristãos. Os hereges não permanecem na
verdade. O segredo para não ser enganado é permanecer
(2.6,10,14,17,24,27,28).
Satanás não é um criador, mas apenas um falsificador
que imita a obra de Deus. Tem, por exemplo, falsos “mi­
nistros” (2Co 11.13-15) que pregam um falso evangelho
(G1 1.6-12), o qual produz falsos cristãos (Jo 8.43,44) que
dependem de uma falsa justiça (Rm 10.1-10).
Na parábola do joio e do trigo (Mt 13.24-30,36-43),
Jesus e Satanás são retratados como semeadores. Jesus
lança as sementes verdadeiras, os filhos de Deus, enquanto
Satanás semeia os “filhos do maligno”.
O principal estratagema de Satanás em nosso tempo é
semear impostores em todo lugar onde Cristo planta cris­
tãos verdadeiros. Assim, é importante ter a capacidade de
distinguir entre o autêntico e o falso e separar as verdadei­
ras doutrinas de Cristo das doutrinas falsas do anticristo.268
Em segundo lugar, nós devemos permanecer na unção do
Espírito que recebemos em vez de buscar novas experiências
forâneas às Escrituras (2.27). João escreve:
Quanto a vós outros, a unção que dele recebestes permanece em vós,
e não tendes necessidade de que alguém vos ensine; mas, como a sua
unção vos ensina a respeito de todas as coisas, e é verdadeira, e não é
falsa, permanecei nele, como também ela vos ensinou (2.27).
A Palavra é uma proteção objetiva, enquanto a unção
do Espírito é uma experiência subjetiva: mas o ensino
apostólico e o Mestre celestial são ambos necessários para
a continuidade na verdade. E ambos devem ser captados
pessoal e interiormente. Este é o equilíbrio bíblico muito
raramente preservado pelos homens. Alguns pretendem
honrar a Palavra e negligenciam o Espírito, o único que

pode interpretá-la; outros pensam honrar o Espírito mas
negligenciam a Palavra da qual ele nos ensina.269 E mediante
essas duas antigas posses, não mediante novos ensinos ou
novas experiências que permaneceremos na verdade.
Harvey Blaney tem toda a razão quando diz que o Es­
pírito Santo é o protetor da ortodoxia. Ele é o mestre da
verdade não adulterada. Ele é o avalista de que nosso re­
lacionamento duradouro com Deus é uma compreensão
inteligente bem como uma intimidade emocional.270
Concordo com Augustus Nicodemus quando diz que
João não está afirmando que não precisamos de mestres
humanos. Dizer isto seria contradizer as passagens da Bíblia
que falam do trabalho dos pastores e mestres na igreja,
ensinando e doutrinando os fiéis (Ef4.11; Rm 12.7; lTm
5.17; 2Tm 2.24; Hb 13.7).
Além disso, se os crentes não precisam de mestres
humanos, por que João lhes ensina por meio desta carta? O
apóstolo está simplesmente dizendo que os cristãos da Ásia
não precisavam que os falsos mestres viessem lhes dizer a
verdade, pois já estavam firmes nela, mediante a presença e
o poder do Espírito.271
Em terceiro lugar, nós devemos permanecer em Cristo para
termos confiança em sua segunda vinda (2.28). “Filhinhos,
agora, pois, permanecei nele, para que, quando ele se
manifestar, tenhamos confiança e dele não nos afastemos
envergonhados na sua vinda.”
Os dois últimos versículos do texto em apreço formam
uma ponte entre dois capítulos. O versículo 28 é um rápido
sumário do capítulo 2. O versículo 29 é um prelúdio do
capítulo 3.272
O apóstolo João nos diz que o verdadeiro crente é aquele
que, em vez de ser enganado pelos anticristos, prepara-se

para a segunda vinda de Cristo (2.28). Os homens reagirão
à segunda vinda de Cristo de duas formas: uns terão
confiança, outros ficarão envergonhados.
Os falsos crentes ou anticristos ficarão envergonhados
na manifestação gloriosa de Cristo em sua segunda vinda.
A primeira manifestação teve como alvo tirar os pecados do
povo de Deus (3.5) e destruir as obras do diabo (3.8). João
a considera como a manifestação do amor de Deus pelo seu
povo (4.9).
Essa primeira manifestação consistiu na encarnação,
vida, morte e ressurreição do Senhor Jesus. A segunda
manifestação é o retorno público e visível do Senhor Jesus
a este mundo, para completar a obra iniciada na primeira
vinda. E a esta manifestação e a esta vinda que João se refere
aqui. Nesta futura manifestação, “[...] seremos semelhantes
a ele, porque havemos de vê-lo como ele é” (3.2).273
Em quarto lugar, nós devemos praticar a justiça como
prova de que nascemos de Deus (2.29). “Se sabeis que ele é
justo, reconhecei também que todo aquele que pratica a
justiça é nascido dele.”
A única maneira de aguardar a segunda vinda de Cristo
é vivendo como ele viveu, em justiça (2.29). Aquele que
professa ser cristão, mas não vive em obediência, amor e
verdade está enganado ou é um enganador. Pertence não às
fileiras de Cristo, mas às fileiras do anticristo, e na segunda
vinda de Cristo ficará envergonhado.
Warren Wiersbe está certo quando diz que a vida real é
uma vida que consiste em prática, não apenas em palavras.274
Não basta saber, é preciso fazer (Ef 5.1; IPe 1.14,15; 2Co
13.5). Harvey Blaney tem razão quando diz que o que um
homem faz e como age são aspectos intimamente ligados
com a sua salvação.275

No t a s p o c a p í t u l o 7 _______________________
231 Wier sb e, Warren W. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 639.
232 Wier sb e, W arren W. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 639.
233 St o t t, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 89.
234 Kistem a k er, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 365.
235 Lo pes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 74.
236 Wier sb e, Warren W . Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 639.
237 St o t t, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 94.
238 Lo pes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 74,75.
239 Barclay, William. I, II, III Juan y Judas. 1974: p. 72.
240 Wier sb e, Warren W. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 640.
241 St o t t, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 90.
242 d e Bo o r, Werner. Cartas de João. Em Comentário Esperança. 2008:
p. 337.
243 d e Bo o r, Werner. Cartas de João. Em Comentário Esperança. 2008:
p. 338.
244 Blaney, Harvey. A primeira epístola de João. Em Comentário Bíblico
Beacon. Vol. 10. 2005: p. 307.
245 St o t t, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 91.
246 Rie n e c k e r, Fritz e Ro g er s, Cleon. Chave linguística do Novo
Testamentogrego. 1985: p. 586.
247 Lo pes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 75.
248 Og ilv ie, Lloydjohn. Quando Deus pensa em você. 1983: p. 53.
249 St o t t, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 91.
250 St o t t, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 92.
251 Br u c e, F. F. The epistles of John. Eerdmans. Grand Rapids, MI.
1979: p. 69.
252 Wier sb e, W arren W. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 641.
253 St o t t, John. I, II, III João: Introdução e comentário. 1982: p. 92.
254 Lo pes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 76.
255 St o t t, John. I, II, III João: Introdução e comentário. 1982: p. 92.
256 Wier sb e, Warren W. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 641.
257 Kistem a k er, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 372.

258 B arclay, William. I, II, IIIJuany Judas. 1974: p. 77.
259 Lo pes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 76.
260 St o t t, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 96.
261 Lo pes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 76,77.
262 St o t t, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 97.
263 B arclay, William. I, II, III Juany Judas. 1974: p. 79.
264 Wie r sb e, Warren W. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 641,642.
265 St o t t, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 97.
266 Lo pes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 80.
267 St o t t, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 97,98.
268 Wier sb e, W arren W . Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 642.
269 St o t t, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 99.
270 H arvey, Blaney. A primeira epístola de João. Em Comentário Bíblico
Beacon. Vol. 10. 2005: p. 308.
271 Lo pes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 83.
272 K istem aker, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 383.
273 Lo p e s, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 82,83.
274 Wier sb e, W arren W. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 645.
275 B laney, Harvey. A primeira epístola de João. Em Comentário Bíblico
Beacon. Vol. 10. 2005: p. 309.

Razões imperativas
para uma vida pura
(IJo 3.1-10)
O a p ó s t o l o JoÃo c o n t i n u a r e f u­
t a n d o o ensino falso dos mestres gnósti-
cos. Neste capítulo 3.1-24, ele emprega
três argumentos irresistíveis para comba­
ter os hereges e ao mesmo tempo fincar
as estacas de uma verdadeira vida cristã.
João trabalha o argumento moral (3.1­
10), o argumento social (3.11-18) e o
argumento doutrinário (3.19-24).
Neste capítulo vamos examinar o
primeiro argumento, o argumento mo­
ral, e vamos destacar quatro preciosas
verdades:
O grande amor de Deus, o Pai (3.1-3)
A motivação para uma vida de pu­
reza começa com Deus e não com o

homem. É pela contemplação do amor de Deus que somos
desafiados a viver em santidade. Destacamos três sublimes
verdades:
Em primeiro lugar, o grande amor de Deus precisa ser
percebido (3.1a). “Vede que grande amor nos tem concedido
o Pai...”. O apóstolo João chama a atenção dos crentes para
olharem e avaliarem a grandeza do amor do Pai. Trata-se
de um amor eterno, imenso e sacrificial. O amor do Pai é
gracioso e altruísta. E um amor explícito, ativo e íntimo. E
o elo que une aquele que dá ao que recebe. Como filhos de
Deus e recipientes do amor divino, confessamos que não
somos capazes de compreender as dimensões do amor de
Deus.276
Esse tipo de amor sempre inclui espanto.277 Harvey
Blaney diz que esta é uma exclamação genuína de perple­
xidade misturada com gratidão.278 A expressão “que gran­
de amor” não significa mera “magnitude”. Ela aponta para
a peculiaridade deste amor. Chamar a nós, inimigos de
Deus, de seus filhos, nós, que somos pessoas degeneradas
e maculadas, disto somente um amor que sofre, sustenta e
sangra é capaz.279
Em segundo lugar, o grande amor de Deus foi regiamente
demonstrado (3.1b,2). O amor de Deus pode ser visto,
porque foi regiamente demonstrado. João destaca três
fatos:
Olhando para o passado vemos a bênção da filiação (3.1b).
“[...] a ponto de sermos chamados filhos de Deus; e, de
fato, somos filhos de Deus. Por essa razão, o mundo não
nos conhece, porquanto não o conhece a ele mesmo”. João
recorda os privilégios da vida cristã e diz que sendo nós
pecadores, inimigos de Deus, filhos da ira, somos agora
chamados de filhos de Deus. Somos conhecidos no céu,

mas desconhecidos na terra. Somos amados por Deus, mas
odiados pelo mundo. Porque o mundo náo conheceu a
Deus, também náo conhece os filhos de Deus.
Werner de Boor diz corretamente que quem se fecha
para a revelação de Deus náo consegue reconhecer os traços
da filiaçáo divina nas pessoas, ou melhor, estes traços se
transformam em tropeço para ele.280
E um subido privilégio o fato de pertencermos à maior e
a mais nobre família da terra. Somos filhos de Deus primei­
ro por adoçáo. A adoçáo nos mostra a grandeza da graça
(3.1), a glória da esperança (3.2) e o motivo da santificação
(3.3). O único caminho para entrar numa família é pelo
nascimento ou pela adoçáo.
E conhecida a expressão de Stephen Scharnock: “A ado­
ção dã-nos o privilégio de filhos; a regeneração, a natureza
de filhos”.
A adoção era bem conhecida no império romano. A pes­
soa adotada perdia os direitos na antiga família e ganhava
os direitos de um filho na nova família. O filho adotado
tornava-se herdeiro de todos os bens de seu novo pai. Le­
galmente, a antiga vida do adotado ficava totalmente can­
celada. As dívidas todas eram canceladas. O filho adotado
era considerado uma nova pessoa. Aos olhos da lei, a pessoa
adotada era literalmente filha do novo pai.
O grande amor de Deus pode ser visto no fato de Deus
ter-nos adotado como filhos. Agora, somos membros da
sua família. Somos seus herdeiros e coerdeiros com Cristo,
nosso irmão primogênito. E importante destacar que Paulo
empregou o termo “filhos” (huioi) no sentido legal, usando
a analogia da adoção em vez de geração (Rm 8.14-16), mas
João emprega o termo filhos (tekna) para acentuar o novo
nascimento e esse é o relacionamento mais íntimo.281

Olhando para o presente, vemos a bênção da apropriação
ddfiliação (3.2a). “Amados, agora, somos filhos de Deus...”.
Nós somos filhos de Deus de três formas distintas. Somos
filhos por criação, por adoção e por geração. Deus nos criou,
Deus nos adotou e Deus nos gerou de novo. Nascemos de
cima, do alto, do céu. Nascemos de novo (Jo 3.3), da água
e do Espírito (Jo 3.5).
Devemos nos apropriar dessa filiação. Devemos viver
como filhos do Deus dos deuses, do Rei dos reis, do
Senhor dos senhores. A expressão “filhos de Deus” pode ser
traduzida por “crianças nascidas de Deus”. Por conseguinte,
“filhos de Deus” não é um mero título; é um fato.282
Olhando para o futuro vemos a bênção da glorificação
(3.2b). “[...] e ainda não se manifestou o que haveremos de
ser. Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos seme­
lhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como ele é”.
John Stott diz que a nossa filiação, embora real, ainda
não é visível (Rm 8.29), pois o que somos não aparece
agora para o mundo; o que seremos não aparece ainda para
nós.283
E importante ressaltar que a escatologia do apóstolo
João não tem propósitos especulativos, mas práticos. Ele
fala da expectação da segunda vinda de Cristo não por
razão teológica, mas ética. Quando Cristo se manifestar
nós o veremos, como ele é; e seremos como ele é. A visão
beatífica de Cristo é resultado da glorificação. Porque
seremos semelhantes a ele, o veremos como ele é.
Concordo com John Stott, quando afirma: “As duas
revelações, de Cristo e do nosso estado final, serão feitas
simultaneamente. Porém, a ordem dos eventos é clara:
primeiro, ele aparecerá, depois o veremos como ele é; e
finalmente, seremos semelhantes a ele”.284

Lloyd John Ogilvie sintetiza estes três pontos como
segue:
O apóstolo João toca aqui as três dimensões do tempo. Em
retrospecto, poderiam ver o que Deus tem feito por eles. “Vede que
grande amor nos tem concedido o Pai, a ponto de sermos chamados
filhos de Deus.” O presente, portanto, estava repleto de segurança
confiante. “Amados, agora, somos filhos de Deus.” Com base nesse
fato, eles podiam ter esperança no futuro. “Ainda não se manifestou
o que haveremos de ser. Sabemos que, quando ele se manifestar,
seremos semelhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como ele é.”285
Em terceiro lugar, o grande amor de Deus deve ser corres­
pondido (3.3). “E a si mesmo se purifica todo o que nele
tem esta esperança, assim como ele é puro.” O apóstolo
João não roga nem ordena aos filhos de Deus que se pu­
rifiquem. Ele declara um fato. Aqueles que aguardam a
segunda vinda de Cristo automática e necessariamente se
purificam, assim como ele é puro. Essa purificação não é
cerimonial, mas moral, uma vez que a palavra grega hag-
neia, “pureza”, é liberdade de mancha moral.286
A grande obra de Deus, o Filho (3.5,8)
O apóstolo João faz uma transição da segunda vinda
de Cristo para a sua primeira vinda. Ele deixa de falar do
Cristo que virá para falar do Cristo que já veio. Ele faz uma
conexão entre a manifestação da glória que acontecerá na
segunda vinda para a manifestação que já aconteceu na
primeira vinda. A base para um viver santo está fincada na
obra que Cristo já realizou em sua primeira manifestação,
e se consumará em sua segunda vinda, quando ele virá em
glória. A obra de Deus, o Filho pode ser descrita de duas
maneiras:

Em primeiro lugar, Jesus se manifestou para tirar os pecados
(3.5). “Sabeis também que ele se manifestou para tirar os
pecados, e nele náo existe pecado.”
Aqui a obra de remoção dos pecados do homem reali­
zada por Cristo e a impecabilidade de sua Pessoa são
maravilhosamente colocadas juntas.287 Jesus não veio para
ignorar o pecado, desculpá-lo e considerá-lo inócuo, mas
para levá-lo embora.288
Jesus veio ao mundo para salvar o seu povo de seus pe­
cados (Mt 1.21). Ele entrou no mundo como o Salvador
(Lc 2.7) e como o Cordeiro de Deus que tira o pecado do
mundo (Jo 1.29). Jesus tira os pecados carregando-os em
seu próprio corpo. Ele tomou sobre si os nossos pecados.
Ele tira os pecados por meio da expiação. Ele não fez vistas
grossas ao pecado. Ele foi traspassado por nossas transgres­
sões. Ele foi moído pelos nossos pecados. Ele se fez pecado
por nós. O castigo que nos traz a paz estava sobre ele. Ele
foi ferido por Deus e oprimido. Ele é o Cordeiro de Deus
que tira o pecado do mundo.
Estou de pleno acordo com Augustus Nicodemus,
quando afirmou que este tirar dos pecados não consistiu
somente no pagamento da culpa do pecado, mas também
na quebra do poder do pecado sobre a vida de seu povo
(Rm 6.6,11,12) 289
Em segundo lugar, Jesus se manifestou para destruir as
obras do diabo (3.8b). “Para isto se manifestou o Filho de
Deus: para destruir as obras do diabo.” O diabo é o pai do
pecado. O pecado gera morte e o diabo veio para roubar,
matar e destruir. Ele é assassino e ladrão. Ele é mentiroso
e enganador. Ele é tentador e destruidor. Ele é a serpente
sedutora e o dragão devorador. O Filho de Deus veio não
só para tirar os pecados, mas para destruir as obras do

diabo. Jesus desbancou os principados e potestades na cruz
do calvário. Ele triunfou sobre o diabo e suas hostes. Ele
expôs os principados e potestades ao desprezo. Ele esmagou
a cabeça da serpente.
John Stott diz que moralmente a obra do diabo é tentar
para o pecado; fisicamente, é infligir doença; intelectualmen­
te, seduzir para o erro; espiritualmente, afastar a pessoa de
Cristo. A palavra grega katargeo, “destruir”, náo significa ani­
quilar, mas privar de forças, tornar inoperante. A destruição
foi uma “soltura”, como se essas obras diabólicas fossem cor­
rentes que nos prendessem. O diabo continua agindo, mas ele
já foi derrotado e em Cristo podemos escapar à sua tirania.290
A grande malignidade do pecado (3.4,5,6,8)
A pecaminosidade e a malignidade do pecado podem ser
observadas por intermédio de cinco fatos:
Em primeiro lugar, a essência do pecado (3.4). “Todo
aquele que pratica o pecado também transgride a lei, por­
que o pecado é a transgressão da lei.”
O apóstolo João diz que a essência do pecado é a
ilegalidade. A palavra grega anomia significa “ilegalidade,
transgressão”. O pecado não é apenas uma falha negativa
(,hamartia), uma injustiça ou falta de retidão (adikia), mas
essencialmente uma ativa rebelião contra a vontade de Deus
e uma violação da sua santa lei {anomia) . 2 9 1 Este fato é tão
sério que o anticristo, o homem da iniquidade, o filho da
perdição, é chamado pelo apóstolo Paulo de ho anthropos
tes anomias, o homem sem lei (2Ts 2.3).
Concordo com Warren Wiersbe quando diz que os
pecados são frutos, mas o pecado é a raiz, pois qualquer
que seja a atitude exterior do pecador, sua atitude interior
é a rebelião.292

Nessa mesma linha de pensamento, Augustus Nicodemus
diz que pecado é transgressão da lei, seja ao fazer aquilo que
ela proíbe, seja ao deixar de fazer aquilo que ela manda.
Portanto, o crime do pecador é essencialmente a transgressão
da lei de Deus, pela desobediência, descaso, desprezo ou
indiferença para com ela. Todo pecado, portanto, é pecado
contra Deus. E uma rebelião contra a sua vontade.293
Em segundo lugar, a ação do pecado (3.5). “Sabeis
também que ele se manifestou para tirar os pecados...”. Se
Cristo se manifestou para tirar os pecados (3.5) e destruir as
obras do diabo (3.8), a ação do pecado é insurgir-se contra
a obra de Cristo. Toda vez que um filho de Deus peca, está
se levantando contra Cristo e mostrando que não entende
ou não dá o devido valor ao que Jesus fez por ele na cruz.294
Se Cristo se manifestou para tirar os pecados, seria
correto querer mantê-los? Se o pecado demandou do Pai a
entrega do Filho, do Filho a morte na cruz, então podemos
nós considerá-lo inócuo e desculpável? Isto é impossível!295
Em terceiro lugar, a razão do pecado (3.6). “Todo aquele
que permanece nele não vive pecando; todo aquele que vive
pecando não o viu, nem o conheceu.” Não havendo pecado
em Jesus, fica claro: “Jesus” e “pecado” são contrastes per­
feitos. Por definição, “Jesus” e “pecado” jamais podem estar
juntos! Disso resulta obrigatoriamente: “Todo aquele que
permanece nele não vive pecando”.296
Augustus Nicodemus, citando J. Gill, escreve: “O
verdadeiro cristão permanece em Cristo como o galho da
videira, derivando dele toda luz, vida, graça, santidade,
sabedoria, força, alegria, paz e conforto”.297
O pecado surge do “não permanecer em Cristo”. E im­
possível permanecer em Cristo e no pecado ao mesmo tem­
po. E impossível permanecer naquele que é justo e praticar

a injustiça ao mesmo tempo. É impossível permanecer na­
quele que é puro e viver na impureza ao mesmo tempo. E
impossível ter comunhão com aquele que é luz e viver nas
trevas ao mesmo tempo. A visão de Cristo e o conhecimen­
to de Cristo são incompatíveis com a vida no pecado.
John Stott tem razão quando diz que se a natureza de
Jesus é sem pecado, e se o propósito de seu aparecimento
histórico era tirar o pecado, então todo aqu que permane ê
nele não vive pecando, ao passo que, entretanto, tot
aquele que vive pecando não o viu, nem o conheci 1,
conhecer a Cristo, o Salvador sem pecado dos peça<4ww, e
banir o pecado.298
Em quarto lugar, a origem do pecado (J^^OjAfluele que
pratica o pecado procede do diaboVfratók t íPdiabo vive
pecando desde o princípio...”. O diábojE O pai do pecado.
O pecado vem dele. Pecarjsqb :deçeír aquele que peca desde
o princípio, em lugar de obeçte6er a Deus.
Werner de Boor ttíã^razao quando diz que cada peca­
do, cada pensahafiít&ãmpuro ou palavra inverídica nos
faz suc >. ir/â^iMjMicia do diabo, e assim participamos
da rebeklM^MeYontra Deus. E quando não apenas “pe-
ia^praticamos o pecado”, quando não apenas
íhidos por ele”, mas o exercemos conscientemen-
i le permanecemos, então não apenas sucumbimos a
rma tentação momentânea, mas “somos do diabo” e fomos
w o v . i i u a i n n , i i L L CIIICIJLCIUUJ F a i a u m u u u a . r e b e l d i a d e l e W 1 1 -
tra Deus.299
Em quinto lugar, a vitória sobre o pecado (3.5). “Sabeis
também que ele se manifestou para tirar os pecados, e nele
não existe pecado.” Só aquele que é justo e puro, em quem
não existe pecado, pode tirar os pecados. Só por meio do
sangue de Jesus podemos ter vitória sobre o pecado. A

vitória sobre o pecado não é obtida pelo conhecimento
esotérico dos gnósticos nem pelas experiências místicas dos
falsos mestres, mas pela obra de Cristo na cruz.
O pecado não pode ser tirado pelo esforço humano.
Não podemos lavar-nos a nós mesmos. O injusto não pode
justificar-se a si mesmo. O impuro não pode purificar-se a
si mesmo. Somente o sangue de Cristo pode nos lavar de
todo pecado (1.7).
A grande impossibilidade dos filhos de Deus de viverem
na prática do pecado (3.7-10)
O apóstolo João destaca quatro importantes verdades no
texto em tela:
Em primeiro lugar, a prática da justiça é a verdadeira
imitação do Deus justo (3.7). “Filhinhos, não vos deixeis
enganar por ninguém: aquele que pratica a justiça é justo,
assim como ele é justo.” Os gnósticos queriam enganar os
cristãos teológica (2.26) e moralmente (2.7). No entanto,
para João, o fazer é a prova do ser.300 Não imitamos a Deus
por intermédio de ritos místicos, mas pela prática da justiça.
Deus é justo (1.9; 2.9) e Jesus Cristo é justo (2.1). Quem
é nascido de Deus é justo mediante a obra substitutiva de
Cristo e a imputação de sua justiça. Por conseguinte, vive
na prática da justiça.301
Em segundo lugar, a prática do pecado é a verdadeira
identificação com o diabo (3.8a). “Aquele que pratica o
pecado procede do diabo, porque o diabo vive pecando
desde o princípio...”. Se a prática da justiça é a imitação
de Deus, a prática do pecado é a imitação do diabo. A
prática da justiça e a prática do pecado identificam a nossa
paternidade. Aqueles que são filhos de Deus praticam a
justiça; aqueles que são filhos do diabo praticam o pecado.

Não somos o que falamos, mas o que fazemos. Não é o
nosso discurso que nos torna filhos de Deus, mas provamos
a nossa filiação divina pelas nossas obras.
Em terceiro lugar, a prática do pecado é impossível para
os filhos de Deus (3.9). “Todo aquele que é nascido de Deus
não vive na prática de pecado; pois o que permanece nele é
a divina semente; ora, esse não pode viver pecando, porque
é nascido de Deus.” Alguns críticos veem contradição no
apóstolo João ao examinarem o que ele escreveu (1.8,10;
2.1) e o que escreve agora (3.9).
Contudo, não há aqui qualquer contradição. Em cada
capítulo João está combatendo um erro diferente. A pri­
meira posição, capítulo 1, é cega para o pecado e nega a sua
gravidade; a segunda posição, capítulo 3, é indiferente para
com o pecado e nega a sua gravidade. João refuta as duas,
mostrando no capítulo 1 a universalidade do pecado e no
capítulo 3 a incompatibilidade do pecado no cristão.302
“Pecar” aqui está no presente contínuo. E isto significa
que o cristão não pode viver na prática e no hábito do pecado.
O cristão não pode viver deliberada e insistentemente no
pecado. O pecado não é mais a atmosfera da sua vida.
Simon Kistemaker, nessa mesma linha de pensamento,
diz que no grego o verbo expressa ação contínua, e não
uma única ocorrência. Assim, ao usar o tempo presente dos
verbos gregos, João está dizendo que o crente não pode pra­
ticar o pecado como um hábito. O pensamento que está
sendo transmitido em ljoão 3.9 não é que o nascido de
Deus jamais comete um ato pecaminoso, mas que ele não
persistirá no pecado.303
O pecado deliberado é uma conspiração contra o amor
do Pai, contra o sacrifício expiatório do Filho e contra a
obra regeneradora do Espírito Santo.

