A esquecida arte da memória

IgnezFecchio 349 views 6 slides Dec 18, 2014
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memória


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A esquecida Arte da Memória
Um jornalista americano conta em seu novo livro como se tornou campeão de memorização e
mostra que, mesmo nestes tempos de celular e internet, todos podemos lembrar – mas nem
sempre queremos
Leitícia Sorg

- FOCOO escritor Joshua Foer com óculos e fones de ouvido: ferramentas adicionais para
garantir a atenção e melhorar a memorização
Não faz muito tempo, conseguía-mos lembrar números de telefone. O da mãe, o do melhor
amigo, e, quem diria, até o do parceiro. De uns anos para cá – desde a popularização do
celular –, tal capacidade de lembrar sequências de oito dígitos ou mais caiu em desuso. Temos
sorte se ainda guardamos na mente algum número da era pré-celular, mas é pouco provável
que nos demos o trabalho de memorizar qualquer novo contato. E vivemos bem até o dia em
que perdemos nosso aparelho – e nos sentimos paralisados.

Para nós, seres dependentes do celular até para ligar para a própria casa, nada mais natural
do que se espantar com um indivíduo capaz de decorar o nome e a aparência de uma centena
de pessoas, a sequência de centenas de cartas de baralho ou uma extensa lista de números
aleatórios. Seus feitos extraordinários nos fazem olhá-lo como se fosse uma espécie de
mágico, vidente ou superdotado. E pensamos: o que essa pessoa tem que eu não tenho?
O jornalista americano Joshua Foer, de 28 anos, fez essa pergunta quando, em 2005, assistiu
ao Campeonato Americano de Memória para escrever uma reportagem. Perguntou para vários

competidores como eles conseguiam lembrar tanta coisa e recebeu quase sempre a mesma
resposta: “Qualquer um pode fazer isso!”. Foer ficou ressabiado. Era esquecido,
frequentemente não sabia onde havia deixado a chave do carro e tinha até dificuldade de
lembrar a data de aniversário da namorada. Como poderia virar um elefante, assim, de uma
hora para outra?

“O campeonato de memória nos parece tão inacreditável porque estamos acostumados a não
lembrar”, diz Foer (leia a entrevista). “Dependemos tanto da tecnologia que não confiamos em
nossa memória.” Mas o jornalista decidiu testar a sua e narrar os resultados no livro A arte e a
ciência de memorizar tudo: memórias de um campeão de memória (Nova Fronteira), que será
lançado em agosto no Brasil.
"Dependemos tanto da tecnologia que não confiamos na nossa memória"
JOSHUA FOER, escritor americano
Com a ajuda de um dos recordistas mundiais, o britânico Ed Cooke, Foer começou a exercitar
sua memória uma hora por dia. E, para lembrar mais do que míseros números de telefone,
recorreu a técnicas criadas quando, sem computador ou mesmo livros, as pessoas precisavam
memorizar poemas extensos, discursos inteiros. Uma delas é o “palácio da memória”, criado
pelo grego Simônides no século VI antes de Cristo (leia mais no quadro abaixo). Usada para
memorizar séries de elementos, a técnica exige que a pessoa “espalhe” os itens de que quer
se lembrar por um lugar que lhe seja familiar, como a própria casa. De preferência, imaginando
situações bem estapafúrdias para que eles estejam lá – o que aumenta a eficácia do exercício.

Sem nenhum treinamento ou esforço, somos capazes de memorizar de cinco a nove
elementos – na média, sete –, como sugeriram os estudos de George Miller, na década de
1950. Depois de um ano praticando, Foer conseguiu se lembrar de 107 nomes e sobrenomes
de pessoas (e associá-los às fisionomias) e 87 dígitos. O desempenho lhe deu o título de
campeão americano e um final apoteótico para seu livro, que deverá virar filme. Mas todo o
esforço não o tornou menos esquecido.

Pouco depois da competição, Foer foi a um jantar e voltou de metrô para casa – esquecendo
que fora de carro. Teria ele perdido sua capacidade de lembrar? Não. Foer continuava tão bom
quanto antes para memorizar cartas de baralho, sequência de números – entre as quais,
sabiamente, a data de aniversário da namorada. Mas a memória não é uma espécie de
músculo que, exercitado, torna-se forte para todas as tarefas. Não há uma técnica mágica que
nos faça lembrar tudo – e nos liberte dos dados guardados em celulares, computadores e no
bom e velho papel. Lembrar exige um esforço e uma disciplina que, muitas vezes, não estamos
dispostos a despender.
“Memorizar detalhes como números de telefone e de cartões de crédito, aniversários e a data
exata de acontecimentos não é mais necessário”, diz o psicólogo Anders Ericsson, professor
da Universidade da Flórida, Estados Unidos, e um dos principais estudiosos da cognição
humana. “Da mesma forma que o surgimento dos livros nos dispensou de ter de memorizar os
textos sagrados, palavra por palavra.” Tudo pode ser resumido ao grau de atenção que damos
a algo. “Só lembramos aquilo a que prestamos atenção”, afirma Ed Cooke. Isso significa que,
se não fizermos um esforço consciente para notar uma informação, dificilmente vamos guardá-
la na memória. É um desafio e tanto num mundo cada vez mais cheio de informações que
disputam nossa atenção. Para tentar evitar as distrações, Foer treinava usando fones de
ouvido e óculos pintados de preto, que barravam sua visão lateral.

