Arrancando raízes em Londrina

MarciaPelarim 1,898 views 184 slides Dec 11, 2014
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About This Presentation

Livro Arrancando Raízes em Londrina, de autoria de Márcia de Fátima Catarino Pelarim.


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Márcia!de!Fátima!Catarino!Pelarim!
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Arrancando(Raízes(em(Londrina(
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Londrina!
Edição!do!Autor!
2014!
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Pelarim,!Márcia!de!Fátima!Catarino!
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Arrancando!raízes!em!Londrina!/!Márcia!de!Fátima!Catarino!Pelarim.!!Londrina!:!Edição!
do!Autor,!2014.!
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ISBN:!!!!!!!!
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SUMÁRIO(
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011!Apresentação!
013!O!Livro!Final!!
013!Dedicatórias!
015!Homenagens!
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PARTE(I(
017!Agradecimentos!
025!A!Potência!da!Leitura!
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PARTE(II(
029!Resumo!
031!Motivo!do!título!ARRANCANDO!RAÍZES!EM!LONDRINA!
033!Enfrentamento!diante!da!vida!
035!Introdução!
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PARTE(III(
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Capítulo((I((
037!Origem!do!Livro!(Instalação!e!TCC)!
037!As!fotografias!e!a!atração!
038!A!Pesquisa!“Um!Nó!de!Nós”!
039!O!Portal!
041!!A!Instalação!recuperando!memórias!resgatando!histórias!
042!Nas!fotografias!estão!os!signos!–!Festa!e!Luto!
043!Amélia!Instinto!Materno!
044!Cinema!
045!Fotografias!antigas!e!contemporâneas!de!Londrina!
!
Capítulo(II(
075!!Bonecas!e!Brinquedos!]!!resgate!de!histórias!e!de!valores!
075!História!da!Boneca!
075!A!Boneca!em!diversas!Culturas!
077!A!Oficina!Memória!e!Arte!na!Construção!de!Bonecas!de!Pano!
077!A!Costura!
077!Oficina!de!Bonecas!de!Pano!na!Arte!Educação!
077!Relação!da!Artista!Rosana!Paulino!com!a!Oficina!
078!Projeto!da!Oficina!Memória!e!Arte!na!Construção!de!Bonecas!de!Pano!
078!Resumo!da!Oficina!Memória!e!Arte!na!Construção!de!Bonecas!de!Pano!
079!Artistas!apresentados!na!Oficina!
079!Local!da!realização!das!Oficinas!!
080!Planos!de!aulas!para!a!Oficina!
082!Conclusões!finais!sobre!a!Oficina!
083!Brincadeiras!de!Bonecas!–!resgate!de!memórias!e!depoimentos!

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6!
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Capítulo(III(
087!Laboratório!da!Instalação!Arrancando!Raízes!em!Londrina!
087!Reflexões!sobre!o!Laboratório!
088!O!resgate!temporal!através!de!objetos!utilizados!no!laboratório!
091!Vídeo!Instalação!Este!Espaço!Londrina!(complemento!da!Instalação)!
092!Poema!de!Willian!“!O!Pioneiro”!
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Capítulo(IV(
095!RETALHOS!
095!Domingo!de!sol!
095!Falando!de!princesas!
096!!Abelhas!Jataí!!
096!Exibida!
096!O!Velho!que!sabe!tudo!!
096!Passarinhos!
096!Cortina!de!Chitão!
097!O!tarado!
097!!Rato!
097!Carta!
097!De!Algodão!e!Urubus!
098!Menina]velha!
098!A!Vila!
098!Dona!Elisa!
099!Colcha!de!Retalhos!
099!Maquiagem!
099!Dona!Judith!
100!Cinema!
100!Conselho!
100!Voltar?!
100!O!cavalo!do!pai!voltou!
100!Bem]te]vi!
101!Jogo!de!Letras!
101!Pedra!de!anel!
101!Kirigame!
101!Torrador!de!Café!
102!Terra!molhada!
102!Vestígios!Indígenas!
103!A!cama!com!número!de!patente!
103!Ambulância!
103!Sem!grades!
103!Amélia!e!Zeca!!
104!Presença!
105!Café!da!Tarde!
105!Surra!no!Judas!
105!Clube!de!Dança!

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7!
105!A!turca!
106!Casinha!mictório!
106!A!menina!e!o!pai!
106!O!homem!que!amou!Londrina!
107!Alerta!
107!A!fuga!
108!Cacique!
108!Batizado!
108!Casamento!
109!A!flor!do!mal!
109!Flor!de!Laranjeira!
109!Todo!final!deveria!ser!feliz!
111!Festa!Junina!
112!Contemplação!
112!Casamentos!e!não,!e!sim,!ou!arranjados.!
113!Tabu!
114!Acima!dos!tabus!
114!O!nó!que!nos!une!
115!Varais!
115!Colar!de!pérolas!
115!Pena!
116!Passava!a!boiada!
116!Deselegância!
116!UEL!
116!Vestibular!
117!Foto]pintura!
117!Maquetes!da!vida!
118!Museu!
118!1º!de!Maio!
119!Pioneiro!desconhecido!
119!A!Reserva!
120!Quadro!de!Garças!
121!Vitória!da!Samotrácia!
121!Bonecas!de!Jornal!Tia!Odila?!
121!Exostyles!Godoyenses!peroba]rosa!
122!Árvore!símbolo!peroba]rosa!
122!Casa!de!mata]junta!
123!Exaltação!às!árvores!(Mãe,!Antonio!Correia!de!Oliveira)!
123!As!Velhas!Árvores!(Olavo!Bilac)!
123!!A!Pátria!(Olavo!Bilac)!
124!Patriota!
124!A!Arte!é!o!espelho!da!Pátria...!(Chopin)!
124!Última!Flor!do!Lácio!
125!Rosalina!
125!Noite!Louca!
126!Visita!ao!Tio!
126!Outro!dos!Tios!

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8!
127!Costurando!Colcha!
127!Valsando!
127!Memória!do!Arlanza!
128!Memória!
128!Trem!
128!Pé!Vermelho!
130!Extraordinário!o!Caminhão!de!Tora!
131!O!Morro!dos!Ventos!Uivantes!
131!Juritis!
131!Hortências!
131!Hercules!
132!Questão!de!Profissão!
132!Carta!de!1º!de!Abril!
132!Tão!só!
133!Faina!
133!!Brigou!com!a!morte!
133!Vale!do!Rubi!das!Lavadeiras!
134!Rainha!do!Abismo!
134!Era!importante?!
136!Viagem!difícil!
136!Pau!de!Arara!
138!Cartões!
138!Chupeta!
138!Igual!o!Presidente!Lula!
139!Peças!Infantis!
139!É!tecido,!é!pano,!é!carinho!
139!Bucheiro!
140!Verdureiro!
140!Bijuzeiro!
140!Carrocinha!de!prender!cachorro!
141!Bananal!
141!Sopa!de!bananas!
141!Chiquinha!
141!Enigma!
142!Gatos!incríveis!
142!Arte,!ciência!e!história!
142!Os!olhos!desta!janela]!espelho!do!tempo!
142!O!ninho!
143!Eu!
143!Vento!Travesso!
144!Dona!Izolina!
145!As!cores!da!alma!
145!Gratidão!
145!Rei!do!quintal!
145!Bolinho!de!chuva!
146!Quer!provar?!
146!Padeiro!

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9!
146!Perfeitamente!
146!Cortina!de!Chitão!e!Boneca!
147!Apelidos!
147!Alvina!e!a!Cobra!
147!O!último!Natal!
148!Jacú!
148!Linhas!cruzadas!
149!Usina!Três!Bocas!
149!Chofer!
149!Emblema!dos!Catarinos!
150!O!trigo!
150!Doze!irmãos,!papai!e!mamãe!
150!Galo!Português!ou!Galo!de!Barcelos!
151!A!rosa!
151!Malhação!no!Judas!
151!O!espantalho!e!Liete!
151!Judas!e!Zenaide!
151!No!Natal!de!Zenaide!
152!Colcha!de!retalhos!da!Irma!
152!O!fantasma!da!Figueira!
153!Fantasma!da!Porteira!
153!A!Figueira!e!seus!mistérios!
153!Choronas!
153!Poeira!no!Museu!
154!Beija!flor!
154!Maionese!
154!Sutil!
154!Liete!e!a!caveira!
155!Cachorro!nervoso!
155!Pioneiros!
155!Raiva!
155!Enxoval!
155!Saliente!demais!
156!Presentes!de!madrinha!
156!Mula!sem!cabeça!
157!Dinossauros!
157!Trecho!de!carta!
157!Este!espaço!chamado!Londrina!
158!Falando!de!bonecas!(Dona!Zulmira)!
158!Carta!ao!Zeca!
160!Silhueta!
!
Capítulo(V(
Artistas!com!quem!relaciono!meus!trabalhos!
161!Louise!Bourgeouis,!
161!Bispo!do!Rosário,!
161!Sophie!Calle!

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!
10!
163!Rachel!Withehead!
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165!A!Instalação!no!Museu!“Memória!e!Arte!Arrancando!Raízes!no!Museu!Histórico!de!
Londrina”!
!
165!Nota!no!Jornal!(matéria!no!site!de!notícias!da!Universidade!Estadual!de!Londrina).!
!
167!Imagens!da!!“Instalação!Memória!e!Arte!Arrancando!Raízes!no!Museu!Histórico!de!
Londrina”!
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Capítulo(VI(
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183!!História!sem!Fim!
183!Registro!de!Comentários!do!Caderno!de!Registros!da!Instalação!no!Museu!Histórico!de!
Londrina!
185!A!caneta!do!Zeca!
185!Inventário!dos!objetos!que!formaram!a!Instalação!Memória!e!Arte!Arrancando!Raízes!no!
Museu!Histórico!de!Londrina.!
187!Capítulo!Sem!Fim!
187!Canção!da!Saudade!
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189!Ricos!e!Raros!Presentes!
189!Almofada!de!crochê!feita!pela!Vovó!Alvina!Degraf!!
189!Pano!de!Copa!feito!pela!sogra!amiga!Dona!Izolina!Peruzo!Pelarim!
190!Toalha!de!Mesa!feita!pela!Amélia!Degraf!Catarino!
!
191!Referências!Bibliográficas!
193!Referências!de!leituras!inspiradoras!
193!Os!porquês!dos!artistas!com!os!quais!me!relaciono.!
194!Algo!sobre!o!Livro!original!Trabalho!de!Conclusão!de!Curso!de!Licenciatura!em!Artes!
Visuais.!
195!A!Voz!de!Arlindo!Catharino!
195!Expedição!na!Mata!
195!Acampamento!
196!Ao!Trabalho!
196!Conclusão!Final!(a!autora,!Marcia!de!Fátima!Catarino!Pelarim).!
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Londrina,!julho!de!2014!
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LIVRO&“ARRANCANDO&RAÍZES&EM&LONDRINA”&
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Apresentação(
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Em!comemoração!aos!oitenta!anos!da!Cidade!de!Londrina,!este!livro!foi!extraído!de!
partes!escolhidas!da!edição!de!meu!Trabalho!de!Conclusão!do!Curso!de!Licenciatura!em!
Artes!Visuais!da!Universidade!Estadual!de!Londrina.!
Estão!nele!reunidas!memórias!de!pessoas!encantadas!pela!Cidade!de!Londrina!e!
juntamente,!imagens!de!trabalhos!artísticos!e!registros!referentes!a!esta!cidade,!
salientando!histórias!e!situações!comuns!de!ontem!e!de!hoje,!num!contexto!que!venha!
apresentar!o!modo!de!viver!de!seus!habitantes!com!seus!sentimentos!mais!puros.!
Em!sua!versão!original!este!livro!foi!construído!em!papel!!Fabriano!com!letras!
impressas!em!pigmento!marrom,!contendo!fotografias!alinhavadas!a!mão!em!fio!
dourado!e,!possuindo!um!anexo!de!últimas!páginas,!confeccionadas!em!tecido!de!
algodão!sobre!as!quais!costurei!papéis!impressos!com!pequenas!histórias!chamadas!de!
retalhos!de!memórias.!Todas!as!partes!recolhidas!no!livro!têm!também!sua!importância!
pedagógica.!
Todo!o!processo!teve!início!em!2012!com!estudos!de!fotografia,!depois!passou!por!
um!laboratório!com!pesquisas!de!objetos!de!memórias!incluindo!também!uma!Oficina!de!
Bonecas,!num!estudo!a!brinquedos!antigos.!Este!laboratório!transformou[se!numa!
Instalação!de!Memória!e!Arte!que!migrou!para!uma!Exposição!no!Museu!Histórico!de!
Londrina,!onde!permaneceu!por!duas!semanas!e!retornou!em!2013!para!a!Universidade!
Estadual!de!Londrina,!culminando!no!meu!livro!de!Trabalho!de!Conclusão!de!Curso!para!!
a!avaliação!junto!a!Banca!Examinadora!composta!pelos!Professores!Doutores!Marcos!
Rodrigues!Aulicino,!Tânia!Sugeta!e!Cláudio!Luiz!Garcia,!os!quais!gentilmente!aceitaram!
meu!convite.!O!livro,!quase!totalmente!artesanal,!lembrava!um!velho!diário!de!menina,!
prática!a!qual!podemos!dizer,!muitas!vezes!na!nossa!era!digital,!substituída!pelo!
“facebook”,!embora!este!não!seja!nada!secreto.!
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Aquele!que!não!concordar!com!minhas!palavras,!lembre[se!que!escrevi!conforme!meus!
olhos!viram,!meus!ouvidos!ouviram!e!meu!coração!sentiu.!

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O&LIVRO&FINAL&
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“ARRANCANDO&RAÍZES&EM&LONDRINA”&
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Dedico!este!livro!aos!meus!queridos!netos,!Rafael,!
Miguel,!Laura!e!aos!que!ainda!virão,!para!que!saibam!
como!pulsava!o!coração!de!seus!parentes.!
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EM&HOMENAGEM&
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Aos!meus!pais!Amélia!e!Zeca,!por!terem!me!protegido!como!faz!um!anjo!e!terem!
tornado!bela!a!minha!existência.!
!
!
!
Aos!meus!avós,!tios!e!tias,!por!enriquecerem!de!amor!a!minha!caminhada!e!
demonstrarem!que!a!felicidade!é!uma!conquista.!
!
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16!
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17!
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Parte&I&
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AGRADECIMENTOS&
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Esta!é!uma!parte!fundamental!do!livro!porque!ela!traz!para!dentro!da!história,!
personalidades!exemplares!em!seu!modo!corajoso!de!conduzir!a!vida,!seu!compromisso!
moral!e!seu!respeito!ao!próximo.!
!
Meus!pais!me!ensinaram!que!a!gratidão!é!uma!virtude!que!promove!a!justiça!e!atrai!mais!
bênçãos!de!Deus.!
!
!
&Agradeço:&
!
!
Primeiramente!a!Deus,!meu!criador!que!me!surpreende!a!cada!instante,!com!seu!amor!
providente.!
!
Ao!meu!Anjo!da!Guarda,!não!os!muitos!que!encontrei!na!terra,!mas!ao!Espírito!de!Luz,!
criado!por!Deus!especialmente!para!a!proteção!de!cada!ser,!e!que!tem!Ele,!me!provado!
sua!existência!em!tantas!situações!relevantes!de!minha!vida,!protegendo[me,!
inspirando[me,!intuindo[me!a!melhor!direção!nesta!já!tão!longa!caminhada.!
!
Aos!meus!pais!Amélia!Degraf!e!José!Catarino!porque!seu!amor!extremoso!me!fez!superar!
as!intempéries!da!vida!e!chegar!feliz!até!aqui.!
!
Ao!meu!esposo!Irineu!Sérgio!Pelarim!que!abdicou!de!seus!melhores!momentos!para!me!
apoiar!e!incentivar!na!realização!deste!sonho.!
!
Aos!meus!amigos!colegas!de!Curso!por!me!adularem!desde!o!primeiro!dia,!me!ensinando!
as!mídias!tecnológicas,!me!influenciando!a!pensar!de!modo!contemporâneo,!me!
emprestando!livros!e!com!paciência,!dividiram!seu!espaço!jovem!comigo.!!
!
!Daina!Crepaldi!Moreira,!
!Daniele!da!Silva!Milani,!!
!Guilherme!de!Martino!Casado,!
!José!Leite!Bueno!Neto,!
!Juliana!Cordeiro!Domaneschi,!
!Kauana!Milozo,!
!Loana!Cristina!Takahashi,!
!Luciana!Finco!Mendonça,!
!Maria!Angelica!Cerezine!
!Mayla!Oliveira!Weber!
!Natália!Tardim!Teixeira,!

!
!
18!
!Giovana!Paolini!
!Letícia!Araújo!Chaves!
!Anderson!dos!Santos!Monteiro,!
!Carolina!Dellatorre!Sobreira!
!Luiz!Carlos!do!Couto!Junior!
!Tiago!Souza!
!!Helen!Lopes!
!Joelma!Couto!!
!
!
Ao!Professor!Marcos!Rodrigues!Aulicino!que!foi!me!atraindo!aos!poucos!através!das!
histórias!da!arte,!mostrando[me!a!própria!história!da!vida!humana.!Assim!foi!se!tornando!
grande!amigo,!me!encorajou!a!abrir!as!janelas!de!meu!coração!e!atirou[me!para!o!voo!
pleno,!enquanto!ele!ficou!ali,!esperando[me!pousar!de!volta,!trazendo!os!retalhos!das!
minhas!melhores!memórias.!
!
Ao!Professor!Cláudio!Luiz!Garcia!por!me!oferecer!suporte!para!a!viagem!de!busca!de!
entendimento!interior,!e!oferecer!ainda!os!subsídios!de!afetos!das!tintas!aguadas,!
escondidas!nos!porões!da!alma!e!as!fez!emergirem!pelos!livros!de!Lygia!A.!S.!Araújo!ou!
de!Pedro!Nava!e!de!Josué!Montello.!
!
A!Professora!Tânia!Sugeta,!dedicada,!amorosa,!me!entusiasmou!desvendando!quão!
agradável!é!trabalhar!com!cerâmica!e!me!compreendeu!sendo!solidária!ao!meu!
momento!“mulher!transição”.!
!
A!Professora!Carla!Juliana!Warken!por!ser!a!primeira!a!me!receber!com!o!abraço!amigo.!
!
A!professora!Maria!Carla!Guarinelo!de!Araújo,!sempre!atenta!à!minha!formação!e!aos!
meus!sentimentos.!
!
A!professora!Luli,!pois!é!verdade,!ao!lado!de!um!grande!homem!há!uma!grande!mulher.!
!
!A!Professora!Roberta!Puccini!por!me!ensinar!que!tantas!pessoas!consideradas!
deficientes,!podem!ser!apenas,!diferentes.!E,!que!no!fundo!de!todo!poço,!existe!uma!
mola!que!nos!impulsiona!para!cima.!
!
A!Professora!Maria!Irene!Pellegrino!de!O.!Souza,!pela!atenção!com!que!me!apresentou!
futuras!veredas!em!fotografia.!
!
Ao!Professor!Ronaldo!por!me!mostrar!que!os!caminhos!da!memória,!quando!bem!
pesquisados,!fazem!chegar!à!descoberta!da!arte.!
!
!
!
!

!
!
19!
Ao!Professor!André!Luiz!Onório!Coneglian,!tocando!tão!profundamente!meus!
sentimentos!e!mostrando!a!importância!que!tem!um!Professor!na!nossa!formação!como!
ser!humano.!
!
Ao!Professor!Luiz!Carlos!Jeolás!pela!paciência!em!me!orientar!com!as!mídias!
tecnológicas.!
!
Ao!professor!Kennedy!Piau!sempre!me!incentivando!a!ser!mais!racional.!
!
Ao!professor!Jardel!Dias!Cavalcanti,!por!ser!gentil!sempre!que!precisei.!
!
Ao!professor!Juliano!Reis!Siqueira,!me!fez!descobrir!caminhos!tão!produtivos!e!de!
encantamento!na!educação!através!de!oficinas.!
!
A!professora!Vanessa!de!Oliveira,!com!muita!seriedade,!empenhada!em!transmitir!
conhecimentos.!
!
Ao!professor!Renan!dos!Santos!Silva!!que!defende!com!paixão!a!ética!do!professor!e!já!
no!primeiro!ano!do!curso,!mostrou[nos!essa!importância!e!responsabilidade!na!formação!
dos!professores.!
!
Ao!professor!Danillo!Gimenes!Villa,!dirigindo!suas!aulas!de!modo!descontraído,!alegre,!
porém!sempre!atento!a!nossa!formação.!!
!
A!professora!Elke!Coelho!Pereira!Santana,!paradigma!no!modo!de!ministrar!uma!aula!e!
pela!gentileza!ao!receber[me!em!cada!encontro.!
!
A!professora!Carmem!Fabiana!Betiol,!por!conseguir!aplicar!a!aula!de!modo!tão!
contemporâneo,!realista,!no!sentido!de!demonstrar!o!quanto!tudo!está!unido!à!vida!e!às!
suas!consequências.!
!
A!professora!Maria!Fernanda!Magalhães,!por!me!deslumbrar!com!o!universo!fantástico!
da!fotografia.!
!
Ao!professor!Ubirajara!Senatore,!que!de!maneira!simples!apresentou!a!potência!e!a!
grande!influência!das!imagens!em!nossas!vidas!e!em!nossas!produções!artísticas.!!
!
A!professora!Cândida!Alayde!Bittencourt,!mais!um!exemplo!de!competência!e!referência!
no!compromisso!atencioso!dispensado!às!pessoas.!
!
Ao!professor!Marcos!Nalin!que!abordando!as!obras!de!Velazques,!me!fez!pensar!meus!
próprios!espelhos!da!alma.!
!
!
Ao!José!Marques!Neto,!ao!Manoel!Cavalcante!de!Souza!Neto,!!
!
Ao!Deusdito!Pereira!dos!Santos,!!

!
!
20!
A!Sônia!Maria!Camargo!Lourenço,!!
A!Sônia!Aparecida!Pimenta!Tardin,!!
A!Eunice!Bianconi,!todos!os!quais!com!a!maior!simpatia!e!boa!vontade!fizeram!o!contato!
amigo!entre!os!alunos!e!a!Universidade.!
!
!
Enfim,!a!todos!os!queridos!amigos!professores!e!funcionários!do!Departamento!de!Artes!
que!se!empenharam!com!alegria!e!incentivo,!me!apresentando!uma!dimensão!bem!
melhor!do!Curso,!pois!como!me!dizia!o!Professor!Renan!dos!Santos:!
![!Você!pensou!que!veio!aqui!para!brincar!de!massinha?!
!
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21!
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SERVIDORES!E!PROFESSORES!DO!DEPARTAMENTO!DE!ARTE!VISUAL/!CECA!
!!
!
CÂNDIDA!ALAYDE!DE!CARVALHO!BITTENCOURT!
CARLA!JULIANA!GALVÃO!ALVES!WARKEN!
CARMEM!FABIANA!BETIOL!
CLAUDIO!LUIZ!GARCIA!
JARDEL!DIAS!CAVALCANTI!
DANILLO!GIMENES!VILLA!
ELKE!COELHO!PEREIRA!SANTANA!
JULIANO!REIS!SIQUEIRA!
KENNEDY!PIAU!FERREIRA!
LOURIDES!APARECIDA!FRANCISCONI!
LUIZ!CARLOS!SOLLBERGER!JEOLÁS!
MARCOS!RODRIGUES!AULICINO!
MARIA!CARLA!GUARINELLO!DE!ARAÚJO!MOREIRA!
MARIA!FERNANDA!VILELA!DE!MAGALHÃES!
MARIA!IRENE!PELLEGRINO!DE!OLIVEIRA!SOUZA!
MARTA!DANTAS!DA!SILVA!
RENAN!DOS!SANTOS!SILVA!
ROBERTA!PUCCETTI!
RONALDO!ALEXANDRE!DE!OLIVEIRA!
TANIA!CRISTINA!RUMI!SUGETA!
UBIRAJARA!DE!CARLO!SENATORE!
VANESSA!TAVARES!DA!SILVA!
DEUSDITO!PEREIRA!DOS!SANTOS!
EUNICE!BIANCONI!
JOSÉ!MARQUES!NETO!
MANOEL!CAVALCANTE!DE!SOUZA!NETO!
SÔNIA!APARECIDA!PIMENTA!TARDIM!
SÔNIA!MARIA!CAMARGO!LOURENÇO!!
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22!
A!Profa.!Dra.!Regina!Célia!Alegro!por!abrir!as!portas!do!Museu!Histórico!de!Londrina,!
para!a!minha!”Instalação!Memória!e!Arte!no!Museu”,!incentivando[me,!!
Apoiando[me!em!novos!projetos!e!me!recebendo!com!muita!simpatia.!!
!
Ao!Lucas!Gabriel!da!Mata!pelo!incentivo!e!entusiasmo!me!auxiliando!na!Instalação!que!
aconteceu!no!Museu!Histórico!de!Londrina.!
!
A!Gina!E.!Issberner,!que!me!tratou!com!gentileza!por!ocasião!da!Instalação!no!Museu!
Histórico!de!Londrina.!
!
!Aos!amigos!e!amigas;!
!!
Guilherme!De!Martino!Casado,!por!me!ofertar!o!livro!de!Fotografias!de!José!Juliani.!
!
Luiz!Couto!que!sempre!me!auxiliou!na!edição!de!vídeos.!
!
Giovana!Paolini,!pela!boa!companhia!na!volta!das!aulas,!pela!amizade!leal!e!a!atenção,!
dispensando!seu!tempo!comigo!e!com!meus!trabalhos.!
!
Dani!Milani,!por!colocar!alegria!em!nossos!eventos!e!me!ensinar!mídias!contemporâneas.!
!
!Maria!Angélica,!se!fazendo!ouvir!pelo!respeito!que!impõe!com!sua!competência!e!
amizade.!
!
Natália!Tardin,!pela!delicadeza!em!passar[me!seus!saberes.!
!
Mayla!Weber,!pelo!carinho!e!atenção!de!sempre.!
!
Carolina!Sobreira,!que!parecia!fraquinha,!mas!carregou!até!vigas!de!madeira!para!ajudar!
a!amiga!montar!o!Laboratório!e!ainda!fazer[me!virar!outra!vez!colegial!como!ela,!
trocando!segredinhos!pelas!esquinas!dos!corredores!da!UEL.!
!
Letícia!pelo!constante!sorriso!de!boas!vindas.!
!
A!kauana!por!me!socorrer!em!meus!constrangimentos!e!me!mostrar!novos!horizontes.!
!
A!Daina!pela!parceria!nos!trabalhos!e!a!companhia!carinhosa!quando!eu!ficava!triste.!
!
A!Juliana!Domaneschi!por!ser!atenciosa!comigo!em!todo!encontro!e!rir!dos!
desencontros.!
!
Ao!Neto!Bueno,!ao!Tiago!Souza,!ao!Anderson!Monteiro,!por!serem!prestativos!para!
comigo!em!todos!os!momentos!dispensando[me!seu!carinho!e!amizade.!
!
A!Luciana!Mendonça!e!ao!Willian!Fernandes!por!se!tornarem!filhos!em!meu!lar.!
!