Lloyd John Ogilvie ainda lança luz sobre esse assunto,
quando escreve:
No versículo 9, o verbo “pecar” se encontra no presente do indi­
cativo linear ativo, significando uma ação constante, consistente e
compulsiva. E esse tipo de pecado de que fomos libertados. Fomos
libertados do pecado habitual como o desejo dominante de nossas
vidas. Passaremos por lapsos temporários, mas a nossa conversão
significou uma demarcação dramática, uma viravolta. Voltamos de
uma vida que se movia para longe de Deus a uma vida que cada
vez mais se aproxima dele. Nossa paixão agora é glorificar a Deus
e desfrutar dele em todas as coisas. Pode haver atos separados que
nos alarmem e mostrem que ainda somos barro que está sendo
moldado, mas a mão do Pai constantemente nos forma à imagem
de Cristo.304
João alista duas razões eloquentes pelas quais os filhos de
Deus não podem viver na prática do pecado:
Por causa da divina semente neles implantada. A semente
divina, sperma, foi implantada em nós. O princípio divi­
no da vida verdadeira foi dado para a concepção da nova
pessoa dentro de nós. E assim como o filho natural cresce
com as características do pai que o gerou, também nós
cada vez mais crescemos na natureza espiritual de nosso
Pai celeste.305
Augustus Nicodemus diz corretamente que João usa
aqui o quadro da reprodução humana. O sêmen carrega
a vida e transfere as características paternas. Portanto, os
que são filhos de Deus herdam a natureza divina (2Pe 1.4),
e como decorrência, o nascido de Deus não pode viver
pecando, porque é nascido de Deus.306
A divina semente é a Palavra de Deus que habita em nós.
Fomos gerados dessa semente incorruptível.

Por causa do novo nascimento. Somos nascidos de Deus
e Deus é santo, portanto, devemos carregar a imagem do
nosso Pai. Nascidos de Deus é a ideia central dos capítulos
3-5 (3.9; 4.7; 5.1,4,18). Não podemos viver na prática do
pecado, pois essa é a marca dos filhos do diabo.
Concordo com o que diz Warren Wiersbe: “Por certo,
nenhum cristão é impecável, mas Deus espera que o verda­
deiro cristão não peque de modo habitual”.307
Em quarto lugar, os filhos de Deus e os filhos do diabo são
conhecidos por suas obras (3.10). João conclui sua exposição,
falando que a humanidade está dividida em dois grupos: os
filhos de Deus e os filhos do diabo: “Nisto são manifestos
os filhos de Deus e os filhos do diabo: todo aquele que não
pratica justiça não procede de Deus nem aquele que não
ama a seu irmão”.
Em toda essa epístola João fala de duas categorias: luz ou
trevas, verdade ou mentira, amor ou ódio, Deus ou o diabo.
João não usa meios-termos. Não há neutralidade nessa
questão. O homem é filho de Deus ou filho do diabo. A
nossa ascendência é divina ou diabólica.
Simon Kistemaker, citando Agostinho de Hipona, es­
creveu: “O diabo não fez homem algum, não deu à luz
homem algum, não criou homem algum; mas aquele que
imita o diabo, este, como se tivesse dele nascido, torna-se
filho do diabo, ao imitá-lo, e náo por ter literalmente nas­
cido dele”.308
Werner de Boor diz que não podemos pensar que na
igreja estão os filhos de Deus e lá fora, no mundo, estão os
filhos do diabo. João estava presente quando Jesus disse aos
judeus devotos e fiéis à lei, com todas as suas realizações
religiosas e morais: “Vós sois do diabo, que é vosso pai, e
quereis satisfazer-lhe os desejos...” (Jo 8.44).

Muitos filhos do diabo convivem na igreja, ouvem a Pa­
lavra, entoam os mesmos hinos, dominam bem o linguajar
cristão. Há alguns que até mesmo se vangloriam: “Senhor,
Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em teu
nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu
nome não fizemos muitos milagres?” (Mt 7.22).
Jesus não contesta que de fato tenham realizado tudo
isso. Neste caso, não seriam eles membros proeminentes de
sua igreja? Não, Jesus lhes responde: “Nunca vos conheci.
Apartai-vos de mim, os que praticais a iniquidade” (Mt
7.23). Da mesma maneira João também constata: “[...]
todo aquele que não pratica justiça não procede de Deus,
nem aquele que não ama a seu irmão” (3.10).309
Augustus Nicodemus ainda adverte: “Durante os cultos
em uma igreja local todos parecem cristãos, assentados,
ouvindo a Palavra, cantando e participando do culto. E pela
conduta após o culto que se revela quais são os verdadeiros
• ^ ” 310
cristãos .
A maneira de conhecer os verdadeiros cristãos é pela sua
conduta moral. Pelos frutos é que se conhece a árvore (Mt
7.20). Os filhos de Deus são conhecidos por três testes: o
teste moral, o teste social e o teste doutrinário. Os filhos de
Deus são conhecidos pela obediência, amor e fé. Ou seja,
os filhos de Deus andam como Cristo andou e praticam
a justiça. Os filhos de Deus amam a Deus e aos irmãos, e
os filhos de Deus creem que Jesus veio em carne, morreu,
ressuscitou e voltará. Já os filhos do diabo não praticam a
justiça nem amam aos irmãos. A falta de justiça e a falta de
amor provam a falta de novo nascimento.
Concluo esta exposição evocando mais uma vez a
contribuição do erudito expositor John Stott:

Se Cristo se manifestou para tirar os pecados e para destruir as obras
do diabo e se quando ele se manifestar pela segunda vez, haveremos
de vê-lo como ele é e seremos semelhantes a ele, como podemos
continuar vivendo no pecado? Fazê-lo é negar o propósito de suas
duas manifestações. Se quisermos ser leais à sua primeira vinda e estar
preparados para a sua segunda vinda, devemos nos purificar, como ele
é puro. Agindo assim, daremos prova de que nascemos de Deus.311
No t a s d o c a p í t u l o 8
276 K istem aker, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 396.
277 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 102.
278 B laney, Harvey. A primeira epístola de João. Em Comentário Bíblico
Beacon. Vol. 10. 2005: p. 310.
279 d e B o o r, Werner. Cartas de João. Em Comentário Esperança. 2008:
p. 344.
280 d e B o o r, Werner. A primeira carta de João. Em Comentário Espe­
rança. 2008: p. 345.
281 B laney, Harvey. A primeira epístola de João. Em Comentário Bíblico
Beacon. Vol. 10. 2005: p. 311.
282 S to tt, John. I, II, III João: Introdução e comentário. 1982: p. 102.
283 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 102.
284 S to tt, John. I, II, III João: Introdução e comentário. 1982: p. 103.
285 O g ilv ie, Lloydjohn. Quando Deus pensou em você. 1983: p. 76.

286 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 104.
287 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 106.
288 d e B oo r, Werner. A primeira carta de João. Em Comentário Espe­
rança. 2008: p. 349.
289 Lopes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 89.
290 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 108.
291 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p.
105.106.
292 W iersbe, W arren W. Comentário biblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 649.
293 Lo p es, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 89.
294 W íersbe, Warren W. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 649.
295 d e B o o r, Werner. A primeira carta de João. Em Comentário Espe­
rança. 2008: p. 349,350.
296 d e B oo r, Werner. A primeira carta de João. Em Comentário Espe­
rança. 2008: p. 350.
297 Lopes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p- 89.
298 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p.
106.107.
299 d e B o o r, Werner. A primeira carta de João. Em Comentário Espe­
rança. 2008: p. 351-
3°o STOTX, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 107.
301 Lopes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 92.
302 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 109.
303 K istem aker, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 405.
304 O gilv ie, Lloyd John. Quando Deus pensou em você. 1983: p. 83.
305 O g ilv ie, Lloyd John. Quando Deus pensou em você. 1983: p. 84.
306 Lopes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 94.
307 W iersbe, W arren W. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 647.
308 K istem aker, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 403.
309 d e B o o r, Werner. A primeira carta de João. Em Comentário Espe­
rança. 2008: p. 353.
310 Lopes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 95.
3,1 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 111.

O amor, a
apologética final
(1Jo 3.11-24)
O a p ó s t o l o JoÃo a c a b a r a d e m o s­
t r a r que aquele que não pratica a justi­
ça nem ama a seu irmão é filho do diabo
e não filho de Deus (3.10). Agora, por
contraste, argumenta que o amor aos ir­
mãos é a evidência da salvação (3.14).
João contrasta o ódio de Caim como
protótipo do mundo (3.12,13) com o
amor de Cristo que deve ser visto na
igreja (3.14-18).
Warren Wiersbe vê no texto em apre­
ço quatro níveis de relacionamentos:
homicídio (3.11,12); ódio (3.13-15),
indiferença (3.16,17) e amor (3.18-24).
A única diferença entre o nível 1 e o
nível 2 é o ato exterior de tomar uma
vida. A intenção interior é a mesma. A

prova do amor cristão não é apenas deixar de fazer o mal a
outros. O amor envolve a prática do bem. Uma pessoa não
precisa ser homicida para pecar; dentro do coração, o ódio
corresponde a homicídio. Mas também não precisa sequer
odiar o irmão para ter pecado. Basta ignorá-lo ou mostrar­
-se indiferente às suas necessidades. O amor não pratica o
mal, nem é indiferente; o amor pratica o bem.312
Três verdades são aqui destacadas pelo apóstolo: o con­
traste do amor, a demonstração do amor e os resultados do
amor. Vamos, agora, expor estas três verdades.
O contraste do amor (3.11-15)
Para melhor compreensão do texto em pauta, destacare­
mos alguns pontos:
Em primeiro lugar, o amor fraternal é uma mensagem
antiga e não uma novidade (3.11). “Porque a mensagem
que ouvistes desde o princípio é esta: que nos amemos uns
aos outros.” A primeira coisa que João deixa claro é que
a mensagem apostólica acerca do amor fraternal não era
uma novidade como a pregação dos falsos mestres. Estes se
jactavam do seu novo ensino, recebido por uma iluminação
especial. João refuta os falsos mestres mostrando que a
mensagem que está trazendo para a igreja é a mesma que a
igreja ouvira desde o princípio.
João apela para a autoridade da tradição apostólica, que
remonta ao próprio Cristo, para estabelecer firmemente
a mensagem que eles haviam recebido. O conteúdo da
mensagem é que os cristãos devem amar uns aos outros.313
Essa mensagem acerca do amor estava em consonância
com o todo das Escrituras (Dt 6.5; Lv 19.18). Jesus chegou
mesmo a dizer que o amor é o maior dos mandamentos
(Mt 22.34-40) e o critério pelo qual seremos conhecidos

como seus discípulos (Jo 13.34,35). O apóstolo Paulo
destacou que o amor é o cumprimento da lei (Rm 13.9; G1
5.14). Em segundo lugar, o amor fraternal promove o bem e
não o mal(3.12). “Não segundo Caim, que era do Maligno
e assassinou a seu irmão; e por que o assassinou? Porque
as suas obras eram más, e as de seu irmão, justas.” João diz
que não devemos amar segundo Caim. O amor de Caim
era dissimulado e falso. Ele estava presente nos lábios, mas
não no coração. Ele amava de palavras, mas não de fato e de
verdade. Por isso, ele assassinou ao seu irmão e isso, pelos
motivos mais torpes.
Caim era do Maligno. Ele assassinou. Assassinou seu
irmão. Caim assassinou seu irmão porque as suas obras
eram más, e justas as de seu irmão. Augustus Nicodemus
tem razão quando diz que aqui João interpreta a narrativa
de Gênesis, dando o motivo do crime: as boas obras de Abel
despertaram o ódio do ímpio Caim, cujas obras eram más.
Abel era homem de fé (Hb 11.4), justo (Mt 23.35) e
Deus se agradou dele (Gn 4.4). Caim, por sua vez, era
do Maligno (3.12) e sua religião era falsa (Jd 11). Seu
ódio mortal contra Abel foi movido pela inveja, que se
desenvolveu em ira e finalmente em assassinato (Gn 4.5,8).
A inveja o levou a odiar e matar aquele a quem deveria ter
amado e imitado.314
Concordo com Simon Kistemaker quando diz que o
caso não é que Caim, ao assassinar seu irmão, tornou-se
filho do diabo, mas sim que, sendo um filho do diabo, suas
ações eram malignas e culminaram com o assassinato de
seu irmão.315
Warren Wiersbe diz que, séculos depois, os fariseus fize­
ram a mesma coisa com Jesus (Mc 15.9,10), e Jesus também
os chamou de filhos do diabo (Jo 8.44).316

O apóstolo João diz que Caim é um símbolo do mundo
que nos odeia (3.13). Caim odiou Abel não porque Abel
era mau, mas porque Abel era piedoso. Não foram os
pecados de Abel que inflamaram seu ódio, mas as virtudes.
A retidão de Abel atormentava Caim.
Assim, também, o mundo odeia a igreja não porque
a igreja esteja nas trevas, mas porque ela está na luz.
Nicodemus tem razão quando diz que os inimigos dos
cristãos eram movidos pelo ódio milenar do diabo contra
Deus, do mundo contra Cristo, e dos falsos mestres contra
a verdade de Deus.317
Vamos examinar um pouco mais a vida de Caim, agora,
à luz da narrativa de Gênesis capítulo 4.1-16. Caim não era
um ateu. Ele era religioso. Ele fazia oferendas a Deus. Seu
ódio brota neste contexto da prática religiosa. Vamos ver o
processo da rebeldia espiritual de Caim.
Caim quis adorar a Deus sem observar os preceitos de Deus.
A aproximação de Deus se dava por meio do sangue (Gn
4.4). O sangue dos animais apontava para o sacrifício per­
feito de Cristo na cruz (Rm 3.24-26). Todos os sacrifícios
apontavam para o Cordeiro de Deus que tira o pecado do
mundo (Jo 1.29). Quando Caim trouxe a Deus um sacrifí­
cio incruento, ele estava desprezando o caminho de Deus,
a Palavra de Deus, as prescrições do culto divino. Queria
abrir até Deus um caminho pelos seus esforços, o caminho
das obras. O caminho de Caim é o caminho do humanis­
mo idolátrico, o caminho das obras de justiça separado da
graça (Jd 11).
Caim quis prestar culto a Deus sem examinar o próprio
coração. O apóstolo João é enfático em afirmar que Caim
era do Maligno (3.12). Ele queria cultuar a Deus sem per­
tencer a Deus. Ele queria enganar a Deus com sua oferta,

enquanto ele mesmo era do Maligno. Caim pensou que
podia separar o culto da vida. Ele pensou que Deus esti­
vesse buscando adoração e não adoradores. Se a nossa vida
não for de Deus e não estiver certa com Deus, o nosso culto
será abominável aos olhos do Senhor.
Deus não se agrada de rituais separados de seus preceitos
nem de rituais separados da vida. Culto sem vida é
abominação para Deus (Is 1.13,14; Am 5.21-23; Ml 1.10).
Caim quis prestar um culto a Deus com o coração cheio de
ódio e inveja do seu irmão Abel. O apóstolo João ainda diz
que “Caim, que era do Maligno e assassinou o seu irmão; e
por que o assassinou? Porque as suas obras eram más, e as de
seu irmão justas” (3.12). De nada adianta trazermos ofertas
a Deus se o coração for um poço de inveja e ódio. A relação
com Deus não pode estar certa se a relação com o próximo
estiver quebrada. Antes de trazer a oferta ao altar precisamos
nos reconciliar com os nossos irmãos (Mt 5.23,24). Antes
de Deus aceitar a oferta, ele precisa aceitar o ofertante.
Não podemos separar o culto da vida. As obras de
Caim eram más, porque seu coração era mau. Ele era do
Maligno. Ele não conhecia a Deus nem cultuava a Deus,
cultuava a si mesmo. Ele afrontava a Deus oferecendo uma
oferta errada, da forma errada, com a motivação errada.
Ele queria enganar a Deus e ganhar o status de adorador
quando não passava de filho do Maligno.
A raiz do problema de Caim era a inveja. Ele se desgostou
ao ver que Deus havia aceitado seu irmão e sua oferta, ao
passo que ele mesmo e sua oferta foram rejeitados. Caim
preferiu eliminar seu irmão a imitá-lo. A inveja de Caim o
levou a tapar os olhos e os ouvidos para o aprendizado. Ele
se endureceu no caminho da rebeldia. Não apenas sentiu
inveja, mas consumou o seu pecado, levando o próprio

irmão à morte. Ele não apenas odiou a seu irmão, mas
o fez da forma mais sórdida. Odiou-o não pelo mal que
Abel praticara, mas pelo bem; não pelos erros, mas pelas
virtudes.
A luz de Abel cegou Caim. As virtudes de Abel embru­
teceram Caim. A vida de Abel gestou a morte no coração
de Caim. O culto de Caim, longe de aproximá-lo de Deus,
afastou-o ainda mais. O seu culto não passava de um arre­
medo, de uma máscara grotesca para esconder o coração
invejoso e cheio de ódio.
Caim deu mais um passo na direção do abismo ao rejeitar
a exortação de Deus. Caim não apenas estava errado, mas
não queria se corrigir (Gn 4.3-7). Caim não foi escorraçado
por Deus ao trazer a oferta errada, com a vida errada e
com a motivação errada. Deus o exortou e o chamou ao
arrependimento.
Deus lhe deu a oportunidade para mudar de vida. Mas
Caim preferiu o caminho da rebeldia ao caminho da obediên­
cia. Longe de se arrepender, de tomar novo rumo, Caim deu
mais um passo na direção do pecado. Não virou as costas
para o pecado, virou as costas para Deus. A exortação de
Deus produziu nele endurecimento, e não quebrantamento.
Caim, em vez de cair em si e arrepender-se, irou-se sobrema­
neira. Em vez de voltar-se para Deus, fugiu de Deus. Caim,
em vez de imitar o exemplo de Abel, resolveu assassiná-lo.
Caim prossegue em sua rebeldia ao maquinar o mal contra
seu irmão. Caim pensou que o seu problema era Abel e não
seus próprios pecados. Pensou que a única maneira de ser
aceito era tirar o irmão do seu caminho. Ele olhou para
Abel não como alguém a imitar, mas como um rival a ser
eliminado. As virtudes de Abel o afligiram mais do que suas
próprias fraquezas. A aceitação de Abel atormentou Caim

mais do que a sua rejeição. A eliminação de Abel parecia
recompensá-lo mais do que sua própria aceitação.
Caim torpemente demonstra amor nas palavras, mas esconde
ódio no coração ao consumar seu pecado. Assim diz o texto
bíblico: “Disse Caim a Abel, seu irmão: Vamos ao campo.
Estando eles no campo, sucedeu que se levantou Caim con­
tra Abel, seu irmão, e o matou” (Gn 4.8). A palavra grega es-
phaxen significa literalmente “cortou a garganta, degolou”.318
Fritz Rienecker diz que essa palavra traz a ideia de morte
violenta.319 Caim era um vulcão efervescente de ódio por
dentro, mas um mar plácido e calmo por fora. Ele tinha
palavras aveludadas e um coração perverso. Palavras doces
e um coração amargo. Amizade nos gestos e morte nos
pensamentos. Ele maquinou a morte do irmão com gestos
de amizade. Ele enganou Abel e o matou. Caim assassinou
não um estranho, ou um inimigo, mas o seu irmão, carne
da sua carne, sangue do seu sangue. Matou-o não porque
Abel era uma ameaça à sua vida, mas porque Abel era um
exemplo digno de ser imitado.
Caim revela pertencer ao Maligno e ser exemplo do mundo
ao esconder seu pecado e rejeitar o juízo de Deus. Caim não
levou a sério a Palavra de Deus nem o juízo de Deus. Pensou
que seus atos estivessem fora do alcance de Deus. Ele não
só pecou, como tentou escapar das consequências do seu
pecado. Deus não apenas exortou Caim para não pecar,
mas o confrontou depois de pecar (Gn 4.9-11). Caim
acabou colhendo o que plantou. Ele preferiu fugir de Deus
a obedecê-lo, e foi sentenciado a ser um fugitivo e errante
pela terra (Gn 4.12).
Em terceiro lugar, o amor fraternal desperta o ódio do
mundo (3.13). “Irmãos, não vos maravilheis se o mundo
vos odeia.” João exorta a igreja a não ficar escandalizada

com o ódio do mundo, pois o mundo é a posteridade de
Caim.320 Os filhos de Caim sáo filhos do Maligno e eles
odeiam a igreja como odiaram a Cristo. Eles odeiam a
igreja exatamente porque Cristo está na igreja. O mundo
odeia Cristo na igreja. Quando o mundo persegue a igreja
está perseguindo o próprio Cristo (At 9.4).
Werner de Boor diz que Caim torna mais uma coisa
compreensível para as igrejas: “Irmáos, náo vos maravilheis
se o mundo vos odeia”. Nos autos dos processos dos mártires
e nos escritos dos apologistas do início do cristianismo
e dos pais da igreja antiga constantemente é salientado
o doloroso espanto: por que, afinal, vocês nos odeiam?
Vivemos castos, pacatos e disciplinados. Náo fazemos nada
de especial, ajudamos os pobres e enfermos, oramos pelos
governantes - por que vocês nos entregam à morte cruel?
Justamente por vivermos desta forma somos um espi­
nho e uma censura ao mundo. Jesus deixou claro a seus dis­
cípulos: “Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que
era seu; como, todavia, náo sois do mundo, pelo contrário,
dele vos escolhi, por isso, o mundo vos odeia” (Jo 15.19).321
Em quarto lugar, o amor é a evidência da salvação (3.14).
“Nós sabemos que já passamos da morte para a vida, porque
amamos os irmáos; aquele que náo ama permanece na
morte.” Mesmo que o mundo nos odeie, nós náo odiamos,
mas amamos. O fato de amarmos os irmáos dá-nos boa
base para a certeza da vida eterna.322
O amor náo é a causa da salvaçáo, mas a evidência.
Joáo trabalha nessa carta três provas que distinguem o
verdadeiro cristáo do falso cristáo: as provas doutrinária,
social e moral. O verdadeiro crente é conhecido pela sua fé
em Cristo, seu amor aos irmáos e sua santidade de vida. O
amor é a apologética final, uma vez que o amor é o maior

mandamento, cumprimento da lei e evidência cabal de que
somos discípulos de Cristo.
O apóstolo João é enfático em afirmar que aquele que
não ama permanece na morte (3.14b). Permanecer na mor­
te é a mesma coisa de andar nas trevas (1.6; 2.9), não ter
a verdade (2.4), não saber para onde vai (2.11), ser men­
tiroso (2.4; 2.22) e ser do diabo (3.8,10). São os termos
empregados por João para descrever a verdadeira situação
dos que não conhecem a Deus, não se arrependeram de
seus pecados nem se achegaram a Cristo para receberem
vida. Por conseguinte, estes são os que caminham para a
morte eterna.323
Em quinto lugar, o ódio é a evidência da perdição (3.15).
“Todo aquele que odeia a seu irmão é assassino; ora, vós
sabeis que todo assassino não tem a vida eterna permanente
em si.” Se o amor é prova de vida eterna, o ódio é evidência de
morte espiritual. Quem odeia é um assassino em potencial.
O ódio é o campo onde brota a semente do assassinato. O
assassinato tem sua origem no ódio.
João Calvino chegou a afirmar que se desejamos que
aconteça um mal ao nosso irmão, mesmo que causado por
outra pessoa, somos assassinos.324 Caim odiou e matou
Abel. Esaú odiou seu irmão Jacó e planejou matá-lo (Gn
27.41). Absalão odiou seu irmão Amnom e o matou (2Sm
13.22-28). Herodias odiava João Batista e desejava matá-lo
(Mc 6.19). E por isso que Deus julga não apenas a ação,
mas também a intenção. Ele conhece não apenas os atos,
mas também as motivações. Para Deus, quem odeia já é
um assassino, pois o ódio é o prelúdio do assassinato; ele é
a porta de entrada do crime.
Se a marca do salvo é o amor, o ódio que leva à morte
não pode ser o seu distintivo. Uma pessoa salva busca a

edificação do irmão e não sua morte. Logo, o assassino não
tem vida eterna permanente em si. Isso não significa que o
apóstolo esteja negando a possibilidade de arrependimento
e perdão para um homicida nem esteja dizendo que um
assassino não possa ser salvo. Ele poderá ser salvo, desde
que se arrependa de seus pecados, mude sua conduta e
coloque sua confiança em Cristo.
A demonstração do amor (3.16-18)
O apóstolo João faz uma transição do ódio de Caim
para o amor de Cristo; do ódio do mundo para o amor da
igreja. Ele interrompe o contraste do amor para falar acerca
da demonstração do amor. Três grandes verdades são aqui
apontadas:
Em primeiro lugar, o amor é demonstrado pela abnegação
(3.16). “Nisto conhecemos o amor: que Cristo deu a sua
vida por nós; e devemos dar nossa vida pelos irmãos.”
Tendo mostrado que o amor é a evidência da vida, explica
que a essência do amor é o sacrifício próprio.325 Se o ódio é
negativo e procura o mal do outro, o amor é positivo e dá
a vida pelo outro. O amor é conhecido pelo que dá e não
pelo que toma.
John Stott está correto quando diz: “Como Caim foi
dado como exemplo supremo do ódio, Cristo é apresentado
como o supremo exemplo de amor. O ódio de Caim deu
em assassinato, o amor de Cristo em sacrifício próprio”.326
Caim tirou a vida de seu irmão, Cristo deu a sua vida por
nós.
O amor de Cristo não foi apenas de palavras, mas, sobre­
tudo, de ação. Ele amou e deu não apenas algo, mas a sua
própria vida. O amor de Cristo é o nosso supremo exem­
plo. Assim como ele deu a sua vida por nós, devemos dar

a nossa vida pelos irmãos. Obviamente não podemos dar
a nossa vida como Cristo no-la deu. Cristo deu a sua vida
por nós vicariamente. Nesse sentido não podemos imitar a
Cristo. Porém, podemos dar a nossa vida pelos irmãos em
termos de serviço e cuidado.
Em segundo lugar, o amor é demonstrado pela compaixão
(3.17). “Ora, aquele que possuir recursos deste mundo,
e vir a seu irmão padecer necessidade, e fechar-lhe o seu
coração, como pode permanecer nele o amor de Deus?”
João mostra de forma prática como podemos expressar o
nosso amor pelos irmãos. O apóstolo faz uma transição
do geral para o particular; dos irmãos para o irmão. E fácil
amar a todos; o desafio é amar e socorrer o necessitado.
John Stott, citando Lewis, diz que amar toda gente em
geral pode ser uma desculpa para não amar ninguém em
particular.327 Fechar o coração ao necessitado é o oposto de
compaixão. Compaixão é abrir o coração antes de abrir as
mãos. Compaixão é abrir o bolso e não apenas a boca. Está
correta esta sentença: “Como a vida não habita no assassino
(3.15), o amor não habita no mesquinho (3.17)”.328
O amor de Deus em nós leva-nos a sermos canais deste
amor aos outros. Quando amamos e damos, estamos imi­
tando a Deus em seu amor, que nos amou e nos deu seu
Filho (Jo 3.16; Rm 5.8; 8.32).
Lloyd John Ogilvie traduz corretamente o espírito
do cristianismo quando diz que não há vocação mais
estimulante para o cristão do que ser um libertador de
pessoas mediante expressões de amor humano, divinamente
inspirado.329
Em terceiro lugar, o amor é demonstrado pela ação (3.18).
“Filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas
de fato e de verdade.” O amor não é um discurso teórico

