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É mencionado um tio paterno de Simão Botelho, Luís Botelho, que cometera
homicídio. Em nota de rodapé, o autor coloca o seguinte: “Há vinte anos que eu ouvi de
um coevo do facto a história do assassínio, assim contada: Era em Quinta-Feira Santa.
Marcos Botelho, irmão de Domingos, estava na festa de Endoenças, em S. Francisco,
defrontando com uma dama, namorada sua, e desleal dama que ela era. Noutro ponto
da igreja estava, apontado em olhos e coração à mesma mulher, um alferes de
infantaria. Marcos enfreou o seu ciúme até ao final do ofício da Paixão. À saída do
templo encarou no militar e provocou-o. O alferes tirou da espada, e o fidalgo do
espadim. Terçaram as armas longo tempo sem desaire, nem sangue. Amigos de ambos
tinham conseguido aplacá-los, quando Luís Botelho, outro irmão de Marcos, desfechou
uma clavina no peito do alferes, e ali, à entrada da «rua do Jogo da Bola», o derribou
morto. O homicida foi livre por graça régia.”
Neste capítulo, ficamos ainda a saber que “Formara-se Domingos Botelho em 1767,
e fora a Lisboa ler no Desembargo do Paço, iniciação banal dos que aspiravam à carreira
da magistratura. Já Fernão Botelho, pai do bacharel, fora bem aceite em Lisboa, e
mormente ao duque de Aveiro, cuja estima lhe teve a cabeça em risco, na tentativa
regicida de 1758. O provinciano saiu das masmorras da Junqueira ilibado da infamante
nódoa[...]”.
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A menção de factos históricos, neste caso a tentativa de regicídio de 1758,
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No dia 3 de setembro de 1758, D. José I seguia incógnito numa carruagem que percorria uma rua
secundária nos arredores de Lisboa. O rei regressava para as tendas da Ajuda de uma noite com a amante
a “marquesinha” Távora, D. Teresa Leonor. Pelo caminho, a carruagem foi intercetada por três homens,
que dispararam sobre os ocupantes. D. José I foi ferido num braço, o seu condutor também ficou ferido
gravemente, mas ambos sobreviveram e regressaram à Ajuda. Sebastião José de Melo (Marquês de
Pombal) tomou o controle imediato da situação, que aproveitou para retirar poder à família nobre dos
Távoras, acusando-os de regicídio e traição. Poucos dias depois do atentado, dois homens foram presos
e torturados. Os homens confessaram a culpa e que tinham tido ordens da família dos Távoras, que
estavam a conspirar pôr o duque de Aveiro, José Mascarenhas, no trono. Ambos foram enforcados no dia
seguinte, mesmo antes da tentativa de regicídio ter sido tornada pública. Nas semanas que se seguem, a
marquesa Leonor de Távora, o seu marido, o conde de Alvor, todos os seus filhos, filhas e netos foram
encarcerados. Os conspiradores, o duque de Aveiro e os genros dos Távoras, o marquês de Alorna e o
conde de Atouguia foram presos com as suas famílias. Gabriel Malagrida, o jesuíta confessor de Leonor
de Távora foi igualmente preso.
Foram todos acusados de alta traição e de regicídio. A sentença ordenou a execução de todos, incluindo
mulheres e crianças. Apenas as intervenções da Rainha Mariana e de Maria Francisca, a herdeira do trono,
salvaram a maioria deles. A marquesa, porém, não seria poupada. Ela e outros acusados que tinham sido
sentenciados à morte foram torturados e executados publicamente em 13 de janeiro de 1759 num
descampado, perto de Lisboa, próximo à Torre de Belém.