!
!
23!
Ao!Padre!Ozanilton!Batista!de!Abreu,!pela!oportunidade!e!consideração!para!com!meus!
projetos.!
A!Zenaide!de!OIiveira,!
A!Inara!Regina!R.!Santana,!
A!Irma!Bernardo!Vieira,!
A!Liete!Brunelli!Araújo,!
Pelo!entusiasmo!em!me!acompanharem!por!novos!atalhos!nas!artes,!me!dedicando!sua!
amizade!e!confiança.!
!
Ao!Cesar!Grade!pela!antiga!amizade,!por!me!respeitar!como!tia,!desde!que!ele!era!um!
bebê!e!eu!uma!moça!bonita,!e!por!ele!me!presentear!com!tantos!materiais!artísticos.!
!
A!Ana!Carolina!Binotti,!pelo!amor,!pelo!carinho!e!por!sempre!me!presentear!com!tantos!
materiais!e!livros!de!artes.!
!
A!Lenita!Mamprim!Pelarim,!pelo!exemplo!de!coragem!e!fé,!suportando!os!maiores!
golpes!que!como!mulher!e!como!mãe!pode!receber,!e!mesmo!assim,!seguir!sorrindo,!
distribuindo!a!sua!alegria!contagiante.!
!
A!Andréa!Merighe!por!que!iluminou!minha!vida!trazendo[me!o!azul!celeste!em!forma!de!
amor,!que!é!meu!neto!Miguel.!
!
Ao!Jorge!Luiz!Catharino,!escultor,!pintor,!e!historiador!da!família,!pelo!respaldo!em!
minhas!pesquisas!e!ainda!me!presenteou!com!a!cadeirinha!de!peroba!rosa,!a!qual!entrou!
na!composição!da!maquete!“Quarto!da!Menina”.!
!
Ao!Lourival!Figueiredo!Lula,!amigo!de!meu!marido!e!anjo!da!guarda!de!minha!família,!
pela!dedicação!e!presença!nos!momentos!mais!significativos.!
!
Ao!Hercules!Henrique!Catarino!e!a!Leonilde!Ortiz!Catarino!pela!presença!constante!e!por!
me!apoiarem!e!levarem!em!turnês!de!pesquisas!pela!Cidade.!
!
A!Luci!Pelarim!que!com!a!mesma!delicadeza!de!sua!mãe,!ajudou[me!na!recuperação!das!
memórias!de!sua!família.!
!
A!Ana!Marisa!!
Catarino!por!extrair!minhas!risadas!diante!do!seu!modo!divertido!de!encarar!!
a!vida!e!recuperar!memórias.!
!
Carolina!de!Melo!por!fazer[se!terra!fértil!em!minha!vida!afortunando[me!com!meus!
netos!Rafael!e!Laura.!
!
Aos!meus!filhos!André,!Gisele!e!Rodrigo,!a!Carolina!de!Melo,!ao!José!Henrique!Catarino!a!
Bruna,!ao!Tarcísio!Catarino!Tadeu,!que!embora!relutantes!por!eu!migrar!do!ambiente!
doméstico!para!o!estudantil,!me!auxiliaram!com!a!tecnologia,!com!viagens!de!objetos!de!
Instalações!e!na!coleta!de!materiais!de!memória!e!artes.!
!

!
!
24!
A!Tia!Odila!Peron!Catharino!porque!abriu!seu!coração!para!mim!e!me!chama!de!Filha.!
!
A!Tia!Inez!Delai!Catharino!que!me!contou!seus!dramas!de!mulher!e!me!chama!de!
Sobrinha!Querida.!
!
A!Tia!Eurides!Catarino!pela!grande!amizade!e!pela!alegria!de!cada!encontro.!
!
A!Tia!Alice!Catarino!Monteiro!que!me!chamava!de!“santinha”!e!me!acolhia!com!beijos!
em!minha!infância.!
!
A!Tia!Maria!Catarino!Peralta!que!guarda!com!amor!as!memórias!da!família.!
!
A!Tia!Olivia!Degraf!Catarino!por!ser!minha!segunda!mãe.!
!
Tia!Faustina!Catarino!por!ser!amorosa!e!dedicada!madrinha.!
!
A!Tia!Irene!Degraf!Netto,!madrinha!que!encheu!minha!infância!de!sonhos.!!
!
A!Tia!Nélida!Penãs!Catharino,!minha!(não!muito!mais)!“irmã!mais!velha”,!sempre!
orientando!meus!passos.!
!
A!Tia!Suely!Cândido!Catarino!exemplo!de!fortaleza!e!fé.!
!
A!Tia!Cleide!Catarino,!delicada,!incansável!na!esperança.!
!
A!Tia!Lurdes!Catarino,!amiga!da!mesma!idade!que!me!apoia!e!compreende.!
!
A!Tia!Geni!Pelarim!por!me!confiar!histórias!de!sua!família!e!me!ofertar!uma!fotografia!
importante,!como!prova!de!consideração!para!comigo.!
!
!
Ao!Professor!Marcos!Aulicino,!porque!gentilmente!aceitou!ser!o!coordenador!do!meu!
Trabalho!de!Conclusão!de!Curso!e!sabiamente!encorajou[me!a!expor!meus!sentimentos,!
a!enfrentar!os!desafios!com!a!segurança!de!quem!tem!um!grande!mestre.!
!
! !

!
!
25!
&
!
!
!
A&POTÊNCIA&DA&LEITURA&
!
!
É!um!capítulo!importante!porque!apresenta!a!leitura!como!meio!transcendental!do!
tempo!e!como!meio!edificante!do!ser,!portanto!continuam!os!agradecimentos!aos!que!
me!deram!acesso!aos!livros.!
!
Agradeço:&
!
Ao!Professor!Claudio!Luiz!Garcia,!
O!professor!Cláudio!do!Curso!de!Artes!Visuais,!deixa!à!disposição!dos!alunos,!uma!
pequena!biblioteca!em!sua!sala.!São!exemplares!variados,!incitando[nos!a!seguirmos!
diversos!caminhos.!Assim!sendo,!entre!esses,!um!livro!diferente!me!chamou!a!atenção,!
pois!ele!é!de!folhas!soltas!dentro!de!uma!caixa.!O!livro!conta!crônicas!de!Manoel!de!
Barros,!cada!uma!numa!folha,!e!todas!juntas!sem!costura,!dentro!da!caixa.!
!!Encontrei!outro!livro!bem!interessante,!acondicionado!em!pequena!caixa,!eram!
páginas!mínimas,!de!minúsculas!gravuras,!arte!do!próprio!professor!Cláudio.!Achei!aquilo!
lindo,!uma!verdadeira!caixinha!de!joias.!
Descobri!então,!que!o!livro!pode!adquirir!diferentes!e!infinitos!formatos.!Por!isso!
fui!convidada!por!minha!atenta!amiga!Luciana!Mendonça,!a!participar!de!uma!oficina!de!
construção!de!livros.!Lá!conheci!a!artista!plástica!Adriana!Siqueira,!a!delicadeza!em!
pessoa.!Nesse!grupo!conheci!outras!pessoas!gentis!e!inspiradas,!amantes!das!artes.!Na!
primeira!aula,!a!Adriana!fez!uma!exposição!de!tantas!outras!possibilidades!de!se!
construir!um!livro.!Finalmente!decidi!que!meu!trabalho!de!conclusão!de!curso,!poderia!
ter!o!formato!de!um!livro!artístico!de!memórias.!
!
À!minha!mãe!que!me!alfabetizou!e!me!ensinou!a!potência!da!leitura,!
!!Quando!eu!era!criança,!não!existiam!pré[escolas!e!minha!mãe!achou!por!bem!me!
ensinar!o!ABC,!e!facilitar!o!início!deste!meu!novo!caminho.!Ao!entrar!para!o!primeiro!ano!
escolar,!ganhei!uma!cartilha,!seu!nome!era!“Caminho!Suave”.!Atualmente!esse!tipo!de!
cartilhas!é!muito!criticado,!mas!no!meu!caso,!foi!realmente!um!caminho!suave,!parecia!
um!jogo,!uma!matemática!de!letras,!e!me!entusiasmei!pelas!descobertas!do!mundo!de!
símbolos!a!aprender.!
!!!!!!!!!
O!primeiro!livro!mesmo,!eu!recebi!de!meus!pais,!e!era!muito!pequena.!Devia!ser!
um!livro!de!histórias!de!princesas,!porém!guardei!na!memória!as!páginas!onde!vi!uma!
revoada!de!pássaros!em!mil!cores.!Eram!pássaros!de!penachos!e!caudas!longas.!
Tesourinhas,!canários,!galos!da!montanha,!todos!em!deslumbrante!carnaval,!e!o!mais!
soberbo!de!todos,!era!o!pavão.!
!!!!!!!!!

!
!
26!
Depois,!deram[me!outros!livros.!Os!de!catequese!com!desenhos!delicados,!
bonitos,!ensinando!as!virtudes,!sem!legendas,!mas!com!a!figura!do!“capêta”,!querendo!
estragar!tudo.!
!!!!!!!!!
!!Meus!padrinhos,!Irene!Degraf!e!José!Netto!me!presentearam!com!a!minha!
primeira!bíblia!e!meus!tios!Olivia!Degraf!e!Antonio!Catarino,!nos!aniversários!me!
trouxeram!Alice!no!País!das!Maravilhas!e!depois!as!fábulas!das!mil!e!Uma!Noites.!Estes!
livros!vinham!com!gravuras!em!preto!e!branco!e!eu!as!coloria!a!lápis,!presenteados!por!
meu!pai.!
!
Chegaram!depois!os!livros!didáticos,!escolhidos!com!esmero!e!qualidade,!cuja!
lista!indicada!pela!escola,!meu!pai!adquiria!de!maneira!impecável.!Minha!mãe!lhe!dizia!
que!a!maior!herança!deixada!aos!filhos!é!a!boa!educação.!
!
Ao!Zeca!meu!pai,!
Mesmo!sendo!pobre,!sendo!motorista!de!caminhão,!começando!fazer!vida,!ele!
juntamente!com!minha!mãe,!escolhiam!as!melhores!escolas!para!nós.!O!livro!tinha!
presença!regular!em!nossa!rotina!do!lar.!Minha!mãe!sempre!contando!romances,!
tragédias,!fábulas,!e!meu!pai,!descendente!de!portugueses,!gostava!de!literatura!de!
Cordel,!principalmente!as!histórias!de!Pedro!Malasarte,!para!fazer[nos!darmos!risadas.!
!
Aos!primos!Dilson!e!Ester,!
!Livro!perfumado!era!algo!que!eu!nunca!tinha!visto.!Certa!vez!encontrei!um!
exemplar!em!minha!caixa!postal.!Tinha!a!dedicatória!de!meus!primos,!Dilson!e!Ester.!
Não!me!encontrando!em!casa,!deixaram!lá!este!livro!maravilhoso!com!perfume!de!
gardênias,!poesias!e!fotos!de!obras!de!pintores!diversos.!Ainda!guardo!encantada!este!
livro!“As!Quatro!Estações”!e!me!enlevo!com!seu!visual,!seu!perfume,!suas!poesias!e!o!
gesto!carinhoso!destes!primos.!
!
Aos!amigos!Luciana!Mendonça!e!William!Fernandes,!
!Outra!mostra!de!sincera!amizade,!recebi!destes!queridos!e!dedicados!amigos,!
Luciana!e!Willian!ao!me!presentearem!com!o!livro!“Arte!Contemporânea”,!ajudando[me!
a!complementar!os!estudos!de!Artes!Visuais.!
!
Ao!professor!Diamantino,!
!Numa!Escola!Pública,!no!período!do!ginásio,!o!professor!Diamantino,!
intimamente!envolvido!pela!disciplina!que!pregava,!me!ensinou!a!interpretar!poesia,!a!
amar!minha!própria!língua!pátria!e!a!descobrir!os!cheiros,!os!sons!e!as!cores!contidas!
numa!palavra,!tudo!numa!única!aula,!através!da!poesia!“Última!Flor!do!Lácio”.!
!
À!professora!Raimunda!Brito!que!me!fez!descobrir!a!fascinante!leitura!de!“Cordel”!
e!também!abriu!a!porta!da!minha!memória.!
!Em!uma!aula!de!antropologia,!com!a!professora!Raimunda,!no!primeiro!ano!do!
Curso!de!Artes!Visuais,!comentávamos!a!importância!que!certos!objetos!ou!situações!
banais,!adquirem!quando!assumem!um!significado.!Um!objeto,!um!som,!um!cheiro,!uma!
palavra,!uma!determinada!situação,!podem!acionar!nossa!memória,!e!por!seu!afeto,!nos!
fazer!sentir!de!novo,!a!dor!ou!a!ternura!de!um!momento!passado.!A!professora!

!
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27!
Raimunda!se!referiu!a!um!costume!antigo!de!levarem!maçãs!para!oferecerem!a!alguém!
que!estivesse!doente.!Naquela!aula,!fui!assaltada!e!afetada!por!uma!lembrança!linda;!em!
nossa!infância,!minha!irmã,!meu!irmão!e!eu,!quando!ficávamos!com!febre!ou!acamados,!
víamos!nosso!pai!entrar!a!toda!hora!em!nosso!quarto,!perguntando;![!Tá!melhor?![!Já!
melhorou?!Seu!rosto!ficava!branco,!os!olhos!grandes!de!preocupação!e!em!sua!mão!
rústica,!a!enorme!e!vermelha!maçã,!cheirosa,!saborosa.!Chorei!nesta!aula,!porque!fazia!
poucos!dias!que!meu!querido!pai!tinha!falecido.!
!
!!!!!!!!!!!!!A!todos!meus!professores!que!foram!porteiros,!
Digo!que!professores!são!porteiros!porque!a!eles!compete!abrirem!as!portas!da!
sabedoria! aos! estudantes.!Alguns! abrem! portas! sombrias! para! um! mundo!
decepcionante,!criando!bloqueios!intransponíveis!nas!mentes!sensíveis!das!crianças!e!
dos!jovens.!Outros!abrem!portas!de!luz,!e!mostram!um!mundo!maravilhoso,!alegre!e!
rico,!convidativo!a!entrar!e!sentir!o!prazer!de!explorar,!que!será!sempre!buscado!
novamente.!Tive!a!graça!em!minha!vida!de!encontrar!muitos!professores!apaixonados!
pela!missão!de!ensinar.!Eles,!iluminados,!satisfeitos,!me!indicavam!estradas!por!eles!já!
trilhadas!e!me!acompanharam!com!alegria!em!minhas!descobertas.!Foram!verdadeiros!
porteiros!e!cicerones!do!saber.!
!
Foram!muitos!e!foram!tantos!esses!bons!professores!e!entre!eles,!uma!linda!
freira,!me!introduziu!no!universo!da!biblioteca.!Toda!semana!a!freirinha!professora!me!
convidava!para!ir!às!tardes!na!biblioteca!do!colégio!de!minha!infância,!o!Colégio!Santa!
Maria.!Enquanto!ela!corrigia!provas!e!tarefas,!me!deixava!desvendar!aquele!espaço!de!
saberes.!Quando!minha!vista!cansava,!ela!me!mandava!correr!pelo!pátio!e!eu!pisava!na!
grama!fofa,!sentindo!o!vento!nos!cabelos!e!no!rosto!de!menina.!
!!!!!!!!!!!!!Numa!destas!tardes!a!freirinha!me!pediu!para!ajudá[la!carregar!seus!cadernos!e!
jogá[los!num!buraco!de!terra,!nos!fundos!do!colégio.!Tentei!impedir,!ela!não!poderia!
jogar!fora!cadernos!tão!bonitos,!pintados!com!florzinhas!e!letras!desenhadas.!A!freirinha!
minha!amiga,!explicou[me!que!um!dia!eu!a!entenderia,!pois!esse!período!de!sua!
mocidade!religiosa!teria!que!ser!apagado!,!e!chorando,!pôs!fogo!em!tudo.!Menos!nas!
fotos!de!seu!irmão!as!quais,!mostrou[me!para!eu!ver!como!ele!era!bonito.!Ela!não!podia!
dar[me!nenhum!de!seus!cadernos!como!lembrança,!mas!sim!a!sua!pequena!coleção!de!
moedas!antigas,!presente!de!seu!irmão.!Os!cadernos!juntamente!com!sua!vida!de!freira,!
teriam!que!ficar!para!trás.!Muitos!anos!depois!fiquei!sabendo!que!a!linda!freirinha,!tinha!
abandonado!a!Congregação,!voltado!para!Minas!Gerais!e!estava!trabalhando!no!
Abatedouro!de!Aves!de!propriedade!de!seu!irmão.!!
Esta!freira!professora!tornou[se!um!paradigma!para!mim.!Suas!aulas!eram!
criativas!e!inovadoras.!Nas!aulas!de!religião,!ela!organizava!as!carteiras!em!círculo.!No!
centro!do!círculo,!uma!mesa!com!a!bíblia!e!uma!vela!acesa!e!enfeitada.!Cada!aluno!
levantava,!lia!um!capítulo!ou!versículo!e!comentávamos!contextualizando!com!fatos!
contemporâneos.!!Em!Educação!Física,!mandou[nos!providenciar!um!pedaço!de!cabo!de!
vassoura,!pintado!de!vermelho!e!de!azul,!e!com!este!bastão,!ensinou[nos!a!praticar!
ginástica!rítmica.!Em!todas!as!matérias,!a!cada!nota!alta!que!tirássemos,!o!nosso!nome,!
preso!a!um!fio,!ia!subindo!até!chegar!nas!mãos!de!Nossa!Senhora!das!Graças,!imagem!
em!lugar!de!destaque!e!honra!em!nossa!sala!de!aulas.!Nas!festas!do!Colégio!ela!me!
escolhia!como!oradora.!Fundou!um!Clube!Literário,!o!“Olavo!Bilac”,!nos!ensinou!assim!a!
votarmos,!e!nisto!fui!escolhida!como!secretária!do!clube!e!tive!que!aprender!a!redigir!

!
!
28!
atas!e!discursos.!Ainda!hoje!quando!passo!em!frente!ao!antigo!colégio!na!Rua!Maringá,!
vejo!o!pinheiro!que!plantamos!no!dia!da!árvore.!Ela!marcou!encontro!conosco!no!futuro!à!
sombra!desta!árvore,!para!podermos!nos!abraçar!e!contarmos!em!quem,!nos!formamos.!
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29!
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Parte&II&
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RESUMO&
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Arrancando!Raízes!em!Londrina!é!um!livro!de!contos,!história!oral,!memórias,!forma!de!
registrar!afetos!e!criar!mais!memórias,!em!texto!poético!e!com!relação!a!imagens!
fotográficas!coletadas!ou!produzidas.!Muitos!objetos!comuns!tornam[se!canais!da!
memória!e!adquirem!significados,!trazidos!pelos!sentidos!humanos,!seja!pela!visão,!
olfato,!paladar,!audição,!ou!pelo!tato.!Assim,!também!muitas!situações!se!tornam!
recorrentes!a!outros!seres!humanos,!que!através!dos!sentidos!poderão!se!reportar!às!
suas!memórias,!parecidas!ou!totalmente!diferentes.!Para!explorar!esses!afetos,!a!
intenção!poética!desse!Trabalho!de!Conclusão!de!Curso,!é!o!livro,!como!coletânea!de!
contos,!fotografias!e!imagens,!costurados,!reunidos,!como!colcha!de!retalhos,!tudo!
completado!por!imagens!de!uma!Instalação,!a!qual!composta!por!objetos!pertencentes!à!
memória!daquele!tempo!ou!das!vozes!das!pessoas!que!se!manifestaram,!com!as!
projeções!de!fotos!e!de!vídeos,!contendo,!imagens!antigas!e!contemporâneas,!porém!em!
apresentação!aleatória,!para!que,!cada!espectador!junte!as!partes!que!lhe!interesse!e!
possa!criar!a!sua!própria!colcha!de!retalhos.!Desse!modo!o!livro!de!Trabalho!de!
Conclusão!de!Curso,!transformou[se!no!Livro!Arrancando!Raízes!em!Londirna,!das!
pequenas!histórias!e!da!imaginação!londrinense.!
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30!
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31!
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Motivo&do&título&
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ARRANCANDO&RAÍZES&EM&LONDRINA:&
(título!sugerido!pelo!Prof.!Dr.!Marcos!Rodrigues!Aulicino)!
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Marcia&de&Fátima&Catarino&Pelarim.&
!
Cursar!uma!Universidade!é!repensar!os!valores.!O!meu!trabalho!de!conclusão!de!curso,!
coincidiu!com!a!venda!de!minha!casa!da!infância.!Provocou!um!balanço,!remexeu,!
revirou!dentro!de!mim.!!!
Repensei,!me!remoí.!
Eu!estou!agressiva,!eu!estou!revoltada,!eu!estou!ferida,!como!bicho!acuado,!estou!
enlouquecida,!estou!em!ebulição.!
Fez!derramar!meu!sangue,!verter!seiva,!até!eu!compreender!que!o!tempo!é!implacável!e!
atropela!a!quem!fica.!
!Vou!escrever,!vou!virar!a!página!e!seguir!em!paz,!seguir!em!frente.!
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32!
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33!
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Enfrentamento!diante!da!vida.!
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É,!preciso!ter!olhos!de!voar!e!olhos!de!pisar!o!chão.!
Através!de!seus!olhos,!aprendi!a!enxergar!o!mundo;!
O!meu!pai,!com!seus!olhos!na!cor!verde[mata!
mostrou[me!ser!preciso!sonhar,!voando!acima!das!
copas,!para!fazer!o!sonho!acontecer.!!
E!minha!mãe,!com!seus!olhos!cor!castanho[telúrico,!
me!ensinou!a!por!os!pés!no!chão!e!não!errar!o!
caminho!que!leva!à!realização!dos!sonhos.!
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34!
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&&

35!
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&
INTRODUÇÃO&
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Toda!pessoa!deveria!fazer!como!os!indígenas!e!ir!contando!a!história!de!sua!família!de!
geração!em!geração,!perpetuando!lições!de!amor!e!superação.!
Cada!família!é!formada!através!da!relação!com!outras!famílias.!Elas!crescem!se!mesclam!
e!ocupam!determinados!espaços!e!épocas,!criando!cidades!como!a!de!Londrina.!
São!vidas!que!se!entrelaçam!formando!uma!linda!teia!de!aranha!brilhando!ao!sol,!ou!
parece!toalhinha!de!crochêt,!ligando!pontos,!amarrando!destinos,!ou!então,!pode!
lembrar!uma!imensa!e!colorida!colcha!de!retalhos,!nos!pedaços!diferentes!de!vidas!
juntadas!calculadamente,!para!compor!um!futuro!melhor.!
Neste!trabalho!proponho!uma!coletânea!de!contos,!contos!que!são!lembranças!
de!histórias!ouvidas!na!infância,!outras!ouvidas!recentemente,!histórias!de!famílias,!da!
minha!família,!mas!também!de!vizinhos,!e!de!outras!famílias.!Oralidades!que!nascem!das!
reminiscências!detonadas!por!imagens,!que!nascem!da!criação!inspirada!em!fotografias,!
que!nascem!nas!conversas,!ouvir!e!contar!histórias.!Trazer!minhas!histórias!para!a!
Universidade,!entre!meus!colegas,!a!maioria!de!outra!geração,!entrecruzar!histórias,!
entrecruzar!oralidades!geracionais.!O!criar!textual!que!nasce!do!ouvir,!do!contar,!do!
olhar.!Pesquisar!imagens,!histórias!e!por!trás!dessas!imagens,!as!minhas!histórias,!as!
outras!histórias,!a!história!do!outro,!a!história!que!você!pode!agora!contar!vendo!as!
minhas!imagens,!e!lendo!meus!contos.!
!A!partir!de!um!processo!de!pesquisa!proposto!pelo!professor!Ronaldo!A.!de!
Oliveira,!escolhi!como!objeto!de!investigação,!uma!foto!antiga!que!mostrava!situação!
incomum!e!por!isso!suscitava!tantas!questões.!Esta!fotografia!denominada!“O!Portal”,!
em!especial!me!afetou!porque!despertou!em!minha!memória!uma!época!em!que!
participei!e!agora!ainda!se!agita!dentro!de!mim,!pois,!pertence!a!um!mesmo!espaço,!
agora!assumindo!formas!inusitadas,!surgidas!no!século!vinte!e!um.!!
Ao!investigar!aquela!fotografia!do!meu!próprio!Tio!Antonio!Henrique!Catharino,!
posando!orgulhoso!no!caminhão!que!carregava!uma!tora!gigantesca!de!peroba[rosa,!
comecei!buscar!respostas!para!entender!aqueles!dias!dos!primórdios!da!cidade!de!
Londrina.!Fui!desvendando!histórias!de!pessoas,!de!famílias,!de!costumes,!de!tradições,!
de!modos!diferentes!de!resolver!situações,!até!mesmo,!a!criatividade!de!uma!população!
em!seus!envolvimentos!sociais.!As!histórias!e!os!fatos!eram!tão!diversos,!mas,!de!algum!
modo,!se!ligavam!por!que!diziam!de!pessoas!se!envolvendo!dentro!do!mesmo!espaço!e!
mesmo!tempo.!Embora!fossem!de!culturas!distintas,!essas!pessoas!se!uniram!para!
formarem!uma!nova!sociedade,!como!acontece!com!pedaços!diferentes!de!tecidos,!mas!
costurados,!unidos!uns!aos!outros,!formam!lindas!colchas!de!retalhos.!Por!isso,!para!o!
resgate!da!história,!fui!correndo!atrás!do!tempo!como!quem!corre!atrás!de!um!trem,!para!
colher!as!vozes!daqueles!que!partem,!levando!consigo!o!testemunho!vivo!do!embate!do!
homem!com!o!espaço!rústico!e!que!culminou!na!extinção!de!uma!paisagem!que!emerge!
agora!através!de!uma!fotografia!e!da!fala!das!pessoas.!
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36!
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37!
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Parte&III&
CAPÍTULO&I&
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ORIGEM&DO&LIVRO&
!
A&INSTALAÇÃO&E&O&TRABALHO&DE&CONCLUSÃO&DO&CURSO&DE&
LICENCIATURA&EM&ARTES&VISUAIS&
!
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A!origem!deste!Livro!é!um!Trabalho!de!Conclusão!do!Curso!de!Licenciatura!em!Artes!
Visuais!da!Universidade!Estadual!de!Londrina,!conforme!segue!a!sua!primeira!
apresentação!como!TCC.!(ver!em!anexos!deste!livro).!
Este!Trabalho!de!Conclusão!de!Curso!com!o!título!Arrancando!Raízes!constitui[se!
por!textos,!depoimentos,!imagens,!fotografias!antigas!e!recentes,!e!vídeos,!numa!
instalação!para!resgatar!histórias,!memórias!e!inventivas!deste!lugar!chamado!Londrina.!
O!processo!acontece!através!da!memória!e!da!visão!particular!de!pessoas!comuns,!cujos!
nomes!não!constam!nos!registros!históricos!convencionais.!Reuni!vozes!de!anônimos,!
compondo!um!retrato!realista!da!sociedade!londrinense!no!que!compete!a!força!de!
trabalho!formando!o!alicerce!do!progresso.!Esse!resgate!vem!por!via!de!objetos!
impregnados!de!significados!temporais!que!reavivam!a!minha!memória!e!a!de!pessoas!
ligadas!por!um!espaço!comum!a!todas.!É!uma!busca!de!nossas!identidades,!onde!
consequentemente!surge!a!identidade!da!Cidade,!formada!nas!camadas!do!tempo.!Vidas!
tão!distintas!entrelaçadas!no!mesmo!objetivo!de!realizar!seus!sonhos!num!lugar!que!
sempre!promete!o!sucesso.!Até!os!dias!atuais,!indivíduos!culturalmente!diversos,!
continuam!chegando!e!assumindo!o!lema:!“Londrina!é!Progresso”,!mas!descobrem!o!seu!
sinônimo:!“Trabalho”.!Dessa!maneira,!pautadas!no!trabalho!e!no!sonho,!vão!construindo!
a!cidade!com!sua!força!de!trabalho!que!é!a!alavanca!do!progresso.!Mas!as!histórias!
destes!anônimos!mostra!que!o!sucesso!tem!outro!lado,!o!sofrido,!aquele!que!exigiu!a!
renúncia!de!outros!lugares,!outros!tempos,!onde!ficaram!as!suas!raízes.!É!preciso!
coragem!para!se!adaptar!ao!espaço!estranho,!burlar!a!saudade,!um!olhar!de!boa!vontade!
para!conhecer!o!outro!e!transitar!entre!passado!e!presente,!sem!deixar!de!vislumbrar!o!
futuro.!Assim,!em!contato!com!esse!material!o!espectador!e!visitante!será!tocado!em!
suas!próprias!lembranças!e!se!reconhecerá!como!parte!dessa!história!de!amor,!de!
superação,!de!saudade,!de!amizade.!São!sentimentos!e!situações!recorrentes!e!sujeitas!a!
mudanças!constantes.!O!livro!e!a!Instalação!procuram!afetar!os!sentidos!e!os!
sentimentos!para!levantar!a!seguinte!questão:!A!Arte!pode!mostrar!a!força!de!Chronos!
na!transformação!do!espaço!e!das!pessoas!dentro!dele?!
!
!
AS&FOTOGRAFIAS&E&A&ATRAÇÃO&
!
Compreendi!minha!atração!por!fotografias,!por!esse!seu!caráter!de!se!tornarem!um!
objeto!artístico!e!de!investigação.!Nelas!fazemos!uma!leitura!da!realidade!como!faz!um!
detetive!ao!reconstituir!a!verdade,!ou!ainda,!podermos,!inventar,!criar!situações,!compor!
histórias.!!