(de palavra e de língua), mas uma ação prática (de fato e
de verdade). O amor não é o que falamos, mas o que faze­
mos. O amor não é tanto uma questão de sentimento, mas
de movimento, e movimento em direção do necessitado.
Amamos não com discursos eloquentes, regados de emo­
ção, mas com ações práticas para aliviar a dor do irmão e
socorrê-lo em suas necessidades.
John Stott tem razão quando diz que o amor não é
essencialmente sentimento nem conversa, mas atos. Na
verdade, se o nosso amor há de ser genuíno (de verdade),
inevitavelmente será positivo e ativo (de fato).330
Simon Kistemaker diz que amor e fé têm em comum
que ambos precisam de obras para atestar sua autenticidade.
Palavras de amor que nunca são traduzidas em ação não
valem nada. Amor é o ato de dar suas posses, talentos e a si
mesmo por outra pessoa. Assim as palavras e a língua têm
seus equivalentes na ação e na verdade.331
Os resultados do amor (3.19-24)
O apóstolo João faz uma transição da demonstração do
amor para os resultados do amor. Quais são os resultados
do amor? O apóstolo elenca três benditos resultados do
amor:
Em primeiro lugar, consciência tranquila (3.19-21).
E nisto conhecemos que somos da verdade, bem como, perante ele,
tranquilizaremos o nosso coração; pois, se o nosso coração nos acusar,
certamente, Deus é maior do que o nosso coração e conhece todas as
coisas. Amados, se o coração não nos acusar, temos confiança diante
de Deus.
Quando amamos como Cristo nos amou, temos
consciência tranquila diante de Deus, pois o fruto do amor é

a confiança. É amando os outros “de verdade” que sabemos
que somos “da verdade”.332 Tranquilizar o coração é o
processo pelo qual conversamos, dialogamos e arrazoamos
com a nossa consciência e nos persuadimos de que, pelo
perdão obtido mediante o sangue precioso de Jesus, somos
absolvidos da culpa e estamos no favor de Deus.
No processo de argumentação conosco mesmos,
usamos o amor pelos irmãos como evidência de que fomos
alcançados pelo amor de Deus.333 Amar os irmãos, diz
Augustus Nicodemus, é o remédio para alguns dos males
tão comuns entre os crentes, como incerteza, angústia e
insegurança, bem como falta de ousadia e coragem diante
de Deus na oração.334
John Stott, citando Law, lança luz sobre este importante
assunto: “Há três atores neste drama espiritual, três oradores
neste debate interior. E uma espécie de julgamento, com o
nosso coração como acusador, nós mesmos como o advogado
de defesa e Deus como o Juiz”. Se nossa consciência nos
acusa não devemos considerá-la a suprema corte do nosso
julgamento nem aceitar que ela seja a palavra final da nossa
sentença. Deus é maior do que nossa consciência.
O conhecimento de Deus é pleno e o de nossa consciência,
limitado. O julgamento de Deus é pleno de misericórdia e
de nossa consciência, muitas vezes, implacável. E melhor
estar nas mãos de Deus do que nas nossas mãos. Corremos
o grande risco de sermos esmagados por nós mesmos e
sermos assolados pela autocondenação. Corremos o risco
de vivermos como prisioneiros da culpa, na masmorra do
medo, perdendo a alegria de viver por não compreendermos
a graça.
Precisamos começar um novo passado. Precisamos dei­
xar o passado no passado e viver o presente com alegria

e caminhar para o futuro firme na certeza de que a graça
nos restaurou e que pelo sangue de Jesus somos aceitos por
Deus como membros da sua família. Agora somos filhos de
Deus, herdeiros de Deus, habitação de Deus e herança de
Deus. Somos a menina dos seus olhos e a sua delícia, em
quem ele tem todo o seu prazer. Harvey Blaney está absolu­
tamente correto quando diz que o perdão deve ser tão real
quanto a culpa.335
Lloyd John Ogilvie diz que não precisamos colher
lembranças ruins para fazer parte do banco de memória
de nosso coração. Em cada crise podemos tranquilizar o
nosso coração perante Deus. Quando somos tentados pela
dúvida, podemos olhar nossa vida pelas lentes do Calvário.
Deus é por nós. Seus recursos estão disponíveis para nós.
Encontramos nele refúgio. Ele não nos rejeitará por causa
do nosso passado. Ele nos acolhe em nosso presente e ele é
o Senhor do nosso futuro.336
Descansamos no que Deus fez por nós em Cristo e
não naquilo que fazemos para Deus ou mesmo para os
nossos irmãos. Em Deus está a nossa segurança e não em
nós mesmos. O propósito, portanto, deste texto é curar a
consciência ferida e não abrir mais ainda a sua ferida; é dar
segurança e não infligir terror aos corações.337
William Barclay diz corretamente que o conhecimento
perfeito que pertence a Deus, e somente a Deus, não é
nosso terror, mas nossa esperança.338
John Stott sintetiza esse ponto de forma clara:
A nossa consciência não é infalível, de maneira nenhuma; a
condenação que faz pode ser com frequência injusta. Podemos,
pois, apelar de nossa consciência para Deus que é maior e conhece
mais. Na verdade, ele conhece todas as coisas, inclusive os nossos
motivos secretos e os nossos propósitos mais profundos, e, está

implícito, que será mais misericordioso para conosco do que o nosso
coração. A sua onisciência nos assiste, não nos aterroriza (SI 103.14;
Jo 21.17). Assim é o conhecimento de que só ele pode aquietar o
coração acusador, o nosso conhecimento do nosso sincero amor pelos
outros e supremamente o conhecimento que Deus tem dos nossos
pensamentos e motivos. Mais forte do que qualquer tranquilizador
químico é a confiança em nosso Deus que conhece todas as coisas.339
Em segundo lugar, orações respondidas (3.22,23).
E aquilo que pedimos dele recebemos, porque guardamos os seus
mandamentos e fazemos diante dele o que lhe é agradável. Ora, o
seu mandamento é este: que creiamos em o nome de seu Filho, Jesus
Cristo, e nos amemos uns aos outros, segundo o mandamento que
nos ordenou.
Guardar os mandamentos de Deus e fazer o que lhe
é agradável não são base meritória da resposta às nossas
orações, mas condições indispensáveis. A base é o mérito e
mediação de Cristo.
Em apenas duas ocasiões João fala de oração nesta
carta (3.22,23; 5.14,15). Em ambas as ocasiões diz que
as orações só serão respondidas mediante a observação de
certas condições: obediência aos mandamentos de Deus e
submissão à vontade de Deus.
Nossas orações serão interrompidas sem uma vida de
obediência a Deus, assim como Caim e o seu culto foram
rejeitados por Deus por causa de suas atitudes mundanas.
As orações são respondidas conforme a vontade de Deus
(5.14) e não segundo nossos pretensos direitos.
A obediência a Deus é uma evidência de que a nossa
vontade está em sintonia com a vontade de Deus. Se qui­
sermos ver as nossas orações respondidas, precisamos orar

ao Pai e para a glória do Pai, em nome de Cristo, e no poder
do Espírito. Precisamos ter vida limpa e coração livre de
mágoa. Precisamos obedecer aos mandamentos e crer nas
promessas.
No entanto, que mandamentos devemos obedecer? João
fala de um único mandamento, abrangendo fé em Cristo
e amor uns aos outros (3.23). Fé e amor fazem parte do
núcleo da vida cristã. Tratam da nossa relação com Deus
e com o próximo, da nossa relação vertical e horizontal. A
primeira parte do mandamento é crer em o nome de seu
Filho, Jesus Cristo (Jo 6.29). Crer no nome é o mesmo
que crer nele; João emprega o termo nome no sentido
oriental: o nome de uma pessoa representa tudo o que ela
é. Ambos os títulos (Filho de Deus e Cristo) apontam para
a sua divindade, verdade esta negada pelos falsos mestres
gnósticos.
Augustus Nicodemus tem toda razão quando adverte:
“A questão não é somente crer em Jesus, mas crer naqui­
lo que Deus nos diz acerca de Jesus, conforme a pregação
apostólica”.340 A segunda parte do mandamento é amar uns
aos outros. O amor é um dos sinais distintivos do verdadei­
ro cristianismo (3.10; 3.14; 3.16,17).
Em terceiro lugar, permanência garantida (3.24). “E
aquele que guarda os seus mandamentos permanece em
Deus, e Deus, nele. E nisto conhecemos que ele permanece
em nós, pelo Espírito que nos deu.” A observância dos
mandamentos divinos é uma condição e uma evidência de
que permanecemos em Deus e ele permanece em nós.
Augustus Nicodemus é enfático em afirmar que a
permanência em Deus não é uma experiência mística;
consiste em permanecer no ensinamento apostólico sobre
Jesus, o Filho de Deus (4.15), e viver de acordo com isso.

Da mesma sorte, a permanência de Deus no crente é seu
governo sobre ele, mediante a presença do Espírito Santo,
traduzindo-se em obediência aos mandamentos.341 A prova
irrefutável, portanto, de que Deus permanece em nós é a
habitaçáo do seu Espírito em nós. O Espírito Santo nos foi
dado como selo e penhor (Ef 1.13,14).
John Stott está certo quando diz que a condição para a
permanência em Deus é a obediência (3.24a) e a prova da
permanência é a dádiva do Espírito (3.24b).342
Warren Wiersbe diz que a Primeira Epístola de João foi
comparada a uma escadaria em caracol, pois ele sempre
volta a três assuntos pivotantes: amor, fé e obediência.343
Concluímos este capítulo, portanto, destacando que
João volta a enfatizar estas três provas que identificam o
verdadeiro cristão: a prova doutrinária (fé em Cristo), a
prova social (amor aos irmãos) e a prova moral (obediência
aos mandamentos).
No t a s d o c a p í t u l o 9
312 W iersbe, Warren W. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 654-661.

313 Lopes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 98.
314 Lopes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p- 99.
315 K istem aker, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 409.
316 W iersbe, Warren W. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 455.
317 Lopes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 99.
318 S to tt, John. J II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 120.
319 R ien eck er, Fritz e R o g ers, Cleon. Chave linguística do Novo Testa­
mento grego. 1985: p. 588.
320 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 121.
321 d e B o o r, Werner. Cartas de João. Em Comentário Esperança. 2008:
p. 356.
322 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 122.
323 Lopes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p.
99,100.
324 C alv in o , João. Commentaries on the catholic epistles: The first epistle
of John. Eerdmans. Grand Rapids, MI. 1948: p. 218.
325 S to tt, John. I, II, III João: Introdução e comentário. 1982: p. 123.
326 5XOXX; John. I, II, III João: Introdução e comentário. 1982: p. 123.
327 S to tt, John. I, II, III João: Introdução e comentário. 1982: p. 124.
328 S to tt, John. I, II, III João: Introdução e comentário. 1982: p. 124.
329 O g ilv ie, Lloyd John. Quando Deus pensou em você. 1983: p. 91.
330 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 125.
331 K istem aker, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 417.
332 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 125.
333 Lopes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 106.
334 Lopes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 108.
335 B laney, Harvey. A primeira epístola de João. Em Comentário Bíblico
Beacon. Vol. 10. 2006: p. 316.
336 O g ilv ie, Lloyd John. Quando Deus pensou em você. 1983: p. 94,95.
337 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 128.
338 Barclay, William. I, II, III Juany Judas. 1974: p. 99.
339 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p.
126,127.
340 Lopes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 111.
341 Lopes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 112.
342 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 131.
343 W iersbe, W arren W. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 654.

Capítulo 1(i
Como podemos
conhecer um
verdadeiro cristão
(IJo 4.1-21)
A PRINCIPAL TESE DO APÓSTOLO JOÃO
nessa epístola é provar que temos a vida
eterna (5.13). Ao longo da carta, João
trabalha com três provas insofismáveis
que identificam um verdadeiro cristão:
a prova doutrinária, a social e a moral.
No texto em apreço, o apóstolo retorna
à prova doutrinária e social, ou seja, à fé
e ao amor.
Um verdadeiro cristão é conhecido por
aquilo que ele crê (4.1-6)
A igreja na Ásia Menor, no final do
primeiro século, estava sendo ataca­
da pelas heresias dos falsos mestres. O
gnosticismo incipiente estava sendo
proposto como alternativa à fé cristã. As

verdades do cristianismo estavam sendo atacadas desde os
seus alicerces. Os mestres gnósticos negavam tanto a divin­
dade quanto a humanidade de Cristo. Eles pregavam um
falso cristo, um falso evangelho, uma falsa fé e um falso
amor.
E neste contexto que João exorta a igreja para não dar
crédito a qualquer espírito. Em vez de ter uma fé ingênua,
os crentes deveriam provar os espíritos se de fato procediam
de Deus. A negação da encarnação de Cristo era uma
evidência insofismável de que o espírito que estava por trás
destes pregadores era o espírito do anticristo e não o Espírito
de Deus. Algumas verdades devem ser aqui observadas:
Em primeiro lugar, um alerta solene (4.1). “Amados, não
deis crédito a qualquer espírito...”. A palavra “espírito” nes­
te versículo equivale a ensinamento.344 Os falsos mestres
estavam tentando fazer uma combinação da filosofia grega
com o cristianismo. A proposta deles era um concubina­
to espúrio entre o conhecimento esotérico e a fé cristã. A
heresia nem sempre vem com uma negação ostensiva e in­
tegral da verdade. Ela propõe uma parceria. Ela vem com
uma linguagem ecumênica. Ela está disposta a sentar-se à
mesa para dialogar. A igreja de Cristo, porém, não pode ser
crédula. Ela não pode ser acrítica. Ela não pode dar crédito
àqueles que falam em nome de Deus sem trazer integral­
mente a doutrina de Deus.
John Stott diz que o tempo presente de “não deis crédito
a qualquer espírito” indica que os leitores de João eram
propensos a aceitar sem crítica todo ensino que parecesse
dado por inspiração. Era preciso mostrar-lhes que identificar
o sobrenatural com o divino é um erro perigoso.345
Em segundo lugar, uma ordem expressa (4.1b). “[...]
antes, provai os espíritos se procedem de Deus, porque

muitos falsos profetas têm saído pelo mundo afora”. João
dá uma ordem e em seguida oferece a justificativa. Sua
ordem tem uma razão de ser. Ela não vem num vácuo.
Porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo afora,
os crentes precisam provar os espíritos, para saber se de fato
eles procedem de Deus.
Werner de Boor está correto quando diz que a expressão
“têm saído” remete ao fato de que os falsos mestres destaca­
vam enfaticamente seu “envio”, que os impelia atuar mun­
do afora. O aspecto sedutor desses homens era o fato de se
apresentarem com essa consciência de envio, demandando
fé e obediência.346
Augustus Nicodemus diz que em vez de uma atitude
de credulidade simplista, os crentes deveriam ter uma
atitude crítica para com as manifestações alegadamente
provenientes de Deus. “Provar” significa, à semelhança do
metalúrgico que testa a integridade do metal por meio do
fogo, testar a mensagem com a verdade apostólica, para
saber qual o espírito que está por trás dela.347
Os falsos mestres fizeram do mundo suas salas de aula.
Desejavam conquistar a audiência de muitos cristãos.348
Simon Kistemaker fala de duas esferas espirituais neste
mundo: uma é do domínio do Espírito Santo; a outra é do
domínio do diabo.
O Espírito Santo habita nos filhos de Deus (3.24), mas
o espírito do diabo vive nos falsos profetas, que falam em
seu nome.349 Satanás imita o fenômeno da iluminação
divina inspirando falsos profetas e mestres, com o objetivo
de espalhar o erro religioso e afastar as pessoas da verdade
(lTm 4.1,2; 2Pe 2.1).350
Acolher todo pregador que fala em nome de Deus e
ouvir de boa mente toda pregação como se fosse verdadeira

são uma atitude insensata. Precisamos ser crentes bereanos.
Precisamos julgar os profetas. Precisamos passar tudo o que
ouvimos pelo crivo da Palavra de Deus. Concordo com
John Stott quando diz que não se deve confundir a fé cristã
com credulidade. A fé verdadeira examina o seu objeto
antes de depositar confiança nele.351
Jesus preveniu os seus discípulos acerca dos falsos pro­
fetas (Mt 7.15: Mc 13.22,23). De igual forma o fizeram
Paulo (At 20.28-30) e Pedro (2Pe 2.1). Ainda hoje há mui­
tas vozes clamando por nossa atenção. Somos um canteiro
fértil onde têm florescido e prosperado muitas seitas, ga­
nhando amplo apoio popular.
Há uma urgente necessidade de discernimento entre os
cristãos. Nossa geração perdeu o entusiasmo pela defesa da
verdade. Mais assustador do que a pregação herética dos
falsos profetas é o silêncio dos profetas de Deus. Assisti­
mos, estarrecidos, a uma perigosa tolerância para com as
falsas doutrinas.
Em terceiro lugar, um esclarecimento necessário (4.2,3).
Nisto reconhecereis o Espírito de Deus: todo espírito que confessar
que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e todo espírito que náo
confessa a Jesus não procede de Deus; pelo contrário, este é o
espírito do anticristo, a respeito do qual tendes ouvido que vem e,
presentemente, já está no mundo.
Simon Kistemaker diz que, no grego, João usa o tempo
perfeito para a palavra veio a fim de indicar que Jesus veio
em natureza humana e, ainda agora, no céu, ele possui uma
natureza humana, ou seja, além de sua natureza divina, ele
também tem uma natureza humana.352
Os falsos mestres gnósticos negavam tanto a divindade
quanto a humanidade de Cristo. Eles negavam tanto a sua

encarnação como a sua ressurreição. Eles negavam tanto o
seu nascimento virginal quanto a sua morte expiatória.
A cristologia deles procedia do anticristo. Embora o
anticristo seja um personagem que aparecerá no futuro, seu
espírito já opera no mundo. Os verdadeiros profetas são
instrumentos de comunicação do Espírito de Deus (4.2).
Os falsos profetas são instrumentos de comunicação
do “[...] espírito do erro” (4.6). Por trás de cada profeta
está um espírito, e por trás de cada espírito está Deus ou o
diabo. Antes de podermos confiar em quaisquer espíritos,
precisamos prová-los, se procedem de Deus. O que importa
é a sua origem.353
Augustus Nicodemus tem razão quando diz que o an­
ticristo é uma figura escatológica sombria que virá no fim
dos tempos, cuja característica principal é a guerra contra o
povo de Deus e o desejo de ocupar o lugar de Deus. Ele virá
no poder de Satanás, fazendo sinais e prodígios e dissemi­
nando o erro, sendo finalmente destruído pelo Senhor. Esse
grande anticristo tem seu caminho preparado, e seu surgi­
mento facilitado por outros anticristos menores, o espírito
do erro que opera e dispõe a mente das pessoas para ele.354
Qualquer espírito que nega que Jesus é o Cristo e qual­
quer espírito que nega que Jesus veio em carne não é de Deus.
William Barclay diz que para ser de Deus, um espírito deve
confessar que Jesus é o Cristo, o Messias. Negar esta verdade
é negar que Jesus é o centro da História, aquele para quem
toda a História tem uma preparação; é negar que ele é o
cumprimento das promessas de Deus; é negar sua soberania.
Jesus Cristo veio não só para morrer, mas também para
estabelecer o seu Reino de graça e de glória. Entretanto,
negar que Jesus veio em carne, ou seja, a sua encarnação, é
negar que ele pode ser o nosso exemplo; é negar que ele seja

o nosso Sumo Sacerdote, que nos abre acesso à presença
de Deus; é negar que ele seja o nosso Salvador; é negar a
redenção do corpo bem como a possibilidade do encontro
entre o humano e o divino.355
Simon Kistemaker é enfático sobre esse ponto:
Qualquer um que separa a natureza humana da natureza divina de
Jesus Cristo fala sem a autoridade de Deus. E qualquer um que negue
a natureza humana ou divina de Jesus “não procede de Deus”. Além
disso, qualquer um que ensine que Jesus recebeu de Deus um espírito
divino quando foi batizado e que esse espírito o deixou quando ele
morreu na cruz está distorcendo o evangelho. E, finalmente, qualquer
um que diga que depois da morte de Jesus ele foi feito Filho de Deus,
não está apresentando a verdade da Palavra de Deus. Todos esses
mestres não falam como representantes de Jesus Cristo, não foram
comissionados por Deus e não são porta-vozes do Espírito de Deus
neste mundo.356
João faz certamente uma distinção entre o conhecimento
e a confissão. Não basta saber que Jesus Cristo veio em carne,
é preciso confessar essa bendita verdade. Até os espíritos
impuros reconheceram a divindade de Jesus durante o
seu ministério (Mc 1.24; Mc 3.11; Mc 5.7,8). Contudo,
embora o conhecessem, não o confessavam. O Espírito de
Deus, porém, dá testemunho de que Jesus Cristo, sendo
Deus, se fez carne.
O ministério particular do Espírito é testemunhar de
Jesus (Jo 15.26; 16.13-15). O ministério do Espírito é o
ministério do holofote. Ele aponta sua luz para Jesus. O
Espírito veio para testemunhar que Jesus não deixou de ser
Deus ao se fazer homem. Sua encarnação não foi aparente
como ensinavam os falsos mestres do docetismo nem sua
divindade foi uma mera simulação.

