Cláudia Rodrigues Proibida a postagem
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- O ser humano: frágil ou forte diante da natureza?
O fato de serem "esquecidos dos deuses". O fato de Epimeteu ter se esquecido de reservar recursos naturais
para os humanos, de algum modo, indica que os homens se sentem abandonados, órfãos; se voltam para os
deuses para buscarem uma espécie de paternidade / filiação que dê sentido às suas vidas; mas suas relações
não são simples; nas primeiras versões do mito, Prometeu "engana" Zeus na hora de oferecer sacrifícios,
Prometeu "rouba" o fogo, Zeus responde mandando aos homens um castigo que é belo e mal, ou seja, a primeira
mulher, "Pandora". Nesta versão de Protágoras, a oposição está atenuada; Prometeu é um deus "patrono" dos
humanos, promotor das técnicas e da educação para a cidadania; Os seres humanos são basicamente seres
sem recursos, ou seja, frágeis, vulneráveis, "desarmados" ou desprovidos de proteção natural; assim, estão
sempre expostos às variações das estações, aos ataques dos animais ferozes e de outros grupos humanos; mas
esta "pobreza" é justamente a sua "riqueza": é por não terem recursos naturais já dados que os humanos devem
fabricar seus próprios recursos, constituindo, assim, o que chamamos de Cultura; O roubo e doação aos
humanos do fogo, por parte de Prometeu, assim como do saber que lhes permite usá-lo, ou seja, a técnica, indica
que os humanos têm que providenciar respostas ou reações à sua fraqueza e precariedade naturais; se ficarem
inertes, sem tomar providência nenhuma, perecerão, sucumbirão às dificuldades naturais; no mito grego, está
sempre posta a possibilidade de a raça humana desaparecer completamente, dependendo do que acontecer; por
isso, devem fabricam seus próprios instrumentos, a linguagem, as estátuas e altares, suas armas, casas, roupas
e comida, etc. Só que, segundo Protágoras, estas técnicas não são suficientes, porque eles continuam se
matando uns aos outros; sua precariedade não é só material, mas também moral e política; sua vulnerabilidade
está também na incapacidade de se organizarem politicamente, de modo a sobreviverem e a preservarem a vida
comum; O Respeito (aidós) e a Justiça (díke), dois presentes enviados por Zeus, aumentam a probabilidade de
sobreviverem na natureza e contra ela; a tradução de aidós é difícil: alguns traduzem o termo como Vergonha,
outros por Temor respeitoso; de qualquer modo, trata-se de um sentimento individual que "fortalece" as relações,
os compromissos recíprocos, numa comunidade política, numa mistura de temor pelo que o outro pode fazer
comigo, de vergonha perante o olhar crítico da comunidade e de respeito pelo julgamento dos outros sobre os
meus atos; Estas duas noções são, ao mesmo tempo, éticas e políticas; indicam que os homens têm que
"fabricar", por conta própria, a moralidade e organizar a vida política, ou seja, tentar resolver o problema do
poder, estabelecendo diversos pactos e acordos entre os diferentes grupos que constituem uma cidade;
É importante compreender que, para Protágoras, os presentes, seja das técnicas, sejam dos sentimentos morais,
não garantem, por si só, sua sobrevivência material, nem sua sobrevivência moral; as técnicas e a ética-política
continuam tendo que ser ensinadas / aprendidas; essa era, justamente, a proposta dos sofistas: serem
professores de cidadania, ou, num certo sentido, de humanidade, pois os gregos não pensavam que o ser
humano pudesse continuar a ser humano fora da pólis; Enquanto mestres, os sofistas foram os primeiros
professores a cobrar por seus ensinamentos, pois o que eles ensinavam era de grande valor para a
sobrevivência na cidade; a "doação" divina era só a base ou o potencial "natural" que deveria ser desenvolvido
pelo trabalho ou pela técnica humana; o fato de o mito dizer que eram "presentes divinos" é uma maneira de
indicar o potencial, as possibilidades educativas para os seres humanos, mas não há garantia nenhuma;
um ser nascido do homem e da mulher não se torna, necessariamente, humano; ou seja, os homens e mulheres
não se tornam "naturalmente" humanos; eles não são seres puramente naturais; para se humanizar, eles têm
que ser ensinados, formal e informalmente, tem que passar pelo processo de educação; esta é a marca mais
curiosa e admirável dos humanos; por serem imperfeitos, eles podem (e devem) se aperfeiçoar; diferentemente
dos deuses (e dos outros animais), eles são educáveis; Claro que alguns animais também aprendem, e muito;
mas podemos dizer que eles podem ser treinados ou adestrados, não propriamente educados; um pássaro, com
alimentação e condições naturais adequadas, tem muitas chances de "aprender" a voar e cantar, ou seja, de se
tornar o que está naturalmente determinado a ser, pássaro; Para Protágoras, um ser humano, se não receber
não só alimento, mas também condições afetivas adequadas, cuidados de uma família, educação, técnica, moral
e política, etc., não se tornará plenamente humano, ou seja, não desenvolverá suas possibilidades humanas;
podemos, então, dizer que o ser humano só se torna humano "culturalmente", não naturalmente, não
automaticamente; Se não puder contar com determinadas circunstâncias sociais e culturais, ele não se tornará o
que é em potencial, ou seja, humano; É interessante também pensar no tema da distribuição; as técnicas são
distribuídas diferentemente entre os humanos: nem todos precisam saber fazer tudo, para que haja civilização;
alguns médicos, alguns construtores, alguns sapateiros, alguns soldados, alguns pedreiros, etc. dão conta do
grupo todo; os homens são desigualmente hábeis nas diferentes técnicas; mas no que se refere à "técnica
política", as habilidades têm que ser divididas igualmente: todos têm que ser respeitosos e justos, para poderem
ser bons cidadãos e realizar, efetivamente, sua humanidade; a divisão é igualitária, ou seja, se receberem a
educação adequada, todos têm o potencial para se tornarem bons cidadãos, homens que se respeitam uns aos
outros e que são justos, têm almas internamente equilibradas (justas) e agem no sentido de manter uma certa
harmonia e igualdade (justiça) entre os homens em geral.