38!
!
(Inspirei[me!no!trabalho!de!Sophie!Calle,!O!Quarto!de!Hotel,!A!Caderneta,!O!
Detetive.!Ela!se!utiliza!das!imagens!e!se!apoia!em!palavras!para!reforçar!os!signos).!!
!
Para!meu!trabalho,!faço!apropriação!de!fotografias!antigas,!mas!também!capturo!
sons!e!imagens!antigas!e!contemporâneas,!em!fotografias!e!vídeos,!para!salientar!que!na!
diversidade!cultural!encontramos!muitos!pontos!de!intersecção!onde!nos!reconhecemos!
como!seres!humanos!sujeitos!a!sofrimentos,!mas!capazes!de!superação!e!vitória.!
Reúno,!portanto,!na!instalação!e!no!livro,!fotografias,!várias!histórias!diversas,!como!
retalhos!de!vidas!e!as!costuro,!e!alinhavo!sobre!retalhos!de!tecidos,!como!se!faziam!as!
antigas!colchas!das!vovós.!
&
&
A&PESQUISA&
Um&nó&de&nós&
&
“Um!nó!de!nós”!foi!o!nome!dado!a!Pesquisa!que!gerou!o!livro!Trabalho!de!
Conclusão!do!meu!curso!de!Licenciatura!em!Artes!Visuais!o!qual!depois!recebeu!o!título!
“Arrancando!Raízes”.!A!Pesquisa!se!iniciou!em!2012!e!assim!foi!nomeada,!pois!
representa!o!encontro!de!pessoas!em!situações!e!sentimentos!recorrentes!a!todo!ser!
humano.!Por!isso,!em!algum!momento!da!leitura,!o!apreciador!será!tocado!em!suas!
próprias!memórias!e!aí,!nesse!ponto,!se!estabelecerá!o!vínculo,!o!nó!que!nos!une.!
Este!título!foi!sugestão!de!meus!amigos!dedicados,!a!Luciana!Mendonça!e!o!Willian!
Fernandes,!falando[me!de!uma!lenda!celta,!a!qual!se!referia!ao!encontro!de!destinos,!
formando!um!tecido!e!isto!me!fez!entender!esta!atração!por!retalhos!de!tecidos!
diferentes!que!também!são!unidos!por!pontos!e!nós.!
A!orientação!para!a!possibilidade!de!resgatar!a!memória,!veio!por!parte!do!professor!
Marcos!Aulicino,!quando!logo!no!primeiro!ano!do!curso!de!Artes!Visuais,!percebeu!meu!
interesse!por!vivências!do!passado,!e!me!indicou!a!leitura!do!Artigo!sobre!memórias!de!
José!Rufino.!
Mas,!como!reunir!histórias!tão!distintas!umas!das!outras!e!ainda!manter!uma!
integridade!compreensiva?!
A!apresentação!das!minhas!memórias!foi!baseada!em!duas!leituras!indicadas!pelo!
professor!Cláudio!Garcia,!pelas!quais!compreendi!que!se!podem!registrar!fatos!reais,!
esquecidos!no!tempo,!apenas!restaurando[os!pela!mente,!como!é!o!caso!da!obra!de!
Pedro!Nava,!“O!Círio!Perfeito”.!Quanto!à!segunda!leitura,!o!livro!de!Josué!Monteiro,!
“Noite!em!Alcântara”,!me!fez!entender!ser!possível!através!de!alternâncias!as!quais!não!
obedecem!a!uma!linearidade!ao!juntar!histórias!diferentes!entre!si,!mas!que!finalmente!
se!transformarão!numa!composição!digna!de!apreciação.!
Recortes!tão!diferentes,!ao!serem!reunidos!calculadamente,!me!remetem!a!este!
tema!ultimamente!muito!explorado,!que!é!a!colcha!de!retalhos!de!nossas!avós.!
Os!pedaços!de!retalhos!de!tecidos,!impregnados!do!estilo!de!cada!pessoa!que!os!usou,!
ao!serem!unidos!uns!aos!outros!e!estendidos!sobre!a!cama,!tinha!ali!retratado!a!cara!
daquela!família.!Por!isso,!na!costura!que!se!faz!de!tecidos!ou!de!histórias,!encontramos!
sempre!um!nó,!algo!de!nós!mesmos!e!de!outro,!tecendo!uma!trama!social,!tão!bonita!
quanto!for!o!seu!meticuloso!colorido.!
Esta!pesquisa!então!se!transformou!no!livro!Arrancando!Raízes!em!Londrina,!o!
qual!tem!forma!poética!e!tem!alma!poética,!pois!mostra!a!herança!de!um!povo!amoroso!

39!
!
e!melancólico.!A!melancolia!vem!da!saudade!dos!entes!queridos,!que!ficaram!para!trás,!
na!terra[!natal!que!o!tempo!engoliu.!Especialmente!aqui,!a!terra!natal!pertence!à!outra!
dimensão!de!um!mesmo!espaço,!do!qual!a!memória!se!apropria!para!assistir!transitarem!
em!sua!frente,!a!Londrina!com!os!tatus,!macacos,!quatis,!jacus,!cobras,!onças,!a!estrada!
de!ferro,!casas!de!“madeira!peroba”,!vendinhas!de!secos!e!molhados;!homens!e!
mulheres!em!trajes!respeitosos,!com!suas!crenças!e!costumes,!igualmente!respeitosos!e!
solidários!entre!si.!
As!diversidades!das!histórias!e!das!pessoas!oriundas!de!diferentes!culturas!foram!
entrelaçando[se!para!criar!um!novo!sistema!social,!gerado!por!um!tipo!de!gente!ousada,!
que!aprendeu!a!superar!obstáculos!incríveis!e!doar!seu!sangue!e!suor!na!certeza!de!que!
poderia!fazer!acontecer!um!sonho.!Esta!sociedade!se!manteve!sem!tradição,!pois!sempre!
esteve!aberta!a!negociações,!receptiva!a!qualquer!pessoa!entusiasta,!num!frenesi!de!
transformação!e!progresso!onde!o!relógio!do!tempo!não!pode!parar.!
Ao!observarmos!os!remotos!acontecimentos,!podemos!entender!o!pensamento!
dessa!sociedade,!e!ver!o!retrato!da!história,!tirado!da!arte!de!viver.!
!
!(In,!Caminhos!do!Campo,!Martim!Heidegger,!A!Morada!do!
Homem!“...!o!apelo!nos!faz!morar!de!novo!uma!Origem!
distante!onde!a!terra!natal!nos!é!restituída.”).!!
!
Fiquei!pensando;!nós!sempre!retornamos!à!nossa!terra!natal!quando!nos!voltamos!para!
as!profundezas!de!nossas!lembranças.!
!
O&PORTAL&&&&&&(fotografia&da&contra&capa&do&livro)&
!!!
!Caminhão!de!tora:!Antonio!Henriques!Catharino,!1947.!Londrina[PR!
!

40!
!
!
Ao!me!deparar!com!esta!foto!me!senti!mergulhada!num!ambiente!tão!familiar,!tão!
conhecido,!numa!identificação!com!aquele!rosto!amigo.!Tive!o!grande!privilégio!de!
conviver!com!personagens!dessa!história!e!poder!transitar!entre!dois!tempos,!cujos!
costumes!e!as!relações!se!transformaram!tanto.!
Olhando!o!chofer!do!caminhão!de!toras,!com!aquele!ar!de!orgulho!vitorioso,!de!
quem!reconhecia!ter!conquistado!um!grande!feito,!a!menina!voltou!no!tempo,!e!
lembrou[se!do!sorriso!de!alguém!muito!amado!e!esperado!por!ela,!que!era!a!“pequena!
bailarina”!dele.!Era!assim!que!ele!a!chamava!toda!vez!que!colocava!seus!pezinhos!entre!a!
mão!direita!dele,!para!erguê[la!até!a!sua!mãozinha,!esticada,!tocar!o!forro!da!sala.!O!
forro!era!de!madeiras!pregadas!em!diagonal!e!tinha!canaletinhas!nos!encaixes!das!
tábuas!e!isto!formava!um!desenho!listrado.!O!toque!dos!dedinhos!era!breve,!mas!criava!
uma!sensação!ambígua;!alegria!por!conquistar!as!alturas!e!medo!de!cair,!invadindo!o!
coração!da!menininha.!
Sempre!ao!ouvir!o!tio!chegar,!ela!corria!encontrá[lo,!pisando!somente!na!ponta!
dos!pés,!para!ele!chamá[la!de!bailarina,!novamente.!
Tantas!vezes!ela!presenciou!o!sorriso!de!satisfação!naquele!rosto!de!homem!que!
fazia!as!coisas,!acontecerem.!Ele!estava!sempre!procurando!novidades,!buscando!
sucesso!nas!empreitadas.!Mas,!nem!por!isso!deixava!de!dar!atenção!às!crianças,!
incentivando[as!a!descobrirem!o!mundo,!provocando[lhes!desafios.!Assim!eram!todos!os!
outros!tios!e!o!pai!da!menina.!A!infância!tinha!muita!importância!para!eles,!sabiam!que!a!
formação!de!um!indivíduo!começa!cedo.!Eram!tantas!as!brincadeiras,!um!cuidado!
carinhoso,!gestos!de!dedicação,!sempre!almejando!lições!de!vida!e!valores!da!família.!
Aquela!fotografia!se!tornou!um!portal!para!o!passado!e!provocou!também!várias!
reflexões.!
Será!que!as!pessoas!que!moram!ou!circulam!por!Londrina!hoje,!pisando!
sofisticados!pavimentos,!largas!avenidas,!entre!lojas,!bancos,!universidades,!aeroporto,!
Lago!Igapó,!grandes!hospitais!e!altas!tecnologias,!com!todo!o!burburinho!e!rapidez!de!
metrópole,!podem!parar!e!imaginar!que!estão!pisando!o!solo!onde!jaz!uma!exuberante!
floresta?!
Quanto!àquela!tora!de!árvore,!como!conseguiram!pô[la!sobre!o!caminhão?!Que!
árvore!era!aquela,!quase!do!tamanho!do!caminhão?!Onde!foi!isso?!Em!que!ano?!Quem!
era!o!motorista?!
Estas!indagações!me!levaram!a!transpor!a!porta!do!meu!passado.!Por!isso,!chamo!esta!
fotografia!de!“Portal”!porque!foi!através!dela!que!iniciei!todas!as!pesquisas!para!compor!
o!meu!Trabalho!de!Conclusão!de!Curso!em!Artes!Visuais!na!Universidade!Estadual!de!
Londrina.!
Esta!fotografia!eu!já!conhecia,!porém!o!que!eu!via!nela!era!o!rosto!querido!de!meu!tio,!e!
as!lembranças!de!minha!infância!feliz.!Mas!um!meu!novo!olhar,!denunciou!meu!tio!como!
um!transformador!do!espaço,!me!fez!ver!nossas!ações!enquanto!agentes!atuantes!
também!no!tempo!e!no!espaço.!
Esta!fotografia!me!introduziu!no!caminho!de!volta!às!minhas!raízes,!me!fez!refletir!sobre!
as!dimensões!temporais!e!a!transformação!que!isso!provoca!no!espaço!e!nas!pessoas!que!
nele!habitam.!Fez[me!buscar!a!compreensão!de!quem!somos!nós!como!seres!sociais!e!
quais!são!os!nossos!valores!como!seres!humanos.!

41!
!
Não!só!a!fotografia,!mas!qualquer!objeto!impregnado!de!significado!faz!entrarmos!
profundamente!para!dentro!de!nós,!e!nos!reconhecermos!como!indivíduo,!carregado!de!
sentimentos.!
Procurei!então,!por!meio!da!arte,!dividir!essas!questões!com!as!outras!pessoas.!
!
!
A&INSTALAÇÃO&RECUPERANDO&MEMÓRIAS&RESGATANDO&HISTÓRIAS&
!!!!!!!!!!!
!
Idealizei!uma!Instalação,!onde!reuni!objetos!meus!e!outros!emprestados!dos!amigos,!
objetos!do!cotidiano,!atual,!ou!do!passado,!que!remetessem!a!lembranças!e!sensações.!
Foram!elementos!de!comparação!que!produziram!um!trânsito!entre!dois!tempos,!o!de!
ontem!e!o!de!hoje.!
Os!objetos!de!memória!detonaram!uma!avalanche!de!histórias,!e!as!pessoas!foram!
juntando!lembranças,!potencializando!um!reconhecimento!de!seu!próprio!universo,!
vendo[se!como!indivíduo!participante!de!um!contexto!que!lhe!dá!valor.!
Faço!ainda!uso!de!objetos!de!memória!para!resgatar!valores!perdidos,!é!preciso!
recuperar!a!identidade!pessoal,!para!gerar!um!espírito!crítico,!que!nos!defenda!das!
manobras!do!mundo!consumista!no!qual!estamos!envolvidos.!
Nas!imagens!fotográficas!estão!contidos!os!significados!e!as!intenções!daqueles!que!as!
produzem.!Nelas!viajamos!no!tempo,!através!delas,!ao!observarmos!o!vestuário,!a!pose,!
a!ocasião,!o!sentimento,!um!monumento,!compreendemos!a!intenção!e!ao!operá[las!
construímos!o!nosso!significado!próprio.!
!!Reuni!então,!na!instalação!e!num!livro,!imagens!e!histórias!diversas,!como!retalhos!de!
vidas.!!
Os!visitantes!da!Instalação!e!os!leitores!deste!trabalho!farão!a!composição!conforme!
suas!próprias!lembranças!ou!desejo,!para!imaginarem!então,!a!sua!pessoal!colcha!de!
retalhos.!
!
! !

42!
!
!
!
NAS&FOTOGRAFIAS&ESTÃO&OS&SIGNOS,&CULTURA,&SENTIMENTOS,&
RECUPERAÇÃO,&MEMÓRIA,&IMAGINAÇÃO.&
&
! !!
FESTA&E&LUTO&
!
O!casal!do!meio,!em!lugar!de!honra,!são!os!padrinhos!de!batismo!da!criança,!conforme!
podemos!constatar!através!do!vestido!de!batizado!da!menina,!no!colo!da!madrinha!
(Olivia!Degraf),!ao!lado!de!seu!esposo!(Antonio!!H.!Catharino)!ambos!também!em!trajes!
de!dia!festivo.!Ao!lado!da!mulher!madrinha,!está!a!mãe!da!criança!(Faustina!Catharino!da!
Costa),!com!traje!negro,!de!luto,!e!se!seu!esposo!não!está!ao!seu!lado,!é!ele!o!falecido!
(Argemiro!da!Costa).!Por!isso,!um!de!seus!irmãos,!posando!ao!lado!do!padrinho,!veio!
acompanhar!a!irmã!na!cerimônia!de!batismo!da!filhinha!dela,!que!nasceu!seis!meses!
após!a!morte!do!pai.!Esse!pai!de!família!perdeu!a!vida!em!acidente!com!caminhão!de!
toras!e!deixou!a!jovem!esposa!com!quatro!filhos!para!criar.!O!casal!de!padrinhos!tinha!
ainda!apenas!seu!primeiro!filho!e!o!rapaz!(Júlio!Catharino)!que!substituiu!o!pai!da!
batizada,!era!ainda!solteiro.!
!!!!!!!!Esta!família!está!posando!compenetrada,!para!registrar!a!importante!data,!mas!eles!
não!estão,!em!ares!de!festa!devido!à!fatalidade,!a!ausência!de!um!ente!querido.!
!!!!!!!!!Ao!fundo!como!imponente!cenário,!está!a!famosa!Figueira!na!Praça!da!Catedral!da!
Cidade,!onde!todas!as!pessoas!costumavam!posar!para!serem!fotografadas.!!!!!!!!
!!!!!!!!!A!alegria!desta!época,!aqui,!pode!ser!percebida!apenas!na!ingenuidade!das!crianças,!
cada!qual!por!seus!trajes!e!acessórios,!mostra!um!pouco!de!suas!características!pessoais.!
A!Cecília!vivia!dançando!com!a!ponta!da!saia.!O!Flávio,!com!os!bracinhos!para!trás,!de!
peito!aberto!para!a!vida.!A!Sirlene!era!ainda!quase!um!bebê,!bonequinha!de!chupeta.!O!
Darlei,!menino!desconfiado,!querendo!entender!aquele!aparelho!à!sua!frente.!Suas!lindas!
roupinhas!eram!confeccionadas!com!amor!e!arte,!por!suas!mães!e!em!breve,!durante!as!

43!
!
traquinagens,!logo!estariam!integradas!a!terra,!assim!como!seus!pezinhos,!as!raízes!da!
Figueira!e!seus!destinos.!
!!!!!!!!!!!!!!!!No!verso!da!fotografia,!o!retrato!é!da!saudade,!pois!Olivia!envia[o,!como!
recordação,!juntamente!com!uma!carta!de!notícias,!para!seu!querido!pai!Guilherme!
Degraf,!que!morava!tão!distante,!percurso!hoje,!vencido!em!três!horas!de!carro,!quando!
eles!levavam!um!dia!todo!em!viagem!de!ônibus!ou!de!trem.!!
!
!!!!
AMÉLIA&–&Instinto&materno&
&
O!instinto!maternal!faz!a!menina!feliz!porque,!enquanto!segura!carinhosamente!a!
boneca,!simula!a!vivência!de!ser!mãe!no!papel!de!mulher.!No!meu!sentir!esta!fotografia!é!
a!mais!significativa!do!meu!álbum!de!recordações,!pois,!é!uma!espécie!de!meu!!
autorretrato.!Esta!menina!não!sou!eu,!pois!o!meu!lugar!aí!é!o!da!boneca.!A!menina!de!
sorriso!rasgado,!inteligente,!é!a!avó!de!meus!filhos!e!a!bisavó!de!meus!netos,!porque!um!
dia!a!boneca!também!virou!mãe.!O!tempo!determinado,!irreverente!como!ele!só,!passa!e!
não!para,!vira!tudo!do!avesso!e!como!o!rastro!de!um!arado!vai!sulcando!a!vida!da!gente.!
A!menina!desta!fotografia!não!tinha!cabelos!crespos,!não!era!a!babá!das!crianças,!e!nem!
elas!eram!suas!irmãzinhas.!Foi!apenas!um!momento!descontraído!de!vizinhas!brincando!
no!quintal.!A!dona!da!boneca,!a!menina!Amélia,!doze!anos,!havia!ganhado!a!boneca!de!
presente!de!sua!irmã!Irene!que!fez!o!vestidinho!dela!em!tafetá,!com!lacinhos!de!fitas!em!
cor!rosamaravilha,!tudo!para!agradar!a!irmãzinha!órfã!desde!os!cinco!aninhos.!!!
[!QUE!IRONIA!!Brincando!de!mamãe!sem!ter!mais!a!própria!mãe...!!
!Este!vazio!em!seu!coração!ela!transformou!em!amor!materno!extremoso.!A!herança!
maior!que!deseja!nos!deixar!é!o!exemplo!de!como!ser!boa!mãe.!Como!sua!filha,!ainda!

44!
!
que!eu!vivesse!infinitas!vezes,!infinitamente!não!conseguiria!retribuir!tanto!amor!e!
dedicação.!!
Num!dia!crítico,!quando!meu!pai!partiu,!tomei!o!lugar!de!minha!avó,!para!dar!o!abraço!de!
aconchego!materno!que!ela!a!menina!órfã,!reclamava!nunca!ter!recebido.!Choramos!
unidas,!abraçadas,!e!intensamente!de!alguma!forma,!o!encontro!de!três!gerações!
aconteceu.!
&
&
Cinema&&
!
Quando!a!Tia!Odila!era!mocinha!e!trabalhava!num!açougue,!seu!patrão!contou[lhe!que!
no!primeiro!cinema!de!Londrina,!ao!assistir!uma!cena!de!duelo!num!filme,!um!dos!
espectadores,!empolgado,!descarregou!seu!revólver!na!tela.!Era!comum!no!início!de!
Londrina,!homens!andarem!armados!pela!cidade,!igualmente!aos!“farwests”!de!filmes!
norte[americanos.!
!
Era!comum!tirarem!fotografias!das!pessoas!saindo!das!sessões!cinematográficas!ou!
passeando!na!Avenida!Paraná.!
!
!
Edite,&Ciro&e&Edson&com&os&pais&&
Irene&Degraf&e&José&Netto&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&Amélia&Degraf&e&José&Catarino&com&as&filhas&
!
!
&
&
&
&
&
&
&
&
&
&
&
&
&
&
&
&
&
&
&
&
&
&
& &

45!
!
Fotografias&Antigas&e&Contemporâneas&de&Londrina&
&
&Manoel&Henriques&Catharino,&em&pé,&na&cabine&em&seu&1º&caminhão&e&o&motorista&
que&lhe&vendeu&este&caminhão&e&o&ensinou&choferar.&
&
Manoel&H.&Catharino&com&seu&primeiro&neto,&caminhões,&filhos&e&ajudantes&
trabalhando&juntos,&registrando&a&chegada&de&mais&uma&expedição&madeireira.&
&

46!
!
&A&esquerda&dois&irmãos&Antonio&e&Eurípedes&Mattos,&acima&deles&em&pé&é&o&Júlio&
Catharino,&sentado&na&tora,&é&o&Jordão&motorista&ajudante.&Em&pé&de&branco&é&o&João&
Mattos,&depois&Manoel&Catharino&em&pé.&Em&frente&a&roda&é&o&José&Catarino&e&a&
criança&é&o&Nelson&Catharino.&&
&
&
&&
José&Catarino&(Zeca)&e&seu&1º&camino&de&transportar&gasolina.&&
&

47!
!
&
&Zeca,&na&Rua&Maringá.&Era&assim&que&ele&praticava&musculação.&
&
& &
&
&
&
&&
Zeca,&em&frente&ao&cafezal&da&Rua&Maringá.&“Zeca”&era&o&modo&carinhoso&que&os&
irmãos&chamavam&ao&José&Catarino.&
&
&
&
&
&
&
&
&

48!
!
&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&Amélia&Degraf&e&José&Catarino&h&Grávidos.&
&
&
&
&
&
&
&
&O&Zeca&teve&orgulho&de&ser&motorista&no&Exército.&

49!
!
&
&
&
&
&
&
&&
&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&Inês&Delai&e&Júlio&Catharino&
&
&

50!
!
&
&
&&
A&“menina”&e&o&terrível&papaihnoel&

51!
!
&!
!
!
Irene!Degraf!no!dia!de!seu!casamento!e!a!irmãzinha!Amélia,!de!dama!de!alianças.!

52!
!
&&
&As&bonecas&da&Amélia&e&do&Zeca&

53!
!
&
&&
&
Familia&Pelarim&em&visita&a&São&Paulo.&À&direita,&Arineu&Pelarim,&sua&esposa&Izolina&
Peruzzo&com&Irineu&ao&colo,&no&dia&do&batizado&de&Regina&no&colo&da&madrinha&Otília,&
o&padrinho&Jorge&Mattar&e&sua&filha&Leila,&a&cunhada&Geny&Pelarim&e&o&esposo&Antonio&
Carlos&Gama&Durante,&tendo&ao&colo&seu&filho&Luiz&Carlos.&
&
Esta&fotografia&foihme&gentilmente&cedida&pela&Tia&Geny&porque&compreendeu&o&
apreço&que&tenho&pelas&famílias&e&por&suas&histórias&de&bravuras.&
&
&
&
&
&

54!
!
&01&
!
!02&
!03&
!
!
01![!Minha!Casa!Minha!Vida.!(ou!dívida)!
02![!Pensionato!Japonês.!!(da!Rua!Travessa!Belém).!QUEM!LEMBRA?!
03![!Brasão!de!Londrina.!(painel!de!azulejo!na!Universidade!Estadual!de!Londrina)!