Os falsos mestres do gnosticismo separavam o Jesus
do Cristo; faziam uma distinção entre o Cristo divino e
o Jesus histórico. Para eles, o Cristo veio sobre Jesus no
batismo e se retirou dele na cruz. João classifica esta posição
como herege e procedente do anticristo. Não foi o Cristo
que veio “para” a carne de Jesus, mas o próprio Jesus era o
Cristo vindo “em” carne.
John Stott é oportuno quando diz que o homem Jesus
de Nazaré não é outro senão o Cristo ou o Filho encarnado.
Longe de vir sobre Jesus no batismo e deixá-lo antes da cruz,
o Cristo veio realmente em carne e nunca a deixou de lado.
Com isto João está dizendo que a doutrina cristã fundamental,
que nunca pode ser transigida, é a da Pessoa divino-humana
e eterna de Jesus Cristo, o Filho de Deus. Nenhum sistema
pode ser tolerado, por mais estrondosas que sejam as suas
pretensões ou por mais cultos que sejam os seus adeptos, se
negar que Jesus é o Cristo vindo em carne, isto é, se negar a
sua divindade eterna ou a sua humanidade histórica.357
Em quarto lugar, um contraste profundo (4.4). “Filhinhos,
vós sois de Deus e tendes vencido os falsos profetas, porque
maior é aquele que está em vós do que aquele que está no
mundo.”
João faz uma transição dos falsos profetas para os ver­
dadeiros crentes. Os falsos profetas são governados pelo
espírito do anticristo; os verdadeiros crentes procedem de
Deus, são de Deus e são habitados por Deus. Os verdadei­
ros crentes vencem os falsos profetas porque o Deus que
neles está é maior do que o espírito do engano que habita
nos falsos profetas.
Werner de Boor diz que o Deus vivo, infinitamente
maior que o inimigo, não apenas está com os crentes, mas
também está neles. A mais necessária armadura para todas

as lutas e a força para repetidas vitórias está em saber que o
próprio Senhor está “em nós” pelo Espírito Santo.358
Em quinto lugar, uma procedência distinta (4.5,6).
Eles procedem do mundo; por essa razáo, falam da parte do mundo,
e o mundo os ouve. Nós somos de Deus; aquele que conhece a Deus
nos ouve; aquele que não é da parte de Deus não nos ouve. Nisto
conhecemos o espírito da verdade e o espírito do erro.
Simon Kistemaker diz que os falsos profetas “são do
mundo”. Eles tiram seus princípios, cuidados, objetivos e
existência do mundo de hostilidade, no qual Satanás gover­
na como príncipe (Jo 12.31).359 Pensamentos satanicamen-
te inspirados são atraentes para as mentes mundanas, diz
Augustus Nicodemus.360
Os falsos profetas procedem do mundo, e os verdadeiros
crentes procedem de Deus; o mundo ouve os falsos profetas
enquanto os verdadeiros crentes ouvem o ensinamento dos
apóstolos. Aqueles que são de Deus ouvem as palavras de
Deus (Jo 8.47). As ovelhas de Cristo ouvem a sua voz (Jo
10.4,5,8,16,26,27). Aqueles que são da verdade, ouvem o
testemunho da verdade (Jo 18.37). No entanto, o mundo
ouve os falsos profetas. O mundo é governado pelo espírito
do erro e não pelo espírito da verdade.
Um verdadeiro cristão é conhecido pelo amor (4.7-12)
Ao traçar um perfil do verdadeiro cristão, o apóstolo
João passa da prova doutrinária para a prova social. Ele faz
uma transição da fé para o amor. O cristão é conhecido
pelo que crê e também pelo amor. A fé e o amor são pilares
da sua vida cristã.
John Stott tem razão quando diz que em 3.23 João resu­
miu o mandamento de Deus como sendo “crer em Cristo e

amar-nos uns aos outros”. Desenvolveu em 4.1-6 algumas
das implicações da fé em Cristo; agora se volta abrupta­
mente para o tema do amor mútuo. Essa é a terceira vez,
nessa epístola, que ele retoma e aplica a suprema prova do
amor (2.7-11; 3.11-18; 4.7-12). A prova é cada vez mais
penetrante. E porque Deus é amor (4.8,17), amou-nos em
Cristo (4.10,11), e continua a amar em nós e por intermé­
dio de nós (4.12,13) que devemos amar-nos uns aos ou­
tros.361
Warren Wiersbe coloca essas mesmas verdades de outra
forma. Ele diz que primeiro o amor pelos irmãos foi
apresentado como prova da comunhão com Deus (2.7-11);
em seguida, foi apresentado como prova da filiação (3.10­
14). Na primeira passagem citada, o amor é uma questão
de luz ou trevas; na segunda, é uma questão de vida ou
morte. Porém, em 4.7-12, chega-se ao cerne da questão.
Aqui se vê por que o amor é uma parte tão importante da
vida real. O amor é um parâmetro válido para a comunhão
e a filiação porque “Deus é amor”. O amor faz parte da
própria natureza e ser de Deus. Quem se encontra em
união com Deus, por meio da fé em Cristo, compartilha de
sua natureza. E, uma vez que sua natureza é amor, o amor
é o teste da realidade da vida espiritual.362
Algumas verdades devem ser aqui destacadas:
Em primeiro lugar, o imperativo do amor (4.7a). “Ama­
dos, amemo-nos uns aos outros.” O amor fraternal é o
apanágio distintivo do cristão. E a prova cabal do ver­
dadeiro discípulo de Cristo. E o cumprimento da lei. O
amor fraternal não é uma opção: é uma ordem expressa,
um imperativo absoluto.
Em segundo lugar, a procedência do amor (4.7b,8). “[...]
porque o amor procede de Deus, e todo aquele que ama é

nascido de Deus e conhece a Deus. Aquele que náo ama
náo conhece a Deus, pois Deus é amor.”
A primeira parte do argumento em prol do amor
fraternal é tirada da natureza eterna de Deus. Deus é a
fonte e a origem do amor, e todo amor deriva dele.363 Deus
não é apenas fonte de todo verdadeiro amor; Deus é amor
em seu ser mais profundo. Deus é a essência do amor. Toda
a sua atividade é amorosa. O mesmo Deus que é luz e fogo
é também amor. Longe de fechar os olhos para o pecado, o
seu amor providenciou um meio de expô-lo (porque ele é
luz) e de consumi-lo (porque ele é fogo consumidor) sem
destruir o pecador; mas, ao contrário, salvando-o.364
Se somos nascidos de Deus e Deus é amor, então não
podemos afirmar que conhecemos a Deus se não amamos.
O amor tem uma procedência divina. Ele emana da própria
essência de Deus. O mesmo Deus é Espírito (Jo 4.24), luz
(1.5) e “fogo consumidor” (Hb 12.29), é também amor
(4.8,16). Os filhos de Deus precisam expressar seus atributos
morais. Uma vez que somos nascidos de Deus, procedemos
de Deus e Deus é amor, precisamos amar uns aos outros.
Concordo com o que disse Simon Kistemaker: “A pessoa
que é nascida de Deus é uma janela por meio da qual o
amor de Deus brilha para o mundo”.365
Em terceiro lugar, a manifestação do amor de Deus por
nós (4.9,10).
Nisto se manifestou o amor de Deus em nós: em haver Deus enviado o
seu Filho unigénito ao mundo, para vivermos por meio dele. Nisto con­
siste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele
nos amou e enviou o seu Filho como propiciação pelos nossos pecados.
João baseia o seu segundo argumento em favor do amor
mútuo não na natureza eterna de Deus, mas em sua dádiva

histórica. Deus enviar o seu Filho foi a revelação do seu
amor: “Nisto se manifestou” (4.9) e, na verdade, a própria
essência do amor: “Nisto consiste” (4.10).366
O amor de Deus em nós e por nós não foi proclamado
apenas com palavras eloquentes, mas com dádiva sacrificial.
Deus nos amou e Deus nos enviou seu Filho unigénito. O
amor sacrificial de Deus é a fonte e a origem do nosso amor.
O nosso amor é apenas reflexo do amor de Deus por nós. O
amor primário não é o nosso, mas o amor de Deus, amor
incondicional, não causado e espontâneo, e todo o nosso amor
é apenas um reflexo do amor de Deus e uma resposta a ele.367
O amor de Deus não consiste de palavras, mas de ação.
O amor verdadeiro é provado pelo autossacrifício. Deus
nos amou e enviou seu Filho. O Filho é a dádiva do Pai.
Não foi a cruz que gerou o amor de Deus, mas foi o amor
de Deus que produziu a cruz.
John Stott tem razão quando diz que a vinda de Cristo é
uma revelação concreta e histórica do amor de Deus, pois o
amor (agape) é sacrifício próprio, a procura do bem positivo
de outrem à custa do próprio bem, e maior dádiva do que a
dádiva em que Deus transformou seu Filho, nunca houve,
nem poderia haver.368
O propósito de Deus em nos enviar seu Filho unigénito
foi duplo. Cristo veio ao mundo para morrer em nosso
lugar, ou seja, como propiciação pelos nossos pecados (4.10)
e também para vivermos por meio dele (4.9). O apóstolo
João destaca que a expiação, mais do que a encarnação, é a
preeminente manifestação do amor de Deus (3.16).
John Stott conclui esse ponto dizendo que a grandeza
do amor de Deus, manifesta na natureza do seu dom e seu
propósito, vê-se também em seus beneficiários, pois Deus
deu seu Filho para morrer por nós, pecadores.369

Em quarto lugar, a manifestação do nosso amor aos outros
(4.11). “Amados, se Deus de tal maneira nos amou, deve­
mos nós também amar uns aos outros.” O amor de Deus
é exemplo e inspiração. Nós, que fomos alvos do amor de
Deus, agora devemos ser canais desse amor. O superlativo
e sacrificial amor de Deus por nós inspira-nos a demonstrar
aos outros o amor que recebemos.
Não somos como o mar Morto, que só recebe e retém.
Devemos ser como o mar da Galileia, que recebe e distribui.
Não somos uma cacimba; devemos ser como uma fonte.
Estou de pleno acordo com o que escreveu John Stott: “O
dom do Filho de Deus não somente nos garante o amor
de Deus por nós, mas lança sobre nós uma obrigação.
Ninguém que tenha estado ao pé da cruz e tenha visto o
imensurável e imerecido amor de Deus ali demonstrado
pode voltar a uma vida de egoísmo”.370
Em quinto lugar, o aperfeiçoamento do amor de Deus em
nós (4.12). “Ninguém jamais viu a Deus; se amarmos uns
aos outros, Deus permanece em nós, e o seu amor é, em
nós, aperfeiçoado.” O terceiro argumento de João para im­
por o dever do amor recíproco leva os seus leitores um está­
gio adiante. Não devemos pensar no amor somente como
constituindo o ser eterno de Deus e como historicamen­
te manifesto no fato de enviar ele o seu Filho ao mundo.
Deus, que é amor, ainda ama e hoje o seu amor é visto em
nosso amor.371
O Deus invisível torna-se visível em nós pela prática do
amor. Deus permanece em nós quando amamos. Quando
amamos uns aos outros Deus, que é amor, permanece em
nós e seu amor é em nós aperfeiçoado. O amor que se
origina em Deus e se manifesta na entrega de seu Filho é
agora, aperfeiçoado em seu povo.

William Barclay destaca o fato da invisibilidade de Deus.
Embora não possamos ver a Deus, podemos ver o efeito de
Deus. Também não podemos ver o vento, mas podemos ver
o que o vento faz. Não podemos ver a eletricidade, mas os
efeitos que ela produz. Embora não possamos ver a Deus,
podemos ver seus efeitos. Deus é amor e onde o verdadeiro
amor é manifesto, aí está a manifestação de Deus.372
Warren Wiersbe destaca o fato da habitação de Deus em
nós. Antes do pecado, Deus andava com o homem. Depois
da queda, Deus mandou Moisés fazer um santuário para
habitar no meio do povo. O povo pecou e a glória de Deus
se apartou. Salomão construiu o templo, e a glória de Deus
mais uma vez veio habitar com o povo. Mais uma vez o
povo transgrediu e a glória de Deus foi embora do templo
e a nação caiu nas mãos de seus inimigos. Na plenitude dos
tempos, Cristo veio ao mundo e a glória de Deus estava
nele. Cristo morreu, ressuscitou e voltou ao céu e enviou
seu Santo Espírito. Ele habita em nós. Nosso corpo é a casa
da sua morada. Agora Deus, o Espírito, está em nós, habita
em nós de forma permanente.373
Um verdadeiro cristão é conhecido tanto pela doutrina
como pela vida (4.13-21)
Ao tratar das marcas do verdadeiro cristão, o apóstolo
João ofereceu a prova doutrinária nos versículos 1 a 6; a
prova social nos versículos 7 a 12 e agora, faz uma junção
dessas duas provas nos versículos 13 a 21. Destacaremos
duas verdades:
Em primeiro lugar, a nossa união mística com Deus (4.13­
16). Acompanhemos o relato do apóstolo João:
Nisto conhecemos que permanecemos nele, e ele, em nós: em que nos
deu do seu Espírito. E nós temos visto e testemunhamos que o Pai

enviou o seu Filho como Salvador do mundo. Aquele que confessar
que Jesus é o Filho de Deus, Deus permanece nele, e ele, em Deus.
E nós conhecemos e cremos no amor que Deus tem por nós. Deus é
amor, e aquele que permanece no amor permanece em Deus, e Deus
nele (4.13-16).
A permanência em Deus não se dá por meios místicos e
esotéricos, como ensinavam os falsos mestres gnósticos. Não
se trata de experiências arrebatadoras nem de emoções catár-
ticas. A permanência em Deus, antes de ser uma experiência
subjetiva, é uma realidade objetiva. Antes de ser uma emo­
ção, é uma convicção. Mais do que uma convicção, é uma
confissão. Os verdadeiros cristãos, que desfrutam da união
mística com Deus, ou seja, permanecem em Deus e Deus
neles, são aqueles que receberam o Espírito de Deus (4.13),
testemunham que o Pai enviou seu Filho como Salvador do
mundo (4.14), confessam que Jesus é o Filho de Deus (4.15)
e têm plena consciência do amor de Deus (4.16).
John Stott está correto quando diz que nestes versículos
há um duplo entrelaçamento de temas, primeiro da fé e
do amor, e, segundo, da missão do Filho e do testemunho
do Espírito, pelo qual ambos são possíveis. Há uma prova
objetiva, histórica, no fato de o Filho ser enviado, prova da
sua divindade (4.14,16). Mas mesmo isto é insuficiente.
Sem o Espírito Santo as nossas mentes ficam em trevas e
os nossos corações, frios. Somente o Espírito Santo pode
iluminar as nossas mentes para crermos em Jesus, e aquecer
os nossos corações para amarmos a Deus e uns aos outros.374
João une as duas provas (doutrinária e social) porque
entende que não podemos amar a menos que Deus esteja
em nós e nós nele. A base doutrinária da permanência em
Deus deve preceder o amor. A permanência em Deus é a

raiz; o amor é o fruto. A permanência em Deus é fluxo e o
amor é o refluxo.
Não amamos à parte de Deus; amamos porque refletimos
seu amor. Somos como a lua, que não tem luz própria,
apenas refletimos a luz do sol. A fonte do amor não está em
nós, mas em Deus. Só quando estamos unidos a esta fonte
podemos transbordar desse amor.
Mais uma vez recorremos ao ilustre comentarista John
Stott para concordar com suas palavras:
Que “o Pai enviou o Filho” não é somente a principal prova de
ortodoxia doutrinária, mas também a suprema evidência do amor
de Deus e da inspiração do nosso. A divindade de Cristo, o amor de
Deus por nós e o nosso amor a Deus e ao próximo não podem ser
separados. A teologia que priva Cristo da sua divindade priva Deus da
glória do seu amor e priva o homem da única crença que gera dentro
dele um perfeito amor.375
Em segundo lugar, o nosso amor a Deus e aos irmãos (4.17­
21). Nesses versículos em apreço João retorna ao tema do
perfeito amor, conquanto agora esteja preocupado, não
com a perfeição do amor de Deus em nós, mas do nosso
amor por Deus.376 Porque estamos em Deus e ele em nós,
podemos amar a Deus e aos nossos irmãos. O que cremos
desemboca no que fazemos. A teologia promove a prática.
Quatro solenes verdades podem ser aqui destacadas:
O nosso amor é a âncora da nossa confiança no Dia do
Juízo (4.17,18).
Nisto é em nós aperfeiçoado o amor, para que, no Dia do Juízo,
mantenhamos confiança; pois, segundo ele é, também nós somos
neste mundo. No amor não existe medo; antes, o perfeito amor lança
fora o medo. Ora, o medo produz tormento; logo, aquele que teme
não é aperfeiçoado no amor.

Se Deus, que é amor, permanece em nós, seu amor flui
por nosso intermédio. Esta união mística com Deus aper­
feiçoa em nós o amor e esse amor aperfeiçoado nos dá con­
fiança no Dia do Juízo. O verdadeiro amor não é inseguro.
Ele lança fora o medo. Ele não é regido pelo tormento, mas
governado pela confiança. Não temos medo de Deus, mas
amor. Aqueles que têm medo de Deus se afastam dele ator­
mentados; mas aqueles que o amam, aproximam-se dele e
se deleitam nele.
Simon Kistemaker tem razão quando diz que assim
como a fé e a dúvida não podem caminhar juntas, o amor
e o medo também não têm nada em comum. Diz ainda o
mesmo autor que a palavra medo tem dois sentidos: pode
significar pavor ou reverência e respeito. O crente ama e
respeita a Deus, mas não tem medo dele (Rm 8.15). Por
causa de seu amor a Deus e da comunhão com ele, o crente
não tem medo do dia do julgamento.377
William Barclay tem razão quando diz que o temor é a
emoção característica de alguém que espera ser castigado ao
olhar para Deus como Juiz, Rei e Legislador.378 Devemos
temer a Deus no sentido de reverência e respeito. O temor
do Senhor é o princípio da sabedoria. Porém, nossa relação
com Deus deve ser regida pelo amor e não pelo medo.
Warren Wiersbe tem razão em dizer que João está
tratando aqui de uma espécie específica de medo, ou seja,
krisisfobia, medo do julgamento. Neste sentido, quem
sente medo, normalmente tem algo no passado que o
assombra, algo no presente que o perturba ou algo em seu
futuro que o faz sentir-se ameaçado. O que crê em Jesus,
porém, não precisa temer o passado, o presente e o futuro,
pois experimentou o amor de Deus, e este amor está sendo
aperfeiçoado em sua vida a cada dia.

O cristão não precisa temer o julgamento futuro, pois
Cristo já foi julgado por ele na cruz (Jo 5.24; Rm 8.1). Para
o cristão, o julgamento não é futuro, mas sim passado. Seus
pecados já foram julgados na cruz e jamais serão usados para
condená-lo outra vez. Não é preciso temer o passado, pois
“Ele nos amou primeiro”. Não é preciso temer o presente,
“pois o perfeito amor lança fora o medo”.
Deus quer que seus filhos vivam em um ambiente de
amor, não de medo e de tormento. Não é preciso temer a
vida nem a morte (Rm 8.35,37-39).379
Simon Kistemaker diz que a razão pela qual o amor e
o medo são mutuamente excludentes é porque o medo
está relacionado ao castigo. No amor perfeito e maduro
não existe a ideia de castigo. O medo do castigo vindouro
já é uma punição. O crente, porém, que vive em íntima
comunhão com Deus, está livre do medo do castigo. Ele
sabe que Deus castigou Jesus Cristo em seu lugar, na cruz
do Calvário. Assim, Deus não pune o crente, pois, de outro
modo, a obra de Cristo seria incompleta. Deus corre e
disciplina, mas não castiga seus filhos.380
O nosso amor a Deus e ao próximo ê uma resposta do amor
de Deus por nós (4.19). “Nós amamos porque ele nos amou
primeiro.” Harvey Blaney está correto quando diz que o
amor de Deus pelo homem não é uma reação ao nosso
amor. A resposta é nossa. Nosso amor depende do seu amor
e é o resultado desse amor.381
Deus é afonte do amor, Deus é amor. Isto não significa que
o amor é Deus. Antes significa que Deus é essencialmente
amoroso em seu caráter, em suas palavras e em suas obras.
Quando amamos refletimos o amor de Deus. Nosso amor
é o refluxo do fluxo do amor de Deus. Não fomos nós que
amamos a Deus primeiro. Nosso amor por Deus é apenas

uma resposta e um reflexo do seu imenso amor por nós.
Como já dissemos, não somos a fonte do amor, mas apenas
seus instrumentos. O amor não brota em nós, ele passa por
meio de nós. Somos o canal do amor de Deus. Refletimos
o caráter amoroso de Deus quando amamos.
O nosso amor a Deus precisa ser provado pelo nosso amor ao
irmão (4.20). “Se alguém disser: Amo a Deus, e odiar a seu
irmão, é mentiroso; pois aquele que não ama a seu irmão, a
quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê.”
E impossível amar ao Deus invisível sem amar o irmão
visível. Não há amor no plano vertical quando não há amor
no plano horizontal. Nosso amor endereçado ao céu é
inconsistente se ele não é demonstrado na terra. Nosso amor
a Deus é uma mentira se ele não puder ser demonstrado ao
irmão. Provamos nosso amor a Deus a quem não vemos
quando amamos os irmãos a quem vemos.
Toda pretensão de amar a Deus é ilusão, se não vier acom­
panhada por um amor altruísta e prático por nossos irmãos
(3.17,18). Obviamente é mais fácil amar e servir a um ho­
mem visível do que ao Deus invisível, e se falhamos na tarefa
mais fácil, é absurdo pretender ter sucesso na mais difícil.
John Stott cita Calvino: “E uma falsa jactância quando
alguém diz que ama a Deus, mas negligencia a sua imagem,
que está diante dos seus olhos”.382
Concordo com John Stott quando diz que o perfeito
amor, que lança fora o medo, lança fora o ódio também.383
Nesta carta o apóstolo João desmascarou aqueles que profes­
savam ser salvos e viviam de forma incompatível com essa
confissão. Aqueles que alegavam conhecer a Deus e ter co­
munhão com ele, mas andavam nas trevas da desobediência,
estavam mentindo (1.6; 2.4). Aqueles que alegavam possuir
o Pai, mas negavam a divindade do Filho, estavam mentindo

(2.22,23). Aqueles que alegavam amar a Deus, mas estavam
odiando os irmãos, também estavam mentindo (4.20).
Estas são as três trevosas mentiras da epístola: a mentira
moral, doutrinária e social. Somente a santidade, a fé e o
amor podem provar a veracidade da nossa alegação de que
conhecemos, temos e amamos a Deus.384
O amor a Deus e aos irmãos não pode ser desconectado
(4.21). “Ora, temos, da parte dele, este mandamento: que
aquele que ama a Deus ame também a seu irmão.” O man­
damento do amor provém do próprio Deus. O amor a Deus
e ao irmão é um único mandamento. Este mandamento
não pode ser desdobrado nem dividido. E impossível deixar
de amar o irmão e ainda assim continuar amando a Deus.
As duas tábuas da lei são a única e a mesma lei. Nosso amor
a Deus deve ser provado pelo nosso amor aos irmãos.
N o t a s 00 c a p í t u l o 1 0
344 K istem aker, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 434.
345 S to tt, John. /, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 131.
346 d e B o rr, Werner. Cartas de João. Em Comentário Esperança. 2008:
p. 369.

347 Lopes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 117.
348 K istem aker, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 434.
349 K istem aker, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 434.
350 Lopes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 117.
S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 132.
K istem aker, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 435,436.
353 S to tt, John. /, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 132.
Lopes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 118.
B arclay, William. I, II, III Juan y Judas. 1974: p. 105-107.
K ’EMAKEB "non ~ tgo e epístc' ’ ' ãc p.
357 S to tt, John. /, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p.
133,134.
358 d e B oo r, Werner. Cartas de João. Em Comentário Esp n
p. 372.
359 K istem aker, Simon. Tiago e epístolas de João. 200d
p. 119.
351
352
354
355
356
363
364
ositivo. Vol. 6. 2006:
360 Lopes, Augustus Nicodemus. Primeira c, /
361 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdi
137,138.
362 W iersbe, Warrren W. Comentário_b,
p. 662.
S to tt, John. I, II, IIIJo&^InmSM^ào e comentário. 1982: p. 138.
S to tt, John. I, II, IIIJoãoSMr^dução e comentário. 1982: p. 139.
365 K istem aker, Sir S^cfiago e epístolas de João. 2006: p. 444.
366 S to tt, Jo'
367 St o t t,
StcÍ^-JcÍ
úo: Introdução e comentário. 1982: p. 139.
7/João: Introdução e comentário. 1982: p. 139.
TI, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 140.
. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 140.
^STOTxJohn. /, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 141.
itt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 141.
ía r c lay, William. I, II, III Juan y Judas. 1974: p. 110.
373 W iersbe, Warren W. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 665-667.
374 S to tt, John. 1, 11, 111 João: Introdução e comentário. 1 '-Ml: p. 145.
375 S to tt, John. I, II, III João: Introdução e comentário. 1982: p. 142.
376 S to tt, John. I, II, III João: Introdução e comentário. 1982: p. 145.
377 K istem aker, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 457.
378 B arclay, William. I, II, III Juan y Judas. 1974: p. 111.
379 W iersbe, Warren W. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 669-671.
380 K istem aker, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 458.

381 B laney, Harvey. A primeira epístola de João. Em Comentário Bíblico
Beacon. Vol. 10. 2005: p. 321.
382 S to tt, John. I, II, III João: Introdução e comentário. 1982: p. 147.
383 S to tt, John. I, II, III João: Introdução e comentário. 1982: p. 147.
384 S to tt, John. I, II, III João: Introdução e comentário. 1982: p. 147.

Capítulo 1
As certezas
inabaláveis do
crente
(IJo 5.1-21)
O a p ó s t o l o JoÃo e s c r e v e u o e v a n­
g e l h o para os incrédulos e esta carta
para os crentes. O propósito do evan­
gelho era levar os incrédulos a crerem
em Cristo, o Filho de Deus, a fim de
terem vida em seu nome (Jo 20.31). O
propósito desta carta era dar aos cren­
tes em Cristo a certeza da vida eterna
(5.13).
Depois de desmascarar os falsos pro­
fetas que disseminavam suas heresias,
tentando enganar os crentes, mostran­
do que eles não conhecem a Deus, não
são de Deus, mas do Maligno, do mun­
do e, por isso, saíram da igreja, João,
agora, fala sobre as certezas daquele que
é nascido de Deus.

O texto em apreço fala sobre sete certezas que marcam
a vida do verdadeiro crente. A palavra sabemos ocorre trinta
vezes nesta carta e oito vezes apenas neste capítulo 5.385 A
vida real é construída sobre o sólido fundamento de certezas
inabaláveis e não sobre a areia movediça das especulações. O
que devemos saber? Quais são as certezas do crente?
Temos a certeza de que pertencemos à família de Deus
(5.1-5)
Ao longo desta carta, João elaborou três provas irrefu­
táveis para distinguir um crente falso de um crente ver­
dadeiro. O crente verdadeiro é conhecido por três provas
fundamentais: a fé, a prova doutrinária; o amor, a prova
social; e a obediência, a prova moral. A fé, o amor e a obe­
diência são as provas cabais de que pertencemos à família
de Deus. Vamos analisar mais uma vez estas três provas:
Em primeiro lugar, o crente é conhecido pela sua fé em
Cristo (5.1,4,5). “Todo aquele que crê que Jesus é o Cristo é
nascido de Deus [...] porque todo o que é nascido de Deus
vence o mundo; e esta é a vitória que vence o mundo: a
nossa fé. Quem é o que vence o mundo, senão aquele que
crê ser Jesus o Filho de Deus?”
Os falsos mestres gnósticos negavam tanto a divindade
quanto a humanidade de Cristo, mas os crentes verdadeiros
creem que o Jesus de Nazaré é o próprio Messias; que o
homem nascido de Maria é o próprio Filho de Deus. Aqueles
que são nascidos de Deus possuem uma fé ortodoxa acerca
da pessoa de Jesus.
Quando João diz “todo aquele” indica que a religião
cristã não exclui ninguém. Qualquer um que coloca sua fé
em Cristo com sinceridade é filho de Deus.386
Augustus Nicodemus diz que cristão é todo aquele que

crê que Jesus de Nazaré, o qual padeceu e morreu sob
Pôncio Pilatos, era o Cristo, o Messias, enviado por Deus
para ser o Salvador do mundo.387
A fé em Cristo concede dois benditos privilégios: pri­
meiro, participação na família de Deus (5.1); segundo,
vitória sobre o mundo (5.5). Aqueles que pertencem à fa­
mília de Deus por crerem que Jesus é o Cristo são aqueles
que vencem o mundo. Não há pertencimento à família de
Deus nem vitória sobre o mundo para aqueles que negam
a divindade e a humanidade de Cristo.
A palavra vencer é usada aqui numa forma verbal que
significa vitória contínua no meio de luta incessante. A
vitória de Cristo sobre Satanás, a morte e o pecado como
uma única vitória no tempo e para todo o tempo fazem da
sua vitória a nossa vitória.388
Vale destacar que João ressalta não a pessoa vitoriosa, mas
o poder vitorioso. Não é o homem, mas o seu nascimento
de Deus é que vence. O novo nascimento é um evento
sobrenatural que nos tira da esfera do mundo, em que
Satanás governa, para a família de Deus.389
Augustus Nicodemus, citando J. Gill, escreve: “A vitória
sobre o mundo não se deve à fé propriamente dita, mas ao
seu objeto, Cristo, o qual tem vencido o mundo e torna os
que verdadeiramente creem nele mais que vencedores sobre
o mundo”.390
Em segundo lugar, o crente é conhecido pelo seu amor a
Deus e aos filhos de Deus (5.1,2). “[...] e todo aquele que
ama ao que o gerou também ama ao que dele é nascido.
Nisto conhecemos que amamos os filhos de Deus: quando
amamos a Deus...” Se a fé em Cristo é a prova doutrinária
que evidencia a legitimidade da nossa experiência cristã, o
amor a Deus e aos irmãos é a prova social.

