um emprego fixo e uma identidade, era auto-suficiente, tinha amigos, lia jornais e livros em
braille (embora menos, com os anos, à medida que livros em fita começaram a aparecer). Era
apaixonado por esportes, em especial beisebol, e adorava ouvir os jogos no rádio. Tinha um
conhecimento enciclopédico sobre jogos, jogadores, resultados e números do beisebol. Em
mais de uma ocasião, teve namoradas e atravessou a cidade de ônibus para encontrá-las.
Mantinha uma ligação estreita com a família, e em particular com a mãe -- recebia
regularmente cestos de comida da fazenda e mandava cestos de roupa suja para lavar. A vida
era limitada, mas estável a sua maneira.
Foi quando, em 1991, encontrou Amy -- ou melhor, reencontraram-se, já que tinham se
conhecido bem havia vinte anos ou mais. A formação de Amy era diferente da de Virgil:
vinha de uma família culta de classe média, cursara a universidade em New Hampshire e
tinha um diploma em botânica. Trabalhara em outra ACM na cidade, como professora de
natação, e encontrara Virgil numa exposição de gatos em 1968. Namoraram por um tempo --
ela tinha vinte e poucos, ele era alguns anos mais velho --, mas então Amy decidiu fazer pós-
graduação em Arkansas, onde conheceu seu primeiro marido, e perdeu o contato com Virgil.
Por um tempo, manteve o seu próprio viveiro de plantas, especializando-se em orquídeas,
mas foi obrigada a abrir mão do negócio quando passou a sofrer sérios ataques de asma.
Divorciou-se do primeiro marido poucos anos depois e voltou para Oklahoma. Em 1988, sem
mais nem menos, Virgil lhe telefonou e, após três anos de longas conversas telefônicas entre
os dois, finalmente se reencontraram, em 1991.
“De repente, era como se vinte anos não tivessem passado”, disse Amy.
Ao se reencontrarem, a esta altura de suas vidas, ambos sentiram certo desejo de
companhia.
Talvez com Amy isso tenha tomado uma forma mais ativa. Via que Virgil estava paralisado
(era assim que ela sentia as coisas) numa vida vegetativa e apática: indo para a ACM, fazendo
suasmassagens; voltando para casa, onde, cada vez mais, ouvia os jogos no rádio; saindo
pouco e conhecendo cada vez menos pessoas com o passar dos anos. Ela deve ter sentido que
recobrar a visão, assim como o casamento, o arrancaria dessa existência indolente de solteiro,
abrindo uma nova vida para ambos.
Virgil era passivo nisso como em muitas outras coisas. Fora mandado a meia dúzia de
especialistas ao longo dos anos, e todos foram unânimes em recusar-se a operá-lo, sentindo
que muito provavelmente não tinha mais nenhuma função retiniana útil. Virgil parecia aceitar
esse fato com serenidade. Mas Amy discordava. Já que era cego, ela dizia, não tinha nada a
perder, e havia uma possibilidade real, remota, mas quase demasiado excitante de imaginar,
de que ele pudesse realmente recuperar alguma visão e, após quase 45 anos, ver outra vez. E,
assim, Amy insistiu na cirurgia. A mãe de Virgil, temendo o transtorno, era categoricamente
contra (“Ele está bem do jeito que está”, dizia). Por sua vez, Virgil não se posicionava sobre a
questão; parecia satisfeito em acatar o que quer que decidissem.
Por fim, em meados de setembro, chegou o dia da cirurgia. Removeram a catarata do olho
direito de Virgil e colocaram uma lente; o olho foi tapado com um curativo, como de
costume, por 24 horas. No dia seguinte, o curativo foi retirado, e o olho de Virgil foi afinal
exposto, descoberto, ao mundo. A hora da verdade tinha chegado finalmente.
Será que tinha? A verdade da coisa (como concluí mais tarde), se menos “milagrosa”
do que sugeria o diário de Amy, era infinitamente mais estranha. O momento dramático ficou
por vir, demorou-se, cedeu. Nenhuma exclamação (“Estou vendo! “) escapou dos lábios de
Virgil. Parecia estar fitando o vazio, desorientado, sem foco, com o cirurgião a sua frente,
ainda com o curativo na mão. Foi só quando o cirurgião falou -- dizendo: “Então?” -- que um
olhar de reconhecimento atravessou o rosto de Virgil.
Depois ele me disse que, nesse primeiro momento, não fazia a menor idéia do que
estava vendo. Havia luz, movimento e cor, tudo misturado, sem sentido, um borrão. E então,