55!
!
&&
&
&
UAU!&É&A&UEL!&É&O&PEROBAL!&
&
&
&

56!
!
&&
&
&
José&Catarino&brincando&de&Visconde&no&túnel&do&tempo.&
&
&
&
&

57!
!
&
&
&
&
&
&
&
&
&
&
&
&&
Londrina&tinha&somente&um&cemitério,&o&São&Pedro.&Na&dor&suprema,&entregahse&o&
ente&querido&a&um&Amor&maior.&
&
&
&
&
&
&
&
&
&

58!
!
&
&
&
&
&&Foi&VISUAL&DA&UEL.&
&
&

59!
!
&
&&
Faça&um&travah&línguas&com&os&“paralelepípedos”&da&Estação&Ferroviária.&
&
&

60!
!
&&
UÉ!?&
&
&
&&

61!
!
& &Manoel&Catharino&Filho&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&Júlio&Catharino&
&
&
Irineu&Sérgio&Pelarim&&&&&&&Meus&queridos&heróis&
&

62!
!
&&
&
&
&
&
&
&Neto,&Letícia&e&Luciana&desvendando&a&“Janela&Contemporânea”.&

63!
!
&&
No&Museu...&Londrina,&Km.&209.916,50.&&Altitudeh&mts.&576,20&
&
&
&
&
&
&
&&
&
RAINHA&DO&ABISMO&
&

64!
!
&
&
&
&
&
&
&
&
&
&
&
&
&
&&
&
&
&
&
&
&
&

65!
!
&COLCHA&DE&RETALHOS&
&

66!
!
Em!Londrina!Contemporânea!tem!Arte!de!Rua.!Grafitar!ou!Pichar?
!&
&
&
&
&
&
&
&
&
&
&
&
&
&
&

67!
!
Amélia& Degraf,& formatura& em&Corte& e& Costura& de& Roupas& e& Trajes.
Parabéns&mamãe!&

68!
!
&!
!
!
!
!
! “Retrato!de!Irene!Degraf”!

69!
!
&&
Izolina&Peruzzo&Pelarim&e&seus&filhos,&Luci,&Carlos,&Lenita,&Irineu,&Regina&e&Luiz.&

70!
!
&!
!
!
Dilsinho,!irmão!menor!da!Amélia,!morreu!três!meses!após!o!falecimento!de!sua!
mãe!Alvina!Degraf.!No!dia!do!velório,!ele!passava!em!baixo!da!mesa!onde!colocaram!o!
caixão!dela!e!brincava!de!“cuca”,!procurando[a.!!
“[!Cuca!mamãe...”!
&
&
&

71!
!
&Olivia&Degraf&e&Antonio&Henriques&Catharino.&

72!
!
&LUISA&E&HENRIQUE&DEGRAF&
&
!!!!!!FAMÍLIA!HENRIQUES!CATHARINO.!!
!

73!
!
Fotografia!tirada!em!frente!a!sua!casa!da!Rua!Maringá!esquina!com!Paranavaí,!por!ocasião!
das!Bodas!de!Prata!do!casal,!Rosalina!e!Manoel!com!seus!doze!filhos.!
Em!pé,!da!esquerda!para!a!direita!estão;!Nelson,!José,!Arlindo!Manoel,!Júlio,!Antonio!e!
Alice.!
!Sentados!da!esquerda!para!a!direita!estão;!Maria!com!o!casal!e!Faustina,!os!irmãos!
menores,!Roberto,!Carlos!e!Abílio.!
!
!Foto!Pintura!do!jovem!José!Catarino!
!
As!pessoas!que!amamos!não!morrem,!
Elas!ficam!encantadas.!
(Guimarães!Rosa)!
! !

74!
!
Capítulo(II(
(
BONECAS(E(BRINQUEDOS(como(resgate(de(memória(e(de(valores(
!
!
A&HISTÓRIA&DA&BONECA,&SUA&ORIGEM&E&SEUS&SIGNIFICADOS.&
!
Boneca!(do!espanhol!“muñeca”)!é!um!dos!brinquedos!mais!antigos!do!mundo.!
Reproduz!as!formas!humanas,!predominantemente!a!feminina!e!a!infantil!e!pode!ser!
considerada!como!um!brinquedo!que!prepara!para!maternidade.!Podem!ser!
confeccionadas!com!diferentes!materiais,!acompanhando!a!evolução!dos!mesmos!e!das!
novas!tecnologias.!
As!bonecas!mais!antigas!encontradas;!!
Na!civilização!babilônica!arqueólogos!encontraram!uma!boneca!com!braços!
articulados!feita!em!alabastro!e!também!em!túmulos!de!crianças!do!Antigo!Egito,!
datáveis!do!período!3000!e!2000!a.C.,!feitas!de!madeira.!
Na!Grécia!antiga,!fazia!parte!dos!rituais!que!antecediam!ao!casamento,!a!entrega!
por!parte!da!noiva!à!Deusa!Ártemis!das!suas!bonecas!e!de!outros!brinquedos!
simbolizando!o!fim!da!infância.!Prática!semelhante!existia!em!Roma.!
A!criação!de!bonecas!com!objetivos!comerciais!estruturou[se!na!Alemanha!no!
século!XV,!nas!localidades!de!Nuremberg,!Augsburgo!e!Sonnenberg,!onde!nasceram!os!
Dochenmacher!(fabricadores!de!bonecas).!Foi!também!na!Alemanha!que!se!criaram!as!
casas!de!bonecas.!Na!mesma!época,!Paris!também!começou!a!se!afirmar!como!centro!de!
fabricação!de!bonecas.!Eles!produziam!as!bonecas!com!aspecto!das!mulheres!locais!
cujos!materiais!empregados!eram!a!terracota,!a!madeira!e!o!alabastro.!No!século!XVII,!
apareceram!na!Holanda,!bonecas!com!os!olhos!de!vidro!e!perucas!feitas!de!cabelos!
humanos.!O!maior!esplendor!na!fabricação!de!bonecas!aconteceu!no!final!do!século!XIX!
e!início!do!século!XX,!mas!as!bonecas!eram!produzidas!especialmente!para!os!adultos,!
pois!reproduziam!as!figuras!da!corte!e!da!sociedade.!Estas!peças!eram!geralmente!de!
madeira,!com!rosto!de!porcelana!e!vestidas!com!trajes!da!época.!Como!produto,!voltado!
às!classes!mais!abastadas,!fizeram!surgir!roupinhas!feitas!por!grandes!costureiros!e!
pessoas!interessadas!na!fabricação!artesanal.!Thomas!Edison!criou!a!ideia!de!uma!
boneca!falante,!que!foi!aproveitada!pela!indústria!e!os!fabricantes!criaram!bonecas!que!
recitavam!orações!ou!cantavam.!Com!o!advento!do!cinema!e!desenvolvimento!do!
desenho!animado!e!a!popularização!da!televisão,!no!século!XX,!pessoas!e!personagens!
passaram!a!ter!seus!equivalentes!em!forma!de!bonecas.!
!
!
BONECA&EM&DIVERSAS&CULTURAS&
!
No!Japão!as!bonecas!são!chamadas!de!ninjyoo!e!também!são,!!um!símbolo!da!
história!dos!costumes!daquele!país.!Em!datas!específicas!elas!são!tema!da!ornamentação!
das!residências.!No!dia!13!de!março!se!comemora!o!Dia!das!Meninas,!então!as!bonecas!
são!expostas!na!sala!de!visitas!em!um!altar!de!cinco!andares!onde!as!figuras!do!casal!
imperial!estão!no!topo!do!altar.!O!dia!5!de!maio!é!o!Dia!dos!Meninos,!cujos!bonecos!
guerreiros!simbolizam!força!e!bravura!Os!primeiros!bonecos!japoneses!foram!os!Haniwa,!

75!
!
estatuetas!encontradas!em!tumbas!pré[históricas.!Inicialmente!eram!moldadas!em!palha!
ou!papel.!Posteriormente!passaram!a!ser!feitas!em!madeira,!cerâmica,!mármore!e!argila.!
No!período!Heian!(794[1185)!as!bonecas!eram!usadas!para!afastarem!demônios.!No!
período!Nara!(710[794)!as!bonecas!sofreram!a!influência!chinesa!e!passaram!a!ter!roupas!
de!seda,!usar!dourado!e!tinham!o!penteado!Sokei,!que!se!caracterizava!pelo!excesso!de!
adereços.!No!período!Kamakura!(1192[1333),!por!causa!das!constantes!guerras,!as!
mulheres!substituíram!os!pesados!quimonos!por!trajes!mais!simples,!e!isso!se!refletiu!
também!nas!bonecas.!No!período!Edo!(1603[1868),!surgiram!as!karakuri,!bonecas!que!
tocavam!instrumentos!e!dançavam!através!de!um!sistema!simples!de!cordas!retorcidas,!
roldanas!e!fios.!As!bonecas!foram!usadas!no!teatro!Noh!em!45!d.C.,!para!homenagear!os!
atores!e!personagens!de!maior!destaque.!Assim!também!no!teatro!Kabuki,!com!as!
bonecas!criadas!com!os!mínimos!detalhes!de!vestimenta!e!maquiagem.!Os!bonecos!
Gosho,!representam!bebês!homens,!roliços,!de!pele!muito!clara,!cabeça!grande!e!que!
carregam!um!peixe.!!
As!bonecas!de!Quioto!são!as!mais!tradicionais!e!belas!do!Japão,!verdadeiras!peças!de!
enxoval.!Também!são!tradicionais!as!bonecas!de!madeira!conhecidas!como!Kokeshi.!
Na!África!do!Sul!o!povo!Mfengu,!tem!como!tradição!oferecer!a!cada!jovem,!uma!
boneca!que!esta!reserva!para!o!primeiro!filho!que!tiver.!Após!o!nascimento!de!seu!filho,!a!
mãe!recebe!outra!boneca!para!oferecer!a!seu!segundo!filho.!
Como!ritual!de!ancestralidade!e!valores,!as!bonecas!produzidas!tradicionalmente!na!
África!são!utilizadas!para!representar!pessoas!falecidas!e!entes!queridos.!São!também!
utilizadas!para!agradecer!aos!Deuses!pela!boa!saúde,!riqueza,!as!boas!colheitas!e!
incentivar!a!fertilidade.!Existe!uma!boneca!para!cada!ciclo!da!vida;!nascimento,!infância,!
casamento!e!óbito.!No!caso!de!incêndio!na!moradia,!o!boneco!ou!boneca!é!o!primeiro!
objeto!que!o!morador!tente!salvar,!pois!representa!a!sorte!e!a!vida!dessé!usada!como!
representação!da!pessoa!ou!divindade.!Em!alguns!rituais!de!magia!a!boneca!era!a!
representação!da!pessoa!ou!divindade!e!adquiria!a!força!dos!seus!ancestrais!e!
disseminava!o!mal.!!!!!!!!
As!bonecas!abayomis!são!bonecas!de!origem!afro[brasileiras!feitas!de!retalhos!
amarrados!e!esse!procedimento!segundo!alguns!estudiosos!da!cultura!afro[brasileira,!
teve!sua!origem!nos!navios!negreiros,!as!mães!provavelmente!rasgavam!suas!vestes!para!
fazerem!essas!bonecas!sem!costuras,!apenas!amarrando!retalhos.!Porém!a!origem!
documentada!da!boneca!abayomi!começa!com!a!artesã!Lena!Martins!em!1988,!que!é!
militante!da!causa!negra!no!Rio!de!Janeiro.!Ela!fundou!uma!cooperativa!de!mulheres!a!
fim!de!dar!ênfase!ao!resgate!da!identidade!negra.!Sua!cooperativa!tem!reconhecimento!
do!Ministério!da!Cultura,!a!Fundação!Palmares.!!!!!
A!boneca!na!Itália!renascentista!era!frequentemente!listada!como!parte!do!dote!da!
noiva.!
Na!Rússia!as!bonecas!matrioshkas!ou!babuchkas!formam!um!conjunto!de!bonecas!de!
tamanhos!decrescentes,!geralmente!feitas!em!madeira!de!Tília!e!muito!coloridas,!e!que!
são!guardadas!umas!dentro!das!outras.!
Já!em!Portugal!as!bonecas!de!pano!ou!palha,!são!um!tipo!de!artesanato!
representativo!da!cultura!popular.!!
Na!Alemanha,!é!uma!tradição!do!país,!a!produção!artesanal!dos!bonecos!quebra[
nozes,!os!quais!são!largamente!utilizados!como!enfeites!natalinos!e!é!uma!importante!
manifestação!cultural.!!

76!
!
No!Vietnã!existe!o!tradicional!Teatro!Aquático!de!Fantoches,!secular!apresentação!
com!bonecos,!que!“atuam”!sobre!a!água!e!com!pequena!orquestra!cuja!existência!esteve!
ameaçada!de!desaparecimento!e!foi!resgatada!na!década!de!1980.!!!!!!!!!!!!
!
A!boneca!pela!força!da!cultura!de!massas!(ADORNO,2000)!é!um!objeto!que!ficou!
subvertido!no!seu!processo!ritualístico,!!pois!foi!!perdendo!para!a!nossa!sociedade!todo!o!
seu!sentido!mítico!e!lúdico!e!de!criação!pessoal!que!nele!se!encontrava.!Pela!cultura!
ocidental!hoje,!uma!boneca!é!somente!um!objeto!de!brinquedo!ou!de!decoração.!
!
!
A&OFICINA&
&
“MEMÓRIA&E&ARTE&NA&CONSTRUÇÃO&DE&BONECAS&DE&PANO”&
&
!
!
A!COSTURA!
!
A!linha!salta!do!desenho!bidimensional!!
Para!o!tridimensional!no!desígnio!da!agulha,!!
Se!impondo!no!pano.!!
É!sempre!ainda!a!mão!e!o!corpo!no!empenho,!na!peleja.!
Por!que!tanta!satisfação?!(Marcia)!
!
!
OFICINA&DE&BONECAS&DE&PANO&NA&ARTE&EDUCAÇÃO&
!
Para!a!Arte!Educação,!o!pensar!a!arte!como!expressão!e!leitura!de!mundo,!os!trabalhos!
dos!artistas,!propõem!uma!reflexão!de!quem!a!pessoa!é!como!sujeito!na!sociedade,!
dando!voz!à!suas!paixões,!anseios,!opressões,!preconceitos!e!afetos.!O!ensino!da!arte!
pode!contribuir!então,!na!construção!de!um!cidadão!crítico,!engajado!em!combater!a!
intolerância!às!diferenças,!que!saiba!questionar!as!imagens!que!lhe!são!oferecidas!pelas!
mídias!e!que!possa!compreender[se!como!igual!ao!outro,!compreender!que!somos!
todos,!seres!humanos.!
!!!!
!
Relação&da&Artista&Rosana&Paulino&com&a&Oficina.&
!
!Em!sua!arte,!influenciada!pelos!afetos!da!memória,!aparece!o!embate!com!as!
referências!que!ela!tinha!de!suas!bonecas!“Susi”,!enquanto!ela!mesma!era!uma!menina!
negra,!e!a!boneca!tinha!características!de!etnia!branca.!Seu!trabalho!também!traz!as!
referências!com!o!universo!da!costura!e!dos!tecidos.!
!
“A!minha!infância!está!presente!em!meus!trabalhos.!Perceber[se!negra!e!não!ter!
nenhuma!boneca!com!a!qual!pudesse!me!identificar.!Olhar!as!heroínas!e!princesas!e!ver!
que!entre!elas,!não!havia!nenhuma!negra.”!(voz!de!Rosana!Paulino).!

77!
!
!
!
Projeto&da&Oficina&Memória&e&Arte&na&Construção&de&Bonecas&de&
Pano&
!
RESUMO&&&&
Ao!buscar!subsídios!para!o!meu!Trabalho!de!Conclusão!de!Curso!que!trata!de!memórias,!
constatei!o!encantamento!das!mulheres!pelo!brinquedo!tão!antigo!e!artesanal,!a!
“boneca!de!pano”.!Ao!mesmo!tempo,!deu!para!perceber[se!a!força!desse!contato!infantil!
sobre!a!formação!delas!como!pessoas.!Ao!me!aprofundar!na!pesquisa!sobre!bonecas!e!
brinquedos,!descobri!o!quanto!esse!objeto!pode!ser!importante!como!instrumento!de!
arte[educação!e!todas!as!suas!implicações,!sociais,!históricas!e!artísticas.!Recorri!então!à!
oficina!de!construção!de!bonecas!de!panos!para!explorar!todas!essas!questões!e!levar!a!
arte!para!outros!grupos!de!indivíduos!fora!da!Escola!convencional.!Portanto,!a!
“Construção!de!Bonecas!de!Pano”!é!uma!oficina!que!visa!o!resgate!de!memórias,!a!busca!
da!identidade!pessoal!das!participantes,!bem!como!a!recuperação!de!sua!cultura!e!de!sua!
autoestima.!Ao!promover!a!interação!do!grupo!e!a!troca!de!saberes,!esta!oficina!estimula!
a!criatividade.!Como!objeto!de!arte!educação,!fomenta!o!conhecimento!do!universo!da!
arte,!da!história!e!provoca!reflexões!sobre!a!vida.!A!oficina!mostra!que!a!arte!
contemporânea!pode!tratar!de!micro!políticas,!ou!seja,!remexe!nas!situações!de!inclusão,!
gênero,!etnia,!e!outros.!A!boneca,!entre!adultos!e!crianças,!é!uma!espécie!de!alter[ego,!
assim!adquire!características!próprias!de!cada!participante!e!trabalha!o!respeito!às!
diferenças!e!à!diversidade!humana.!Ao!reunir!na!oficina!essas!diferenças!sociais,!
promove!a!interação,!a!criatividade,!o!conhecimento!e!harmoniza!o!convívio!em!
sociedade.!
!
OBJETIVO!ESPECÍFICO!
Desvendar!o!universo!artístico!e!a!arte!contemporânea!como!fator!de!humanização!e!
conhecimento.!
!
!

78!
!
!
OBJETIVO!GERAL!
Promover!a!troca!de!saberes!e!de!conhecimentos,!resgatar!a!memória,!e!pela!alteridade!
a!descoberta!da!identidade!pessoal.!Estimular!a!autoestima,!a!criatividade!e!promover!a!
interação!social.!
METODOLOGIA!
Construção!de!bonecas!de!panos!e!apresentação!de!seminários!de!artistas!ligados!a!
questões!de!micro!políticas,!à!costura!e!à!memória.!Provocar!debates!e!reflexões!sobre!a!
arte.!Registrar!entrevistas!sobre!a!memória,!cultura!e!arte.!Mediar!feira!e!exposição!de!
bonecas,!fotos!e!vídeos!sobre!a!Oficina.!
&
ARTISTAS&APRESENTADOS&NA&OFICINA&
Rosana!Paulino!
Betty!Moisés!
Bispo!do!Rosário!
Sophie!Calle!
Marina!Abramovic!
!
LOCAL&DE&REALIZAÇÃO&
Centro!Social!e!Cultural!Nossa!Senhora!da!Glória!
(Padre!Ozanilton!Batista!de!Abreu)!
Rua!Togo,!60,!Parque!Ouro!Verde!
Londrina!–!PR!
!
Museu!Histórico!de!Londrina!
Profa.!Dra.!Regina!Célia!Alegro!
Exposição!de!Bonecas!de!Pano!!“Memória!e!Arte!no!Museu”,!!
Exposição!de!Bonecas,!Fotos!e!Vídeos!da!Oficina.!
Rua!Benjamim!Constant,!900.!(Centro)!
Londrina!–!PR!
&

79!
!
&
&
PLANOS&DE&AULAS&PARA&A&OFICINA&DE&BONECAS&DE&PANO&
!
1º&ENCONTRO&
OBJETIVO:!Apresentação!das!participantes!e!das!proponentes!(Marcia!Catarino!e!Daina!
Crepaldi),!bem!como!das!intenções!e!objetivos!do!grupo!e!definição!dos!horários,!espaço!
e!materiais!a!serem!utilizados.!
METODOLOGIA:!mostrar!a!história!da!boneca!ao!longo!do!tempo,!as!suas!origens,!a!
mitologia,!seu!uso!nas!diversas!culturas,!a!transformação,!consequências!e!influências!no!
mundo!contemporâneo.!
2º&ENCONTRO&
OBJETIVO:!Mostrar!como!a!arte!contemporânea!se!expande!do!bidimensional!para!o!
tridimensional!e!a!diversidade!de!temas!que!pode!abordar.!
METODOLOGIA:!Apresentação!de!seminário!sobre!a!poética!de!Bispo!do!Rosário,!que!
abrange!obras!tridimensionais!e!obras!ligadas!ao!universo!da!costura.!
Prática:!desenhar!e!recortar!molde!de!bonecas.!
3º&ENCONTRO&
OBJETIVO:!Promover!o!respeito!às!diversidades!através!da!confecção!de!bonecas!com!
características!de!etnias!diferentes.!
MÉTODO:!Apresentação!de!seminário!sobre!a!poética!de!Rosana!Paulino!a!qual!trabalha!
questões!de!opressão!e!exploração!da!mulher,!especialmente!da!mulher!negra.!
Discussão!e!registro!de!depoimentos!das!participantes.!
PRÁTICA:!desenhar!e!cortar!moldes!de!bonecas!com!características!da!etnia!afro!
descendente.!
4º&ENCONTRO&
OBJETIVO:!continuar!a!confecção!das!bonecas!e!proporcionar!o!acesso!a!pontos!de!
costura!à!mão!(ponto!alinhavo,!ponto!caseado).!
METODOLOGIA:!enquanto!costurar,!ir!discutindo!assuntos!relacionados!à!costura!e!
memória.!
!

80!
!
!
!
5º&ENCONTRO&
OBJETIVO:!discutir!a!compreensão!da!vestimenta!como!divisora!dos!inúmeros!papéis!
sociais,!e!sua!representação!das!hierarquias!e!símbolos!sociais.!!
METODOLOGIA:!apresentação!do!seminário!de!Sophie!Calle!e!sua!poética!que!investiga!
as!identidades!que!as!pessoas!adquirem!em!determinadas!situações!ou!espaços.!
PRÁTICA:!construção!de!um!boneco!com!roupa!de!Frade.!!
6º&ENCONTRO&
OBJETIVO:!Apresentar!a!boneca!como!brinquedo!educativo!na!formação!e!na!
humanização!da!criança,!e!sua!importância!como!instrumento!para!a!compreensão!da!
inclusão!social!e!combate!aos!preconceitos.!
METODOLOGIA:!seminário!sobre!a!filosofia!de!Rudolf!Steiner!e!a!Escola!Waldorf.!
Discutir!sobre!a!importância!da!criança!em!manipular!as!roupas!das!bonecas,!em!excitar!
sua!imaginação,!imitando!a!vida.!Debater!a!questão!de!gênero!e!a!necessidade!dos!
meninos!terem!também!bonecos,!para!brincando,!exercitarem!o!alter!ego,!bem!como!as!
tantas!situações!do!mundo!dos!adultos.!!
PRÁTICA:!preencher!as!bonecas!com!estopa!de!algodão!e!proceder!aos!acabamentos!
como!cabelos,!roupas!e!sapatinhos.!
7º&ENCONTRO&
OBJETIVO:!Apresentar!como!a!arte!pode!discutir!a!opressão!e!a!violência!contra!as!
mulheres.!
METODOLOGIA:!Apresentar!seminário!sobre!a!poética!de!Betty!Moisés!e!a!forma!como!
ela!trabalha!a!estética!da!dor.!
PRÁTICA:!propor!a!criação!de!uma!poética!relacionada!a!essa!questão.!
8º&ENCONTRO&
OBJETIVO:!Mostrar!a!potência!da!arte!na!superação!da!dor!e!das!frustrações!humanas.!
METODOLOGIA:!apresentar!a!poética!de!Marina!Abramovic!que!trabalha!a!memória,!os!
conflitos!femininos,!sociais,!culturais,!infantis,!de!gênero!etc.!
PRÁTICA:!registrar!depoimentos!das!participantes.!Fotografar!as!participantes!e!as!
bonecas.!

81!
!
!
CONCLUSÕES&FINAIS&SOBRE&A&OFICINA&“MEMÓRIA&E&ARTE&NA&
CONSTRUÇÃO&DE&BONECAS&DE&PANO”&
!
Não!houve!grande!de!número!de!pessoas!inscritas.!
As!que!frequentaram!tiveram!muita!satisfação!em!contar!suas!memórias!e!experiências,!
as!quais!iam!surgindo!conforme!apresentávamos!os!artistas.!
Houve!uma!demora!na!confecção!das!bonecas!porque!as!participantes!escolheram!fazer!
os!trabalhos!à!mão!em!vez!de!usar!máquinas!de!costura.!Com!isso!desejavam!executar!
um!objeto!artístico,!pessoal.!
As!participantes!não!tinham!experiência!anterior!com!confecção!de!bonecas!e!nem!com!
costura!à!mão!ou!bordados.!
Elas!procuraram!a!oficina!por!sentirem!solidão,!incompreensão!e!desejo!de!auto!
afirmarem[se,!!socialmente.!
Demonstraram!apego!aos!seus!trabalhos.!
Executaram!seus!trabalhos!com!muito!esmero.!
Houve!grande!interação!entre!as!ministrantes!e!participantes!onde!aconteceram!trocas!
de!saberes!e!modos!diferentes!de!fazer.!
Cada!encontro!se!tornava!mais!satisfatório!que!o!anterior!e!começamos!a!pensar!em!
aumentar!a!produção.!
Uma!das!alunas,!a!Irma!Bernardo!Vieira,!desenvolveu!um!tipo!de!escultura!no!rosto!de!
suas!bonecas,!e!com!pequenos!pontos!ligando!o!tecido!externo!ao!enchimento,!foi!
construindo!contornos!faciais.!Além!de!criar!sua!boneca!com!características!
afrodescendentes,!também!criou!uma!boneca!loira,!para!provar!que!não!tem!preconceito!
racial.!
As!participantes!solicitaram!uma!segunda!etapa!da!oficina.!!
As!participantes!demonstraram!maior!interesse!em!construir!um!objeto!artístico!mesmo,!
do!que!propriamente!uma!produção!com!fins!lucrativos.!!Isto!foi!um!fator!positivo!
conforme!o!propósito!maior!da!oficina!que!era!levar!um!entendimento!artístico!a!grupos!
de!estudos!não!convencionais.!

