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Alexandre Aksakof - Animismo e Espiritismo
“Certo dia minha mulher divisou pela janela, do lado de fora, mão rósea, delicada, como a
de uma criança, de unhas lustrosas, que tocava tambor nos vidros. Na mesma janela, em outro
dia, ela se surpreendeu com o aparecimento de duas pequenas formas vivas que tinham muita
semelhança com sanguessugas; essa aparição desagradável produziu-lhe uma impressão tal
que ela perdeu os sentidos. De outra vez fui testemunha de fenômeno semelhante: eu estava só
em casa, minha mulher dormia, e eu acabava de passar muitas horas à espreita, para descobrir
o autor das pancadas que ouvia dar no soalho do quarto de minha mulher (tinha a suspeita de
que ela mesma podia produzi-Ias, fingindo estar completamente adormecida). Por muitas
vezes deslizei de mansinho até à sua porta, mas, todas as vezes que eu olhava furtivamente
para dentro do quarto, o ruído cessava, para recomeçar desde que eu me afastava, ou mesmo
desde que desviava os olhos. Era como de propósito para incomodar.
“Mas, de uma vez - foi à vigésima, se não me engano - fiz uma entrada brusca no quarto,
no momento em que as pancadas recomeçavam... e estaquei, gelado de terror: uma pequena
mão rósea, quase infantil, elevou-se subitamente do soalho, desapareceu entre o cobertor de
minha mulher adormecida e escondeu-se nas dobras, perto de sua espádua, e eu pude ver,
distintamente, o cobertor ondular de maneira inexplicável, desde sua extremidade até o lugar,
perto da espádua, onde a mão se tinha contraído. Não havia, parece, motivo para um terror
exagerado, e entretanto, repito-o, fiquei petrificado de terror, pois essa mão não era a de minha
mulher (se bem que a sua também fosse pequena). O que eu tinha visto, vi-o mui distintamente.
Aliás, a posição na qual minha mulher estava deitada (sobre,o lado esquerdo, voltada para a
parede), sem fazer movimento algum, não lhe teria permitido levar a mão até o chão, e muito
menos levantá- la tão rapidamente, em linha reta para a espádua. Que era pois? Uma
alucinação? Não. Mil vezes não! Não sou sujeito a essa espécie de coisas. Talvez fosse uma
mistificação da parte de minha mulher, obedecendo a uma inclinação mórbida de enganar? Mas
a forma, a cor, a exigüidade da mão aparecida, não me permitiam deter-me nessa suposição. E
depois a minha defunta era uma mulher de princípios, de caráter sério, esposa e mãe exemplar,
religiosa, e não sofreu de espécie alguma de acessos até à morte (ela faleceu em Abril de 1879,
de complicações de parto).
“Entretanto, a maior parte dos fenômenos que se produziram: deslocamento de objetos,
pancadas, ocultavam-se por assim dizer atrás dela, razão pela qual muitas pessoas estavam
persuadidas de que essas manifestações eram obra sua, não querendo levar em conta
numerosos casos em que sua intervenção teria sido materialmente impossível, por exemplo,
quando os diversos objetos e utensílios eram arremessados do interior de armários fechados,
de cofres, etc., nos quais ela não tocava naquela ocasião. Certo dia em que acabávamos de
sentar-nos em roda da mesa com os três membros da comissão, dos quais já falei, e com outros
convidados, e quando minha mulher, voltando do guarda- comida, conduzindo muitos púcaros
com peixe de salmoura, se preparava para abrir a porta exterior do vestíbulo, precisamente
defronte da mesa, nesse momento exato recebemos uma multidão de objetos miúdos, tais
como: balas de chumbo, pregos velhos enferrujados, e outras coisas usadas que tinham sido
atiradas numa velha caixa em um quarto que servia de dispensa (como tive ocasião de
lembrar-me mais tarde), e que iam naquele momento cair com uma rapidez fulminante em
cima da mesa diante da qual estávamos sentados. O criado, que acompanhara minha mulher,