É impossível amar os filhos de Deus sem amar a Deus,
assim como é impossível amar a Deus sem amar seus filhos
(4.20,21). O amor é a apologética final (Jo 13.35). Não é
o amor que nos salva, mas ele é o apanágio dos salvos. O
amor não é a causa da salvação, mas a sua evidência.
Em terceiro lugar, o crente é conhecido pela sua obediência
aos mandamentos de Deus (5.2,3). “Nisto conhecemos
que amamos os filhos de Deus: quando amamos a Deus e
praticamos os seus mandamentos. Porque este é o amor de
Deus: que guardemos os seus mandamentos; ora, os seus
mandamentos não são penosos.” O amor a Deus é provado
pela obediência a Deus.
Simon Kistemaker diz que o amor a Deus não consiste
de palavras faladas, mesmo que bem-intencionadas, mas de
determinadas ações que demonstram obediência aos man­
damentos de Deus.391 Concordo com John Stott quando
diz que o amor a Deus não é tanto uma experiência emo­
cional como obediência moral.392 O amor aos irmãos ex­
pressa-se em serviço sacrificial (3.17,18) e o amor a Deus,
em guardar seus mandamentos (5.2).
Os mandamentos de Deus não são penosos por duas
razões: primeira, porque amamos a Deus e quem ama obe­
dece com alegria, e não como uma obrigação. Augustus
Nicodemus, citando A. T. Robertson, diz que “o amor a Deus
torna seus mandamentos leves”.393 Segunda, porque com a
ordem para obedecer recebemos o poder para cumpri-la.
Temos a certeza de que Jesus Cristo é Deus (5.6-10)
Nenhuma doutrina foi mais atacada ao longo dos sé­
culos do que a doutrina de Cristo. Esta doutrina não é uma
questão secundária nem lateral, mas está no núcleo do cris­
tianismo. Como podemos saber que Jesus Cristo é Deus?

Os principais sacerdotes e os fariseus do seu tempo chama­
ram-no de embusteiro (Mt 27.63). Outros disseram que
ele foi um religioso fanático. Os gnósticos diziam que ele
era apenas um homem comum, sobre o qual veio o Cristo
no batismo, o qual o deixou quando foi crucificado.
Ario de Alexandria disse que Jesus foi o primeiro ser
criado por Deus. A seita Testemunhas de Jeová diz que
Jesus não é Deus. Os espíritas dizem que ele foi um grande
mestre. Os muçulmanos dizem que ele é apenas um grande
profeta. Mas quem, de fato é Jesus?
Destacamos aqui algumas verdades:
Em primeiro lugar, o tríplice testemunho na terra (5.6,8).
Este é aquele que veio por meio de água e sangue, Jesus Cristo; não
somente com água, mas também com a água e com o sangue. E o
Espírito é o que dá testemunho, porque o Espírito é a verdade [...] E
três são os que testificam na terra: o Espírito, a água e o sangue, e os
três são unânimes num só propósito.
Esta passagem foi motivada pela necessidade de contra-
atacar uma marca sutil de gnosticismo ensinada por um
filósofo de Efeso, chamado Cerinto. João vai direto contra
ele, não com exposição pessoal nem com acusações, mas
com uma afirmação da verdade.
Cerinto ensinava que Jesus de Nazaré tornou-se filho de
Deus ao ser batizado por João Batista no rio Jordão. Ele
afirmava que o Cristo divino desceu sobre o homem Jesus
nesta época, e abençoou o seu ministério, mas partiu antes
do sofrimento da crucificação.394 João refuta estas ideias
gnósticas e coloca o machado da verdade na raiz desta
perniciosa heresia.
O que João quer dizer quando afirma que Jesus veio por
meio de água e sangue? Não há consenso entre os eruditos

sobre este ponto. Lutero e Calvino entenderam que João
estaria falando aqui dos dois sacramentos, batismo e ceia.
Agostinho de Hipona entendia que esta passagem era
uma referência ao golpe de lança e ao fluxo de água e
sangue do lado de Jesus (Jo 19.34). Tertuliano acreditava
que água e sangue faziam referência ao batismo e à morte
de Cristo.
Concordo com John Stott quando ele diz que esta
posição de Tertuliano é a mais consistente, visto que João
está combatendo a heresia de Cerinto, que ensinava que
o Cristo veio sobre Jesus no batismo e se retirou dele na
395
CtVCL.
O milagre acontecido no Jordão, por ocasião do batismo
de Jesus, quando o Pai falou: “Este é o meu Filho amado,
em quem me comprazo” (Mt 3.17), bem como o milagre
acontecido no Calvário, por ocasião da morte de Jesus,
quando a escuridão veio sobre a terra ao meio-dia, o véu do
templo se rasgou de alto a baixo, a terra tremeu e mortos
se levantaram da sepultura, foram os testemunhos de Deus
acerca de seu Filho.
John Stott ainda alerta para o fato de que este erro
gnóstico não é trivial. Ele solapa os alicerces da fé cristã e nos
priva da salvação em Cristo. Se o Filho de Deus não tomou
a nossa natureza em seu nascimento e os nossos pecados
em sua morte, ele não pode reconciliar-nos com Deus.396
O propósito de João é mostrar que Jesus é o mesmo desde
o seu nascimento até a sua morte. Ele é o homem Jesus e o
Cristo de Deus.
Concordo com Lloyd John Ogilvie quando diz que a
única maneira de lidar com a falsidade teológica é afirmar
a verdade. Heresias crescem nas igrejas onde a vida, morte
e ressurreição de Cristo e a sua presença viva não são

pregadas ou ensinadas de maneira convincente.397 Não
ousamos omitir nada do que Cristo fez por nós do nosso
testemunho. Natal, Sexta-feira Santa, Páscoa e Pentecostes
são motivos para a esperança numa era de desespero.398
O apóstolo João deixa claro que o Espírito da verdade
testifica na terra com a água e o sangue, de forma unânime
e com o mesmo propósito, que Jesus é o Cristo, que ele
é humano e divino em contraposição às heresias do
gnosticismo. Dessa forma temos dois tipos de testemunho:
objetivo e subjetivo; histórico e experimental, água e sangue
por um lado e o Espírito por outro.
Simon Kistemaker interpreta corretamente quando diz
que diante de um tribunal a evidência factual do batismo
de Jesus (água) e de sua morte (sangue) está em completa
concordância com o testemunho do Espírito.399
O batismo e a morte de Cristo são evidências histó­
ricas e concretas da sua natureza divino-humana; porém
é o Espírito quem convence as pessoas da verdade destas
evidências, por meio da pregação do evangelho e do en­
sino bíblico (At 5.32). Sem este testemunho do Espírito
ninguém entenderia o que o batismo e a morte de Cristo
significaram (e significam), de maneira que a mensagem do
evangelho se tornaria ineficaz.400
Em segundo lugar, o tríplice testemunho no céu (5.7,9,10).
Acompanhemos as palavras do apóstolo João:
Pois há três que dão testemunho no céu: o Pai, a Palavra e o Espírito
Santo; e estes três são um [...]. Se admitimos o testemunho dos
homens, o testemunho de Deus é maior; ora, este é o testemunho
de Deus, que ele dá acerca do seu Filho. Aquele que crê no Filho de
Deus tem, em si, o testemunho. Aquele que não dá crédito a Deus o
faz mentiroso, porque não crê no testemunho que Deus dá acerca do
seu Filho (5-7,9,10).

Depois de apresentar as três testemunhas na terra: o Es­
pírito, a água e o sangue (5.6,8), João apresenta também as
três testemunhas no céu: o Pai, a Palavra e o Espírito Santo
(5.7). O céu e a terra testificam a divindade e a humani­
dade de Cristo. A redenção jamais poderia ser efetuada se
Jesus não fosse Deus e homem ao mesmo tempo.
Embora a palavra Trindade não esteja escrita na Bíblia,
o seu conceito está meridianamente claro tanto no Antigo
como no Novo Testamento. Deus é uno e trino ao mesmo
tempo. Não são três deuses, mas um só Deus, da mesma
substância, em três pessoas distintas.
Recusar o testemunho que Deus dá acerca do próprio
Filho é considerar Deus mentiroso. Não dar crédito a essa
verdade suprema é cair nas teias do mais terrível engano,
uma vez que o propósito do testemunho de Deus no céu e
na terra a respeito do seu Filho é que creiamos nele (5.10)
e por meio dele tenhamos a vida eterna (5.11). Concordo
com John Stott quando diz que a incredulidade não é um
infortúnio a ser lamentado, mas um pecado a ser deplo­
rado.401
Temos a certeza de que aqueles que creem em Cristo têm
a vida eterna (5.11 -13)
Quatro verdades sublimes são destacadas pelo apóstolo
João acerca da vida eterna, no texto em tela:
Em primeiro lugar, a vida eterna é um presente de Deus
(5.1 la). “E o testemunho é este: que Deus nos deu a vida
eterna...” A vida eterna não é resultado do mérito, mas um
oferecimento da graça. A vida eterna não é uma conquista
nem um troféu. Ela não é comprada nem merecida. A
vida eterna é um presente gratuito de Deus (Ef 2.8,9;
Jo 10.27-29).

Vale a pena ressaltar que João não diz que a vida eterna
será dada (tempo futuro), mas que Deus a deu (tempo
passado) para nós. Temos esta vida agora em princípio (Jo
3.17), e, quando entrarmos na presença de Deus, na glória,
nós a teremos em plenitude.402
Concordo com Lloyd John Ogilvie quando diz que a
vida eterna é qualidade com quantidade; a vida imortal é
quantidade sem a qualidade. Todos viverão para sempre.
Mas nem todos terão a vida eterna.403
Nesta mesma linha de pensamento, William Barclay diz
que o termo grego para “eterno” é aionios. Significa muito
mais que a simples expressão “para sempre”. Uma vida sem
fim poderia ser uma maldição e não uma bênção; uma
carga pesada em vez de um dom maravilhoso.
Há só uma pessoa a quem pode aplicar-se corretamente
a palavra aionios, e esta pessoa é Deus. No real sentido
do termo, só Deus possui e reside na eternidade. A vida
eterna não é, portanto, outra coisa senão a vida do próprio
Deus. Em Deus há paz e, portanto, a vida eterna significa
serenidade. Em Deus há poder, logo, a vida eterna significa
derrota das frustrações. Em Deus há santidade, por
conseguinte, a vida eterna significa vitória sobre o pecado.
Em Deus há amor, portanto, a vida eterna significa o fim
do rancor e do ódio. Em Deus há vida, logo, a vida eterna
significa a derrota da morte.404
Em segundo lugar, a vida eterna está em Jesus (5-1 lb, 12).
“[...] e esta vida está no seu Filho. Aquele que tem o Filho
tem a vida; aquele que não tem o Filho de Deus não tem
a vida”.
A vida eterna não pode ser encontrada em nenhuma
pessoa fora de Jesus. Não há salvação em outro nome (At
4.12). Quem crê no Filho tem a vida eterna; o que, todavia,

se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobre
ele permanece a ira de Deus. E impossível ter a vida eterna
à parte de Cristo, pois ele é a vida (1.2; 5.12).
Nicodemus tem razão quando diz que “ter o Filho”
significa conhecer a Cristo, confessá-lo, ter comunhão com
ele e permanecer nele.405
Li algures sobre um homem rico na Europa que tinha
apenas um filho. Esse homem investiu toda a sua colos­
sal fortuna em quadros famosos dos principais pintores da
Europa. Estando em viagem, seu filho sofreu um acidente
fatal. O amigo que o acompanhava na viagem pintou o ros­
to do filho em mal traçadas linhas e enviou para o pai. Este
colocou a pintura em um quadro belíssimo e o pendurou
no meio de seus quadros mais famosos.
Antes de morrer, o pai fez o testamento e deixou ordens
para que seu mordomo fizesse um leilão dos quadros, des­
tinando parte do dinheiro para entidades filantrópicas. Em
dia marcado, em seleto auditório, pessoas famosas da Eu­
ropa se reuniram para comprar os quadros. Para a surpresa
de todos, o mordomo começou o leilão com o quadro do
filho. Aquele quadro não tinha beleza. Ninguém se interes­
sou por ele.
Aguardavam os quadros famosos. Depois de muita
hesitação, levantou-se um convidado e arrematou o quadro
do filho. O mordomo imediatamente encerrou o leilão
para espanto e revolta dos ilustres convidados. Então, ele
leu o testamento do seu senhor: “Aquele que tiver o quadro
do filho é dono de todos os outros quadros”.
O apóstolo João escreve: “Aquele que tem o Filho tem a
vida” (5.12).
Em terceiro lugar, a vida eterna é recebida por meio da
fé (5.13). “Estas coisas vos escrevi, a fim de saberdes que

tendes a vida eterna, a vós outros que credes em o nome do
Filho de Deus.”
O dom da vida eterna é recebido pela fé. A fé náo é a
causa meritória da salvação, mas a causa instrumental. Não
somos salvos por causa da fé, mas por meio da fé. A fé é o
instrumento de apropriação da vida eterna. Somos salvos
pela graça, mediante a fé.
Em quarto lugar, a vida eterna é garantida pela Palavra
de Deus (5.13a). “Estas coisas vos escrevi, a fim de saberdes
que tendes a vida eterna...”. A certeza da vida eterna não
é uma presunção humana, mas uma confiança na infali­
bilidade da Palavra de Deus. Não é presunção crer no que
Deus diz em sua Palavra. A vida eterna não é um presen­
te apenas para o futuro. E uma dádiva para ser recebida
agora. Podemos tomar posse da vida eterna. Juntando os
propósitos do evangelho e da epístola, o propósito de João,
em quatro estágios, é que os seus leitores ouçam; ouvindo,
creiam; crendo, vivam; e vivendo, saibam que têm a vida
eterna.406
Temos a certeza da resposta às nossas orações (5.14,15)
Uma coisa é saber que Jesus Cristo é Deus e que nós
somos filhos de Deus, mas o que fazer com as nossas
necessidades da vida diária? Como podemos nos relacionar
com Deus? Como podemos falar com Deus? Que garantia
temos de que ele nos ouve e nos atende? Quais são as
condições estabelecidas em sua Palavra para termos êxito
em nossas orações? Destacamos aqui duas verdades:
Em primeiro lugar, a condição para Deus responder às
orações (5.14). “E esta é a confiança que temos para com
ele: que, se pedirmos alguma coisa segundo a sua vontade,
ele nos ouve.” A oração não é um recurso conveniente para

impormos a nossa vontade a Deus, ou para dobrar a sua
vontade à nossa, mas, sim, o meio prescrito de subordinar
a nossa vontade à de Deus. E pela oração que buscamos a
vontade de Deus, nos abraçamos e nos alinhamos a ela.407
Submissão à vontade de Deus, e não imposição da
nossa vontade a Deus, é o alicerce da nossa confiança na
oração. Hoje temos visto falsos mestres ensinando que a
oração da fé precisa determinar para Deus o que quere­
mos. Este falso ensino proclama que oração é a vontade
do homem prevalecendo no céu em vez da vontade de
Deus prevalecendo na terra. A oração é um instrumento
poderoso, não para conseguir que a vontade do homem
seja feita no céu, mas para garantir que a vontade de Deus
seja feita na terra.408
Warren Wiersbe, citando George Muller, escreveu: “Orar
não é vencer a relutância de Deus, mas sim apropriar-se da
disposição de Deus”.409
Deus ouve as orações de seus filhos, mas estabelece
condições claras: ele não nos ouve quando há algum pecado
inconfesso em nossa vida (SI 66.18; lPe 3.7; Mt 5.23-25;
Mc 11.25). Precisamos orar em nome de Jesus (Jo 14.13),
precisamos orar com fé (Tg 1.6), precisamos permanecer
em Jesus e em sua Palavra (Jo 15.7).
Em segundo lugar, a convicção de que Deus responde às
orações (5.15). “E, se sabemos que ele nos ouve quanto ao
que lhe pedimos, estamos certos de que obtemos os pe­
didos que lhe temos feito.” Quando oramos a Deus, por
intermédio de Jesus, pelo poder do Espírito Santo, segundo
os preceitos da Palavra, podemos ter a garantia de que ele
nos ouve. A oração segundo a vontade de Deus não é uma
conjectura hipotética nem uma vaga possibilidade, mas
uma certeza experimental.

Temos a certeza de que Deus pode salvar pessoas da
morte por intermédio das nossas orações (5.16,17)
Destacamos duas verdades no texto em consideração:
Em primeiro lugar, os privilégios da intercessão (5.16a).
“Se alguém vir a seu irmão cometer pecado não para a
morte, pedirá, e Deus lhe dará vida, aos que não pecam
para morte...”. A atitude do crente em relação àqueles que
caem não é de atirar pedras nem de condenar, mas de orar
por eles. Não podemos orar por uma pessoa e ao mesmo
tempo sentir mágoa dela (Mc 11.24,25).
A igreja precisa ser lugar de cura, e não de adoecimento.
A igreja precisa ser lugar de restauração, e não de
condenação. A igreja precisa ser lugar de intercessão, e não
de juízo àqueles que tropeçam. A igreja precisa ser lugar de
reconciliação, e não de abandono dos feridos.
Jesus orou por Pedro quando Satanás estava peneirando
a sua vida (Lc 22.31,32). O profeta Samuel disse para
o rebelde povo de Israel: “Longe de mim que eu peque
contra o Senhor, deixando de orar por vós” (ISm 12.23).
Moisés orou pela nação de Israel e Deus ouviu o seu
clamor (Ex 32.10-14). Também orou por Miriã, que havia
pecado contra o Senhor, e foi igualmente atendido (Nm
12.13). Jó intercedeu por seus amigos, que haviam falado
erradamente das coisas de Deus, e o Senhor os perdoou
(Jó 32.7-9). Os presbíteros devem orar pelos doentes
quando os mesmos confessam seus pecados, e serão
perdoados (Tg 5.14,15)-410
Assim como Deus não desiste de nós, não devemos,
também, desistir daqueles que caem em fracasso. Precisa­
mos rogar a Deus que lhes restaure o vigor e os traga de
volta para a vida. Quando um crente pecar e confessar o
seu pecado, Deus o perdoa (1.9). Deus perdoa o pecado

do crente quando ele o confessa e quando os outros crentes
oram por ele.
Precisamos deixar claro que João não está ensinando a
possibilidade da perda da salvação nesse texto. João não está
falando que uma pessoa espiritualmente viva, ao cometer
pecado, morreu espiritualmente e perdeu a salvação. Dar
vida significa restaurar a comunhão com Deus, que é a
fonte da vida.
Em segundo lugar, as limitações da intercessão (5.16b, 17).
“Há pecado para morte, e por esse não digo que rogue. Toda
injustiça é pecado, e há pecado não para morte.” Nem todo
pecador recebe vida em resposta à oração. João fala que há
pecado para a morte. Em certo sentido todo pecado é para
a morte, uma vez que o salário do pecado é a morte (Rm
6.23). O apóstolo deixa claro a malignidade do pecado, ao
afirmar que “toda injustiça é pecado” (5.17).
No caso dos filhos de Deus, eles têm seus pecados
purificados (1.7), perdoados (1.9; 2.12), propiciados (2.1,2;
4.10) por causa de Cristo. Seus pecados não acarretarão a
morte eterna deles. Nenhum dos pecados dos eleitos de
Deus é para a morte ou acarreta a morte.411
João, porém, agora, fala de um pecado para a morte,
para o qual não há perdão neste mundo nem no vindouro.
Desta forma, aqueles que já estavam mortos espiritualmente
morrerão eternamente. Para aqueles que cometem esse
pecado, a intercessão não logra êxito. João chega mesmo a
recomendar à igreja a não orar por essas pessoas.
John Stott esclarece este ponto assim:
Na opinião de João, aqueles que cometeram pecado para a morte não
eram apóstatas; eram impostores. Não eram verdadeiros “irmãos” que
tinham recebido a vida eterna e depois a perderam. Eram “an ti cristos”.
Negando o Filho, não tinham o Pai (2.22,23). Eram filhos do diabo,

não filhos de Deus (3.10). É certo que outrora foram membros da
igreja visível e sem dúvida passavam por “irmãos” nesse tempo. Mas
saíram, e com a sua saída ficou evidente que eles nunca tinham sido
“dos nossos” (2.19). Visto que rejeitaram o Filho, não tinham direito
à vida (5.12). Seu pecado era realmente para a morte.412
Ainda permanece a grande questão: o que é o pecado
para a morte? John Stott menciona as três interpretações
mais conhecidas:413
O pecado para a morte é um pecado específico. Com base
neste versículo a igreja romana criou a classificação de
pecados veniais e pecados mortais.
O pecado para a morte é a apostasia. Aqueles que subs­
crevem esta opinião acreditam que João esteja se referindo
aos falsos mestres que saíram de dentro da igreja (2.19).
Esse é o pensamento de Augustus Nicodemus em concor­
dância com a interpretação de Calvino: “Pode-se inferir do
contexto que este pecado não é uma queda parcial ou a
transgressão de determinado mandamento, mas apostasia,
pela qual as pessoas se alienam completamente de Deus”.414
Trata-se, portanto, de um pecado doutrinário, cometido
de forma voluntária e consciente, similar ao pecado de
blasfêmia contra o Espírito Santo, cometido pelos fariseus
(Mc 3.29). E a rejeição final e decidida daquele único que
pode salvar, Jesus Cristo.415
O pecado para a morte é a blasfêmia contra o Espírito Santo.
Nosso entendimento é que João está se referindo a este ter­
rível pecado deliberado e consciente da rejeição da verdade
conhecida, a ponto de atribuir as poderosas obras de Jesus,
evidentemente feitas pelo Espírito de Deus, à ação de Sata­
nás (Mt 12.28; Mc 3.29). Este pecado leva quem o comete
inexoravelmente a um estado de incorrigível embotamento

moral e espiritual, porque pecou voluntariamente contra a
própria consciência.
O autor aos Hebreus diz que “[...] é impossível outra vez
renová-los para arrependimento, visto que, de novo, estão
crucificando para si mesmos o Filho de Deus e expondo-o
à ignomínia” (Hb 6.4-6). Neste caso, “[...] já não resta
sacrifício pelos pecados; pelo contrário, certa expectação
horrível de juízo e fogo vingador prestes a consumir os
adversários” (Hb 10.26,27). Este pecado é descrito como
calcar aos pés o Filho de Deus, profanar o sangue da aliança
que foi santificado e ultrajar o Espírito da graça (Hb 10.29),
uma linguagem que claramente aponta para a blasfêmia
contra o Espírito.416
Precisamos deixar claro que João não está falando da
possibilidade de um salvo cair da graça e perder a sua sal­
vação. O que é nascido de Deus não vive na prática do
pecado (3.9), antes é guardado por Cristo e o Maligno não
o toca (5.18). Este pecado para a morte não é cometido por
um crente, uma vez que este pecado é um abandono deli­
berado e consciente da verdade. Este pecado é um insulto
a Cristo e uma blasfêmia contra o Espírito que dá testemu­
nho de Cristo.
Temos a certeza de que os crentes não vivem na prática
do pecado (5.18,19)
Com respeito a este magno assunto, três verdades devem
ser aqui destacadas.
Em primeiro lugar, o crente é libertado do poder do
pecado (5.18a). “Sabemos que todo aquele que é nascido de
Deus não vive em pecado...”. Os dois versículos anteriores
(5.16,17) diziam respeito ao pecado para a morte. Este
pecado para a morte para o qual não há perdão não pode

ser cometido por um crente, pois o crente, nascido de Deus,
não vive na prática habitual e continuada do pecado (3.9;
5.18). O crente emancipou-se do poder do pecado. O novo
nascimento resulta em novo comportamento.
O crente tem uma nova natureza, uma nova mente, um
novo coração, uma nova vida, uma nova família, uma nova
pátria. Por conseguinte, o crente tem novos desejos e novo
prazer. Ele deleita-se em Deus e na sua Palavra. O pecado
e o filho de Deus são incompatíveis. Podem encontrar-se
ocasionalmente, mas não podem conviver em harmonia.417
Em segundo lugar, o crente éguardado do Maligno (5.18b).
“[...] antes, Aquele que nasceu de Deus o guarda, e o Ma­
ligno não o toca”. Aquele que nasceu de Deus é diferente
daquele que é nascido de Deus. Aquele que nasceu de Deus
é Jesus, e não o crente. Em outras palavras, não é o crente
que se guarda, mas é Cristo quem o guarda. E o Filho de
Deus que mantém os crentes firmes. Aquele que nasceu de
Deus guarda a todo aquele que é nascido de Deus.
No entanto, por que os crentes precisam ser guardados?
Eles não são imunes à tentação? Não! O Maligno está
sempre procurando atingir os filhos de Deus. Ele mente
para os crentes (Gn 3.2), inflige sofrimento (2Co 12.7-9),
infla o orgulho (1 Cr 21.1). Porém, Jesus se manifestou para
destruir as obras do diabo (3.8) e Jesus guarda e mantém
seguros os filhos de Deus (5.18).
Precisamos entender corretamente o que significa a
expressão: “e o Maligno não o toca”. A palavra tocar só
aparece mais uma vez no Novo Testamento e foi traduzida
por “deter” (Jo 20.17). O Maligno não pode mais deter
e controlar o crente, salvo por Cristo e guardado por ele.
Jesus é o nosso escudo. Ele é o nosso Salvador e também o
nosso protetor.