“Continuamos com a mesma capacidade de memorizar, mas me preocupa esse costume de
fazer várias tarefas ao mesmo tempo”, diz o psicólogo Alberto Dell’Isola, único brasileiro listado
no ranking mundial de recordistas de memória. “Nosso cérebro não está preparado para isso e
perdemos informações sem nem perceber. É o que acontece quando dirigimos falando ao

celular: nem percebemos que demoramos a reagir à abertura do sinal.” Como não vamos sair
por aí com fones e cabresto, podemos ao menos tentar desligar os alertas de recebimento de
e-mail e os programas de bate-papo se quisermos nos concentrar numa só tarefa. Mas isso
não é garantia de foco. Na internet, cada informação pode levar a uma nova. São tantas as
páginas que dificilmente nos fixamos a ponto de memorizar seu conteúdo.

Quando sabemos que podemos voltar a qualquer momento para checar um dado, como no
caso da navegação pela internet, ficamos menos preocupados em memorizar a informação em
si e mais concentrados em saber como buscá-la novamente. Essa é a conclusão do estudo da
psicóloga Betsy Sparrow, da Universidade Colúmbia, em Nova York, publicado na última
edição da revista Science. Na pesquisa, Betsy afirma que, cada vez mais, vemos o Google e
outros mecanismos de busca como uma extensão da própria memória. Isso não quer dizer,
porém, que nosso cérebro tenha mudado ou se tornado incapaz de armazenar informações. O
experimento de Joshua Foer é uma prova em contrário. Quer dizer apenas que nos adaptamos
às novas ferramentas. “Antes sabíamos que as pessoas e os livros armazenavam algumas
informações. Hoje esse papel cabe ao computador”, diz Betsy. “A diferença é que as pessoas
estão muito mais conscientes de que dependem do computador, mais do que quando
dependiam de outras pessoas. E, por isso, estão mais preocupadas.”

Ed Cooke defende que nossa cabeça está ficando mais oca à medida que memorizamos
menos informações. Ele revive, diante do computador, a frustração de Sócrates quando do
surgimento da escrita. Em Fedro, o pensador grego sugere que a escrita é apenas uma sombra
de sabedoria. Sócrates tem razão sobre o valor da memória: se o objetivo é atingir a excelência
em alguma área ou criar algo novo, ela ainda é necessária. “Para contribuir de forma criativa, é
preciso saber o máximo possível sobre a área, saber se alguém já pensou o mesmo antes”, diz
Ericsson. Cooke e Foer argumentam que ser criativo depende de estabelecer relações originais
entre elementos conhecidos. E, quanto mais elementos conhecidos, maiores as chances
de ter uma boa ideia.

A pesquisadora Betsy Sparrow discorda que, ao delegar a tarefa de lembrar ao Google,
estejamos pondo em risco nossa criatividade. “Quando procuramos algo on-line, é comum
abrirmos janelas para assuntos que nos pareçam interessantes”, afirma. “Posso começar
procurando um artigo sobre psicologia e terminar em um texto sobre física. Mas, mesmo que
não consiga reproduzir o que li sobre física, pode ser que isso seja proveitoso de alguma
maneira.” Em seu novo estudo, Betsy quer avaliar quanto as informações que não
conseguimos resgatar ficam gravadas em nosso inconsciente – e podem nos ajudar.
A necessidade de, hoje, memorizar informações à moda antiga foi questionada pelo escritor
americano Steven Johnson em um artigo intitulado “Yes, people still read, but now it’s social”

(“Sim, as pessoas ainda leem, mas agora socialmente”), publicado no ano passado. Para
Johnson, não é coincidência que as principais inovações científicas e tecnológicas tenham
surgido nos centros urbanos, superpopulosos e dispersivos. Elas dependeriam mais do
intercâmbio de ideias que da leitura solitária e concentrada.

