diferente de amor, descobria: eu o queria como quem tem sede e deseja a água, sem sentimentos,
sem mesmo vontade de felicidade.
Concedia-me às vezes outro sonho, sabendo-o mais impossível ainda: ele me amaria e eu
me vingaria, sentindo-me... Não, não superior, mas igual a ele... Porque, se me quisesse, estaria
destruída aquela sua poderosa frieza, seu desdém irônico e inabalável que tanto me fascinava.
Enquanto isso eu nunca poderia ser feliz. Ele me perseguia.
Oh, sei que me repito, que erro, confundo fatos e pensamentos nesta curta narrativa. No
entanto, mesmo assim, com que esforço reúno seus elementos e lanço-os sobre o papel. Já disse que
não sou inteligente, nem culta. e sofrer apenas não basta.
Sem falar, os olhos fechados, há qualquer coisa abaixo do meu pensamento, mais profundo e
mais forte, que pretende o que se passou e que, em fugidio instante, veja com intidez. Mas meu
cérebro é fraco e não consigo transformar esse minuto vivo em reflexão.
Tudo é verdade, no entanto. e devo reconhecer outros sentimentos ainda, igualmente
verdadeiros. Muitas vezes, nele pensando, numa transição lenta, via-me servindo-o como uma
escrava. Sim, admitia, trêmula e assustada: eu, com um passado estável, convencional, nascida na
civilização, sentia um prazer doloroso em imaginar-me a seus pés, escrava... Não, não era amor.
Horrorizava-me: era o aviltamento, aviltamento... Surpreendia-me a olhar para o espelho buscando
no rosto algum novo traço, nascido da dor, de minha vileza, e que pudesse conduzir minha razão
aos instintos em tumulto que eu ainda não queria aceitar. Procurava aliviar minha alma,
mortificando-me, sussurrando entre os dentes apertados: “Vil... desprezível...” Respondia-me,
pusilânime: “Mas, meu deus (letra minúscula, como ele me ensinara), eu não sou culpada, eu não