Em terceiro lugar, o crente é separado do mundo (5.19).
“Sabemos que somos de Deus e que o mundo inteiro jaz no
Maligno.” O Maligno não detém o crente, mas o mundo
inteiro está irremediavelmente em suas garras. No filho de
Deus o Maligno nem chega a pôr as suas mãos; o mundo,
porém, jaz em seus braços.418
Augustus Nicodemus diz que a ideia transmitida pelo
verbo “jaz” é de passividade tranquila. A humanidade
está deitada placidamente nos braços de Satanás, ador­
mecida e entorpecida, enquanto ele a conduz para a des­
truição.419
O mundo está no Maligno, em suas mãos, em seu
domínio, mas os crentes estão guardados por Cristo.
Temos a certeza de que Jesus é o verdadeiro Deus
(5.20,21)
João conclui sua epístola fazendo duas declarações con­
tundentes: reafirmando a veracidade de Jesus e alertando
para o engano dos ídolos. Destacamos aqui, três pontos
importantes.
Em primeiro lugar, Jesus é o verdadeiro Deus (5.20).
“Também sabemos que o Filho de Deus é vindo e nos tem
dado entendimento para reconhecermos o verdadeiro; e es­
tamos no verdadeiro, em seu Filho, Jesus Cristo. Este é o
verdadeiro Deus...”.
João contrapõe o Jesus divino-humano com o falso cris­
to do gnosticismo. Ele refuta o falso evangelho com o ver­
dadeiro evangelho. Ele denuncia as trevas do engano com a
luz da verdade. O Cristo que João anuncia é o Cristo verda­
deiro; o cristo que o gnosticismo prega é um cristo falso. A
palavra verdadeiro significa “original, que não é uma cópia,
e autêntico, que não é uma imitação”.

Concordo com John Stott quando diz que este versículo
mina toda a estrutura da teologia dos hereges. Ela é a mais
inequívoca afirmação da divindade de Jesus Cristo no Novo
Testamento. Somente por meio de Jesus Cristo, o verdadeiro
Deus, podemos ser salvos do Maligno e libertados do mundo.
A revelação e a redenção são sua obra de graça. Sem ele, não
poderíamos conhecer a Deus nem vencer o pecado.420
João afirma que Jesus é não apenas o verdadeiro Deus,
mas também nos deu entendimento para reconhecermos o
verdadeiro e estarmos no verdadeiro. Conhecimento e vida
caminham lado a lado. Conhecemos a Cristo e estamos em
Cristo. Jesus é o verdadeiro: este é o grande tema de João.
Ele é a verdadeira luz (1.5), o verdadeiro pão (Jo 6.32), a
verdadeira videira (Jo 15.1). Ele é a verdade (Jo 14.6). Ele
é a verdadeira vida eterna (5.20).
O mundo vive de aparências; não conhece a realidade.
Nós temos a realidade. Nós temos Jesus. Sem ele não pode­
ríamos conhecer a Deus nem vencer o Maligno. A religião
cristã é tanto histórica como experimental.
Em segundo lugar, Jesus é a essência da vida eterna
(5.20b). “Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna.” A vida
eterna não é apenas uma questão de quantidade de vida,
mas de qualidade de vida. A vida eterna é conhecer a Deus
e conhecer a Cristo (Jo 17.3). A vida eterna é Jesus. Ele é o
conteúdo, a essência e o núcleo da vida eterna.
Em terceiro lugar, os ídolos são a essência do engano
(5.21). “Filhinhos, guardai-vos dos ídolos.” O fato de ser­
mos guardados por Jesus não nos isenta da responsabilida­
de de nos guardarmos. A palavra grega usada aqui (5.21)
pelo apóstolo João, terein, “guardar”, significa “vigiar”. Ela
é diferente da palavra grega phulassein, “guardar”, usada
em 5.18.

A Bíblia Viva traduz assim este versículo: “Meus queridos
filhos, afastem-se de qualquer coisa que possa tomar o lugar
de Deus no coração de vocês”. Já Wescott o disse assim:
“Guardai-vos de todos os objetos de falsa devoção”.
Na verdade, o que João está dizendo é: não abandone o
real pelo ilusório. Todos os substitutos de Deus são ídolos e
deles o crente deve guardar-se, vigilante.421
João está escrevendo esta carta aos crentes que viviam na
Ásia Menor. Efeso era a capital da Ásia Menor e uma cidade
de muitos deuses. Ali ficava o templo de Diana, uma das
sete maravilhas do mundo antigo. Efeso era o centro deste
culto pagão.
Lloyd John Ogilvie diz que em Efeso se vendiam amu­
letos que supostamente davam poderes mágicos ao destino
das pessoas. ícones do templo haviam produzido um negó­
cio lucrativo aos ourives. As pessoas compravam os ícones
crendo que o poder de Diana residiria onde quer que os
ícones fossem levados.
Efeso era também a cidade de magia e feitiçaria. Toda
forma de seitas e ocultismos grassava ali. A astrologia
florescia. Encantamentos, exorcismos e religião mística
estavam disponíveis em qualquer esquina. Acrescentado a
tudo isso, ainda havia o culto a César.
Domiciano exigiu o culto a César em Efeso até a sua
morte em 96 d.C., mandando que as pessoas lhe mostras­
sem a sua lealdade queimando incenso perante o busto de
César. Não era coisa fácil ser cristão em Efeso. Não é de
admirar, portanto, que João tenha terminado sua carta com
esta solene advertência.
Os deuses diminutos da falsa religião, da sensualidade,
da magia negra, da segurança política e da segurança eco­
nômica eram ídolos tentadores. Os mesmos ídolos ainda

nos tentam. Dinheiro, segurança, prazer, pessoas, carreiras
e posses são ídolos que exigem que cultuemos a eles em vez
de prestar culto a Deus. Nossos ídolos podem ser qualquer
coisa ou pessoa que ameace ocupar o trono do nosso co­
ração. Substitutos de Deus podem exigir muito de nosso
tempo, dinheiro e energia.422
O culto dos ídolos era um culto falso que prometia
uma vida falsa. F. F. Bruce diz que os ídolos são os falsos
conceitos a respeito de Deus.423 João exorta os crentes que
estão no verdadeiro e que têm a verdadeira vida eterna para
se guardarem dos ídolos.
No t a s d o c a p í t u l o 1 1
385 W iersbe, Warren W. Comentário bíblico expositívo. Vol. 6. 2006:
p. 677.
386 K istem aker, Simon. Tiago e epístolas de João. 2005: p. 465,466.
387 Lopes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 140.
388 O gilv ie, Lloyd John. Quando Deus pensou em você. 1983: p. 122.
389 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 150.
390 Lopes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 143.
391 K istem aker, Simon. Tiago e epístolas de João. 2005: p. 468.
392 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 149.

393 Lopes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 142.
394 O gilv ie, Lloyd John. Quando Deus pensou em você. 1983: p. 125­
395 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 152­
154.
396 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 154.
397 O gilv ie, Lloydjohn. Quando Deus pensou em você. 1983: p. 126.
398 O g ilv ie, Lloydjohn. Quando Deus pensou em você. 1983: p. 128.
399 K istem aker, Simon. Tiago e epístolas de João. 2005: p. 474,475­
400 Lopes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 147.
401 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 157.
402 K istem aker, Simon. Tiago e epístolas de João. 2005: p. 480.
403 O g ilv ie, Lloydjohn. Quando Deus pensou em você. 1983: p. 132.
404 B arclay, William. I, II, III Juan y Judas. 1974: p. 128.
405 Lopes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 153.
406 sTOTT; John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 159.
407 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 159.
408 W iersbe, W arren W . Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 679.
409 W iersbe, Warren W . Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 679.
410 Lopes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 158.
411 Lopes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 158.
412 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 164.
413 S to tt, John. I, II, III João: Introdução e comentário. 1982:
p. 161,162.
414 Lopes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005:
p. 159,160.
415 Lopes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 160.
416 Lopes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 160.
417 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 165­
418 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 166.
419 Lopes, Augustus Nicodemus. Primeira carta de João. 2005: p. 164.
420 S to tt, John. I, II, III João: Introdução e comentário. 1982: p. 167­
421 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982:
p. 168,169.
422 O g ilv ie, Lloydjohn. Quando Deus pensou em você. 1983:
p. 147,148.
423 B ru ce, F. F. The epistles of John. Eerdmans. Grand Rapids, MI.
1979: p. 128.

Capítulo 12
Como viver à luz
da verdade
(2Jo1-13)
Es t a é u m a d a s c a r t a s m a i s c u r t a s
do Novo Testamento. E classificada
como uma das cartas gerais.424 O
propósito maior desta pequena missiva
é alertar a igreja acerca da necessidade
de se viver à luz da verdade.
Muitas heresias estavam sendo
espalhadas pelos falsos mestres e a igreja
precisava se acautelar para não naufragar
na fé. Conhecer a verdade, andar na
verdade e permanecer na verdade são
as orientações de João à igreja para não
sucumbir diante deste cerco dos falsos
mestres.
Como vimos na Primeira Carta de
João, há três provas insofismáveis que
autenticam o verdadeiro crente: as

provas doutrinária, social e moral, ou seja, a fé, o amor e
a obediência. Estas mesmas provas podem ser vistas nesta
epístola: a verdade (v. 1-3), o amor (v. 4-6) e a obediência
(v. 7-13).
Antes de entrarmos na exposição propriamente dita
desta epístola, precisamos, à guisa de introdução, analisar
dois pontos.
Em primeiro lugar, o remetente da carta (v. 1). “O
presbítero à senhora eleita e aos seus filhos...”. Joáo emprega
náo seu nome pessoal, mas o seu título, o presbítero. O
título descrevia náo simplesmente a idade, mas a posiçáo
de ofício.425
“O presbítero” deve ser uma pessoa publicamente
conhecida por essa designação e por isso náo precisava
citar-se pelo nome próprio.426
E do estilo de Joáo náo chamar a atençáo para si. Foi
assim no evangelho que escreveu, bem como nas outras
duas missivas. Ele apresenta-se apenas como “o presbítero”.
Obviamente ele era um anciáo conhecido em toda a igreja
neste tempo, mui provavelmente o único sobrevivente do
colégio apostólico. A palavra “presbítero” significa anciáo,
aquele que supervisiona o rebanho.
Augustus Nicodemus diz que entre os judeus o
termo foi usado para designar os oficiais das sinagogas e,
especialmente, os membros do sinédrio, o concílio máximo
do judaísmo da época de Jesus. Entre os gregos, indicava
os oficiais religiosos e civis. Talvez o equivalente entre os
romanos tenha sido senator. Os cristáos usavam o termo
para designar os oficiais das igrejas locais, a quem era dada
a responsabilidade de ensinar e governar.427
Joáo tinha autoridade para dirigir-se à igreja. Ele falava
da parte de Deus como um apóstolo e também como

um pastor do rebanho. Cabia a ele a orientação espiritual
da igreja, sobretudo num tempo em que a sã doutrina
estava sendo tão atacada pelas heresias do gnosticismo
incipiente.
Em segundo lugar, os destinatários da carta (v. 1). “O
presbítero à senhora eleita e aos seus filhos...” Não existe
consenso entre os eruditos acerca dos destinatários desta
carta. Há várias opiniões: primeira, João estaria escrevendo
para uma mulher cristã e seus filhos. O argumento é que os
versículos 1,4,5,13 estão no singular. Segunda, João estaria
escrevendo para uma mulher chamada Electa e seus filhos.
Aqueles que subscrevem esta interpretação entendem que
a palavra “eleita” é o nome próprio dessa mulher cristã.
Terceira, João estaria escrevendo para Maria, uma vez que
Maria foi assistida pelo apóstolo desde a morte de Cristo
(Jo 19.27). Quarta, João estaria escrevendo para uma irmã
que hospedava uma igreja em sua casa. Como no primeiro
século não havia templos, esta mulher hospedava em sua
casa uma comunidade cristã. Yemos vários casos em que
igrejas se reuniam nos lares (ICo 16.19; Cl 4.15; Rm
16.5; Fm 2). Quinta, João estaria escrevendo para uma
igreja local, uma vez que ele usa várias vezes o plural nesta
pequena epístola (v. 6,8,10,12).
John Stott escreve:
E mais provável que a frase senhora eleita signifique uma personificação
e não uma pessoa - não da igreja em geral, mas de alguma igreja local
sobre a qual a jurisdição do presbítero era reconhecida, sendo seus
filhos (v. 1,4,13) os membros individuais da igreja.428
O mesmo escritor ainda diz:
A linguagem de João não é apropriada para uma pessoa real, quer
em sua declaração de amor (v. 1,2), quer em sua exortação ao amor

(v. 5). Dificilmente o presbítero poderia referir-se ao seu amor pessoal
por uma senhora e seus filhos como um “[...] mandamento... que
tivemos desde o princípio” (v. 5)- A situação focalizada não sugere um
indivíduo mais do que o faz a linguagem, a não ser que imaginemos
que ela era uma viúva com numerosos filhos, dos quais só alguns (v.
4) estavam seguindo a verdade, enquanto que os outros tinham caído
no erro, embora não seja mencionado nenhum.429
Em consonância com a maioria dos fiéis expositores
bíblicos, subscrevemos esta última posição. Contudo, ainda
permanece uma pergunta: por que João usou a expressão
“irmã eleita” sem citar seu nome, ou por que omitiu o
nome da igreja? Temos conjecturas e nenhuma certeza.
Mui provavelmente João fez isto por prudência, uma vez
que a perseguição à igreja naquele tempo já se tornava assaz
furiosa.
A segunda epístola de João pode ser dividida em três
pontos básicos: a igreja precisa conhecer a verdade (v. 1-3),
andar na verdade (v. 4-6) e permanecer na verdade (v.
7-11). Vamos analisar estes três pontos.
A igreja deve conhecer a verdade (v. 1 -3)
O apóstolo João, que se apresenta apenas como “o
presbítero”, usou a palavra verdade quatro vezes em sua
saudação (v. 1-3). Esta é a palavra que rege não só esta
parte da carta, mas toda a missiva. A igreja estava sendo
bombardeada pelos falsos mestres. Eles saíram de dentro
da igreja (ljo 2.19), abandonaram a sã doutrina e se
converteram em agentes do anticristo.
Estes falsos mestres estavam numa intensa cruzada
itinerante, percorriam as igrejas, disseminavam suas
heresias, negavam a divindade e a humanidade de Cristo.

Quando João destaca a necessidade de conhecer a verdade,
precisamos perguntar: o que é a verdade para o apóstolo? Ela
representa a realidade em oposição à mera aparência.
Fritz Rienecker diz que a palavra grega aletheia, “verdade”,
aqui se refere à realidade divina, e significa aquilo que é real
em última análise, a saber, o próprio Deus.430
Nesta mesma linha de pensamento, Werner de Boor diz
que “a verdade” é a realidade do “Deus verdadeiro e vivo”
em contraposição a todas as imagens de Deus produzidas
pela sabedoria humana e invenção pessoal.431
Jesus é a verdade (Jo 14.6). A Palavra de Deus é a verdade
(Jo 17.17). O Espírito que habita em nós é o Espírito da
verdade e também nos capacita a conhecer a verdade (Jo
14.16,17; 16.13).
Destacamos aqui quatro pontos:
Em primeiro lugar, a verdade deve ser conhecida por nós
(v. 1). “O presbítero à senhora eleita e aos seus filhos, a
quem eu amo na verdade e não somente eu, mas também
todos os que conhecem a verdade.”
Era a verdade que ligava João em amor a esta igreja,
especialmente a verdade acerca de Cristo em oposição à
mentira dos hereges. John Stott, citando Alford, diz: “A
comunhão do amor tem a mesma amplitude da comunhão
da fé”.432
Depois que João anunciou seu amor verdadeiro à igreja,
ele afirmou que esta saudação era enviada também por
todos os que conhecem a verdade. Com isso, João está
dizendo que a verdade precisa ser conhecida. A verdade é
objetiva. Ela é um conteúdo a ser aprendido e assimilado.
Warren Wiersbe diz corretamente que a verdade não é
apenas uma revelação objetiva do Pai, mas também uma
experiência subjetiva em nossa vida.433 Devemos não apenas

conhecer a verdade, mas também amar na verdade e viver
por amor da verdade. Conhecer a verdade é mais do que
concordar com um conjunto de doutrinas, apesar de tal
aquiescência ser importante. Significa que a vida do cristão
é controlada pelo amor à verdade.434
Devemos não apenas aprender a verdade com a mente,
mas amá-la com o nosso coração e vivê-la com a nossa
vontade. Precisamos ressaltar que a experiência é o fruto
do conhecimento. E pelo conhecimento da verdade que
amamos na verdade. Sendo assim, conhecer a verdade é
muito mais do que simplesmente dar um assentimento
intelectual a um corpo de doutrinas; é viver controlado
pelo amor da verdade e desejar magnificar a verdade.
Em segundo lugar, a verdade deve estar arraigada em nós
(v. 2). “Por causa da verdade que permanece em nós...”.
Não basta conhecer a verdade, é preciso permanecer nela.
Um dia os falsos mestres professaram a verdade. Porém,
saíram da igreja (ljo 2.19). Eles não apenas vieram de fora
da igreja (At 20.29), mas também se levantaram de dentro
da igreja (At 20.30). A verdade não estava arraigada neles.
Por conseguinte, eles não permaneceram na verdade. Há
muitos que ainda hoje apostatam da fé e abandonam a
verdade que um dia professaram.
Em terceiro lugar, a verdade deve permanecer em nós (v.
2b). “[...] e conosco estará para sempre”. A verdade deve
permanecer em nós não apenas por um tempo, mas para
sempre. Não basta começar bem, é preciso terminar bem.
Paulo falou em completar a carreira (At 20.24; 2Tm
4.7). Muitos crentes e muitos mestres se perderam no meio
do caminho. Desviaram-se e voltaram para trás. João diz
que a verdade precisa permanecer na igreja, uma vez que
ela é a coluna e o baluarte da verdade.

Em quarto lugar, a verdade deve ser vista em nós (v. 3). “A
graça, a misericórdia e a paz, da parte de Deus Pai e de Jesus
Cristo, o Filho do Pai, serão conosco em verdade e amor.”
O apóstolo João, à semelhança do que Paulo fez em suas
cartas a Timóteo, menciona em sua saudação não apenas
graça e paz, mas graça, misericórdia e paz. A diferença é que
a saudação aqui não é oração nem voto, mas uma confiante
afirmação.
A graça e a misericórdia são a raiz, e a paz é o fruto.
Quando experimentamos a graça e a misericórdia,
recebemos a paz. Concordo com John Stott quando ele
diz que graça e misericórdia são expressões do amor de
Deus, graça para com os culpados e destituídos de méritos,
misericórdia para com os necessitados e desamparados.
Paz é aquele restabelecimento da harmonia com Deus,
com os outros e com nós mesmos a que chamamos
salvação. Juntando os termos, paz indica o caráter da
salvação, misericórdia a nossa necessidade dela, e graça a
livre provisão que dela Deus fez em Cristo.435
Nessa mesma linha de pensamento, Simon Kistemaker
diz que a graça remove a culpa, a misericórdia remove
a miséria, a paz expressa a continuidade da graça e da
misericórdia.436
Há uma clara diferença entre graça e misericórdia. Graça
é o que Deus nos dá e não merecemos; misericórdia é o
que ele não nos dá mas nós merecemos. Não merecemos a
salvação, e Deus no-la dá, isto é graça; merecemos o castigo,
e Deus não o aplica a nós, uma vez que o aplicou em seu
Filho, e isto é misericórdia.
O apóstolo João destaca já na introdução desta pequena
epístola a verdade suprema da divindade de Cristo. A
saudação à igreja é dada em nome de Deus Pai e de Jesus

Cristo, o Filho do Pai. Jesus Cristo é eternamente gerado
do Pai. Ele é Deus de Deus, luz de luz, coigual, coeterno e
consubstanciai com o Pai. Desta forma, quem nega o Filho
também não tem o Pai (ljo 2.23).
A fé cristã mantém-se em pé ou cai dependendo da
maneira como ela vê a doutrina da divindade de Cristo.
Se Jesus Cristo é somente um homem, ele não pode salvar-
nos. Se ele não encarnou, também não pode se identificar
conosco.
A comunidade cristã deve ser caracterizada não só pela
verdade, mas também pelo amor. Concordo com John
Stott quando diz que devemos evitar a perigosa tendência
para o extremismo, dedicando-nos a uma dessas virtudes
à expensa da outra. O nosso amor amolece se não for
fortalecido pela verdade, e a nossa verdade endurece se não
for suavizada pelo amor. Precisamos amar uns aos outros
na verdade, e falar a verdade uns com os outros em amor.437
A igreja deve andar na verdade (v. 4-6)
Este parágrafo abre e fecha com uma ênfase sobre
obediência. Não é suficiente estudar a verdade e discuti­
la; precisamos praticá-la. Não podemos ser ortodoxos de
cabeça e hereges de conduta. Defender a verdade e não
praticá-la é uma gritante contradição. Combater o pecado
em público e praticá-lo em secreto é uma atitude reprovável.
E preciso ressaltar que os pecados do cristão são mais
hipócritas e perniciosos que os pecados dos demais homens.
Mais hipócritas porque eles pecam contra o conhecimento
e contra a graça, e mais perniciosos porque muitas vezes
condenam, nos outros, aquilo que eles mesmos praticam.
Há um abismo entre o que as pessoas professam e o que
elas vivem. Entre o que creem e o que vivem.

Destacaremos, aqui, três pontos:
Em primeiro lugar, a obediência éfonte de alegria (v. 4a).
“Fiquei sobremodo alegre em ter encontrado dentre os teus
filhos os que andam na verdade...”
O apóstolo Joáo exulta de alegria ao ver que na igreja
alguns crentes andam na verdade. Alguns crentes haviam
se desviado e seguido os enganadores, mas havia também
aqueles que se mantinham fiéis e permaneciam firmados
na verdade apostólica. Nada entristece mais um pastor de
almas do que ver alguns crentes desobedientes e rebeldes,
que não se submetem à Palavra de Deus. A obediência é a
evidência da verdade e a fonte da alegria.
Em segundo lugar, a obediência é circunscrita ao
mandamento divino (v. 4b). “[...] de acordo com o
mandamento que recebemos da parte do Pai”.
A obediência que traz alegria é aquela circunscrita ao
mandamento recebido do Pai. Não é obediência a um
líder religioso. Não é obediência à tradição dos homens.
Não é obediência às novidades dos falsos mestres. Porém,
obediência à Palavra. A fé cristã não é dar um salto no
escuro, como ensinava o pai do existencialismo moderno,
Soren Kirkegaard. A fé cristã é uma caminhada pela estrada
luminosa da verdade. E viver de acordo com o mandamento
recebido do Pai.
A palavra mandamento aparece quatro vezes nesse
parágrafo. Os mandamentos de Deus são manifestações do
seu amor por nós. Seus mandamentos não são penosos. Eles
são dados a nós para nos proteger, e não para nos oprimir.
Eles nos são dados para experimentarmos a verdadeira
liberdade, e não para nos escravizar. A maior liberdade está
na obediência à perfeita vontade de Deus. Quem ama a
Deus não acha seus mandamentos penosos.

Em terceiro lugar, a obediência é demonstrada pelo amor
(v. 5,6).
E agora, senhora, peço-te, não como se escrevesse mandamento novo,
senão o que tivemos desde o princípio: que nos amemos uns aos
outros. E o amor é este: que andemos segundo os seus mandamentos.
Este mandamento, como ouvistes desde o princípio, é que andeis
nesse amor.
Depois de evidenciar sua alegria em ver alguns crentes
andando na verdade e apresentar seu argumento, dizendo
que a obediência deve cingir-se ao mandamento divino, o
apóstolo faz um eloquente apelo para que os crentes amem
uns aos outros. O amor ao próximo é antigo, é da lei (Lv
19.18,34), mas em Cristo esse mandamento recebe uma
nova ênfase e um novo exemplo (Jo 13.34).438
Ao mandamento para crer é acrescentado o mandamento
para amar. Ser cristão é crer em Cristo e amar uns aos
outros. A fé e o amor são sinais do novo nascimento.439
Precisamos entender que o fruto do Espírito é o amor.
A essência do cristianismo é o amor. Sem amor ao próximo
não podemos dizer que amamos a Deus. Quem não ama
não conhece a Deus (ljo 4.8). Quem não ama está nas
trevas (ljo 2.9-11). Quem não ama permanece na morte
(ljo 3.14). O amor é a prova maior de que somos discípulos
de Cristo (Jo 13.35). O amor é o maior mandamento e
também o cumprimento da lei.
E importante ressaltar que o amor cristão não é uma
emoção passageira, mas um compromisso duradouro. O
amor não é sentimento, mas um ato da vontade. Provamos
o nosso amor por Deus pela obediência (ljo 5.2), e o nosso
amor ao próximo pelo serviço (ljo 3.17,18). Para o apósto­
lo João amor e obediência andam de mãos dadas.