82!
!
O!Padre!Ozanilton!anunciava!a!Oficina!em!todos!os!finais!de!missas!e!para!nos!
incentivar,!pediu!a!construção!de!um!boneco!vestido!de!Padre.!O!Padre!ofereceu!o!
mesmo!Espaço!Sócio!Cultural!para!repetirmos!a!Oficina!no!próximo!ano.!!
!
!
BRINCADEIRAS&DE&BONECAS&
Resgate!das!histórias!de!mulheres!e!suas!bonecas:!impressões!e!depoimentos.!
!
Amélia!Degraf!(77!anos)!
!
A!boneca!da!Amélia,!ela!a!ganhou!aos!seus!10!anos!de!idade.!Foi!um!presente!de!
sua!irmã!mais!velha,!Irene,!que!também!fez!para!a!boneca,!um!vestidinho!de!tafetá!
branco,!com!fitinhas!cor!“rosa!maravilha”.!Era!de!louça,!porém,!o!corpinho!não,!este!era!
de!tecido,!com!enchimento!de!flocos!de!algodão.!!
“!–!O!sapatinho!dela!era!lindo!!Lindo!!Branco!”!(fala!da!Amélia).!
O!nome!Florisbela,!foi!escolhido!por!sugestão!da!madrasta!da!Amélia.!Não!querendo!
ofendê[la,!a!enteada!aceitou!o!nome,!o!qual,!ela!achava!horrível!e!gostaria!de!ter!posto!
outro!nome!na!sua!linda!boneca.!
A!frustração!da!Amélia!não!era!só!com!o!nome!da!boneca!Florisbela,!mas!com!todas!as!
outras!bonecas!suas,!porque!elas!tinham!os!olhos!pintados,!ficavam!sempre!
“arregalados”.!Suas!bonecas!nunca!dormiam.!
!
Leonilde!!Ortiz!(53!anos)!
!
A!boneca!mais!desejada,!não!era!sua,!mas!de!sua!irmã!Ironilde.!Como!Ironilde,!
mesmo!com!seus!dez!anos,!ainda!usava!chupeta,!sua!madrinha!Lázara,!sugeriu!dar[lhe!
uma!boneca!no!lugar!da!chupeta.!Ironilde!jogou!fora!a!chupeta,!ganhou!a!boneca,!mas!
foi!sua!irmãzinha!de!c!incoanos,!quem!se!apaixonou!pela!boneca.!Assim!sendo,!o!dia!
todo!Leonilde,!pedia!emprestado!aquela!boneca.!
!!“[!Linda,!de!plástico,!mas!com!laço!vermelho!nos!cabelos,!e!estes,!pintados!em!
forma!de!cachos!marrons,!e!a!boca,!bem!vermelha.!Nas!costas!havia!um!apito,!e!quando!
deitava[se!!a!boneca,!ela!chorava,!como!miado!de!gato.”!(fala!da!Leonilde).!
A!verdadeira!dona!da!boneca!!regulava!o!brinquedo!e!não!emprestava!facilmente,!
então,!Leonilde!chorava,!sapateava,!fazia!birra,!até!a!mãe!delas,!obrigar!Ironilde!a!ceder!
a!boneca!para!Leonilde.!
!
Marisa!Catarino!(57!anos)!
!
Lúcia!foi!o!nome!escolhido!para!sua!boneca,!inteirinha!de!borracha.!Tinha!cabelos!
castanhos!escuro,!em!nylon!e!olhos!de!vidro!com!longos!cílios,!mas!não!fechavam,!eram!
colados,!os!olhos.!A!mãe!fez!roupinhas!novas!para!a!boneca!e!o!pai!fez!pulseirinhas!de!
dadinhos!(cubos)!bem!pequenos!e!coloridos.!Por!incrível!que!pareça,!a!Marisa!ainda!
conserva!sua!boneca.!Tirou[a!do!baú!para!me!provar.!Pude!constatar!as!marcas!das!
“experiências”,!feitas!com!a!boneca.!Querendo!desvendar!o!porquê!dos!olhos!da!boneca!
não!pestanejarem,!a!Marisa!arrancou[lhe!a!cabeça,!o!que!deu!trabalho!ao!pai!para!

83!
!
consertar!o!brinquedo.!Há!furos!em!volta!do!umbigo!da!boneca,!pois!a!menina!o!furava!
todo!dia,!imitando!a!tia!Odila,!que!contava!estar!levando!o!seu!filhinho!para!vacinar!
contra!a!hidrofobia,!pois!ele!havia!sido!mordido!por!um!cachorro!de!comportamento!
estranho.!Na!boca!da!boneca!também!tem!um!furo!feito!com!prego,!porque!ela!insistia!
em!enfiar[lhe!uma!chupeta.!Os!cabelos!da!boneca!estão!desgrenhados,!já!que!era!moda!
as!mulheres!usarem!penteados!desfiados!e!a!Marisa!então,!desfiava!os!cabelos!da!Lúcia,!!
para!ela!ficar!mais!bonita.!A!boneca!foi!feita!com!muito!boa!qualidade,!ainda!está!
perfeita,!embora!os!experimentos!de!sua!dona.!
!
Natalí!(26!anos)!
!
Minhas!bonecas!eram!industrializadas,!elas!não!eram!“top”,!mas!também!não!
eram!“rebas”.!Havia!uma!desigualdade!relevante!nas!bonecas!das!meninas:!bonecas!
ricas!e!bonecas!pobres,!comparando[se!pela!qualidade!e!conforme!as!condições!
financeiras!dos!pais.!A!diferença!era!notável,!pelos!bairros!de!moradias!das!meninas,!as!
de!bairro!ricos!tinham!bonecas!melhores.!Eu!colecionava!roupinhas!e!bonecas!“Barbies”,!
falsificadas,!não!se!considerava!a!qualidade,!mas!a!quantidade!e!o!que!eu!queria!era!
brincar!e!ter!mais!bonecas!que!minhas!amigas.!
!
Giovana!Paoline!(22!anos)!
!
!!“–!Nas!férias,!na!casa!de!minha!avó!!em!Presidente!Prudente,!interior,!minha!avó!
nos!ensinou!a!brincarmos!com!bonecas!de!espigas!de!milho.!!
!!–!A!gente!segurava!no!colo!as!espigas!de!milho,!imaginando!as!palhas!verdes,!
como!se!fossem!vestidinhos!e!os!cabelos!do!milho,!eram!os!cabelos!das!bonecas.!Na!
época!de!minha!avó,!quase!não!se!encontrava!bonecas!de!cabelos,!então!era!grande!
vantagem!brincar!com!as!espigas!de!milho,!pois!tinham!cabelos!parecidos!com!os!
naturais,!das!pessoas.!No!quintal!de!minha!avó!tinha!pé!de!mamão!e!outras!frutas!e!até!o!
milharal.!Minha!mãe!ensinava!a!cortar!bonecas!de!papel.!Ela!recortava!um!desenho!de!
corpo!de!boneca,!com!cabeça,!braços,!pernas,!etc.!e!depois!desenhava!as!roupinhas!e!as!
prendia!por!pedaços!de!fitas!do!papel!dobrados!para!trás!deste!corpo.!Mas,!essas!
brincadeiras!só!nas!férias,!porque!em!São!Paulo,!não!se!tem!tempo!como!no!interior.!!
–!Me!lembro!de!que!em!São!Paulo,!tínhamos!a!boneca!careca.!Ela!foi!de!minha!mãe,!
depois!de!minha!irmã!e!depois!foi!minha.!A!boneca!era!careca!de!tanto!pentearmos!seus!
cabelos.!Tem!até!foto!de!minha!irmã!e!eu!com!a!boneca.!Vou!te!enviar!por!email!quando!
eu!voltar!para!São!Paulo.!A!boneca!careca!tinha!olho!que!pestanejava,!e!no!final,!
enquanto!um!abria,!o!outro!ficava!fechado.!“Já!estava!gasta,!a!boneca!careca...”.!!
!
Juliana!Domaneschi!
!
–!Meu!pai!me!deu!uma!boneca!moreninha,!de!olhos!verdes!e!disse;![!Essa!é!a!sua!
boneca!certa,!é!mais!parecida!com!você!!
–!Ah!!Dessa!boneca!eu!gostava!!
–!Eu!odiava!a!boneca!“Barbie”,!industrializada...!
–!Eu!gostava!também!de!colecionar!aquelas!bonequinhas!de...!e!ainda!preferia!as!
bonequinhas!que!pareciam!bebezinhos,!gostava!de!brincar!com!elas.!

84!
!
–!Mas!a!minha!mãe!também!apreciava!bonecas.!Um!dia!ela!comprou!uma!boneca!
bebê!que!engatinhava,!pôs!no!meio!da!sala!e!quando!eu!ia!tocá[la,!ela!gritava!para!não!
pegar!que!eu!ia!quebrá[la.!
–!Um!belo!dia,!quando!minha!mãe!saiu!de!casa,!subi!em!algum!móvel,!tirei!a!caixa!da!
boneca!de!cima!do!guarda!roupas!e!aproveitei!brincar!com!ela!até!que!realmente!
quebrei[lhe!um!braço.!Aí!sim,!foi!um!grande!berreiro,!das!duas,!da!filha!e!da!mãe.!
!
Maria!Angélica!Ceresine!
!
–!Tive!bonecas!de!coleção,!Moranguinho,!Uvinha...,!mas!eu!gostava!mesmo!era!de!
brincar!de!“casinhas”!de!bonecas.!Eram!miniaturas!de!interiores!de!casas.!
Angélica!disse!que!as!montava!sobre!a!penteadeira!ao!lado!da!qual!havia!uma!
cômoda!mais!alta.!Então!ela!estendia!sua!cama!para!cima,!para!a!cômoda,!e,!em!sua!
doce!imaginação,!a!sua!casinha!adquiria!outro!piso,!o!superior,!como!nas!casas!dos!ricos.!
Para!Angélica!montar!a!sua!casinha,!ela!tinha!um!longo!trabalho.!Durante!dias,!ia!
acumulando!materiais!domésticos!descartáveis,!como!tampinhas!de!garrafas,!vidrinhos,!
coisas!que!lhe!pareciam!ter!formato!de!móveis.!Olhava!os!pequenos!objetos!e!pensava;![!
Isto!parece!um!sofá,!aquele!outro!lembra!uma!cama!ou!uma!mesa.!
Depois,!por!horas!a!fio!a!Angélica!arquitetava!e!construía!a!sua!casa.!Quando!a!casa!
ficava!completamente!pronta,!terminava!o!jogo.!Acabava!a!graça,!mas!tinha!que!ficar!lá,!
pronta.!Porém,!que!ninguém!tocasse!ou!desmanchasse!sua!linda!casinha,!ali!parada,!
intocada!por!uns!bons!dias.!
!!!!!!!!!!!!!!!!
Daina!Crepaldi!
!
“!–!Se!eu!fizer!uma!boneca!na!oficina,!ela!será!sem!cabeça,!pois!todas!minhas!
bonecas!eram!assim.!Meu!irmão!arrancava!a!cabeça!delas.”!
!
Luci!Pelarim!
!
Minha!mãe!tirava!algodão!do!colchão!para!encher!minhas!bonecas!que!ela!
mesma!fazia.!Naquela!época!os!colchões!eram!como!acolchoados!duros,!pesados.!Meu!
pai,!que!tinha!fábrica!de!móveis,!trocava!negócios!com!o!dono!da!fábrica!de!colchões!e!
de!acolchoados,!perto!de!casa.!O!dono!era!o!Sr.!Ibérico.!O!algodão!vinha!das!plantações!
de!Jataizinho!e!de!Uraí!e!era!revestido!de!um!tecido!também!algodão,!ralinho,!azul!claro!
com!listinhas!cor!de!rosa.!Depois!o!Sr!Ibérico!começou!a!vender!os!colchões!Probel,!de!
molas.!
!!!!!!
Maria!Luisa!G.!Catarino!
!
–!Eu!tive!uma!boneca!que!se!chamava!“Amiguinha”,!ela!tinha!o!meu!tamanho.!
Mas,!tive!também!outra!boneca!enorme,!linda,!de!porcelana!que!minha!irmã!quebrou.!!
–!Ah,!mais!eu!chorei!tanto,!tanto!!
!
!
!

85!
!
Cora!Coralina!
!
“...!perdi!meu!pai,!muito!novinha.!Meus!brinquedos!eram!coquinhos!de!palmeiras,!
caquinhos!de!louça,!bonecas!de!pano.”!(Publicação!no!Jornal!do!Brasil)!
!
Marcia!
!
Eu!conheci!uma!menina!de!80!anos!que!nunca!teve!uma!boneca.!Naquela!tarde!
quando!ela!me!contou!isso,!seu!rosto!não!demonstrou!nenhuma!expressão,!estava!
estático!como!ficou!também!seu!corpo!diante!daquela!constatação!em!que!ela!pareceu!
em!segundos,!viajar!pelo!passado.!Porém!percebi,!em!seu!olhar!enuviado,!uma!imensa!e!
avassaladora!tristeza.!
!
!
!
!
!
! !

86!
!
Capítulo(III(
(
LABORATÓRIO(DA(INSTALAÇÃO(
!
(Antes!da!Instalação,!ser!apresentada!no!Museu!Histórico!de!Londrina,!foi!feito!um!
laboratório!preparativo!com!orientação!dos!Professores!Cláudio!Luiz!Garcia!e!Marcos!
Rodrigues!Aulicino,!no!espaço!da!Galeria!de!Artes!do!Departamento!de!Artes!Visuais!da!
Universidade!Estadual!de!Londrina.!!
VÍDEO!INSTALAÇÃO,!“ESTE!ESPAÇO!LONDRINO”.!(53min.)!
(em!DVD,!imagens!e!áudio!comparativos!da!Londrina!antiga!com!a!Londrina!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
contemporânea!e!suas!memórias).!Este!DVD!foi!parte!integrante!do!laboratório!e!
posteriormente,!ele!!ficou!em!exposição!na!Casa!de!Cultura!da!Universidade!Estadual!de!
Londrina.)!
!
!
REFLEXÕES(SOBRE(O(LABORATÓRIO((
!
...minhas&reflexões&sobre&a&instalação&no&laboratório&de&setembro&de&2013.&
!
Foi!um!presente!para!nós!estudantes!de!arte,!o!professor!Cláudio!disponibilizar!
aquele!espaço!da!galeria!para!nossas!experimentações!em!arte!e!educação.!Importante!
principalmente!pela!autonomia!e!liberdade,!deixando[nos!agirmos!a!nosso!critério!
exclusivo.!Cada!qual!exercitou!como!achou!que!deveria!ser!seu!Trabalho!de!Conclusão!de!
Curso,!e!nisso,!trocamos!ideias,!opiniões,!conhecemos!os!trabalhos!uns!dos!outros!e!foi!
satisfatório!ver!como!cada!qual!sentiu!esse!universo!da!arte.!Juntos,!analisamos!a!
autenticidade!de!cada!um!e!o!que!realmente!seria!interessante!dali!para!ser!apresentado!
à!banca!julgadora!do!TCC.!O!mais!legal!desses!laboratórios!foi,!a!intimidade!e!a!interação!
entre!nós,!momento!de!amizade,!de!aprendermos!a!nos!conhecermos,!de!nos!gostarmos!
e!nos!apreciarmos!como!colegas!de!jornada!e!de!vida.!Ali,!nós!não!precisamos!
representar!conforme!pede!a!burocracia!necessária,!nem!apresentar!referências!teóricas!
ou!poéticas,!mas,!apenas!brincar.!E!foi!isto!que!eu!fiz.!Brinquei!de!artista!!
Mesmo!assim!achei!por!bem!entregar!ao!professor!Marcos!e!ao!professor!Cláudio,!um!
texto!de!um!crítico,!citando!José!Rufino,!por!este!lidar!com!a!memória,!porém!o!meu!
trabalho!busca!no!dele,!referências!no!período!em!que!ele!levanta!lembranças!de!seu!avô!
e!de!espaços!de!sua!infância!no!interior,!na!fazenda,!de!cartas!de!família!e!fala!de!
relações!antropológicas,!sociais,!de!um!lugar!ligado!a!embarcações!e!vida!rude.!Rufino!se!
atira!sobre!objetos!de!lembranças!e!os!subverte,!os!transforma.!!
No!dia!11!de!setembro!de!2013!foi!a!minha!vez!de!experimentar!o!laboratório!e!
articular!minha!Instalação.!!Especialmente!nesta!Instalação,!usei!objetos!afetivos!de!
família,!alguns!até!mesmo!emprestados,!por!isso!não!podia!desestruturá[los!em!seu!
caráter!de!registro!histórico!e!até!de!peça!de!museu.!Assim!sendo,!manipulei!as!peças!
até!onde!não!agredia!sua!forma!original.!Transgredi!apenas!seu!lugar!comum,!
colocando[as!em!ambiente!avesso!ao!seu!uso,!mas!inteirando[as!com!elementos!que!
provocassem!nas!!
Pessoas,!!lembranças!delas!próprias!entre!dois!tempos!de!um!mesmo!espaço,!em!pauta,!
a!cidade!de!Londrina.!Quanto!à!disposição!da!instalação,!foi!construído!propositalmente!

87!
!
em!aspecto!de!exposição!e!de!museu,!com!o!fator!diferencial!de!intuir!no!espectador!sua!
participação!ativa!naquele!espaço!da!galeria.!Nisso!minha!satisfação!foi!plena,!pois!eu!
havia!planejado!uma!surpresa!aos!professores!e!colegas!para!ao!entrarem!na!galeria,!
quase!escura,!apenas!na!luz!de!um!lampião!aceso!com!óleo!de!citronela,!sentirem!
também!mais!cheiros!aromáticos!de!um!ferro!à!brasa!contendo!especiarias.!Deveriam!
então!tocar!nos!materiais!grosseiros!da!época!da!Madeira!em!Londrina,!adoçar!a!boca!
com!balas!e!doces!de!mercadinhos!populares!e!verem!através!das!janelas!(costume!
também!antigo,!espiar!lá!fora),!como!se!vestiam!e!como!pensavam!a!vida,!pessoas!iguais!
às!famílias!dos!próprios!espectadores.!Desse!modo!todos!seriam!introduzidos!na!mesma!
história.!Aconteceu!quase!assim,!mas!até!melhor!porque!interferências!surgiram!antes,!
os!transeuntes,!atraídos!pela!maquete!do!“Quarto!da!Menina”,!exposto!na!vitrine,!foram!
entrando!e!se!oferecendo!a!me!ajudarem!na!montagem!de!tudo.!Davam!palpites!e!
depoimentos,!mudavam!coisas!do!lugar!e!etc.!Aí!então,!já!havia!começado!a!interação!
deles,!a!qual!eu!pretendia!ter!filmado!como!registro!das!impressões!e!das!atitudes!
alheias!diante!do!passado.!Meu!entusiasmo!ficou!reforçado!quando!o!professor!Marcos!
foi!acompanhar!a!preparação!e!me!disse!perceber!em!meu!trabalho!uma!comunicação!
imediata!com!o!público,!pois!já!se!via!um!movimento!e!interesse,!quando!eu!tinha!ainda,!
muito!receio!da!minha!proposta!ser!repudiada!por!se!tratar!de!antiguidades.!Pude!
constatar!então,!o!magnetismo!que!as!antiguidades!causam!sobre!as!pessoas,!pois!elas!
ficavam!encantadas!ao!entrarem!na!galeria,!enquanto!os!objetos!as!absorviam!e!as!
seguravam!por!alguns!segundos,!obrigando[as!a!entrarem!para,!dentro!de!si!mesmas.!
Tentei!fazer!com!que!aqueles!objetos!não!ficassem!inertes,!abandonados,!empoeirados,!
mas!adquirissem!movimento!através!das!mãos!dos!espectadores,!e!repercutissem!
barulhos!e!outras!sensações.!Proposta!bem!definida!foi!a!que!fiz!aos!colegas!de!turma,!
pedindo[lhes!que!registrassem!,!fotografassem!aquilo!que!os!tocasse,!de!certo!modo,!
para!posteriormente!fazermos!uma!exposição!fotográfica,!de!tal!maneira!que!o!
laboratório!se!tornasse!um!trabalho!em!conjunto.!Essa!participação!aconteceu!
naturalmente,!pois!eles,!sempre!me!apoiaram!em!tudo!e!dessa!vez!também!foram!
chegando!antes!e!conforme!os!transeuntes,!me!auxiliaram!pendurando!coisas,!
amarrando,!colando,!distribuindo!no!espaço,!articulando!com!as!ideias.!
!
!
O&RESGATE&TEMPORAL&ATRAVÉS&DOS&OBJETOS&UTILIZADOS&NO&
LABORATÓRIO&DA&INSTALAÇÃO&
!
Usando!As!Garrafas;!como!em!fábulas!ou!em!filmes!de!ficção,!resgatei!aquela!magia!da!
garrafa!do!náufrago!que!bate!à!praia!em!pedido!de!socorro.!Serão!vozes!perdidas?!Gritos!
de!socorro!de!algo!que!está!morrendo,!se!acabando,!sumindo!da!história!da!vida,!para!
dar!lugar!a!resoluções!mais!práticas!e!rápidas?!Resignifiquei!o!engradado!de!bebidas,!
onde!as!garrafas!passaram!a!conter!reflexões!lúcidas!e!humanas.!O!vidro!me!fascina!
porque!tem!a!translucidez!dos!olhos,!transparecendo!a!alma,!aquilo!que!está!dentro.!
!
O!caldeirão!de!ferro!continha!terra!roxa,!representando!a!base!dessa!sociedade!
londrinense,!sua!origem!e!cultura,!lembranças!de!quem!pisa!e!precisa!deste!chão!de!
Londrina.!
!

88!
!
As!bolinhas!de!gude!na!terra!vermelha,!em!buraquinhos!igualmente!ao!jogo!de!burcas!
dos!meninos!de!calções!curtos,!com!pés!descalços!sobre!a!poeira!vermelha!da!rua.!
!
O!estilingue!de!forquilha,!estudado!e!escolhido!dos!galhos!das!árvores.!Triste!pensar!que!
os!moleques!daqueles!tempos!conheciam!o!pio!de!todos!os!pássaros,!somente!para!
melhor!caçá[los.!O!menino!que!matasse!um!Tisiu,!por!exemplo,!seria!o!maior!campeão,!
pois!este!passarinho!além!de!ser!pequenino,!vive!dando!pulinhos!nos!galhos.!Era!um!
nível!de!dificuldade.!
!
O!portarretrato!da!“eternamente!tua...”,!já!não!cabe!mais!sobre!o!móvel!do!quarto,!se!
transferiu!para!as!mídias!tecnológicas!e!é!substituído!constantemente!pela!imagem!de!
um!novo!amor.!
!
Torrador!de!Café!
Hoje,!na!antiga!Capital!Mundial!do!Café!os!torradores!de!café!esquecidos!em!algum!
alpendre,!se!tornaram!ninhos!de!apaixonadas!corruíras,!as!quais!subsistem!à!
transformação!urbana.!
!
Pranchas!de!Perobas!
As!majestosas!perobas!resistiram!na!lembrança,!sendo!berço!da!cidade!e!berço!da!
Universidade.!
!
Gaveta!da!bancada!com!fotos!de!hoje!e!de!ontem.!A!bancada!esqueleto!deteriorando,!
último!resquício!do!tempo!da!madeira!onde!ela!foi!o!altar!de!trabalho!dos!caminhões!de!
toras.!
!
A!velha!máquina!de!escrever!rodando!a!oração!da!vovó,!uma!realidade!contemporânea!
em!que!todos!saem!de!casa!para!trabalharem!e!estudarem!e!os!avós!precisam!ser!
recolhidos!em!casas!de!repouso.!Repouso!de!quê?!Os!indígenas!ainda!têm!o!Conselho!
dos!Velhos.!A!maior!riqueza!de!uma!família!é!o!mapa!do!caminho!percorrido!por!seus!
antepassados,!verdadeira!enciclopédia!do!viver.!!
!
Aquele!toco!estriado!e!sujo!de!terra,!se!acabando!como!um!velho!homem,!gasto!de!tanto!
servir!de!calço,!cuidando!a!família.!Sobre!ele!o!delicado!passarinho,!caixinha!de!música,!
enfeitando!e!alegrando!os!sinais!sulcados!do!passado.!(Meus!pais!diziam!que!os!
passarinhos!foram!criados!por!Deus!para!alegrarem!o!mundo).!Este!toco!em!especial,!
meu!pai!usou!muito!tempo!como!calço!nas!rodas!de!seus!caminhões.!
!
Contas!do!rosário,!miçangas!naturais,!amarrando!cordões!de!sincretismos,!pois!eram!
usadas!para!fazer!rosários!católicos!e!colares!nas!cerimônias!de!religiões!vindas!da!África.!
!
Cestinha!de!costuras!de!fabricação!indígena,!trama!nas!cestas!indígenas,!tramas!nas!
costuras!das!brancas,!tramas!nas!nossas!vidas,!tramas!de!Londrina.!
!
Foto!Pintura:!o!retrato!de!meu!pai!nessa!noite!virou!obra!de!arte,!pois!aquelas!
fotografias,!reveladas!em!preto!e!branco,!depois!coloridas!à!mão,!envoltas!por!molduras!
tão!elaboradas,!representavam!a!admiração!pelos!entes!queridos,!mas!também!um!!

89!
!
!
“...tempo!de!revolução!na!história!das!imagens.”!(Foucault,!Michael).!
!
A!“Janela!Espelho!do!Tempo”!continua!escondendo!seus!olhos!curiosos!por!trás!dos!
vidros!e!do!espelho,!com!que!surpreende,!ao!introduzir!o!espectador!na!história!que!ele!
mesmo!está!espiando.!
!
O!palhaço!de!pano,!macio!e!colorido.!Quem!nunca!foi!a!um!circo!e!deu!boas!risadas?!
!
A!boneca!de!pano,!grávida,!remete!ao!aconchego!de!um!lar.!
!
Uma!caixa!de!ferro!totalmente!enferrujada,!eu!encontrei!abandonada!na!extinta!
garagem,!recolhi!nela!uns!parafusos!e!arruelas!esquecidos!pelo!chão.!Eram!poeiras!de!
projetos!desintegrados!como!ficou!seu!idealizador,!por!isso!a!chamei!de!Pó!de!Ossos,!o!
pó!de!uma!linda!história!de!superação!e!amor.!
!
Refletindo!ainda,!acho!que!este!ensaio!de!praticar!arte,!parece!mais!com!as!intenções!da!
artista!contemporânea!Rachel!Whiterider,!porque!ela!fala!de!memória,!de!morte!e!
espaço!deixado!vazio,!mas!sua!arte!não!chega!a!ser!triste,!pois!se!utiliza!de!cores!e!
materiais!agradáveis,!trazidos!do!mundo!infantil!e!do!ambiente!doméstico.!
!
Mais!do!que!pretendia,!meu!objetivo!foi!plenamente!alcançado,!aquele!stop!do!corpo!das!
pessoas!diante!da!vitrine!e!dentro!da!galeria,!foi!o!mais!recompensador,!pois!
desaceleraram!dos!compromissos!e!participaram!do!devaneio!meu!e!delas!também.!!
!
Um!casal!e!uma!moça!iam!passando!pelo!corredor,!retrocederam!para!ver!a!maquete!e!
se!ofereceram!para!me!ajudar!a!instalar!a!Janela!do!Espelho!do!Tempo,!arrastamos!o!
cubo!grande!para!servir!de!base!à!janela,!mudamos!uma!parede!para!apoio!e!também!
eles!decidiram,!qual!seria!o!melhor!ângulo!para!o!bilhete!colado!no!espelho,!ficar!visível!
lá!fora.!Depois!ficaram!ainda!ali!comentando!as!fotografias,!as!roupas!das!pessoas,!as!
diferenças!da!cidade,!falaram[me!de!suas!famílias!também.!
!
Foi!mais!satisfatório!dividir!a!montagem!da!Instalação!com!as!pessoas!do!que!apresentá[
la!somente!depois!de!pronta.!
!
No!outro!dia,!algumas!moças,!na!lanchonete,!comentavam!que!faltou!a!cortininha!na!
janela!do!Quarto!da!Menina.!!
A!Luciana!sempre!racional,!ao!ver!a!caminha!de!bonecas,!impressionou[se!de!como!os!
brinquedos!antigos!eram!perfeitas!cópias!do!mundo!dos!adultos.!!
!
O!professor!Marcos!fez!referência!ao!Quarto!de!Van!Gogh!e!às!acumulações!de!Bispo!do!
Rosário.!
!
Mesmo!depois,!ao!desmanchar!a!Instalação!e!transportar!objetos!para!serem!guardados!
na!sala!gentilmente!oferecida!pelo!professor!Cláudio,!os!alunos!de!outras!turmas!me!
paravam!para!observar!os!objetos.!Aproveitamos!então,!tirar!fotos!e!programar!uma!
exposição.!

