46 {antropologia dos objetos: coleções, museus e patrimônios}
A coleção como mediação entre o visível e o invisível
Um dos autores centrais no debate assim define as coleções:
“...todo conjunto de objetos naturais ou artificiais, mantidos temporária ou definitiva-
mente fora do circuito de atividades econômicas, submetidos a uma proteção especial
em um local fechado preparado para esta finalidade, e expostos ao olhar” (1987:18).
Autor de um livro bastante citado na bibliografia, Krzysztof Pomian
(historiador polonês trabalhando e publicando na França)
, ao elaborar
uma “teoria geral das coleções”, vai chamar a atenção para o seguinte
ponto: a “coleção” é instituição universalmente conhecida, presente em
toda e qualquer coletividade humana, nas modernas sociedades comple-
xas, assim como nas chamadas “sociedades primitivas”, e nas sociedades
complexas tradicionais. Esses conjuntos de objetos integram, segundo
ele, um sistema de trocas sociais e simbólicas entre distintas categorias
sociais, tais como reinos, impérios, clãs, sociedades nacionais, etc; assim
como entre categorias cosmológicas tais como vivos e mortos, deuses e
seres humanos, passado e presente, presente e futuro, etc.
O caráter universal da coleção deriva, segundo o autor, do papel me-
diador que ela desempenha entre os espectadores e o mundo “invisível”
do qual falam os mitos, as narrativas e as histórias. Essa mediação, cabe
sublinhar, é realizada especificamente através dos objetos da coleção,
uma vez que, segundo seu entendimento, eles existem para serem “ex-
postos ao olhar”. Realizam assim uma mediação entre os dois termos de
uma oposição igualmente universal: o visível e o invisível. Os significados
atribuídos a esses termos, e as modalidades de relação entre eles vão, evi-
dentemente, variar cultural e historicamente. Mas o que tornará possível
a comparação entre diferentes períodos históricos, entre diferentes socie-
dades ou culturas é precisamente a universalidade dessa oposição
.
Na perspectiva assumida por Pomian, seriam entendidos como “co-
leções” conjuntos de objetos os mais diversificados: mobília funerária,
oferendas, dádivas e objetos expropriados em guerras, relíquias e objetos
sagrados. Além, obviamente, dos objetos que integram as coleções privadas
3 Krzysztof Pomian é
historiador e filósofo,
e associado ao grupo
dos historiadores dos
Annales. Ao longo
dos anos setenta
e oitenta publicou
diversos artigos sobre
coleções e museus
na Europa moderna,
especificamente do
século XVI ao século
XVIII. Esses artigos,
juntamente com o
conhecido ensaio
sobre uma teoria geral
das coleções, vieram
a ser reunidos no livro
Collecionneurs, ama-
teurs et curieux / Paris,
Venice: XVIe-XVIIIe
siècle, publicado em
1987. Anteriormente,
em 1984, publica
L’ordre du temps, um
estudo sobre con-
cepções de tempo no
ocidente. Em 1990,
publica L’Europe et ses
nations, sobre iden-
tidade européia. O
autor, ao que parece,
continua ligado ao
tema das coleções e
museus. Além de uma
excelente resenha a
respeito da crescente
bibliografia sobre
coleções e museus
recentemente publi-
cada num número
dos Annales (1993),
o autor publicou há
pouco na Revue de
Metaphysique et de
Morale um artigo em
que discute as rela-
ções entre história,
memória e os efeitos
das transformações
tecnológicas desen-
cadeada nos últimos
séculos sobre estas
relações (1998).
4 Embora não os cite,
uma referência cer-
tamente importante
para as reflexões de
Pomian são os estudos
de J. P. Vernant e
outros helenistas fran-
ceses sobre as con-
cepções a respeito do
visível e do invisível na
Grécia antiga (ver es-
pecificamente Vernant
[1973] 1990: 303-
330; e Gernet [1968]
1982: 227-238).