A igreja deve permanecer na verdade (v. 7-13)
João faz uma transição dos crentes verdadeiros para os
falsos mestres, do trigo para o joio, dos que obedecem aos
mandamentos para os enganadores. Os enganadores não
eram apenas hereges quanto à teologia, mas também per­
vertidos quanto à ética. Eles eram mais do que pessoas
que ensinavam falsas doutrinas, eles também conduziam
as pessoas a uma vida errada. Verdade e vida caminham
juntas assim como doutrina errada e vida errada são irmãs
gêmeas.
Destacaremos quatro pontos:
Em primeiro lugar, o perigo de não olhar ao redor (v. 7).
“Porque muitos enganadores têm saído pelo mundo fora,
os quais não confessam Jesus Cristo vindo em carne; assim
é o enganador e o anticristo.”
O apóstolo destaca que não são poucos, mas muitos os
enganadores que se movem mundo afora com o propósito
de enganar os crentes. John Stott diz que, assim como os
apóstolos foram enviados ao mundo para pregar a verdade,
assim estes falsos mestres tinham saído para ensinar menti­
ras, como emissários do diabo, o pai da mentira.
Estes falsos profetas itinerantes, viajando pelas grandes
estradas romanas da Ásia Menor, procuravam ensinar o
seu erro nas igrejas que visitavam. Do ponto de vista deles,
eram missionários cristãos. No entanto, do ponto de vista
do apóstolo João, eram impostores.440
Werner de Boor diz que o movimento intelectual e
religioso chamado gnosticismo parece avançar largamente e
não sem eficácia. Ele inclui um “gnosticismo cristão”, cujos
representantes vêm das próprias igrejas apostólicas (ljo
2.19), pretendendo introduzir nas igrejas um cristianismo
“superior”. Era nisto que residia a sua atração e perigo. Para

“o presbítero” eles são enganadores. Não são fenômenos
isolados que poderiam ser ignorados; seu número é grande.
O apóstolo fala de “muitos enganadores” que têm uma
forte consciência missionária. Sua zelosa atividade de
divulgação não se limita a uma região pequena.441
Warren Wiersbe, citando Mark Twain, diz que uma
mentira dá volta ao mundo enquanto a verdade ainda está
calçando os sapatos. A natureza humana decaída deseja crer
em mentiras e resiste à verdade de Deus.442
Fritz Rienecker diz que a palavra grega plános, “engana­
dor”, se refere a uma pessoa que faz outras cometerem atos
errados, e não apenas a terem opiniões erradas.443
Simon Kistemaker tem razão quando diz que João não
tem medo de dar nomes ao falso mestre. Aqui ele o chama
não apenas de enganador, mas também de anticristo, ou
seja, a pessoa que se opõe a Cristo para ficar no seu lugar.444
A heresia destes mestres era que eles não confessavam
Jesus Cristo vindo em carne. Eles negavam a encarnação de
Cristo. Por conseguinte, negavam toda a sua obra redentora
e sua ressurreição. O “cristo intelectual” do gnosticismo não
é o redentor do pecador por intermédio da morte sangrenta
da cruz.445
Os gnósticos pregavam um falso cristo, um falso evan­
gelho e seduziam as pessoas a abraçarem uma falsa vida e
nutrirem uma falsa esperança. A encarnação não é apenas
um evento na História. E uma verdade permanente. Jesus
não se tornou o Cristo ou o Filho em seu batismo, nem
deixou de ser o Cristo ou o Filho antes da sua morte; Jesus
era “o Cristo vindo em carne”.
As duas naturezas, a humanidade e a divindade, já
estavam unidas por ocasião do seu nascimento, para nunca
mais separar-se.446

A razão pela qual encontram tanta aceitação é que os
enganadores abrem o caminho para a prática do pecado
(2Pe 2.2). Os enganadores desviam as pessoas de duas
formas: primeira, eliminando os preceitos. Nada de
preceitos. Nada de princípios. Nada de mandamentos.
Tudo é permitido. Nada é proibido. Tudo é liberado.
Nada tem nada a ver. Segunda, colocando preceitos e mais
preceitos sobre as pessoas. Esses enganadores tornam o
povo escravo de suas tradições. Atam fardos pesados sobre
as pessoas e desviam-nas da liberdade da graça.
Esses enganadores procedem tanto do mundo (At
20.29), quanto da própria igreja (At 20.30; ljo 2.19). Eles
são chamados não apenas de falsos mestres, mas também de
enganadores e anticristos. Aqueles que negam a encarnação
de Cristó são inspirados pelo engano e pelo anticristo (v. 7).
O prefixo anti significa “no lugar de” e “contra”. Eles
não apenas negam a verdade e se colocam contra ela, mas
também a substitúem, apresentando outro cristo que não é
o Cristo Filho de Deus.
Em segundo lugar, operigo de voltar atrás (v. 8). “Acautelai­
-vos, para não perderdes aquilo que temos realizado com
esforço, mas para receberdes completo galardão.”
Esse é o perigo de perder aquilo que já se ganhou. Os
falsos mestres dizem oferecer algo que não temos, quando,
na realidade, tiram algo que já possuímos.447 Satanás é
ladrão e espoliador. Os falsos mestres são enganadores, e
não pastores. Eles não entram pela porta do aprisco. O
propósito deles é assaltar as ovelhas e deixá-las à mercê dos
predadores. Os enganadores vêm para desviar os crentes
das veredas da justiça. Precisamos nos acautelar!
O apóstolo João quer que seus filhos na fé recebam pleno
galardão em vez de serem espoliados. O apóstolo Paulo

expressou a sua preocupação com os crentes da Galácia:
“Receio de vós tenha eu trabalhado em vão para convosco”
(G1 4.11). Jesus disse para a igreja de Filadélfia: “Venho
sem demora. Conserva o que tens, para que ninguém tome
a tua coroa” (Ap 3.11).
E preciso deixar claro que o pensamento do apóstolo
não é sobre a obtenção ou perda da salvação (que é uma
dádiva gratuita), mas a sua recompensa ou galardão pelo
serviço fiel.448
Em terceiro lugar, o perigo de ir além (v. 9). “Todo aquele
que ultrapassa a doutrina de Cristo e nela não permanece
não tem Deus; o que permanece na doutrina, esse tem
tanto o Pai como o Filho.”
A palavra grega proagon, “ir além”, talvez seja uma
referência sarcástica ao caminho no qual os falsos profetas
se orgulhavam de oferecer ensino “avançado”.
O ancião alega que eles “avançaram” além das fronteiras
da verdadeira fé cristã.449 Os enganadores estavam oferecen­
do aos crentes uma versão mais avançada do cristianismo.
Eles tinham um discurso progressista. Eles prometiam algo
que os crentes não possuíam. Eles falavam de um conhe­
cimento místico e esotérico superior ao conhecimento que
os crentes tinham. Eles falavam de experiências místicas e
arrebatadoras que os crentes não haviam experimentado.
William Barclay dizque com apretensão dos falsos mestres
de oferecer um cristianismo novo e melhor eles estavam, na
verdade, destruindo o verdadeiro cristianismo.450
O perigo aqui é ir além dos limites da Palavra de Deus
e acrescentar a ela as novidades criadas no laboratório
do engano. Os falsos mestres tinham ido tão além que
deixaram Deus para trás, pois ao negarem que Jesus Cristo
veio em carne, perdiam também a comunhão com Deus.

Ainda hoje há muitas religiões que dizem crer em Deus,
mas negam a Jesus. Estes arautos do engano querem elevar
religiões não cristãs ao nível do cristianismo, como vias
alternativas para Deus. E preciso resistir fortemente a estes
erros.
Na teologia devemos ser conservadores, e não progres­
sistas. Devemos permanecer na sã doutrina em vez de ir
além dela. Avançar além de Cristo não é progresso, mas
apostasia. O desenvolvimento do cristão não consiste em
progresso além do ensino dado por Cristo, diretamente ou
por meio dos apóstolos, como está registrado no Novo Tes­
tamento, mas, sim, consiste numa progressiva compreen­
são desse ensino.451
Está coberto de razão Simon Kistemaker quando diz
que se alguém avançar e deixar a fé, esta pessoa regredirá e
se verá diante da ruína espiritual. O verdadeiro progresso
está sempre arraigado na doutrina de Cristo.452
Warren Wiersbe', citando Phillips Brooks, diz: “A verdade
é sempre forte, não importa quão fraca ela pareça; a mentira
é sempre fraca, não importa quão forte ela aparenta”.453
Precisamos reafirmar que a Palavra de Deus é suficiente.
Ela nos basta. A Bíblia tem uma capa ulterior. Tudo o que
Deus tem para nós está revelado em sua Palavra. Ainda
que um anjo venha do céu trazendo-nos novas revelações,
devemos rejeitar.
E trágico ver a numerosa quantidade de pregadores en­
sinando coisas novas na igreja, dizendo que receberam de
Deus uma nova unção, uma nova visão e uma nova revela­
ção. E lamentável que esses arautos do engano encontrem
tanto espaço na igreja e sejam seguidos com tanto fervor.
Fui convidado certa feita para dar uma palestra para um
grupo de pastores e líderes numa igreja evangélica. Depois

do meu sermão, levantaram-se dois pastores, ambos com
mais de vinte anos de ministério e começaram a falar sobre
as últimas novidades que ouviram num encontro dos
“apóstolos” na cidade de Goiânia.
A nova revelação era esta: o Brasil estava precisando ser
libertado e purificado dos espíritos malignos e a igreja de­
veria contratar aviões para ungir o Brasil com óleo, derra­
mando o precioso unguento nos quatro cantos cardeais da
nação. Para a minha surpresa e espanto, essa comunicação
esdrúxula foi efusivamente aplaudida pelos líderes ali pre­
sentes. Tanto o liberalismo modernista quanto o misticis­
mo pagão são ainda hoje aplaudidos em muitas igrejas tidas
como evangélicas.
Em quarto lugar, o perigo de ir junto (v. 10,11). “Se al­
guém vem ter convosco e não traz esta doutrina, não o
recebais em casa, nem lhe deis as boas-vindas. Porquan­
to aquele que lhe dá boas-vindas faz-se cúmplice das suas
obras más.”
O pano de fundo deste alerta do apóstolo tem a ver
com a questão da hospitalidade aos pregadores itinerantes.
Paulo foi hospedado por Lídia em Filipos (At 16.14,15),
por Jasom em Tessalônica (At 17.7), por Gaio em Corinto
(Rm 16.23) e por Filipe em Cesareia (At 21.8,16).
No primeiro século, os hotéis e pensões eram quase
desconhecidos. A profissão de estalajadeiro era desonrosa
e o seu caráter infamante é censurado muitas vezes nas leis
romanas. Também as pensões antigas ficavam a pequena
distância das casas de má fama.
As pensões eram notoriamente sujas e infestadas de
pulgas.454 Era natural assim que os cristãos, em suas via­
gens, fossem hospedados nas casas dos membros das igrejas
locais. A hospitalidade era uma prática recomendada na

igreja primitiva: “Praticai a hospitalidade” (Rm 12.13). O
autor aos Hebreus ordena: “Não negligencieis a hospita­
lidade, pois alguns, praticando-a, sem o saber acolheram
anjos”.
Embora a hospitalidade fosse uma prática do amor cris­
tão (lTm 3.2; 5.3-10; IPe 4.8-10), os crentes não deveriam
receber estes falsos mestres em casa nem na igreja. A palavra
grega chairein, “saudar, cumprimentar”, indica a entrada
em comunhão com a pessoa saudada, e receber um falso
mestre era expressar a solidariedade com ele.455
Dar as boas-vindas a estes enganadores seria o mesmo que
caminhar junto deles e ajudá-los nesse maligno propósito.
Além dos falsos profetas, existiam ainda os charlatões que
se aproveitavam da boa-fé dos crentes para se instalarem em
suas casas, buscando proveito material.
John Stott esclarece três pontos importantes: primeiro,
João está se referindo a mestres de fâlsa doutrina e não
simplesmente àqueles que criam nela. Trata-se daqueles que
estão engajados na sistemática disseminação de mentiras
como dedicados missionários do erro. Segundo, João está
falando não só de uma visita oficial de falsos mestres, mas
também ao ato de estender-lhes boas-vindas oficiais. Isto
inclui tanto a hospitalidade particular quanto as oficiais
boas-vindas à congregação reunida. Terceiro, João está se
referindo a mestres de falsa doutrina sobre a encarnação, e
não a todo e qualquer falso mestre. E a hospedagem dada
ao anticristo que nos é proibida. A tolerância de que nos
orgulhamos é na realidade indiferença para com a verdade.456
O motivo de não oferecer hospitalidade aos que não
trazem a doutrina de Cristo é que dar as boas-vindas a estes
mestres do engano seria tornar-se coparticipantes com eles
e cúmplices de suas obras más.

A heresia não é apenas um erro, mas também uma obra
iníqua. Pode enviar almas à ruína eterna. Se não quisermos
ser parceiros destes enganadores e cúmplices desta obra
iníqua é preciso que não ofereçamos nenhum incentivo aos
que a realizam.
O apóstolo João conclui sua segunda epístola assim:
“Ainda tinha muitas coisas que vos escrever; não quis fazê-
lo com papel e tinta, pois espero ir ter convosco, e conver­
saremos de viva voz, para que a nossa alegria seja completa.
Os filhos da tua irmã eleita te saúdam” (v. 12,13).
João passa da instrução para o anseio pela comunhão.
Não basta instruir os crentes; para o apóstolo, ele anseia
estar com eles, a fim de que sua alegria seja completa. O
cristianismo não é apenas conhecimento, mas também rela­
cionamento. As demais instruções apostólicas seriam trans­
mitidas não pela forma escrita, mas pela comunicação oral.
O presbítero João, o último remanescente do grupo de
apóstolos, transmite à igreja destinatária, as saudações da
igreja remetente. Trata-se de uma igreja eleita saudando
outra igreja eleita. O amor verdadeiro se comunica e se
expressa.
Concluo esta exposição com as palavras de Warren
Wiersbe: “Esta carta é uma pérola da correspondência
sagrada. No entanto, não se deve esquecer que a sua ênfase
principal é a necessidade de permanecer alertas. O mundo
está cheio de enganadores”.457

No t a s d o c a p í t u l o 1 2
424 K istem aker, Simon. Tiago e epístolas de João. 2005: p. 501.
425 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 172.
426 d e B o o r, Werner. Segunda carta de João. Em Comentário Espe­
rança. 2008: p. 421.
427 Lopes, Augustus Nicodemus. II, IIIJoão e Judas. Editora Cultura
Cristã. São Paulo,®SP. 2008: p. 25.
428 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p.
172,173.
429 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 173.
430 R ien eck er, Fritz e R o g ers, Cleon. Chave linguística do Novo Testa­
mento grego. 1985: p. 593.
431 d e B o o r, Werner. A segunda carta de João. Em Comentário Espe­
rança. 2008: p. 423.
432 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 174.
433 W iersbe, Warren W. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 685.
434 W iersbe, Warren W .. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 685.
435 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 175.
436 K istem aker, Simon. Tiago e epístolas de João'. 2005: p. 502.
437 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 176.
438 W iersbe, Warren W. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 688.
439 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 177.
440 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 179.
441 d e B oo r, Werner. A segunda carta de João. Em Comentário Espe­
rança. 2008: p. 427,428.
442 W iersbe, Warren W. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 689.
443 R ieneck er, Fritz e R o g ers, Cleon. Chave linguística, do Novo Testa­
mento grego. 1985: p. 593.
444 K istem aker, Simon. Tiago e epístolas de João. 2005: p. 509.
445 d e B oo r, Werner. A segunda carta de João. Em Comentário Espe­
rança. 2008: p. 428.
446 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 180.
447 W iersbe, Warren W. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 689.
448 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 181.

449 R ien eck er, Fritz e R o g ers, Cleon. Chave linguística do Novo Testa­
mento grego. 1985: p. 593,594.
450 B arclay, W illiam . I, II, III Juan y Judas. 1974: p. 157.
451 St o t t, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 182.
452 K istem aker, Simon. Tiago e epístolas de João. 2005: p. 511,512.
453 WiERSBE, W arren W. With the Word. 1991: p. 841.
454 St o t t, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p.
170,171.
455 R ien eck er, Fritz e R o g ers, Cleon. Chave linguística do Novo Testa­
mento grego. 1985: p. 594.
456 St o t t, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 184.
457 W iersbe, W arren W. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 691.

Capítulo 13
A liderança na
igreja de Cristo
(3Jo 1-15)
O a p ó s t o l o JoÃo, t a m b é m c h a m a d o
de “o presbítero”, escreveu sua segunda
carta para alertar sobre o perigo dos falsos
mestres; nesta terceira carta ele adverte
sobre os falsos líderes. Na segunda carta,
os falsos mestres apelavam para o amor,
mas negavam a verdade. Na terceira
carta, o falso líder apela para a verdade,
mas nega o amor.
A segunda carta coloca o aspecto ne­
gativo da hospitalidade; a terceira carta o
lado positivo da hospitalidade. A segun­
da carta alerta para o perigo de exercer
hospitalidade com os falsos mestres (v.
7-11). A terceira carta alerta para a ne­
cessidade de hospedar e receber os pre­
gadores fiéis da Palavra de Deus (v. 5-8).

Se os crentes não devem acolher os falsos mestres em suas
casas, de bom grado devem receber os servos de Deus. John
Stott acertadamente diz que estas duas cartas devem ser
lidas juntas para obtermos uma equilibrada compreensão
dos deveres e limites da hospitalidade cristã.458
Uma das palavras-chave desta terceira carta de João é a
palavra testemunho (v. 3,6,12). Ela significa não somente o
que dizemos, mas também o que fazemos. Cada cristão é
uma testemunha, seja boa ou má. Somos parte do problema
ou da sua solução. Somos bênção ou maldição. Não há
neutralidade quando se trata da vida cristã.
Essa carta fala sobre três homens: Gaio, Diótrefes e
Demétrio (v. 1,9,12). Na igreja visível, há salvos e perdidos.
Há crentes genuínos e crentes falsos. Há os que amam a
Deus e buscam a sua glória, e aqueles que amam a si mesmos
e estão interessados apenas em sua própria projeção.
Na igreja militante há pessoas que trabalham com Deus e
para Deus e pessoas que trabalham contra Deus. Há trigo e
joio. Há ovelhas e lobos. E de bom alvitre examinarmo-nos a
nós mesmos. O apóstolo Paulo exorta: “Examinai-vos a vós
mesmos se realmente estais na fé; provai-vos a vós mesmos.
Ou não reconheceis que Jesus Cristo está em vós? Se não é
que já estais reprovados” (2Co 13.5).
Dito isto, vamos considerar a introdução desta epístola,
a menor de todas no texto grego. Alguns pontos precisam
ser aqui destacados:
Em primeiro lugar, o remetente da carta (v. 1). “O presbí­
tero ao amado Gaio...” João não menciona seu nome nem
mesmo seu apostolado. Apresenta-se apenas como “o pres­
bítero”. Talvez aqui o significado mais lógico seja “o velho”,
em virtude de sua avançada idade neste tempo. As palavras
presbítero, bispo e pastor são termos correspondentes (At

20.17,28). João era o último apóstolo vivo neste tempo, e
também o pastor das igrejas para onde enviou essa missiva.
Augustus Nicodemus diz que quando João se identifica
como “o presbítero” revela a sua maneira despretensiosa e
humilde de lidar com os irmãos em Cristo.
Numa época como a nossa, em que líderes evangélicos
ostentam abertamente títulos autoimpostos, como apósto­
los, e até “paipóstolos”, a atitude de João que, mesmo sen­
do apóstolo, preferia se apresentar como “presbítero”, serve
de condenação a todos os arrogantes de hoje.459
Em segundo lugar, o destinatário (v. 1). “O presbítero
ao amado Gaio, a quem eu amo na verdade.” Diferente da
segunda carta, a terceira carta é endereçada a um homem,
e não à igreja. O nome Gaio era muito comum entre os
romanos. O Novo Testamento faz referência a três homens
que possuíam esse nome: Gaio, de Corinto (ICo l.l4;Rm
16.23), Gaio, de Macedônia (At 19.29), e Gaio, de Derbe
(At 20.4).
Embora John Stott esteja inclinado a aceitar o último
Gaio como o destinatário dessa epístola, não há como
identificar com certeza quem é este Gaio para quem João
escreve.460
João não apenas chama Gaio de agapetos, “amado”, três
vezes (v. 1,2,5), mas também reforça o conceito, afirmando
“a quem eu amo na verdade”. O amor cristão não é
apenas para ser sentido, mas também para ser declarado e
demonstrado. Gaio era um homem especial. Era daquele
tipo de gente que atraía as pessoas pela sua bondade, amor
e testemunho.
Nicodemus chama a atenção para o fato de que em nossos
dias, por causa da aceitação crescente do homossexualismo
em nossa sociedade decaída, o genuíno amor fraternal

entre irmãos em Cristo pode ser visto de modo suspeito,
especialmente pelos que têm a mente envenenada pela
impureza sexual.
O amor de Jesus por João e de João por Gaio tem sido
usado pelos homossexuais para justificar o que sentem entre
si. Na verdade, tal sentimento homossexual é chamado por
Paulo de “[...] paixões infames” (Rm 1.26). E bastante
diferente do amor cristão entre dois irmãos em Cristo.461
Em terceiro lugar, a saudação (v. 2). “Amado, acima
de tudo, faço votos por tua prosperidade e saúde, como
é próspera a tua alma.” Gaio era um homem de vida
espiritual saudável. Ele não tinha riqueza nem saúde, mas
tinha uma vida espiritual robusta. E possível ser pobre e ser
rico espiritualmente. E possível estar fisicamente enfermo e
ter uma vida espiritual abundante.
A saudação de João é, na verdade, uma oração a Deus em
favor de Gaio. Devemos orar pela prosperidade financeira
e pela saúde dos crentes, sem cair, contudo, no engano da
teologia da prosperidade, que afirma que o crente não pode
ser pobre nem ficar doente.
A Palavra de Deus, porém, ensina que a piedade,
com contentamento, é grande fonte de lucro (lTm 6.6).
Entretanto, diz que aqueles que querem ficar ricos caem
em tentação e cilada (lTm 6.9,10).
João intercede a Deus pela prosperidade de Gaio em todos
os aspectos, e o pensamento pode ser dirigido ao trabalho
público e social de Gaio, bem como à sua prosperidade
pessoal. O desejo é que a prosperidade exterior de Gaio
possa corresponder à condição de sua alma.462
Concordo com John Stott quando diz que aqui há uma
autorização bíblica para desejarmos o bem-estar físico e o
bem-estar espiritual dos nossos amigos cristãos.463

William Barclay tem razáo quando diz que um pastor
verdadeiro interessa-se tanto pela saúde espiritual da alma
como a saúde física do corpo dos crentes.464
Nicodemus é oportuno quando diz que este versículo
tem sido usado por muitos para provar que Deus sempre
deseja que seus filhos sejam prósperos financeiramente e
que sempre tenham boa saúde.
Embora não se possa negar que, além das bênçãos
espirituais, Deus também abençoa seus filhos com bênçãos
materiais, seria ir além dos limites bíblicos ensinar que
Deus prometeu sempre dar prosperidade financeira a todos
os seus filhos.465
Warren Wiersbe tem razão quando diz que a saúde fí­
sica é o resultado da boa alimentação, exercício, limpeza,
descanso apropriado e vida disciplinada. De igual forma,
saúde espiritual é o resultado de fatores similares. Devemos
alimentar-nos com a Palavra (Jo 17.17), exercitar a piedade
(lTm 4.6,7), guardar-nos limpos (2Co 7.1) e evitar a con­
taminação do mundo (Tg 1.27). Ao mesmo tempo deve­
mos descansar no Senhor (Mt 11.28-30).466
Em quarto lugar, o testemunho (v. 3). “Pois fiquei sobre­
modo alegre pela vinda de irmãos e pelo seu testemunho da
tua verdade, como tu andas na verdade.”
Gaio era um homem que andava na verdade. Verdade
para ele era mais do que um conceito, era uma prática de
vida. Ele não só acreditava na verdade, ele também andava
na verdade. Não havia dicotomia entre a profissão de fé e a
prática. Não havia abismo entre o que ele falava e o que ele
fazia. Não havia separação entre a sua teologia e a sua vida.
Havia correspondência entre o credo e a conduta; entre a
verdade e a vida. Não podemos separar fé e obras, doutrina
e ação. A fé sem obras é morta (Tg 2.17).