90!
!
!
A!Loana!ao!ver!os!tamanquinhos!ao!lado!da!caminha,!recordou[se!imediatamente!do!
Trabalho!de!Lia!Chaia,!“Tamancos”.!
!
A!Daina!e!o!Tiago!jogaram!petecas!de!penas!de!araras,!já!tão!raras,!e!chutaram!bolinhas!
de!gude.!!
!
A!Loana!colou!as!fotos!nas!janelas!internas!e!queria!levar!embora!a!chaleira!da!vó!
Rosalina.!!
!
A!Giovana!amarrou!as!janelas!e!o!retrato!foto!pintura.!!
!
Carolina!auxiliou!pendurar!a!colcha!de!retalhos,!enquanto!o!Neto,!em!cima!de!um!banco,!
pendurava!os!pássaros!bem[te[vis.!!
!
O!professor!Cláudio!emprestou!o!moedor!de!café!e!o!data!show,!instalado!pelo!Neto,!
Kauana!e!Carolina.!!
!
Descobri!que!fazer!instalação!com!essa!turma!é!muito!fácil!para!mim.!
!
O!Willian!Fernandez,!sentadinho!lá!fora,!a!tudo!assistia,!e!escrevia!seu!poema,!cujo!nome!
Pioneiro,!de!tal!modo,!sintetizou!toda!a!Instalação.!
!
!A!Luciana!fotografou!e!filmou!os!comentários!e!as!críticas!da!instalação.!
!
Tomei!emprestado!da!Loana,!uma!frase!do!término!de!seu!laboratório,!extraída!de!“!
Caminhos!do!Campo”,!a!qual!falava!assim:!“...!o!apelo!nos!faz!morar!de!novo!uma!
Origem!distante!onde!a!terra!natal!nos!é!restituída.”!(Martim!Heidegger,!A!Morada!do!
Homem).!
...Fiquei!pensando;![!nós!também!retornamos!à!nossa!terra!natal!quando!nos!voltamos!
para!as!profundezas!de!nossas!lembranças.!
!
VÍDEO&INSTALAÇÃO&&
“ESTE&ESPAÇO&LONDRINO”&
&
São!elas,!as!Vozes!de!Londrina,!um!apanhado!de!depoimentos!que!resgatam!
como!os!entrevistados!viam!a!Cidade!e!seu!passado,!mas!que!também!registra!imagens!
e!sons!de!momentos!reais!do!cotidiano!contemporâneo,!para!fazer!uma!comparação!e!
provocar!a!reflexão!do!que!o!tempo!pode!transformar,!tanto!no!espaço!quanto!na!vida!
das!pessoas!dentro!dele.!Mas!o!Vídeo!não!obedece!a!nenhum!roteiro!pré[estabelecido,!
ele!se!compõe!de!apresentações!aleatórias,!permeadas!de!falas!e!imagens!do!passado!e!
do!presente,!para!induzir!o!espectador!a!um!torpor!que!o!introduza!naquela!história!e!lhe!
cause!a!sugestão!de!suas!próprias!memórias.!
!
As!Instalações,!dos!artistas!americanos!Dan!Graham!e!Bruce!Nauman,!às!vezes!
utilizando!circuitos!de!câmeras!de!vídeo,!de!exibição!retardada!a!fim!de!colocar!o!
espectador!em!dois!espaços!diferentes!ao!mesmo!tempo,!ou!as!construções!de!Nauman!

91!
!
como!seu!Corredor!de!Luz!Verde!(1970[71),!todas!rodeiam!o!espectador!da!mesma!forma!
que!arquitetura!os!rodeia,!porém!de!maneira!que!desfiguram!e,!ao!mesmo!tempo,!
enfatizam!a!funcionalidade!da!arquitetura!real.!Este!é!um!trabalho!de!arte!que!veio!à!
tona!assim!que!foi!articulando!a!elaboração!e!montagem!do!vídeo,!e!sua!projeção!dentro!
da!Instalação.!A!pessoa!vai!se!comprimindo!entre!essas!paredes.!
“A!obra!não!é!meramente!algo!para!se!olhar,!mas!um!espaço!a!ser!adentrado,!e!!
experimentado!de!um!modo!físico!e!pleno.”!(ARCHER,!M.!2012,!p.106!)!
!
Para!a!minha!Instalação!a!referência!veio!de!artistas!contemporâneos!como!Rachel!
Whitehead!e!Suzan!Hiller.!Suzan!é!uma!antropóloga!norte[americana!que!reside!na!Grã[
Brtetanha!e!utiliza!elementos!da!técnica!de!seu!trabalho!de!campo!em!sua!arte.!Suas!
instalações!reúnem!fragmentos!da!cultura!material!–!cartões!postais,!cacos!de!louça,!
recortes!de!jornais,!papéis!de!parede!–,!a!artista!incorporava!estes!artefatos!amiúde!
baratos!ou!triviais,!às!instalações!que!revelam!as!formas!as!atitudes!e!crenças!da!
sociedade!que!produzira!tais!objetos.!
“Tratei!os!materiais,!como!chaves!para!o!lado!inconsciente!de!nossa!produção!cultural!
coletiva.”!Suzan!Hiller.!
!
!
POEMA& DE& WILLIAN& FERNANDES& O& QUAL& SINTETIZOU&O&
LABORATÓRIO&DA&INSTALAÇÃO&DO&DIA&11&DE&SETEMBRO&DE&2013&&
!
PIONEIRO&
Já!de!madrugadinha!o!cheiro!do!café!de!minha!mãe!invadia!a!casa;!!
Convidava!meu!pai!ao!dia!e!nos!acordava,!mas!permanecíamos!silenciosos...!
Ouvíamos!as!palavras,!os!planos!do!dia,!a!promessa!do!almoço,!
!uma!visita!da!tarde,!a!fazenda!encomendada,!as!roupas!a!coser,...!
Ao!pai!bastava!saber,!era!quieto,!calmo,!amoroso...!
À!mãe!bastava!dizer,!agitada,!enérgica,!!
cuidadosa.!
Mas!o!verdadeiro!motivo!de!nossa!espera,!nosso!silêncio,!
Era!porque!antes!da!partida!diária,!!
Meu!pai!vinha!ter!conosco!o!seu!momento...!
Fingíamos!dormir,!tínhamos!um!acordo,!
!assim!ele,!homem!forjado!no!aço,!nos!!
troncos!da!vida,!
na!queda!das!araucárias,!no!descampado!das!palavras,...!
aproximava[se!de!todos...!!e!!
em!todos!deitava!suave!a!mão!
nos!cabelos,!tocava!o!lábio!em!nossas!testas,!cobria[nos...!
encostava!a!porta,!uma!fresta!de!luz!mostrava!a!sombra!
do!mesmo!cuidado!com!minha!mãe...!
No!portão!dizia!–!Até!!
mais!tarde!...!
Meu!pai!foi!quem!me!ensinou!a!conversar!
Com!o!silêncio!!
!

92!
!
!
Enquanto!eu!apresentava!o!meu!laboratório!preparativo!da!Instalação,!meu!amigo!
Willian,!sentou[se!ao!longe!e!num!momento!breve!de!grande!inspiração,!escreveu!este!
poema!e!o!deu[me!de!presente.!Amigo!genial.!
!
!
!
(Ver!fotografias!da!Instalação!Arrancando!Raízes!Memória!e!Arte!no!Museu!Histórico!de!
Londrina,!nas!páginas!152!a!167).!
!
!
!
!
! !

93!
!
! !

94!
!
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Capítulo(IV(
!
A!Pesquisa,!o!Laboratório,!a!Instalação,!a!Exposição!no!Museu!Histórico,!os!depoimentos!
das!mulheres!na!Oficina!de!Bonecas!de!Pano,!causaram!recordações!e!comentários!de!
pessoas!diferentes,!conversando!comigo!sobre!suas!e!minhas!memórias,!as!quais!afetaram]
me!e!fizeram]me!reunir!em!livro!estas!pequenas!historinhas!que!chamei!de!retalhos!de!
vidas,!retalhos!de!memórias.&
&
&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&
&&&&&&&&&&&&&&&&&&&
&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&RETALHOS&
!
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Domingo&de&sol&
!
Hoje,!depois!de!tanto!tempo,!
Eu!tive!novamente!um!!
Encontro!com!meu!corpo.!
Fiquei!tão!sozinha...!
Preparei!um!delicioso!almoço!
Especialmente!ao!meu!gosto.!
Depois,!de!barriga!cheia,!
Deitei[me!no!meu!sofá!preferido,!
O!de!chenile!de!algodão,!dourado.!
Fiquei!sentindo!o!calor!do!sol!
Entrando!pelos!vãos!da!persiana!
Tingindo!a!sala!com!sua!luz!amarela!
E!pintando!de!listrado,!o!meu!corpo.!
Olhei!para!o!vaso!com!ilustração!das!Três!Graças!!
E!fiquei!pensando!nas!flores!e!na!primavera.!
Ao!longe!ouvia!o!barulho!
De!todo!tipo!de!veículo!passando!na!avenida.!
Bem!mais!ao!perto,!ouvia!os!passarinhos!no!jardim,!
Atraídos!pela!fonte!de!água!fresca.!
Desfrutei!de!uma!sensação!preguiçosa...!
Foi!tão!bom.!
!
Falando&de&princesas&
!
!!!!!!!!!!!!!Eu!fui!a!princesa!de!um!reino!de!amor!e!prosperidade.!Um!dia,!mataram!meu!rei,!
espoliaram!o!reino,!sequestraram!quem!eu!amava!e!aqueles!que!resistiram,!ficaram!
sequelados.!
!
!
!
!

95!
!
Abelhas&Jataí&
!
!–!Se!acabar!o!açúcar,!não!se!desespere,!minha!mãe!nos!tempos!de!guerra,!
adoçava!tudo!com!mel.!!
!
Exibida&
!
A!menina!era!tão!pequena,!mas!o!que!tinha!de!pequena!tinha!de!metida,!e!por!ser!
tão!engraçadinha,!tinha!tomado!conta!do!pai.!Certa!vez!o!pai!tentou!corrigi[la,!ela!não!
obedeceu,!ele!insistiu,!ela!!o!enfrentou.!Como!podia!criaturinha!tão!pequena!e!tão!
petulante?!O!pai!resolveu!educá[la!e!dar[lhe!uma!cintadinha!para!intimidá[la.!Porém,!
errou!o!alvo!e!acertou!a!ponta!do!cinto,!bem!no!rosto!da!menininha!exibida.!O!pai!
assustado!sentiu!a!dor!profunda!em!seu!coração,!e!ela,!a!menininha,!nesse!dia!chorou!
seu!primeiro!choro!de!mágoa!e!decepção.!![![!Não!era!possível!!!Seu!herói!e!protetor!
haviam!agredido!ela?!
!!!!!!Horas!depois,!a!menina!acordou!com!seus!próprios!soluços!de!solavancos!no!peito.!
Viu!as!grades!de!seu!bercinho!cor[de[rosa!e,!debruçado!sobre!ele,!o!pai,!arrependido,!
com!os!olhos!verdes,!cheios!d’água,!a!chorar!de!remorso,!por!ela.!A!mãe,!ao!fundo!do!
quarto,!ralhando!com!o!pai.!O!Zeca!neste!dia,!e!nesta!hora,!jurou!que!nunca!mais!
ergueria!a!mão!para!bater!num!filho!seu,!e!cumpriu.!A!vida!toda!foi!assim,!o!pai!e!a!
menina!se!amavam,!mas!sempre!se!discordavam,!e!ainda!assim,!sempre!se!ajudavam.!
!
!
O&velho&que&sabe&tudo&
!
!!!![Vô!Manoel,!o!senhor!!que!conhece!bem!a!vida,!que!sabe!tanto,!conta!tantas!histórias,!
poderia!me!dizer!se!o!destino!existe?!
!!!!O!avô!deu!uma!gargalhada!e!respondeu;!
!!!![!Se!o!destino!existe,!não!sei,!mas!tenho!certeza!que!ele!leva!a!culpa!de!tudo.!
!!
!
Passarinhos&
!
!!!!!!!!!!!!A!menina!se!encantava!com!aquelas!caixinhas!de!músicas,!saltitantes!e!enfeitadas!
de!peninhas.!Queria!pegá[las,!mas!eram!tão!ariscas,!fugidias...!Até!mesmo!os!filhotinhos,!
tão!próximos!às!vezes,!sempre!fugiam.!Então,!a!menina!pedia:![!Pega!ele!pra!mim,!pai.![!
Não!pode!não,!se!a!passarinha!mãe!sentir!o!cheiro!de!mão!humana,!ela!não!aceita!mais!
ele!no!ninho.!Um!dia!o!pai!cedeu!ao!capricho!da!menina!e!deixou!ela!acariciar!um!
filhotinho.!Mas!foi!por!muito!breve!momento.!Hoje,!o!pai!é!o!passarinho!que!a!menina!
não!mais!pode!abraçar.!
!
!
Cortina&de&chitão&
!
A!primeira!coisa!que!a!gente!via,!era!a!cortina!de!chitão!separando!a!vendinha!da!
casa.!Uma!mão!grande!e!esquelética!abria!lentamente!a!cortina,!e!aparecia!o!Seu!

96!
!
Caetano.!Ele!era!um!homem!alto!e!muito!magro,!olheiras!profundas,!e,!muito!sério!
perguntava:!
–!O!que!vocês!querem?!
!!!!!Nossa!voz!mal!saía.!Será!que!ele!era!vivo!ou!era!uma!caveira!que!a!Dona!Elisa!não!
via?!E!se!ele!fosse!um!fantasma?!O!que!havia!depois!daquela!cortina!e!daquele!corredor!
escuro?!!
Diziam!que!naquela!casa,!não!gostavam!de!crianças,!não!suportavam!barulho.!
Nossos!olhos!ficavam!pregados!em!seus!longos!dedos!enquanto!eles!deslizavam!
pelas!notas!de!dinheiro!ou!então!seus!dedos!pegavam!a!tesoura...!![!Meu!Deus,!quanto!
medo!!Mas!era!só!para!cortar!a!rendinha!que!fomos!comprar.!
!
!
O&tarado&
!
As!crianças!entraram!em!casa,!esbaforidas!!–!Mamãe,!entrou!um!homem!no!
milharal!!Ele!tá!lá!escondido!!
!!A!mãe!parou!de!costurar,!chamou!as!vizinhas.!A!mulherada!armada!de!vassouras,!
assustadas,!indignadas,!indagavam[se;!
–!Será!que!ele!é!ladrão!de!crianças?!
–!É!tarado?!!
–!É!malfeitor?!Tá!esperando!anoitecer!para!nos!assaltar?!
O!homem!erguia!a!cabeça!e!espiava!de!lá!enquanto!as!mulheres!tagarelando,!o!
espiavam!de!cá.!
De!repente,!o!homem!saiu!de!dentro!da!plantação!de!milho,!ergueu!os!braços!e!
com!raiva!gritou:!
–!Será!que!não!dá!mais!nem!pra!“cagá”!em!paz?!
!
Rato&
!!!!!!!!!!!!!
O!Zeca!estava!prestes!a!matar!um!camundongo.!Mas!este,!olhava!para!ele!com!os!
olhinhos!tão!vivos!!Ele!se!lembrou!dos!olhinhos!da!menina,!tão!pretinhos,!com!fiozinhos!
de!cílios!delicados.!Desistiu.!Deixou!o!ratinho!fugir!e!passou!a!chamar!a!menina!de!“rato”.!
!
!
Carta&
!
!!!!!!!!!!!!!Querido!pai,!hoje!preparando!a!mudança,!encontrei!aquele!vidro!contendo!as!
sementes!em!formato!de!estrelinhas,!que!o!senhor!me!trouxe!lá!da!“Chapada!dos!
Guimarães”.!Era!para!plantarmos!numa!chácara!e!ainda!levarmos!junto!nossa!casa!de!
mata[juntas!em!peroba.!Mas,!não!houve!tempo,![!né,!pai?!–!Que!dó!...!
!
!
De&algodão&e&urubus&
!
O!céu!de!Londrina,!alguém!pinta!de!novo,!todas!as!manhãs.!A!cada!hora!as!
pinceladas!de!branco!se!alteram!diferentes!sobre!o!céu!anil.!Brincando!com!as!crianças,!
desenham!manchas!brancas,!em!formas!variadas!de!figuras!de!animais,!insetos,!palácios,!

97!
!
ou!fumaça!de!trem!partindo.!A!alvura!de!algodão!destas!manchas,!de!quando!em!quando!
é!pingada!por!pontinhos!pretos!de!asas!de!urubus,!bailando.!
!
!
Meninahvelha&
!
!É!assim!que!me!chama!um!meu!querido!Tio.!A!rapidez!do!tempo!também!passou!
na!vida!dele!como!um!cruel!vendaval.!Arrastou!tudo!de!bonito,!destruiu!e!revirou.!Ele!
olha!triste!e!vê,!que!assim!como!no!meu,!o!destino!dele,!parece!uma!cidade!fantasma!
que!o!mau!tempo!assolou.!
!
!
A&Vila&&
!
!Se!Monteiro!Lobato!tivesse!conhecido!a!Vila!Judith,!não!teria!precisado!buscar!
inspiração!nas!fábulas!para!compor!personagens!fantásticos.!Na!“Vila”,!era!assim!que!
todos!a!chamavam!para!economizar!palavras,!seus!moradores!e!visitantes,!eram!pessoas!
incríveis.!
!
!
Dona&Elisa&
!
!Ela!era!pequena,!usava!vestidos!rodados,!avental,!chinelinhos!de!pano!alpargatas,!
lencinho!prendendo!os!cabelos.!Dona!Elisa!era!a!dona!da!vendinha!de!secos!e!molhados.!
Com!vassoura!de!guanxuma,!vivia!a!varrer!o!quintal!de!sua!vendinha!de!secos!e!
molhados!e!aviamentos!de!costura.!Era!séria,!“cara!fechada”,!nunca!vimos[lhe!um!
sorriso.!Na!segunda!vez!que!voltássemos!a!comprar!doces,!ela!já!não!nos!vendia,!
dizendo;!
![!Não!tem!que!comer!tanto!doce,!a!mãe!de!vocês!não!sabe!disso!não?!
Sobre!o!velho!balcão!de!madeira!ficava!o!baleiro!crescendo!aos!nossos!olhos.!Ao!
lado!o!armarinho!com!paçocas,!doces!de!abóbora,!de!leite!e!pé[de[moleque.!Do!lado!
direito,!no!chão!a!um!canto,!os!sacos!de!cereais!e!os!baldes!de!jabuticabas!a!olharem!
para!a!gente!com!seus!olhinhos!pretos!e!brilhantes.!Tudo!isso!no!escuro,!pois!havia!
pequena!janela!de!vidros!empoeirados!e!da!porta!dupla!somente!uma!das!folhas!era!
aberta.!Subíamos!a!escadinha!de!madeira!suja!de!terra,!pisávamos!no!assoalho!que!
rangia!aos!nossos!passos.!Batíamos!palmas,!ela!demorava!e,!quando!abria!a!cortina!de!
chita,!vislumbrávamos!sua!“cara!muito!brava”.!Em!certos!dias,!quem!surgia!pela!cortina!
era!Seu!Caetano.!Eles!nunca!se!olhavam!ou!se!falavam!à!nossa!frente.!É!por!achar!que!ela!
não!o!enxergava!que!nós!pensávamos!ser!ele!uma!caveira,!alma!penada,!vagando!por!ali.!
!!O!tempo!foi!passando,!chegou!o!asfalto!e!na!esquina!da!venda!da!Dona!Elisa,!a!
cerca!de!balaustra!velha!e!preta,!foi!substituída!por!muros!brancos,!muito!altos.!A!
vendinha!ficou!quase!escondida,!mas!a!Dona!Elisa!continuava!trabalhando!e!continuava!
varrendo.!Aumentou!sua!labuta!porque!agora,!ela!também!varria!toda!a!longa!calçada!da!
esquina,!até!na!beirada!do!asfalto,!no!meio!fio.!Não!sei!se!foi!um!carro!desgovernado!ou!
muito!abeirado!do!meio!fio,!ou!se!Dona!Elisa!desceu!da!calçada!para!varrer!também!o!
asfalto.!Mas!de!fato,!ela!foi!atropelada,!levada!para!o!Hospital!H.U.!e!alguns!dias!depois,!
faleceu.!

98!
!
Em!seu!misterioso!quintal,!só!víamos!as!copas!de!mangueiras,!laranjeiras,!
jabuticabeiras,!goiabeiras,!louro,!mamoeiros,!etc.!
!!As!frutas!e!verduras!que!vendia,!eram!desse!seu!imenso!quintal.!As!rendinhas,!
linhas,!sianinhas!e!algum!tecido,!vinham!de!São!Paulo.!Era!de!São!Paulo!ainda!que!
chegavam!os!mascates!e!fotógrafos!ambulantes!em!Londrina.!
!
!
Colcha&de&retalhos&
!
O!Zeca!apreciava!ficar!ouvindo!a!música!colchas!de!retalhos.!Recordava!da!
infância,!da!sua!cama!e!dos!onze!irmãos.!A!colcha!que!sua!mãe!Rosalina!costurava!para!
aquecê[los,!juntando!com!carinho,!pedaço!por!pedaço.!
!
!
Maquiagem&
!
Família!à!moda!antiga,!por!amor!uns!cuidam!dos!outros.!
!!A!menina!ficou!mocinha!e!maquiava!os!olhos!com!sombras!azuis.!O!tio!dela!não!
gostava.![!Para!quê!você!se!pinta?!Parece!uma!coruja.!–!É!pra!ficar!bonita,!tio.!–!Você!não!
precisa,!já!é!bonita!naturalmente.!Você!está!é!“enfeiando”!a!sua!beleza.!
!
!
&Dona&Judith&
!
Seu!Jairo!escolheu!o!nome!de!“Vila!Judith”,!para!homenagear!a!esposa!quando!
loteou!sua!fazenda.!Dona!Judith!era!pessoa!muito!boa!e!caridosa.!O!casal!doou!um!
terreno!muito!grande!para!construírem!a!Igrejinha!Presbiteriana!para!a!Vila.!A!Igrejinha!
ficava!no!mesmo!local!de!hoje,!lá!no!alto!da!Rua!Apucarana.!Dona!Judith!convidava!as!
crianças!da!redondeza!para!cantarem!na!Escolinha!Dominical,!queria!atrair!todos!para!
ouvirem!a!palavra!de!Deus.!!
Dona!Judith!ficou!doente,!morreu.!Seu!Jairo!se!entristeceu!tanto!com!sua!
ausência!e!logo!depois,!também!faleceu.!
Em!outros!tempos!não!se!via!asfalto!nessa!rua,!somente!um!grande!terreno!
baldio!antes!da!igrejinha!e!o!majestoso!pé!de!mangas.!Após!a!chuva,!os!poucos!carros!
que!passavam,!deixavam!por!suas!rodas,!duas!linhas!paralelas!que!subiam!até!a!frente!da!
igrejinha!e!sumiam.!As!crianças!brincando,!subiam!descalças!pelo!liso!batido,!deixado!
por!uma!roda,!e!desciam!pelo!liso,!da!marca!da!outra!roda,!cuidando!para!não!pisarem!ao!
lado,!fora!delas,!na!massa!mole!de!lama.!
Os!fiéis!daquela!Igreja,!muitos!anos!depois,!pediram!para!mudar!o!nome!da!Rua!
Apucarana!para!Professor!Samuel!Moura,!por!ter!sido!ele,!seu!honrado!e!antigo!
professor.!
Da!Rua!Apucarana,!a!gente!tinha!a!vista!da!Fazenda!Perobal.!Nossos!olhos!
desciam!pelo!vale!Rubi,!atravessavam!seu!riozinho,!subiam!pelo!pasto!onde!as!vacas!
ficavam!deitadas!descansando!à!sombra!de!pequena!árvore,!e!corriam!para!bem!mais!
longe,!no!horizonte,!obstruído!por!fileira!imensa!de!eucaliptos!e!mais!alto!que!eles,!a!
copa!frondosa!de!uma!peroba!marcando!presença.!
!

99!
!
!
!
Cinema&
!
Quando!a!Tia!Odila!era!mocinha!e!trabalhava!num!açougue,!seu!patrão!contou[
lhe!que!no!primeiro!cinema!de!Londrina,!ao!assistir!uma!cena!de!duelo!num!filme,!um!
dos!espectadores,!empolgado,!descarregou!seu!revólver!na!tela.!Era!comum!no!início!de!
Londrina,!homens!andarem!armados!pela!cidade,!igualmente!aos!“farwests”!de!filmes!
norte[americanos.!
!
!
Conselho&
!
Meu!amigo!Lourival!disse!que!viver!de!passado!não!faz!bem.!
Mas,!como!não,!se!o!passado!foi!todo!o!meu!bem?!
!
!
Voltar?&
!
Depois!de!velha,!a!menina!resolveu!voltar!a!estudar.!Alguns!tios!não!aprovaram.!–!
Mulher!casada!tem!que!ficar!em!casa.!Se!afastaram!também!do!marido!dela!porque!ele!
deixou!ela!estudar.!Mas!todas!as!tias!aplaudiram,!adoraram,!e!algumas!até!pensaram!em!
também!voltar.!
!
!
O&cavalo&do&pai&voltou&
!
Fazia!quase!quatro!anos!de!sua!partida,!quando!a!camionete!F[1000!voltou!para!
as!mãos!da!família.!Muito!esfolada!na!lataria,!feia,!com!aparência!de!cansada.!Rodou!
muito,!trabalhou,!carregou!muito,!mas!voltou.!Sob!a!direção!do!Zeca,!ela!subia!e!descia!
banguelas!e!pinguelas,!passando!por!cima!de!qualquer!obstáculo,!como!se!fosse!um!
cavalo!nas!rédeas!de!seu!dono.!Encurtando!caminhos,!burlando!a!urbanização!que!riscou!
asfaltos!sobre!ruas!tortuosas,!lamacentas,!por!ele!tão!bem!conhecidas.!Ignorando!as!leis!
da!civilização!moderna,!as!estradas!do!Zeca!era!ele!mesmo!quem!abria.!Impunha[se!o!
direito!de!quem!chegou!primeiro!como!os!indígenas!que!também!seguem!os!seus!
próprios!caminhos.!
!
!
Bemhtehvi&
!
Quando!ouvia!um!bem[te[vi,!o!Zeca!de!novo!lembrava!a!piada:!Um!português!
vindo!pela!rua!encontrou!perdida!no!chão,!uma!carteira!cheia!de!dinheiro.!Olhou!para!um!
lado!e!para!outro,!saber!se!ninguém!via.!Nesse!instante,!um!bem[te[vi!no!galho!alto!
começou!cantar!e!repetir,!bem[te[vi,!bem[te[vi.!O!português!com!raiva!chutou!para!bem!
longe!a!carteira!e!gritou;!
[!Nem!pra!mim,!nem!pra!ti.!