Talvez essa seja uma das razões pelas quais, depois de um ano treinando, Joshua Foer quase
não use, em seu dia a dia, as técnicas que aprendeu. Uma de suas poucas aplicações é
memorizar as falas das palestras que começou a fazer depois do sucesso de seu livro. Mas,
numa festa, prefere anotar no celular os números de telefone novos, como praticamente todos
fazemos. Apesar disso, Foer diz que o treinamento não foi em vão. Ele afirma que as técnicas
são divertidas e estimulam a criatividade, porque envolvem criar associações – na maioria das
vezes engraçadas – entre elementos que nada têm a ver entre si. Por isso, Foer diz que as
escolas não fariam mal se dedicassem, talvez, duas horas para ensiná-las aos alunos. O
principal benefício da experiência, segundo ele, foi tomar consciência da importância de prestar
atenção. “Aprendi a ser mais atencioso, a notar o mundo a minha volta”, escreve Foer.
“Lembrar só é possível quando decidimos prestar atenção.”

É uma regra que não vale só para sequências de números e cartas de baralho, mas para a
vida. Se passamos pelos fatos sem prestar atenção, eles não ficam registrados em nossa
memória. Temos a impressão de que todos os dias são iguais e de que o tempo está voando.
Se, por outro lado, fazemos um esforço para notar os fatos, podemos conseguir resgatá-los da
memória. E, quanto mais lembranças temos, maior a sensação de que o tempo demorou a
passar. Para valer a pena, segundo Sócrates, uma vida precisa ser memorável. Isso não
mudou com o tempo nem com a tecnologia.

"Memória tem mais a ver com criatividade", diz Joshua Foer 08/10/2011 - 12h00 | da Folha.com
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Comente DE SÃO PAULO No crachá lia-se "Joshua Foer, Atleta Mental". Era uma manhã de
2006 e Foer, então com 24 anos, disputava a final do Campeonato Americano de Memória. Se
sagraria campeão após decorar a ordem de 52 cartas, 87 dígitos e 107 nomes. Para um
virtuose da mnemônica, seria feito notável. Para o novato Foer -um jornalista de ciência-,
beirava o milagroso. Até então, era um especialista em esquecer onde deixara o carro, por que
abrira a geladeira e -pecado mortal- o aniversário da namorada. Irmão do autor Jonathan
Safran Foer, Joshua publicou "A Arte e a Ciência de Memorizar Tudo" (Nova Fronteira). Além
de explicar típicas falhas de memória ("por que me lembro da música de Britney Spears,
embora esqueça o nome do autor que admiro?"), o livro, recém-traduzido, conta como Foer se
tornou um especialista em decorar informações absurdas. O autor remonta, primeiro, a 1928
para explicar o caso real de "S" (na literatura médica, nomes de pacientes jamais são citados).
Dotado de uma memória extraordinária, "S" costumava, também, atribuir cor, textura e sabor
aos sons que ouvia. Assim, a voz de um psicólogo lhe era "fragilmente amarela"; a do cineasta
Sergei Eisenstein se assemelhava a "uma chama". Divulgação O escritor Joshua Foer "S"
sofria de sinestesia, desordem neurológica em que sentidos como olfato e audição se
entrelaçam. Para se tornar um especialista em memória, coube a Foer "forjar" uma sinestesia

em si mesmo. A técnica consiste em juntar imagens contraditórias para formar, como escreve,
uma "memória sem concorrência". Por exemplo: instigado a decorar uma lista que incluía os
itens "queijo cottage", "meias" e "seis garrafas de vinho", Foer imaginou a top-model Claudia
Schiffer nadando em uma piscina de cottage, as garrafas de vinho sentadas no sofá de sua
casa, conversando entre si (isso mesmo), e as meias -daquelas velhas- penduradas no lustre
do teto. Foi batata. Por telefone, Foer contou que uma memória prodigiosa "tem mais a ver com
a capacidade de inventar cenas do que de reter informações". "Se há uma característica
comum entre os competidores, é a criatividade", disse. Finda a conquista, Foer nunca mais
competiu. Sua memória voltou ao estágio inicial. "É um esporte; você precisa de treinamento",
diz. Hoje, quando apura uma matéria (está escrevendo para a revista "New Yorker"), anota as
informações em um bloquinho. E voltou a esquecer por que abriu a porta da geladeira. A ARTE
E A CIÊNCIA DE MEMORIZAR TUDO AUTOR Joshua Foer EDITORA Nova Fronteira
TRADUÇÃO Mônica Friaça QUANTO R$ 39,90 (310 pág.)

Leia mais em: http://noticias.bol.uol.com.br/entretenimento/2011/10/08/quotmemoria-tem-mais-
a-ver-com-criatividadequot-diz-joshua-foer.jhtm
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