O EGO E OS MECANISMOS DE DEFESA 59
no paciente domesticou essas feras, isto é, ensinou-as a não se atacarem
mutuamente nem a atacarem seres humanos. Quando as domesticava, jamais usou
chicote, circulando desarmado entre os animais.
Todos os episódios em que os animais figuraram giravam em torno da
seguinte história. Certo dia, durante um espetáculo em que todos participavam, um
ladrão que estava sentado no meio do público disparou um tiro de pistola contra
ele, Imediatamente, os animais se juntaram para protegê-lo e arrastaram o ladrão
para fora da multidão, tendo o maior cuidado em não magoar qualquer outra
pessoa. O resto da fantasia dizia respeito à maneira como os animais - sempre por
dedicação ao pequeno amo - puniram o ladrão. Mantiveram-no prisioneiro,
enterraram-no e, triunfantemente, fizeram uma torre enorme sobre ele com seus
próprios corpos. Depois, levaram-no para o covil, onde teve de permanecer três
anos. Antes de o libertarem, finalmente, uma grande fila de elefantes surrou-o com
as trombas, o último deles ameaçando-o, de dedo no ar (!), e advertindo-o de que
nunca mais voltasse a fazer aquilo. O ladrão prometeu. “Ele nunca mais voltará a
fazer, enquanto eu estiver com os meus animais.” Após a descrição de tudo o que
os animais infligiram ao ladrão, houve um curioso pós-escrito a essa fantasia,
contendo a garantia de que os animais alimentaram muito bem o ladrão, enquanto
foi seu prisioneiro, pelo que o homem não chegou a enfraquecer.
Na fantasia do meu paciente de 7 anos, a respeito do leão, tivemos uma vaga
indicação da maneira como foi solucionada a atitude ambivalente em relação ao
pai, A fantasia do circo vai consideravelmente mais longe a esse respeito. Pelo
mesmo processo de inversão, o pai temido da realidade é transformado nas feras
protetoras da fantasia, mas o perigoso objeto-pai reaparece na figura do ladrão. Na
história sobre o leão, ficava incerto contra quem o substituto paterno estava
realmente protegendo a criança, cuja propriedade do leão apenas o elevava, de um
modo geral, no conceito das outras pessoas. Mas, na fantasia do circo, é evidente
que a força do pai, consubstanciada nas feras, servia como proteção contra o
próprio pai. Uma vez mais, a ênfase dada à anterior ferocidade dos animais indica
que, no passado, eles foram objeto de angústia. Sua força e destreza, suas trombas
e o dedo espetado no ar estavam obviamente associados, na realidade, à figura do
pai. A criança dava grande importância a esses atributos: em sua fantasia,
retirou-os do pai, a quem invejava e, tendo-os ele próprio assumido, apossou-se do
melhor que havia naquele. Assim, os papéis de ambos foram invertidos. O pai foi
advertido “para não voltar a fazer aquilo” e teve de pedir perdão. Um ponto notá-
vel é que a promessa de segurança, que, fmalménte, os animais o obrigaram a
fazer ao menino, ficou dependendo deste continuar a ser o dono dos animais. No
pós-escrito sobre a alimentação do ladrão, o outro lado da relação ambivalente
com o pai acabou, finalmente, por triunfar. Evidentemente, o divagador sentiu-se
na obrigação de se tranqüilizar a esse respeito: apesar de todos os atos agressivos,
não havia necessidade de temer pela vida do pai.