100!
!
!
!!!!!
Jogo&de&letras&
!
O!Zeca,!contava!essa,!meio!envergonhado;!A!professora!e!seus!alunos!iam!
receber!visitas.!Preocupada!para!os!alunos!não!falarem!errado!o!seu!nome,!Valgina,!
mandava[os!repetirem[no!muitas!vezes,!e!alertava!para!não!esquecerem[se!!do!“L”.!Para!
garantir,!perguntou!ao!“aluninho“!sapeca;!!
![!Joãozinho,!como!é!mesmo!o!meu!nome?!Mas!não!se!esqueça!do!“L”.!
Joãozinho!altivo!respondeu;!
[!É!bu[cle[ta!!
!
!
Pedra&de&anel&
!
Quando!abri,!para!ver!uma!última!vez,!os!olhos!de!meu!pai,!cujas!pálpebras!a!
enfermeira!havia!cerrado,!eles!ainda!brilhavam!verdes!como!pedra!de!anel.!
Vislumbraram!a!morte,!brilhando!do!mesmo!modo!como!vislumbraram!a!vida.!Um!dia,!
ele,!o!meu!pai,!me!deu!um!anel!de!pedra!água[marinha,!tão!miudinho!como!era!meu!
dedo.!Mas!aquele!azul!me!lembrava!os!olhos!do!Vô!Ville.!Os!olhos!das!pessoas!têm!brilho!
de!pedra!de!anel!e!transparecem!daquilo!que!lhes!vai!no!coração.!
!
!
Kirigame&
!
!A!colônia!japonesa!é!muito!presente!em!Londrina.!Sua!cultura!é!requintada.!Uma!
pessoa!que!representou!muito!bem!a!simpatia!desse!seu!povo!foi!o!“Circuite”.!Ele!era!
muito!jovem!e!tinha!algum!problema!neurológico,!porque,!a!todo!o!momento,!tinha!uns!
tremeliques!como!se!estivesse!levando!choques,!e!daí!seu!apelido!de!curto!circuito.!Ao!
encontrarmos!o!“Circuite”,!ele!vinha!logo!estendendo[nos!sua!mão!para!nos!
cumprimentar,!em!seguida,!pegava!sua!tesoura!e!se!punha!a!recortar.!Entregava!para!as!
crianças,!cirandas!de!papel!em!figuras!de!bonecos,!bichinhos!e!flores.!Era!sempre!um!
encontro!muito!agradável!e!as!crianças!pensavam;![!Porque!o!“homem!do!bijú”!não!é!
bonzinho!como!o!circuito!que!não!cobra!pelos!brinquedinhos?!“Circuite”,!como!era!
chamado,!alegrava!as!ruas!de!Londrina!e!mostrou[nos!como!é!bom!ser!recebido!com!
sorrisos!num!encontro.!
Tantos!anos!depois,!na!UEL,!encontrei!o!Ângelo,!artista!plástico!especialista!em!
kirigame.!Tão!gentil!como!o!“Circuite”,!foi!logo!com!sua!tesoura!desenhando!o!meu!rosto!
no!papel!e!doou[me!este!recorte!e!ensinou[me!kirigame,!sem!nada!me!cobrar.!
!
!
Torrador&de&café&
!
O!Zeca!trazia!grãos!verdes!de!café!e!a!Amélia!torrava!esses!grãos!num!fogareiro!
improvisado!sobre!tijolos!e!lenha.!Em!posição!de!genuflexão,!ela!ficava!girando!o!
torrador!e!dele!saía!um!cheirinho!bom!de!café!torrado!na!“fumacinha”!branca,!enquanto!
os!grãos!ficavam!cada!vez!mais!escuros.!Vez!em!quando,!ela!abria!a!janelinha!da!bola!do!

101!
!
torrador!para!enxergar!lá!dentro,!a!cor!dos!grãos!ficando!marrom!escuro,!até!chegar!no!
ponto!certo,!que!é!soltar!o!óleo.!Aí,!ela!jogava!os!grãos!na!peneira!para!abanar!e!esfriá[lo!
senão!eles!torravam!demais.!Depois!a!Amélia!levava!os!grãos!torrados!para!o!moedor!
elétrico!Walita,!que!usava!o!mesmo!motor!do!liquidificador.!Quanto!mais!fino!os!grãos!
moídos,!mais!forte!ficava!o!café!coado.!O!café!coado!ia!desde!café!“mijeta”!ou!“chafé”,!
os!fracos,!até!café!tinta,!o!mais!forte.!Os!cafés!muito!fracos!também!eram!chamados!de!
“água!de!lavar!espingarda”.!O!mais!apreciado!mesmo!era!o!café!forte,!tinta!preta.!E!café!
preto!era!o!não!misturado!ao!leite.!Havia!abundância!de!grãos!pela!cidade,!desde!
armazéns!a!fundo!de!carrocerias!de!caminhões!e!até!pelo!chão.!A!população!tinha!acesso!
fácil!aos!grãos!e!por!isso!vendiam!esses!torradores!pequenos!para!as!dona!de!casa!e!os!
moedores!eram!os!de!ferro!com!manivela.!Após!1965!surgiram!os!moedores!elétricos!
caseiros!e!pouco!conhecidos.!
O!torrador!de!café!em!desuso!ficou!pendurado!na!varanda!do!quintal,!então!uma!
corruíra!o!escolheu!para!seu!lar.!Fez!dentro!dele!o!seu!ninho!e!voltava!!a!ocupá[lo!todo!
ano!nos!meses!de!fevereiro!e!março.!O!Zeca!e!a!Amélia!não!tocaram!mais!naquele!
torrador!por!respeito!ao!ninho!da!corruíra.!Há!muito!tempo!naquele!quintal!não!tinha!
mais!nem!varanda!nem!torrador,!mas!para!se!despedir!de!mim,!uma!pequena!corruíra,!
construiu!seu!ninho!sobre!minha!janela!de!quarto!e!cantava!todas!as!manhãs!no!“pé!de!
goiabas”,!amarelas.!Me!lembrei!da!brincadeira!de!meus!pais,!dizendo!que!quando!a!
corruíra!faz!ninho!numa!casa,!é!porque!uma!das!moças!dali,!vai!em!breve!se!casar.!
!
!
Terra&molhada&
!
Ser!pé[vermelho!nunca!incomodou!o!Zeca.!Ele!tinha!prazer!em!se!refestelar!na!
poeira!e!na!lama.!Amava!o!cheiro!de!terra[molhada!e!nas!noites!de!chuva,!em!sua!cama!
sossegado,!sonhava.!Gostava!de!ouvir!os!pingos!da!chuva!escorrendo!pelo!telhado,!
retinindo!sobre!folhas!no!chão!ou!sobre!alguma!bacia!de!alumínio,!esquecida!no!quintal.!!
!
Vestígios&indígenas&
!
Quando!a!mãe!zangava!com!a!menina,!ela!se!enrolava!na!cortina!estampada!de!
hibiscos!cor[de[rosa,!depois!sentava[se!no!chão,!e!encoberta,!de!dentro!desse!tubo!de!
tecido,!a!menina!ficava!repetindo;!!
[!Pode!deixar,!aqui!não!fico!mais,!vou!embora!pro!Sertão!do!Laranjinha.!!
!Todo!o!mundo!queria!saber!de!onde!ela!tirou!esse!lugar.!A!menina!só!sabia!que!lá!
não!lhe!faltaria!alimento,!pois!em!sua!imaginação,!via!um!pomar!repleto!de!laranjeiras!
amarelinhas!brilhando!ao!sol.!
Muitos!anos!depois,!durante!uma!reunião!com!indígenas!no!museu,!a!menina[
velha!descobriu!que!existe!uma!Reserva!indígena!chamada!Laranjinha.!Ouviu!alguém!
dizer!que!morava!lá!no!“Laranjinha”.!A!menina[velha!não!se!conteve!e!correu!a!perguntar!
à!linda!moça,!onde!ficava!este!lugar.!
–!Fica!perto!da!Cidade!de!Bandeirantes.!Ela!respondeu.!
!
!
!
!

102!
!
A&cama&com&número&de&patente&&&&
!
Logo!de!manhãzinha!a!mãe!abanava!as!roupas!de!camas,!depois!enfiava!as!suas!
delicadas!mãozinhas!por!uma!fenda!caseada!no!colchão.!Aí!ela!remexia!seu!recheio!de!
palhas!de!milho.!Deixava!os!colchões!bem!fofos!e!então,!os!vestia!de!novo!com!os!lençóis!
e!fronhas!brancas!com!bordados!à!mão.!As!molas!vinham!presas!na!própria!cama!de!
madeira!torneada,!envernizada,!e!não!sei!por!que,!chamavam[na!de!“cama!patente”.!
!
!
&Ambulância&&&
!
Poucos!minutos!antes!do!pai!falecer,!a!menina[velha,!segurando!a!mão!do!pai,!
falou!ao!enfermeiro!socorrista;![!Ai!!Não!queria!que!meu!pai!voltasse!para!o!hospital,!ele!
já!ficou!três!meses!lá.!
[!Eu!sei!você!é!uma!das!duas!irmãs!que!ficavam!cuidando!dele.!
Sim,!pois!este!era!o!nosso!combinado;!
!!Regra!familiar!número!1:!Nunca!nos!separarmos,!fidelidade!até!o!fim.!Ainda!que!
esse!fim!fosse!passar!de!mãos!dadas!à!frente!da!porta!do!inferno.!E!ele!deu[nos!o!seu!
exemplo,!foi!o!primeiro!a!dedicar!sua!vida!inteirinha!para!nós.!
!
!
Sem&grades&
!
Não!havia!grades,!nem!cadeados.!As!portas!e!janelas!de!madeira!eram!fechadas!
por!tramelas!que!as!segurava!ou!prendia!só!para!evitar!a!invasão!de!algum!animal!xereta,!
pois!não!havia!ladrões,!mesmo!por!que!não!tinha!o!que!roubar.!Os!vizinhos!solidários!
repartiam!os!bens!de!consumo!e!produção!de!suas!hortas,!pomares!ou!cozinhas.!Assim!
os!pratos!típicos!de!cada!nacionalidade,!foram!sendo!misturados!em!todas!as!mesas!de!
Londrina.!As!pessoas!descobriam!as!diferenças!nos!modos!de!ser!e!de!viver.!
Respeitavam[se!mutuamente,!gentilmente,!porque!os!vizinhos!bons!e!parceiros!
mereciam!consideração.!
!
Amélia&e&Zeca&
!
Este!casal!será!tomado!como!ponto!de!referência!porque!as!histórias!que!este!
livro!vai!contar!giraram!em!torno!deles.!São!histórias!e!casos!de!pessoas!comuns!e!
anônimas,!as!quais!formaram!a!força!de!trabalho!na!construção!da!nova!sociedade!que!
nascia,!e!foi!com!seu!sangue!e!seu!suor!que!pariram!Londrina.!O!casal!Amélia!e!Zeca!é!o!
modelo!de!outros!que!carregaram!as!tradições!de!suas!famílias,!mas,!também!foram!a!
contradição!que!quebrou!tabus!e!abriu!novos!caminhos!na!mata!e!nos!corações,!dando!
passagem!ao!progresso!avassalador.!
!
O!Zeca!era!puro!tabu!e!a!Amélia!era!a!!transgressão.!E!foram!pessoas!assim!que!!
geraram!Londrina,!a!cidade!!progresso!em!constante!transformação!porque!!não!há!
tempo!para!parar.!
Neste!livro!estão!colhidas,!coletadas!e!recolhidas,!as!vozes!de!pessoas!que!contam!fatos!
e!situações!de!um!cotidiano!histórico!o!qual!não!aparece!nos!registros!oficiais,!mas!que!

103!
!
reuniram!o!pensamento!e!as!crenças!de!uma!sociedade!que!formou!!o!alicerce!de!um!
novo!estilo!de!vida.!É!um!estilo!otimista!o!qual!reconhece!nesse!espaço,!a!mina!de!ouro,!
a!possibilidade!de!enriquecer.!Estamos!em!2013!e!os!aventureiros!e!visionários!
continuam!chegando,!continuam!sendo!bem!recebidos,!ajudando!na!constante!
transformação!que!o!progresso!exige.!
No!título!deste!capítulo!Amélia!e!Zeca,!o!nome!de!Amélia!vem!na!frente!porque!
ela!foi!a!estrela!que!norteava!o!Zeca,!era!para!ela!que!ele!sempre!olhava!para!se!guiar.!!
Foi!por!ela!que!ele!se!aprimorou!em!tudo!que!fazia!e!planejava.!O!Zeca!escondia!seus!
pecados!da!Amélia,!pois!ela!era!enérgica,!não!aceitava!nada!que!fosse!errado..!Ele!foi!um!
menino!maroto!e!também!foi!assim!que!ela!passou!a!chamá[lo,!antes!da!derradeira!
despedida,!em!que!ele!voltou!a!ser!como!um!menino,!dependente!de!mínimos!cuidados.!
_!Meu!menino!grande!!Nesses!momentos!de!carência!e!de!!atenção!especial,!estarrecida,!
ela!seguia!a!rotina!!de!cuidados,,!assistindo!com!pesar!a!tragédia!que!se!abateu!sobre!ele.!
–!Porque!um!homem!ativo!e!fraterno!teria!que!sofrer!tanto?!!
–!Por!que!o!amor!deles!foi!terminar!assim?!Tanta!mágoa!e!tanta!dor.!Porém,!
esses!sentimentos!ele!não!externava.!Eles!eram!percebidos!por!todos,!através!da!tristeza!
que!invadiu!o!seu!olhar!verde,!se!azulando,!se!esticando!comprido!para!bem!longe,!para!
um!lugar!que!só!ele!via!e!revia!com!sua!alma.!
Eles!se!conheceram!e!se!apaixonaram!ainda!mocinhos,!ele!tinha!dezesseis!anos!e!
ela!tinha!doze.!A!Amélia!serviu[lhe!guaraná,!enquanto!trocavam!olhares!no!casamento!
de!sua!irmã!Olivia!com!o!irmão!dele,!o!Antonio.!
Cinco!anos!depois!voltaram!a!se!encontrar.!O!cunhado!Antonio,!o!Tonico!para!os!irmãos,!
foi!buscá[la!em!Ponta!Grossa!para!não!mais!deixá[la!voltar.!A!Amélia!moraria!então!com!
a!irmã!em!Londrina,!até!se!casar.!
Amélia!sempre!viveu!à!frente!daquele!tempo,!“dona!de!si”,!“queixo!duro”,!como!a!
madrasta!a!chamava.!Também!odiava!que!a!chamassem!de!“Amélia,!mulher!de!
verdade”,!pois!não!se!via!como!a!Amélia!da!canção,!a!que!achava!bonito!não!ter!o!que!
comer.!A!Amélia!do!Zeca!tinha!vaidade!sim!e!tinha!objetivos,!incentivou!o!Zeca!a!se!
superar!sempre!mais,!para!atingirem!juntos!seus!sonhos!e!ideais.!
O!Zeca!roubou!a!Amélia!para!se!casarem.!Naquela!época!isso!acontecia!muito!
com!casais!que!se!amavam!e!cujas!famílias!não!aprovavam!o!casamento.!Era!um!
subterfúgio!para!escaparem!aos!casamentos!arranjados!pelos!pais.!Portanto,!a!moça!
concordava!com!o!rapaz!e!combinavam!a!fuga.!
Depois!do!rapto,!era!melhor!que!realizassem!o!casamento,!pois!senão,!a!moça!e!a!
família!ficariam!desonradas!na!sociedade!moralista.!
!
!
Presença&
!!!!!!!!
Ele,!serrava,!pregava,!soldava,!e!pintava,!todas!as!artes!que!eu!pedia.!Só!que!no!
final,!elas!ficavam!do!jeito!que!ele!queria!ou!do!jeito!que!ele!sabia.!Tantas!vezes!a!gente!
discutia!!!
–!Tem!que!ser!assim!!!
–!Não,!tem!que!ser!assado!!
Agora,! a! menina,! vendo! aquelas! peças! (obras)! corroídas,! desbotadas,!
empoeiradas,!fica!pensativa:!!

104!
!
–!Te!agradeço!meu!pai,!pela!tua!teimosia!ou!pelo!teu!modo!de!sabedoria,!porque!
nelas!estão!impregnados!um!pouquinho!!de!tua!alma!e!quando!a!saudade!aperta,!posso!
tocar!concretamente!os!objetos!que!têm!um!pedacinho!de!você.!
!
!
Café&da&tarde&
!
Todos!os!cafés!que!tomavam!na!casa!da!Amélia!e!do!Zeca,!eram!muito!especiais.!
Fosse!pelos!quitutes!e!café!preparados!com!amor,!fosse!pela!companhia,!sempre!alegre,!
dando!importância!aos!amigos!que!ficavam,!tanto!quanto!aos!que!partiam!ou!voltavam.!
Esta!recepção!carinhosa!tornava!a!casa!deles!o!ponto!de!encontro!mais!gostoso!de!toda!
a!nossa!história.!Todas!as!tardes,!de!todos!os!dias,!por!volta!das!dezesseis!horas,!naquela!
mesa!farta!em!bolos!e!biscoitos!de!receitas!alemãs,!frios!e!pães,!torresmo!e!geléias,!e!o!
famoso!cafezinho!puro!de!Londrina,!a!Amélia!recebe!os!amigos!mais!queridos!do!casal.!
Que!Deus!lhes!abençoe!pela!fartura!da!mesa!e!do!coração.!
!
!
Surra&no&Judas&
!
Dona!Maroca!mineira,!e!suas!filhas,!montavam!um!boneco!de!pano!no!tamanho!
de!homem!adulto,!com!roupas!masculinas,!camisa!e!calças!velhas.!Era!na!semana!da!
Páscoa!e!a!turba!de!vizinhos,!excitada,!irrompeu!pelo!quintal,!espancando,!chutando,!
cuspindo!naquele!boneco.!A!menina!olhava!a!cena,!espantada.!!
–!Por!que!tanta!violência?!Pensou!ela,!se!tratar!de!um!homem!de!verdade.!!
Explicaram[lhe!que!era!o!Judas,!o!traidor!de!Jesus,!nosso!salvador.!!
–!Mas,!Jesus!não!gostava!de!vingança,!ele!até!dava!a!outra!face!para!lhe!baterem!!
A!molecada,!alvoroçada,!arrastava!o!Judas!pelos!terreiros!e!rua!poeirenta.!No!final!de!
tudo,!ainda!meteram[lhe!fogo.!Era!um!espetáculo!que!se!repetia!todo!ano.!Um!circo!de!
horror!e!facilmente!as!mulheres!e!as!crianças!aderiam!àquela!atrocidade.!
!
!
Clube&de&dança&
!
Existem!coisas!notáveis!e!inexplicáveis.!Algumas!ruas!ou!casas!parecem!estar!
fadadas!a!certos!destinos.!São!fluídos?!São!forças!ocultas!que!transcendem?!São!apenas!
coincidências?!Pois!hoje,!passei!pela!Rua!Rebouças!e!ao!notar!ali,!o!Clube!de!danças,!me!
recordei,!de!outros!tempos.!Na!mesma!rua,!uma!senhora!muito!animada,!a!Dona!
Virgulina,!ficou!conhecida!pelos!bailes!que!promovia!em!sua!casa,!ali!mesmo,!na!antiga!
serraria.!Também!era!grande!o!número!de!londrinenses!amigos!a!se!encontrarem!
naquela!rua!para!dançar!nos!bailes!de!Dona!Virgulina.!
!
!
A&turca&
!
A!menina!espiando!pela!cerca!de!balaustra,!viu!a!turca!gorda.!Um!lenço!
estampado,!escondia[lhe,!!os!cabelos,!e!a!saia!longa,!escondia[lhe!as!pernas.!Agachada!
no!meio!do!terreiro,!a!mulher!manipulava!uma!massa!branca!circular,!pressionando!

105!
!
sobre!a!pedra!cinza.!Alguém!disse!à!menina!que!aquele!era!o!modo!turco!de!se!fazer!pão.!
Costumes!estranhos!eles!tinham,!mas!as!roupas!dela!eram!tão!bonitas.!
!
!
Casinha&mictório&
!
Patente,!era!como!chamavam!o!vaso!sanitário!dos!mictórios.!Deve!ser!usado!esse!
nome!porque!nele!vinha!escrito!o!número!de!registro!da!indústria.!Isso!foi!depois!dos!
anos!1950,!pois!antes,!os!mictórios!eram!chamados!de!“casinhas”!e!construídas!nos!
fundos!dos!quintais,!longe!das!casas!devido!ao!eventual!mau!cheiro.!Eram!casinhas!de!
madeira,!suficiente!em!tamanho!para!esconder!apenas!uma!pessoa,!quando!ela!
executava!suas!necessidades!fisiológicas.!Dentro!das!“casinhas”!havia!um!buraco!no!
chão,!recortado!em!sua!madeira,!em!quadrado!de!uns!trinta!por!trinta!centímetros,!onde!
a!pessoa!poderia!se!aliviar,!sem!passar!pelo!buraco!e!cair!lá!em!baixo,!na!fossa.!Em!
algumas!o!buraco!era!recortado!sobre!um!suporte!de!madeira,!como!se!fosse!um!banco!
com!buraco!e!as!pessoas!podiam!sentar.!Nesse!pequeno!espaço!poderia!ainda!ser!
instalado!o!chuveiro!de!latão.!No!chuveiro!de!latão!colocava[se!água!temperada!com!
mais!fria!e!mais!quente,!conforme!a!preferência!da!pessoa.!Havia!no!latão!uma!alça!para!
a!pessoa!fechar!ou!abrir!a!ducha.!Talvez!por!isso!tenham!dado!nome!de!banheiro!ao!
mictório,!por!funcionarem!junto.!
!
!
A&menina&e&o&pai&
!
Era!uma!vez!uma!menina,!tão!pequena,!mas!tão!pequena,!que!cabia!no!bolso!do!
paletó!do!pai,!e!disso!ele!se!espantava!e!ria.!Todos!diziam!que!a!menina!por!ser!tão!
esperta!e!tão!pequena,!não!se!criaria.!
Mas!a!menina!crescia,!o!pai!feliz!sorria,!a!menina!crescia.!
A!menina!crescia,!o!pai!ensinava,!a!menina!aprendia.!
A!menina!crescia,!o!pai!encantado!sorria,!a!menina!crescia.!
A!menina!de!algo!precisava,!o!pai!socorria,!a!menina!crescia.!
O!pai!envelhecia,!a!menina!crescia,!o!pai!orgulhoso!sorria.!
A!menina!envelhecia,!o!pai!admirado!pela!rapidez!do!tempo,!sorria.!
Com!o!pai!e!a!menina!juntos,!a!vida!sorria.!
O!pai!adoeceu,!a!menina!sofreu.!
O!pai!sofria,!a!menina!envelhecia.!
O!pai!sofria,!a!menina!sofria.!
A!menina!envelhecia,!
O!pai!morria,!morria,!morria,!mor.......................................................................!
!
!
O&homem&que&amou&Londrina&
!
Se!houve!alguém!que!mais!amou!Londrina,!esse!foi!o!Zeca.!Ele!conhecia!sua!
mata,!toda!a!sua!madeira,!a!fauna,!a!flora,!hidrografia!e!até!sua!geologia.!Participou!de!
duas!gerações,!a!que!desmatou!e!a!que!construiu.!Em!uma!foi!madeireiro,!em!outra!foi!
construtor.!No!mesmo!lugar!em!que!derrubou!figueiras!e!perobas,!plantou!prédios.!

106!
!
Ajudou!a!demolir!o!prédio!do!Palácio!do!Comércio!e!ajudou!a!lhe!reconstruir.!Conhecia!o!
Lago!Igapó!de!quando!ele!era!ainda!um!fiozinho!de!água!e!depois!quando!!sinuoso!Lago,!
aproveitava!sua!barragem!para!lavar!seus!caminhões.!Nestas!ocasiões!levava!os!
sobrinhos!para!aproveitarem!nadar!e!brincar!em!suas!águas.!O!Zeca!não!abusava!não!
zombava!de!feitiço!nem!de!superstição!e!seu!temor!maior!era!o!desrespeito!às!leis!de!
Deus.!!!
!
!
Alerta&
!
A!menina!esperava!ansiosamente,!o!nascimento!dos!cachorrinhos!da!Alerta.!O!
pai,!!começou!a!dizer!que!a!Alerta!tinha!se!mudado!para!o!céu.!O!primo!esperto,!
moleque!danado!como!ele!só,!passou!o!dia!todo!falando!pra!menina!sobre!uma!
cachorrinha!atropelada!à!noite,!morta!pela!roda!de!um!caminhão.!O!moleque!
inconsequente!queria!levar!a!menina!ao!outro!lado!da!rua,!num!campinho!de!futebol!
para!ela!ver!onde!a!cachorrinha!estava!enterrada.!A!menina!chorava!e!chamava!o!primo!
de!mentiroso.!À!tardinha!o!moleque!não!se!aguentou!mais,!entrou!pelo!portão!do!
terreiro!do!caminhão,!arrastando!a!Alerta!por!uma!cordinha.!A!cachorra!morta,!tinha!a!
boca!aberta,!os!olhos,!parados,!estatelados.!O!pelo!preto,!malhado!de!branco,!estava!
sujo!de!terra!e!sangue!seco.!A!menina!começou!a!berrar!pela!cena!de!horror.!O!primo!
compôs!um!teatro!realístico,!não!teve!medo!de!apanhar!e!provou!que!não!era!mentiroso,!
mas!era!linguarudo.!
!
!
A&fuga&
!
!Os!noivos!avisaram!que!estavam!noivos.!Sem!festa!nem!alarde.!Mas!como!a!noiva!
não!era!aprovada!por!ser!descendente!de!alemães!e!ainda!órfã,!a!mãe!dele!avisou!que!
choraria!o!dia!todo!e!o!pai!do!Zeca!disse!que!iria!sumir!nesse!dia.!Os!dois!então!decidiram!
que!quem!sumiria!seriam!eles.!O!noivo!Zeca!escreveu!uma!carta!ao!sogro!e!pediu!a!mão!
da!Amélia!em!casamento.!O!sogro!era!moderno!e!alegre,!consentiu!e!os!esperaria!em!
Ponta!Grossa.!
O!casal!escondeu!a!“malinha!de!briga”!no!cafezal!e!esta,!continha!apenas!uma!
muda!de!roupa!cada!um,!para!não!levantarem!suspeitas.!A!Amélia!deixou!no!seu!
travesseiro!um!bilhete!de!despedida!para!a!irmã!e!o!pedido!de!perdão!pela!fuga.!Era!
preciso!seguir!seu!destino,!não!desejava!mais!ser!peso!a!ninguém.!A!irmã!Olívia!chorou!
muito,!o!cunhado!que!já!havia!se!tornado!como!irmão!mais!velho,!muito!se!ofendeu.!
!–!Que!ingratidão!e!que!vergonha!ela!sair!assim!da!casa!deles.!!
O!tempo!passou;!o!casal!de!irmão!e!irmã!mais!velhos,!compreendeu!a!situação!
dos!noivos!apaixonados,!se!reencontraram!e!os!quatro!nunca!mais!se!separaram.!A!
admirável!amizade!desses!dois!casais,!somente!a!morte!separou.!Os!quatro!ensinaram!a!
seus!filhos,!com!orgulho!se!tratarem!como!primos[irmãos.!
!
!
!
!
!