John Stott destaca que havia duas características na
prosperidade espiritual de Gaio: a verdade (v. 3) e o amor
(v. 6). Gaio foi um cristão equilibrado. Ele defendia a
verdade em amor e amava em verdade. Sua verdade e seu
amor eram conhecidos de todos.467
As pessoas que iam visitar João davam um bom teste­
munho de Gaio, constatando como ele andava na verdade.
Isto trouxe grande alegria ao apóstolo João. Foi a verdade
que capacitou Gaio a dar bom testemunho. Gaio leu a Pa­
lavra, meditou na Palavra, deleitou-se na Palavra e praticou
a Palavra. O que a digestão é para o corpo, a meditação é
para a alma.468 Não é apenas suficiente ouvir e ler a Palavra.
Precisamos digeri-la e fazê-la parte da nossa vida interior.
Em quinto lugar, a declaração (v. 4). “Não tenho maior
alegria do que esta, a de ouvir que meus filhos andam na
verdade.”
A maior alegria de João não era financeira, mas espiritual.
Sua recompensa não era monetária. Ele não andava atrás
do dinheiro dos crentes, mas se alegrava em vê-los andando
na verdade. Os crentes não eram fontes potenciais de lucro,
mas filhos espirituais a quem devotava a sua vida. A maior
alegria de João não era ver seus filhos sendo ricos, mas vê-
los andando na verdade.
Como diz John Stott: “João não considerava as questões
teológicas como trivialidades sem importância”.469 Prospe­
ridade sem fidelidade à verdade é motivo de tristeza, e não
de alegria.
Simon Kistemaker está correto quando diz que João fala
de “filhos” não no sentido físico de descendência, mas no
sentido de nascimento espiritual. De maneira semelhante,
Paulo escreve aos crentes de Corinto e diz: “Pois eu, pelo
evangelho, vos gerei em Cristo Jesus” (ICo 4.15)-470

Augustus Nicodemus destaca ainda que os apóstolos e
primeiros cristãos não eram santarrões taciturnos e circuns­
pectos, fama que caracterizou injustamente grupos cristãos
como os puritanos, posteriormente. Dentre as muitas ale­
grias que experimentava neste mundo, o apóstolo João
considerava como a maior de todas saber que seus filhos
iam bem espiritualmente.471
Vamos, agora, acompanhar a exposição do apóstolo
acerca dos três personagens centrais da carta.
Gaio, um homem abençoador (v. 5-8)
Já vimos que Gaio era um homem amado (v. 1,2,5),
de vida espiritual saudável (v. 2) e que desfrutava de bom
testemunho (v. 3,4). Agora, vamos analisar outras caracte­
rísticas deste servo de Deus. Quem era Gaio?
Em primeiro lugar, um homem que abre sua casa para os
servos de Deus (v. 5). “Amado, procedes fielmente naquilo
que praticas para com os irmãos, e isto fazes mesmo quando
são estrangeiros.”
Outra vez o presbítero dirige-se a Gaio chamando-o
amado, e se coloca a escrever, agora não sobre a sua verdade,
mas a respeito de seu amor. Ele era “dado à hospitalidade”
como se ordena que sejam todos os cristãos (Rm 12.13; Hb
13.2; IPe 4.9) e particularmente às viúvas (lTm 5.10) e aos
presbíteros (lTm 3.2; Tt 1.8).
Em cada um destes versículos, a palavra grega é o
substantivo philoxenia ou o adjetivo philoxenos, palavra que
indica literalmente amor por estrangeiros.472
Já vimos na segunda carta que a hospitalidade era uma
prática recomendada na igreja apostólica. Os pregadores
itinerantes não tinham hotéis nem hospedarias de boa
reputação à disposição, nem recursos suficientes. Assim, os

crentes e especialmente os líderes da igreja deveriam abrir
seus corações, suas casas e seus bolsos para ajudar a estes
obreiros nessa missão itinerante.
Também vimos na segunda carta que esta hospitalidade
precisava ser criteriosa, uma vez que havia aproveitadores
e falsos mestres que buscavam se instalar na casa dos
crentes para se aproveitarem desse aconchego ou para
disseminar suas perniciosas heresias. Neste caso os crentes
não deveriam receber esses preguiçosos ou pregoeiros da
mentira em suas casas, para não se tornarem cúmplices
deles.
Em sua primeira carta, João explica que amar tem a
ver com socorrer os irmãos carentes e necessitados (ljo
3.17). Aqui, na terceira carta, ele identifica o amor com
a hospitalidade. Em resumo, “amar”, na correspondência
joanina, bem como em todo o Novo Testamento, é uma
atitude de ajuda prática aos que dela necessitam.473
Warren Wiersbe diz que não há indicação alguma de
que o próprio Gaio fosse um pregador ou mestre, mas abria
o coração e a casa para os que eram.474 Ele era um homem
comprometido com a obra de Deus. Sua casa estava a
serviço do reino de Deus. Seu coração estava aberto para
receber as pessoas que vinham em nome de Deus. Seu
bolso estava aberto para ajudar as pessoas a fazerem a obra
de Deus. Você faz a obra de Deus com os pés, indo; com
as suas mãos, contribuindo; com os seus lábios, falando e
orando. Gaio abriu seu coração, seu lar e seu bolso para
ajudar os pregadores da Palavra de Deus.
Em segundo lugar, um homem que honra a Deus ao dar
suporte aos servos de Deus (v. 6). “Os quais, perante a igreja,
deram testemunho do teu amor. Bem farás encaminhando-os
em sua jornada por modo digno de Deus.”

O presbítero agora se volta do passado para o futuro,
daquilo “que praticas” (v. 5) para aquilo que “farás” (v. 6).
João anima Gaio a continuar hospedando os mestres em
viagem. Os obreiros de Deus não devem receber apenas
hospedagem quando chegam, mas também provisão
quando partem.475
Gaio deveria encaminhar os missionários em sua jor­
nada de modo digno de Deus. Fazer algo de modo digno
de Deus significa honrar a Deus e imitá-lo. Nós nos asse­
melhamos a Deus quando nos sacrificamos a nós mesmos
para servir aos outros. Servir aos servos de Cristo é servir a
Cristo. Jesus disse: “Quem vos recebe a mim me recebe; e
quem me recebe recebe aquele que me enviou” (Mt 10.40).
Fazer o bem a alguém é o mesmo que fazê-lo a Cristo (Mt
25.34-40).
Gaio não apenas hospedava os obreiros de Deus, mas
lhes dava suporte financeiro quando saíam de sua casa
para uma nova jornada missionária. Ele era não apenas um
homem hospitaleiro, mas também um sustentador da obra
missionária.
A expressão “encaminha-os em sua jornada” significa
“ajuda-os em sua jornada”. Fritz Rienecker diz que o
envio de missionários envolvia a provisão necessária para
a sua viagem, dando-lhes alimentos e dinheiro para as
suas despesas, a lavagem de suas roupas e, de modo geral,
ajudá-los a viajar tão confortavelmente quando possível (At
15.3; ICo 16.6; 2Co 1.16; Tt 3.13).476 A fé é demonstrada
pelas obras e o amor é expressado em atos e não apenas em
palavras.477
Nesta mesma linha de pensamento, Augustus Nicodemus
diz que “encaminhar” na língua grega é usado para “assistir
alguém em sua preparação para uma viagem com dinheiro,

comida, companhia e os meios de viajar”. Foi desta forma
que Paulo pediu aos crentes de Corinto que encaminhas­
sem Timóteo “em paz” em sua viagem de regresso (ICo
16.10,11).
Ele mesmo, com Barnabé, foi encaminhado pelas igrejas
para ir a Jerusalém (At 15.2,3). Na sua segunda carta aos
Coríntios, pede para ser por eles encaminhado à Judeia (2Co
1.16). E na carta aos Romanos, solicita o encaminhamento
dele para a sua viagem à Espanha, para pregar o evangelho
(Rm 15.24). O pedido incluía não somente suprir todas as
necessidades físicas e materiais para a viagem, mas também
orar por eles e com eles, animando-os e encorajando-os
diante dos perigos e privações que certamente passariam
na jornada.
Este versículo, portanto, enfatiza o dever que os cristãos
têm de se envolver com a obra missionária. Nem todos
podem ir. Mas muitos podem acolher, enviar e patrocinar
os que vão.478
Em terceiro lugar, um homem que dá testemunho perante
os incrédulos ao dar suporte aos servos de Deus (v. 7). “Pois
por causa do Nome foi que saíram, nada recebendo dos
gentios.” O motivo que levou estes missionários itinerantes
a sair pregando a verdade é o nome de Jesus. Zelo pelo
nome de Cristo é o mais constrangedor de todos os motivos
missionários.479
O nome de Jesus é o nome sobre todo o nome dado pelo
Pai. O nome de Jesus é uma das maiores motivações da
igreja apostólica. Paulo estava disposto a morrer pelo nome
de Jesus (At 23.13). Sofrer injúria pelo nome de Jesus era
bem-aventurança (At 5.41).
Jesus ensinou que os servos de Deus, que fazem a obra
de Deus, merecem suporte financeiro (Lc 10.7), mas este

sustento não deve vir dos incrédulos, mas do povo de Deus.
Os crentes é que devem sustentar a obra de Deus. Isto é
testemunho perante os gentios.
Augustus Nicodemus destaca o fato de que os missio­
nários não eram mercenários que cobravam para pregar o
evangelho. A atitude daqueles missionários de nada receber
dos gentios serve de condenação eloquente para a voracida­
de com que líderes mercenários de igrejas ditas evangélicas
hoje arrancam até o último centavo dos pobres e das viúvas
que tolamente seguem esses lobos disfarçados de ovelhas.480
Hoje temos visto, com tristeza, pregadores mercadejando o
evangelho, cobrando altos cachês para pregar a Palavra. Isso
está em desacordo com as Escrituras.
Concordo com John Stott quando diz que não há proi­
bição de receber dinheiro de não cristãos que podem ter boa
disposição para com a causa cristã. Jesus mesmo pediu e acei­
tou um copo de água de uma mulher samaritana, pecadora.
O que se diz aqui é que estes evangelistas itinerantes (como
questão de política) não procurariam obter seu sustento dos
pagãos e, de fato, não receberam deles o seu sustento.481
Em quarto lugar, um homem que se torna cooperador da
verdade ao acolher os servos de Deus (v. 8). “Portanto, devemos
acolher esses irmãos, para nos tornarmos cooperadores da
verdade.”
O ministério da hospitalidade e do suporte à obra de
Deus não é somente um privilégio e uma oportunidade,
mas também uma obrigação (G1 6.6-10; ICo 9.7-11; 2Co
11.8,9; 12.13). Os missionários saíam para pregar em
nome de Cristo e não tinham como se sustentar, daí a igreja
precisava acolhê-los.
John Stott menciona três motivações que devem nor­
tear os cristãos na contribuição com a obra missionária:

primeira, devemos apoiar os missionários porque eles são
irmãos que saem a pregar a Palavra por causa do nome de
Cristo. Segunda, estes mesmos irmãos não têm outra fonte
de sustento. Os crentes têm o dever de sustentar esta causa
que o mundo não sustenta nem é chamado a sustentar.
Terceira, quando apoiamos os pregadores da Palavra de
Deus estamos nos tornando cooperadores da verdade.482
Gaio não somente recebeu a verdade e andou na ver­
dade, mas ele também se tornou cooperador para que a
verdade chegasse a horizontes mais longínquos. Precisamos
nos tornar aliados da verdade. Gaio tinha coração e bolsos
convertidos. Sua vida, seu lar e seu dinheiro estavam a ser­
viço do reino de Deus.
Nós precisamos de crentes como Gaio na igreja: gente
que apresenta uma vida espiritual saudável, gente obediente
à Palavra e que compartilha o que tem para que a Palavra
seja proclamada.
Diótrefes,um homem arrogante (v. 9,10)
João faz a transição de um líder acolhedor para um líder
ditador; de um homem que abria sua casa e seu bolso para
abençoar os que chegavam à igreja para um homem que
expulsava as pessoas que chegavam à igreja.
Diótrefes era um líder soberbo em vez de ser um líder
servo. Ele queria ser o maior, em vez de ser servo de todos.
Ele buscava a honra de seu próprio nome, em vez de buscar
a glória de Cristo.
Simon Kistemaker diz o seguinte acerca dele:
Sabemos pouco sobre Diótrefes. Seu nome significa “filho adotivo de
Zeus”, o que sugere que ele seja de descendência grega. Ele é um líder
na igreja local e, de modo egoísta, tira vantagem de sua posição de
liderança. Ele gosta de ser o primeiro. Em vez de servir à igreja, ele se

recusa a reconhecer a autoridade superior. Ele próprio deseja governar
a igreja. Ele age de maneira contrária à instrução de Jesus: “Quem
quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem
quiser ser o primeiro entre vós, será vosso servo” (Mt 20.26,27).483
Vamos, agora, ver as marcas de Diótrefes:
Em primeiro lugar, um homem amante da preeminência
(v. 9). “Escrevi alguma coisa à igreja; mas Diótrefes, que
gosta de exercer a primazia entre eles, não nos dá acolhida.”
A expressão “gosta de exercer a primazia” significa que­
rer ser o primeiro, querer ser o líder, orgulhar-se de ser o
primeiro. Diótrefes era um homem megalomaníaco. Ele
gostava dos holofotes. Ele buscava ficar sob as luzes da ri­
balta. Ele era um narcisista. A expressão “gosta de exercer a
primazia” significa ambição, o desejo de preeminência em
todas as coisas. O verbo no tempo presente indica a atitude
habitual e contínua.484
No caráter e na conduta, Diótrefes era inteiramente
diferente de Gaio.485 Ele se amava mais do que aos outros.
Seu eu, e não Cristo, estava no trono da sua vida. Seu eu
vinha sempre na frente dos outros. Ele buscava os seus
interesses e não os de Cristo. Ele buscava não o interesse
dos irmãos, mas o seu próprio. Ele construía monumentos
a si mesmo, em vez de buscar a glória de Cristo. A atitude
de Diótrefes era oposta à de João Batista: “Convém que ele
[Cristo] cresça e que eu diminua” (Jo 3.30).
Por ser amante dos holofotes, e gostar de ser o primeiro
em tudo, ele via o apóstolo João como uma ameaça à sua
posição. A rejeição possivelmente não era doutrinária, mas
pessoal. Seu problema não era heresia, mas egoísmo.
Os motivos que governavam a conduta de Diótrefes não
eram teológicos, sociais nem eclesiásticos, mas morais. Ele

náo compartilhava o propósito do Pai, de que em todas
as coisas Cristo tivesse a primazia (Cl 1.18). Ele queria a
preeminência para ele mesmo. Ele estava ávido por posição
e poder. Ele não tinha dado ouvidos às advertências de
Jesus contra a ambição e o desejo de domínio (Mc 10.42­
45; IPe 5.3). Seu amor próprio secreto irrompeu na sua
conduta antissocial.486
Diótrefes queria ser o centro das atenções. Ele olhava
para João como um rival a quem rejeitar, e não como um
apóstolo de Cristo, a quem acolher. Diótrefes recusou re­
ceber João (v. 9), mentiu sobre João (v. 10a) e rejeitou os
colaboradores de João (v. 10b).
Satanás estava encontrando brecha na igreja por inter­
médio de Diótrefes, uma vez que ele estava operando sobre
a base do orgulho e da autoglorificação, as duas principais
armas do diabo.
O orgulho e a soberba são pecados intoleráveis aos olhos
de Deus. Deus resiste ao soberbo. Na igreja de Cristo, todos
estamos nivelados no mesmo patamar: somos servos. Na
igreja de Cristo não existe donos, chefes ou caudilhos. Na
igreja de Cristo não existe culto à personalidade. Na igreja
de Cristo não há lugar para se colocar líderes no pedestal.
Na igreja de Cristo não há lugar para líderes ditadores.
O próprio Senhor da igreja não veio para ser servido,
mas para servir. Diótrefes era um líder arrogante e ditador.
Ele impunha sua liderança pela força e pela intimidação.
Sua vontade era lei na igreja. Ninguém podia ocupar o seu
espaço. Ele via cada pessoa que chegava à igreja como uma
ameaça à sua liderança. Foi por esta razão que ele não deu
acolhida ao apóstolo João.
Em segundo lugar, uwi homem governado pela maledi­
cência (v. 10a). “Por isso, se eu for aí, far-lhe-ei lembradas

as obras que ele pratica, proferindo contra nós palavras
maliciosas...” A expressão: “proferindo contra nós palavras
maliciosas” significa “fazendo acusações falsas e infundadas
a nosso respeito”.487
Diótrefes gostava de se projetar falando mal dos outros.
Ele construía sua imagem desconstruindo a imagem dos
outros. Ele erguia monumentos a si mesmo, atacando a
imagem dos outros.
Diótrefes mentiu sobre o apóstolo João. Ele espalhou
falsas acusações contra o velho apóstolo. Seu prazer era
atentar contra a honra daqueles que eram ameaça ao
seu orgulho e à sua posição de liderança. Evidentemente
Diótrefes considerava João como um perigoso rival para
a sua presumida autoridade na igreja e procurou solapar a
posição do apóstolo mediante murmuração caluniadora.488
Ele cometeu o pecado mais abominável aos olhos de
Deus: espalhar intriga entre os irmãos (Pv 6.16-19). A pa­
lavra gregaphluarron, “proferindo”, no grego clássico signi­
fica falar absurdos. Não eram apenas palavras ímpias, mas
também palavras disparatadas.489 Ele lançava acusações
maldosas e sem base. Diótrefes era um especialista em ro­
tular outros cristãos e em classificá-los em categorias rígidas
segundo suas próprias intenções.
Diótrefes era como o rei Saul. Em vez de se humilhar e
mudar de vida, queria destruir aquele que Deus levantou
para fazer a obra. Diótrefes falava mal de João pelas costas
quando o apóstolo não estava presente para se defender.
Nem todo boato acerca de homens de Deus deve ser levado
a sério. Há muitas acusações falsas e levianas. Precisamos
ser cautelosos!
Em terceiro lugar, um homem governado pela frieza e
intimidação (v. 10b). “E, não satisfeito com estas coisas,

nem ele mesmo acolhe os irmãos, como impede os que
querem recebê-los...”
Não só as palavras de Diótrefes são maldosas como
seus atos são repreensíveis. Ele intencionalmente contraria
as regras de hospitalidade cristã ao se recusar a receber
missionários enviados para proclamar o evangelho. Ao
negar-lhes abrigo, ele impede o avanço da Palavra de
Deus. Diótrefes está servindo de obstáculo para os planos
e propósitos de Deus e, por conseguinte, está sujeito à ira
divina.490
Diótrefes não apenas não acolheu João, mas também
não acolheu as pessoas ligadas a João. Ademais, ele impediu
que os outros membros da igreja acolhessem os enviados
pelo apóstolo. Diótrefes proibiu os crentes de receber
missionários e procurou puni-los por abrir suas portas para
os servos de Deus.491 Sua influência foi para o mal. Ele
exerceu sua autoridade de forma doentia, usando a arma
da intimidação.
Diótrefes foi um líder controlador, manipulador e dita­
dor. Ele queria sempre impor sua vontade autoritária. Para
defender seus interesses mesquinhos, ele não apenas fazia
o mal, mas também, impedia os outros de fazerem o bem.
Um exemplo clássico desta liderança doentia é o rei
Saul. Ele mandou matar 85 sacerdotes em Nobe, bem
como crianças, homens e mulheres, simplesmente porque
eles receberam Davi, seu desafeto, na cidade.
Em quarto lugar, um homem que pratica o abuso de
autoridade (v. 10c). “[...] e os expulsa da igreja” Diótrefes
exerceu a sua autoridade para punir aqueles que discordavam
dele. Ele não tinha autoridade nem base bíblica para
expulsar as pessoas da igreja. A disciplina que ele praticava
era abusiva. As pessoas eram expulsas da igreja não por

desobedecerem à Palavra de Deus, mas por desobedecerem
a uma ordem autoritária dele.
Diótrefes foi um líder totalitário. Ele usou o poder ecle­
siástico, talvez em nome de Deus, mas contra Deus e contra
seu povo. Diótrefes colocou uma escolha diante do crente:
ou tomava seu partido contra João ou recebia os missioná­
rios e era expulso. Uma situação paralela a essa foi a expulsão
da sinagoga do homem cego curado por Jesus (Jo 9.1-34).492
A disciplina bíblica não é uma arma nas mãos de um
ditador para proteger-se a si mesmo. A disciplina é uma
ferramenta para congregação usar para promover a pureza
da igreja e glorificar a Deus. Não é uma imposição da
autoridade do pastor ou do conselho da igreja à revelia
da verdade e do amor. E o Senhor exercendo autoridade
espiritual por meio da igreja, a fim de restaurar um filho de
Deus que se desviou do caminho da verdade.493
A igreja não é uma delegacia de polícia. Ela não trata
as pessoas com dureza. A disciplina deve ser exercida com
amor e com lágrimas. Líderes ditadores são uma ameaça
à igreja. Eles julgam e condenam aqueles que discordam
deles. Eles lutam não pela glória de Deus, mas pela projeção
de seus próprios nomes.
John Stott está coberto de razão quando diz que o egoísmo
vicia todas as relações. Diótrefes difamou o apóstolo João,
tratou com pouco caso os missionários e excomungou os
crentes leais porque seu amor era a si próprio e ele queria ter
a preeminência em todas as coisas.494
Demétrio, um homem exemplar (v. 11,12)
Após descrever o caráter disforme de Diótrefes e sua
reprovável atitude, João encerra sua missiva falando de
Demétrio, um homem de bem. Quem era Demétrio?

Em primeiro lugar, um homem digno de ser imitado (v.
11). “Amado, não imites o que é mau, senão o que é bom.
Aquele que pratica o bem procede de Deus; aquele que
pratica o mal jamais viu a Deus.” Gaio não deveria imitar
Diótrefes, e sim Demétrio. Diótrefes era um homem mau
e Demétrio um homem bom. Demétrio procedia de Deus,
mas Diótrefes nunca tinha visto a Deus.
Praticar o bem é a prova insofismável de que uma pessoa
nasceu de Deus. Praticar o mal, entretanto, é uma evidência
de que ainda não houve conversão. João deixa claro que
Diótrefes não era um homem convertido, pois ao praticar
o mal, dava provas de não ser nascido de Deus.
Augustus Nicodemus tem razão quando diz que líderes
sedentos de poder são péssimos exemplos para os membros
da igreja e é necessário adverti-los a que sigam o modelo
do bem e não do mal.495 Líderes que tentam dominar o
rebanho e se posicionam como donos da igreja estão em
desacordo com o ensino das Escrituras.
A Bíblia nos ensina a sermos modelo dos fiéis (lTm
4.12). Precisamos viver de tal maneira que as pessoas
possam nos imitar (Fp 3.17; ICo 11.1; Hb 10.24). É
conhecida a expressão de John Maxwell: “Liderança é,
sobretudo, influência”. Um líder influencia sempre, seja
para o bem ou para o mal. Demétrio era um líder digno
de ser imitado!
Em segundo lugar, um homem que tem bom testemunho
dentro e fora da igreja (v. 12a). “Quanto a Demétrio, todos
lhe dão testemunho...”. Todos os membros da igreja conhe­
ciam Demétrio, amavam Demétrio e agradeciam a Deus
pela sua consistente vida e profícuo ministério. Sua vida foi
um exemplo para os membros da igreja. Os de fora tam­
bém lhe davam bom testemunho. Sua vida era coerente.

Sua vida familiar, financeira e profissional era coerente com
o seu testemunho.
Em terceiro lugar, um homem que tem bom testemunho
da própria verdade (v. 12b). “[...] até a própria verdade...”.
Como Gaio, Demétrio andou na verdade e obedeceu à
verdade. A genuinidade cristã de Demétrio não precisava
da prova dos homens; provava-se por si mesma. A verdade
que ele professa estava encarnada nele, tão rigorosamente
a sua vida se ajustava a ela.496 Sua vida era o selo das suas
palavras.
Em quarto lugar, um homem que recebe bom testemu­
nho do apóstolo João (v. 12c). “[...] e nós também damos
testemunho; e sabes que o nosso testemunho é verdadei­
ro”. João encontra na igreja Gaio e Demétrio que estão
prontos a acolhê-lo a despeito da oposição de Diótrefes.
Demétrio era um homem que estava disposto a correr ris­
cos para defender a verdade. Ele tinha coragem de assumir
posições definidas na igreja, mesmo diante das ameaças de
Diótrefes.
A conclusão da terceira carta tem muita semelhança com
a conclusão da segunda carta. João escreve: “Muitas coisas
tinha que te escrever; todavia, não quis fazê-lo com tinta
e pena” (v. 13). Em ambas João declara que tem mais coi­
sas para escrever, mas prefere conversar de viva voz: “Pois,
em breve, espero ver-te. Então, conversaremos de viva voz”
(v. 14).
A discrição exigia uma visita pessoal urgente. Nicodemus
diz que certas coisas são melhor ditas pessoalmente do
que por meio da escrita. No trabalho pastoral, o contato
pessoal jamais poderá ser substituído por outros meios de
comunicação.497 O apóstolo está comprometido não apenas
com a instrução, mas também anseia por comunhão.

João conclui sua carta invocando a paz sobre Gaio: “A
paz seja contigo. Os amigos te saúdam. Saúda os amigos,
nome por nome” (v. 15).
A paz é o resultado da graça e da misericórdia. Graça
é o que Deus nos dá e nós não merecemos; misericórdia
é o que ele não nos dá e merecemos. Não merecemos a
salvação, e Deus no-la dá. Isto é graça. Merecemos o juízo
de Deus, e ele não o aplica a nós, uma vez que já o aplicou
sobre o seu Filho. E isto é misericórdia. O resultado da
salvação de Deus é a paz com Deus.
Os crentes devem ser solícitos e amáveis uns com os
outros. Eles devem saudar uns aos outros pelo nome. Eles
devem se importar uns com os outros. Eles devem ser
amigos. Como o Bom Pastor chama as suas ovelhas pelo
nome (Jo 10.3), um pastor sábio deve conhecer suas ovelhas
pelo nome. Como sábio pastor, João diz a Gaio: “Saúda os
amigos, nome por nome”. Ninguém deve ser esquecido.

No t a s d o c a p í t u l o 1 3
458 S to tt, John. I,II,IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 186.
459 Lopes, Augustus Nicodemus. II, IIIJoão e Judas. Editora Cultura
Crista. Sáo Paulo, SP. 2008: p. 52.
460 S to tt, John. /, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 187.
461 Lopes, Augustus Nicodemus. II, IIIJoão e Judas. 2008: p. 52,53.
462 R ieneck er, Fritz e R o g ers, Cleon. Chave linguística do Novo Testa­
mento grego. 1985: p. 595.
463 St o t t, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 188.
464 B arclay, W illiam . I, II, III Juan y Judas. 1974: p. 162.
465 Lopes, Augustus Nicodemus. II, IIIJoão e Judas. 2008: p. 53,54.
466 W iersbe, Warren W. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 693.
467 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982:
p. 188,189.
468 W iersbe, Warren W. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 694.
469 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 189.
470 K istem aker, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 522.
471 Lo p e s, Augustus Nicodemus. II, IIIJoão e Judas. 2008: p. 56.
472 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 189.
473 Lopes, Augustus Nicodemus. II, IIIJoão eJudas. 2008: p. 58.
474 W iersbe, Warren W. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 694.
475 St o t t, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 190.
476 R ieneck er, Fritz e R o g ers, Cleon. Chave linguística do Novo Testa­
mento grego. 1985: p. 595,596.
477 W iersbe, Warren W. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 694.
478 Lo pes, Augustus Nicodemus. II, IIIJoão e Judas. 2008: p. 59.
479 St o t t, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 191.
480 Lopes, Augustus Nicodemus. II, IIIJoão e Judas. 2008: p. 60,61.
481 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 191.
482 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 192.
483 K istem aker, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 528.
484 R ieneck er, Fritz e R o g ers, Cleon. Chave linguística do Novo Testa­
mento grego. 1985: p. 596.
485 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 193.
486 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 195.

487 W iersbe, Warren W. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 696.
488 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 195.
489 S to tt, John I, II, IIIJoão: Introdução e comentário. 1982: p. 195.
490 K istem aker, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 530.
491 K istem aker, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 530.
492 K istem aker, Simon. Tiago e epístolas de João. 2006: p. 530.
493 W iersbe, Warren W. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. 2006:
p. 697.
494 t „ i — T TT tttt„z„. T..+ —lução e comentário 10Q° - " 1 96
495 Lopes, Augustus Nicodemus. II, IIIJoão e Judas. 2008: p. 65.
496 S to tt, John. I, II, IIIJoão: Introdução e comentArio. 1982: p. IS
497 Lo pes, Augustus Nicodemus. II, IIIJoão e Judas. 2008: p.
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