107!
!
Cacique&
!
O!Zeca!via!com!respeito!os!indígenas,!observava!e!admirava!a!dignidade!e!o!jeito!
de!ser!daquele!povo.!Identificava[se!com!o!cacique!no!que!diz!respeito!a!ordem,!
providencia!e!proteção!daqueles!que!lhe!são!caros.!Durante!as!refeições!a!família!
aproveitada!a!presença!de!todos!e!debatiam!assuntos!e!opiniões.!Ao!ser!contestado!em!
suas!regras!domiciliares,!o!Zeca,!só!nessas!ocasiões,!aumentava!o!seu!tom!de!voz!e!dizia!
ofegante;!!
[!Mas!eu!é!que!sou!o!cacique!desta!família!!
Todos!entendiam!que!não!era!controle!e!sim!desespero!por!cuidado!extremoso.!
Na!reunião!no!museu,!para!combinar!uma!exposição!indígena,!nenhum!deles!
assumiu!compromisso,!fazendo!questão!de!ouvirem!a!opinião!do!cacique,!e!esperarem!a!
permissão!dele.!
Ao!cacique!a!palavra!definitiva.!
!
!
Batizado&
!
Voltaram!para!a!“Vila”,!e!foram!morar!numa!das!casas!do!pai!do!Zeca.!Foi!ali!
mesmo!que!nasceu!a!primeira!filha!do!casal,!num!quarto!da!casa!de!fundos!da!Rua!
Maringá!com!a!Rua!Paranavaí,!mas!nesse!tempo!só!se!conhecia!a!Rua!Maringá.!Do!outro!
lado!da!rua!havia!um!cafezal!e!imensa!árvore!de!Figueira.!Os!batizados!das!crianças!
aconteciam!logo!em!seguida!ao!nascimento,!pois!se!os!bebês,!por!ventura,!ou!melhor,!
por!desventura,!contraíssem!alguma!doença!e!morressem!sem!batismo,!perderiam!suas!
alminhas,!devido!ao!pecado!original.!
Assim,!a!primeira!filha!da!Amélia!e!do!Zeca,!foi!logo!batizada!e!a!pedido!dos!avós!
portugueses,!recebeu!o!nome!de!Fátima,!em!consagração!a!Nossa!Senhora!de!Fátima.!
No!batizado!da!menina!os!padrinhos!vieram!de!Ponta!Grossa.!O!padrinho!
também!muito!festeiro!trouxe!bem!um!barril!de!vinho.!A!festa!durou!três!dias.!Era!tanta!
carne!assada,!salada!de!batatas,!macarronada,!bolo!e!etc.!Vinho,!cerveja,!guaraná!e!
refresco!de!vinho!com!açúcar!para!as!crianças.!Até!as!mulheres!dessa!vez!perderam!a!
linha!e!algumas!se!embriagaram!também.!A!criançada!brincava!solta.!Todos!os!vizinhos!
participavam!como!se!fossem!irmãos.!Era!tanta!alegria!quando!estavam!reunidos.!Em!
certo!momento,!do!outro!lado!da!Rua!Maringá,!entre!os!pés!de!café,!o!homem!“crente”,!
com!sua!bíblia!em!baixo!do!braço,!assistia!curioso!àquela!festa.!Os!bêbados!o!viram,!e,!
foram!buscá[lo!ao!colo!para!ele!também!participar.!Naquele!dia,!até!o!“crente”!teve!que!
beber.!
!
!
Casamento&
!
Os!noivos!fugiram!à!noite,!de!ônibus!para!Ponta!Grossa.!Lá!chegando!foram!
recebidos!com!grande!alegria!pelo!pai!e!parentes!da!Amélia!que!não!quis!vestir[se!de!
noiva.!Não!que!não!merecesse,!pois!tinha!se!conservado!pura,!mesmo!nesta!noite!da!
viagem.!Explicara!ao!Zeca!que!queria!casar[se!virgem!em!honra!à!sua!mãe!que!morrera!
quando!ela!tinha!apenas!cinco!aninhos.!

108!
!
Era!uma!questão!de!dignidade!em!honra!à!memória!de!sua!mãe,!e!o!Zeca!
compreendeu!e!respeitou!este!desejo!de!sua!amada.!O!pai!da!noiva!fez!uma!festa,!e!
abençoou!o!casal!que!se!casou!apenas!no!cartório.!O!Zeca!alugou!o!porão!da!casa!da!
irmã!mais!velha!da!Amélia,!a!Irene,!casada!com!Zé!Netto.!!Zeca!conseguiu!emprego!em!
uma!oficina!de!carros,!fazendo[se!passar!por!mecânico.!O!patrão!percebeu!a!mentira,!
mas!pelo!esforço!do!rapaz,!fingiu!acreditar!e!o!admitiu.!
Cinco!meses!depois,!a!mãe!do!Zeca,!arrependida,!foi!procurá[los!e!levar!a!
proposta!do!pai!dele,!oferecendo!vender[lhe!o!caminhão!Ford!“branquinho”.!O!Zeca!
trabalhara!de!motorista!dos!caminhões!de!toras!do!pai,!desde!seus!catorze!anos.!E!esta!
era!a!sua!profissão!escolhida.!Desta!vez!foi!a!Amélia!quem!compreendeu!e!respeitou!o!
desejo!de!seu!amado,!e!voltaram.!O!Zeca!continuou!trabalhando!para!o!seu!pai!até!
pagar[lhe!todas!as!prestações!do!caminhão,!mas!depois!seguiu!carreira,!solo.!
!
!
A&flor&do&mal&&
!
Quando!o!Zeca!descobriu!estar!com!câncer,!ficava!sentado!beirando!a!janela!da!
sala.!Observava!no!jardim!a!linda!parasita!de!folhas!em!zigue[zague!e!com!flores!
vermelho!sangue.!A!planta!crescia!vigorosa,!soltando!mais!raízes!no!tronco!de!árvore.!Ela!
ficava!cada!vez!mais!viçosa!enquanto!o!Zeca!sentia!as!forças!minarem!e!definhava!dia!a!
dia.!Ele!implicou!com!aquela!planta!e!pediu!à!Amélia!que!a!arrancasse!do!jardim.!
Associou!a!parasita!com!a!doença!que!o!matava.!Depois!de!sua!morte,!um!galho!dela!
brotou!lá!fora,!na!árvore!da!rua,!mas!nunca!mais!deu!flores.!
!
!
Flor&de&laranjeira&
!!!!!!!
A!noiva!escolheu!na!revista!o!seu!vestido!de!noiva.!Era!em!estilo!oriental,!árabe.!O!
vestido!era!longo,!com!cintura,!mangas!longas,!em!tecido!liganete,!um!tipo!de!malha!
acetinada!e!pesada,!a!qual!dava!um!bom!caimento!à!roupa!toda.!Por!cima!do!vestido!
vinha!uma!túnica!lisa!do!mesmo!pano,!e!nas!costas!ela!se!alongava!e!arrastava!pelo!chão!
no!lugar!do!véu!de!noiva.!Na!cabeça,!em!vez!de!grinalda,!um!turbante!que!escondia!os!
cabelos,!saindo!dele!uma!faixa!dupla!que!descia!pelos!ombros!até!os!pés.!Um!verdadeiro!
disparate!ainda!que!nos!anos!setenta.!A!família!não!se!conformava!!Chamaram!a!tia!mais!
velha!para!intervir.!A!noiva!batia!os!pés.!Não!entendia!qual!era!o!problema!com!aquela!
roupa!tão!linda.!A!tia!perguntava!se!ela!não!era!mais!virgem,!pois!não!queria!as!flores!de!
laranjeiras!nem!o!véu!símbolo!de!pureza.!–!Você!vai!desonrar!as!mulheres!de!nossa!
família?!!Não,!não!!Imagina!!Essa!data!é!para!a!satisfação!de!todos!que!se!amam!e!por!
isso!a!noiva!abdicou!do!vestido!maluco,!pois!sabia!que!qualquer!vestido!de!noiva!é!bonito!
e!que!valha!a!tradição!!Todos!ficaram!contentes,!mas!a!elegante!tia!ficou!com!pequena!
dúvida!sobre!a!sobrinha!irreverente.!
!
!
Todo&final&deveria&ser&feliz&
!
Ele!foi!mais!que!um!marido,!foi!como!pai!e!provedor.!Supriu!a!orfandade!dela,!
com!amor!de!esposo!apaixonado!e!pai!extremoso!aos!filhos!desta!união.!Ele!foi!rei!e!a!

109!
!
tornou!rainha,!rainha!do!lar!como!ela!mesma!brincava.!O!lar!deles!era!o!ponto!de!
encontro!e!o!abrigo,!onde!sempre!cabia!mais!um!e!todos!que!eles!conheciam.!Os!
sobreviventes!daqueles!dias!alegres!sabem!que!a!falta!dele!deixou!um!vazio!a!jamais!ser!
preenchido,!a!não!ser!pelas!boas!lembranças!dele.!Como!um!romance,!como!uma!ficção,!
assim!foi!a!vida!da!Amélia!e!do!Zeca.!
A!saúde!precária!esfriou!a!paixão!dos!dois!e!eles!estavam!vivendo!como!irmãos.!
No!rádio!e!na!televisão,!todos!cantavam!a!música!de!sucesso!do!momento.!O!Zeca!olhou!
para!a!Amélia!com!a!antiga!paixão!e!lhe!falou:!!
–!Esta!é!a!nossa!música.!!
–!“Tem!que!ser!você,!tem!que!ser!só!você,!não!tem!como,!nem!por!que,!sem!ser!
necessário!entender”.!
Pai,!eu!era!tão!pequenina,!um!ano!só,!e!você!me!feriu!na!alma,!quando!
acidentalmente!me!deu!aquela!primeira!e!última!cintada,!que!atingiu!meu!rosto.!O!
senhor!teve!sorte,!pois!contou!com!uma!vida!inteira,!para!corrigir!seu!erro,!aplacar!seu!
remorso.!Não!tive!a!mesma!sorte,!porque!também!feri!tua!alma!naquela!tarde!fatídica,!e!
pude!contar!com!apenas!um!ano!para!consertar!meu!erro!e!não!consegui.!!
–!Perdão!pai!!
–!O!senhor!teve!pena!de!mim!e!me!perdoou,!mas!eu!não.!Ainda!me!queima!o!
remorso!pelo!sofrimento!que!lhe!causei.!Vou!para!outra!vida!e!outra!e!todas!que!
existirem,!sentindo!essa!ferida!que!não!sara!nunca.!Numa!amizade!tão!perfeita,!não!
poderia!ter!havido!tamanha!ferida!!Quem!mais!tinha!a!agradecer!foi!quem!te!deu!a!
primeira!punhalada!de!morte.!
!–!Ah,!demônio!invejoso!!
!–!Não!suportou!nos!ver!tão!felizes!e!preparou!uma!armadilha!e!nos!separou!do!
modo!mais!doído,!envolveu!todos!que!nós!amávamos!e!tirou!o!senhor!de!nossas!vidas.!!
Você!nos!dava!joias!de!presente,!mas!na!verdade!o!senhor!é!que!era!o!nosso!
grande!tesouro.!Naquela!tarde!triste,!eu!só!queria!te!proteger,!te!alertar!da!arapuca!que!
o!senhor!estava!caindo.!Usei!palavras!duras,!te!atemorizei!com!consequências!funestas!e!
gritei!cheia!de!certezas.!
Mas!não!previa!que!o!senhor!já!havia!caído!no!engodo.!Foi!demais!para!sua!
cabeça,!abalei!seu!chão,!te!derrubei!do!pedestal!de!homem!de!respeito.!Também!te!fiz!
faltar!com!a!palavra!de!rei.!Te!desestruturei,!meu!amado!pai.!!
–!Perdão!!
No!outro!dia,!amargamente!me!dei!conta!de!que!quem!caíra!na!armadilha!do!
demônio!fora!eu.!Ao!te!ferir!tanto,!ao!iniciar!tua!decadência!física,!acabei!com!o!mundo!
perfeito!que!o!senhor!desenhou!para!sua!família.!
–!Por!que!eu!quis!ajudar!vocês?!!
–!Vocês!nunca!precisaram,!!sempre!se!resolveram!sozinhos!desde!muito!jovens.!!
–!Como!uma!filha!pode!saber!mais?!Vocês!saberiam!o!que!fazer!com!aquela!moça!
que!os!queria!separar.!Na!sua!vaidade,!ela!não!podia!imaginar!quantos!destinos!isso!iria!
afetar.!Deixasse!o!Zeca!e!a!Amélia!viverem!sossegados!e!unidos!no!crepúsculo!de!suas!
vidas.!Aqueles!olhos!verdes,!eram!só!para!a!Amélia.!O!Zeca!sonhador!e!romântico!ainda!
acreditava!poder!viver!um!resto!de!juventude.!A!Amélia!sábia!e!realista!reconhecia!e!
aceitava!as!etapas!naturais!da!vida.!A!moça!gananciosa!não!pensou!que!poderia!existir,!
para!ela!também,!em!algum!lugar!lhe!esperando,!um!bem!que!é!maior!que!status!e!
dinheiro.!!

110!
!
No!final!de!tudo,!o!Zeca!com!consciência!da!ilusão!sedutora,!se!declarou!à!
Amélia:!!
–!Me!enganei.!Hoje!eu!sei!que!tem!que!ser!você,!tem!que!ser!só!você,!sem!ser!
necessário!entender.!
E!assim,!ele!morria,!mas!a!vida!ainda!era!mais!forte!dentro!dele,!e!seus!olhos!
jamais!perderam!o!brilho!de!pedra!de!anel.!Depois!que!a!enfermeira!cerrou!suas!
pálpebras!no!leito!de!morte,!eu!os!abri,!para!a!derradeira!despedida!e!eles!estavam!
verdes,!brilhantes.!Olhos!estáticos,!mas!iluminados.!Levou!para!a!outra!vida!o!mesmo!
brilho!que!teve!nesta.!
!
!
Festa&Junina&
!
Ele!era!um!homem!piedoso!com!pessoas!de!qualquer!deficiência!que!as!deixava!
dependentes!de!outros!e!tratava[as!com!!muito!respeito.!Ele!como!pessoa!auto!
suficiente,!o!provedor!da!família,!não!podia!se!imaginar!nesta!mesma!situação,!mas!
tinha!esperança!de!contar!com!os!filhos!em!sua!velhice.!Porém!antes!de!partir!!ele!passou!
toda!dor!e!humilhação!que!um!homem!pode!suportar,!ao!ser!torturado!em!sua!doença.!
Naquela!tarde,!ao!voltar!de!uma!seção!de!hemodiálise,!com!o!!lado!esquerdo!do!
corpo!paralisado!pelo!A.V.C.,!!algum!movimento!deu!errado,!e!seus!parceiros!
inseparáveis,!o!filho!e!o!genro,!não!conseguiram!apoiá[lo!na!cadeira!de!rodas.!Então,!seu!
corpo!!alto,!ainda!pesado,!com!fraqueza!na!!única!perna!boa,!foi!aos!poucos!descendo,!!
como!um!edifício!em!implosão,!e!ele!ficou!de!joelhos!naquela!rua!que!foi!tão!sua.!Na!rua!
em!que!ele!imperou,!dia!a!dia!desde!quando!lá!só!havia!sua!casa!e!!outras!três.!Sua!
camionete!descia!e!subia!fazendo!interação!entre!os!vizinhos,!e!hoje!ainda,!quando!
algum!desses!mais!antigos,!ouve!um!ronco!de!F1000,!!logo!pensa;!
–!Parece!o!Seu!Zeca!chegando.!!
–!Todos!lhe!pediam!um!favor,!aqui,!outro!ali,!pois!ele!não!negava!nada!a!ninguém,!
conhecia!a!cidade!metro!por!metro!e!a!maioria!de!seus!habitantes!antigos.!Em!seu!
bairro,!organizava!famosas!festas!juninas,!nas!quais!compareciam!os!vizinhos!em!peso,!
mais!seus!parentes!e!também!vizinhos!dos!bairros!próximos.!Dias!antes,!os!seus!netos!e!
a!molecada!da!redondeza,!ajudavam[no!a!descarregar!lenhas!e!tábuas!da!camionete!e!
ele!montava!a!alta!fogueira!nos!últimos!terrenos!baldios!da!rua.!À!noite!da!festa,!sua!
satisfação!era!soltar!foguetes!e!distribuir!bombinhas!entre!os!moleques!sapecas.!A!
adrenalina!do!povo!subia!como!as!chamas!da!fogueira,!estalando!e!fazendo!brilhar!as!
faíscas!e!fagulhas.!A!Amélia!punha!seu!fogão!na!rua!para!estourar!pipocas!e!preparar!o!
quentão!de!vinho!e!de!pinga.!As!outras!mulheres!traziam!mais!bolo!de!fubá,!amendoim!
torrado,!canjica!e!mais!docinhos!de!leite,!de!abóbora,!de!coco.!!A!batata!doce!ficava!
assando!na!fogueira!para!o!final!da!festa.!As!mocinhas!naquele!mês!se!encarregavam!de!
espalhar!os!convites!e!distribuir!a!ajuda!para!confeccionar!bandeirinhas!e!toalhinhas!de!
papel!e!guarnecer!as!cestinhas!de!doces.!Na!noite!esperada,!todos!surgiam!a!caráter,!
vestidos!de!caipiras!como!eram!as!roupas!dos!primeiros!trabalhadores!da!cidade.!(Eram!
vestidos!de!algodão!chita!de!florzinhas!e!babados,!chapéu!de!palha!decorado!com!fitas!
de!cetim,!vermelhas!e!rosas.!Os!homens!de!calças!remendadas!como!os!trabalhadores!
da!roça!e!camisas!xadrez.!Alguns!convidados!também!traziam!bombas!e!foguetes!e!no!
auge!da!animação!o!céu!ficava!!pintado!como!os!quadros!de!Pollok,!pois!os!rojões!
explodiam!em!pingos!!de!muitas!cores,!chamados!!chuva!de!lágrimas.!

111!
!
!
Contemplação&
!!!!!!!
Implorei!aos!enfermeiros!para!não!tirarem!ele!daquela!cama!encostada!na!janela,!
porque!enquanto!ele!via!a!lua!ou!os!passarinhos,!esquecia!um!pouco!sua!dor!e!sua!
angústia!de!estar!preso!àquela!cama.!
Ao!chegar!pensei!ter!ele!perdido!a!razão.!Olhou[me!sorrindo,!brilho!nos!olhos,!foi!
falando!que!o!passarinho!nesta!tarde,!tinha!voltado!muito!bravo,!dando!bronca!em!
todos,!espantando!outros.!Ele!pôs!ordem!nos!ninhos.!
–!Tem!que!ver!a!barulheira!dele!!
Sobre!a!janela!do!quarto!de!enfermaria,!haviam!ninhos!em!alguma!abertura!de!
telhado,!e!ele,!meu!pai!doente,!acompanhava!o!movimento!de!vai!e!vem!da!passarada!e!
dos!bandos!voltando!à!tarde!para!a!mata!atrás!do!hospital.!!
Noutra!noite,!pensativo!e!calmo,!me!perguntou;!
–!Aquela!roda!brilhante!é!uma!lâmpada!ou!a!lua!mesmo?!
–!Pôxa,!é!a!lua!mesmo?!Que!bonita!!Como!ela!está!grande!!
–!De!dentro!do!inferno,!da!janela!dele,!sua!alma!romântica!conseguia!contemplar!
na!natureza,!a!presença!de!Deus.!
!
!
Casamentos,&e&não,&e&sim,&ou&arranjados.&
!
No!ginásio!minha!amiga!começou!a!desmaiar.!Chorava!muito,!a!semana!toda.!Ela!
era!descendente!de!turcos!e!estava!prometida!em!casamento!a!um!homem!da!terra!de!
seu!pai.!Ela!nem!mesmo!o!conhecia!e!por!isso!o!seu!desespero.!Após!a!aula!ela!me!pediu!
para!acompanhá[la!até!sua!costureira!para!provar!uma!roupa!nova.!Passamos!
primeiramente!em!sua!casa.!Era!um!quarto!entre!uns!quarenta!quartos!do!predinho!no!
qual,!o!térreo,!era!o!armazém!de!beneficiamento!de!café!de!seu!pai.!Passamos!entre!os!
saqueiros,!homens!fortes,!sem!camisas,!carregando!nas!costas!arqueadas,!as!sacas!de!
café!em!grãos.!Eles!nos!olhavam!com!respeito!e!curiosidade!o!que!me!fez!pressentir!uma!
atmosfera!de!desgraça.!Subimos!uma!escadinha!estreita!e!alta!na!lateral!do!prédio!para!
chegar!ao!velho!quarto!dela.!Tudo!muito!simples!e!pobre;!uma!cama!e!uma!penteadeira,!
onde!se!olhando!no!espelho,!Jade!encheu!o!rosto!de!“pó[de[arroz”!rosado,!penteou!os!
cabelos!rapidamente!e!rapidamente!saímos.!A!cada!esquina!ela!olhava!preocupada!que!
alguém!a!visse,!e!desse!modo,!eu!mais!me!assustava!porque!também!não!havia!avisado!
meus!pais!que!saí!da!rota!da!escola.!O!caminho!mostrava[se!longo,!não!chegávamos!
nunca!!Reclamei!que!teria!problemas!em!casa,!pois!ia!me!atrasar!muito.!Mas!ela!
implorava!que!eu!a!acompanhasse.!Finalmente!chegamos!e!com!espanto!vi!que!era!a!
casa!de!minha!tia!e!ela!nem!costurava!“para!fora”,!como!se!dizia.!A!Jade!tinha!ido!lá!
porque!estava!apaixonada!pelo!meu!primo,!um!rapazinho!que!tinha!o!dom!de!fazer!todas!
as!meninas!desmaiarem!de!amor.!Ela!me!enganou!sobre!ir!a!uma!costureira,!mas!
também!se!espantou!quando!viu!que!o!rapaz!era!meu!primo.!Ela!nem!precisava!ter!tido!
tanto!trabalho!e!mistério!para!encontrá[lo.!A!tia!ficou!contente!por!minha!visita!e!serviu[
nos!um!delicioso!lanche.!Na!volta,!meu!belo!e!carismático!primo!nos!acompanhou!até!a!
esquina!do!armazém!de!café.!Vimos!a!Jade!entrar!pela!portinha!lateral!e!depois!acender!
a!luz!na!janela!de!seu!quarto.!A!Jade!nunca!mais!voltou!às!aulas!e!dizem!que!seu!pai!a!
mandou!para!São!Paulo.!Anos!passados,!logo!que!me!casei,!ao!entrar!em!um!ônibus!

112!
!
circular,!vi!a!Jade!sentada!em!um!dos!bancos,!juntamente!com!outra!moça.!Elas!estavam!
acompanhadas!por!quatro!crianças!e!a!menor!estava!no!colo!da!Jade.!Seus!trajes!eram!
soberbos,!elegantes!e!ricos.!Ela!estava!coberta!de!joias,!os!cabelos!negros,!soltos,!a!pele!
muito!branca.!Estava!mulher!e!muito!bem!tratada.!Desceram!no!ponto!seguinte.!A!Jade!
me!olhou!como!se!nunca!tivesse!me!visto!na!vida,!desceu!puxando!os!filhos,!deu[me!as!
costas!e!sumiu.!Ela!havia!sido!totalmente!absorvida!pela!vida!que!o!pai!dela!lhe!
escolhera.!Mas!ela!estava!muito!bem.!!
!
!
Tabu&
!
Para!merecer!usar!vestido!de!noiva!e!grinalda!em!seu!casamento,!a!moça!tinha!
que!ser!virgem.!Algumas!moças!ao!perderem!a!virgindade,!burlavam!a!tradição!e!se!
utilizavam!de!artimanhas!para!esconderem!seu!segredo!daquela!sociedade!sempre!
atenta!e!crítica!dos!costumes.!A!maioria!dos!rapazes!abandonava!a!noiva,!caso!ela!se!
entregasse!a!ele!antes!do!casamento,!pois!mesmo!que!a!amasse,!ele!acreditava!que!se!
ela!não!fora!forte!para!com!ele,!também!não!o!seria!com!outro!e!provavelmente!o!trairia!
depois!de!casada.!O!casamento!era!uma!“passagem”!para!a!vida!adulta,!para!a!liberdade,!
para!a!vida!própria,!e!era!assim!que!as!ingênuas!moças!acreditavam.!As!decepções!
surgiam!logo!depois;!menos!liberdade!ainda,!muito!trabalho,!opressão!social,!e!ainda,!
para!muitas,!a!traição!do!esposo.!Se!a!esposa!demonstrasse!satisfação!sexual,!era!tida!
como!leviana!e!com!tendências!à!vadiagem.!Mas!esse!rigor!todo!foi!antes!dos!anos!
cinquenta,!depois!disso!as!mulheres!já!estavam!conquistando!seus!direitos.!!
A!menina!havia!crescido,!e!sua!juventude!pertencia!aos!anos!setenta,!mas!o!pai!
era!ainda!muito!tradicional.!Sua!filha!era!moderna,!não!queria!se!casar!vestida!de!noiva.!
Não!queria!entrar!na!igreja!fantasiada!de!noiva,!isso!era!coisa!do!passado!ignorante!e!
nem!sua!mãe!Amélia!se!casou!vestida!de!noiva.!O!pai!da!menina!moça!fez!bico,!ficou!
frustrado,!sonhara!sempre!com!uma!grande!festa,!a!igreja!repleta!de!amigos!e!ele!
conduzindo!a!menina!noiva!até!o!altar!da!celebração.!O!noivo!também!“fechou!a!cara”,!
ele!nunca!nem!queria!se!casar,!mas!já!que!se!apaixonou,!desejava!mostrar!aos!amigos!
como!se!regenerou.!O!noivo!abandonou!a!vida!boa!e!se!comprometeu!com!o!futuro!
sogro,!no!dia!em!que!pediu!a!mão!da!menina!em!casamento.!Era!ainda!pobre,!mas!à!
menina,!nada!faltaria,!e!assim!foi.!O!noivo!era!moderno,!e!essas!regras!sociais!não!
existiam!mais.!Mas,!para!levar!a!filha!do!Zeca,!só!assim.!O!noivo!reclamava:![!Isso!era!
jogo!duro!!Não!era!jogo!não.!Era!questão!de!princípios!e!de!amor!!E!por!questão!de!amor,!
a!noiva!aceitou!realizar!o!sonho!do!pai!e!do!noivo.!Casou[se!vestida!de!branco!com!véu!e!
grinalda!de!flores!de!laranjeiras,!virgem!e!bela,!ao!som!da!“ave[maria”.!Chorou!
caminhando!no!tapete!vermelho,!de!braços!com!o!pai,!depois!com!o!esposo,!deixando!
no!altar!a!mãe!emocionada,!enquanto!o!novo!casal!passava!entre!os!olhares!e!os!sorrisos!
dos!convidados.!A!menina!depois!compreendeu!as!razões!do!pai!e!do!noivo.!Nunca!se!
arrependeu!da!felicidade!de!ter!vivido!momento!único,!mas!compartilhado!com!tantos!
parentes!e!amigos.!!
Na!despedida!da!casa!!simples,!de!madeira!,!onde!a!menina!foi!tão!feliz!com!os!
pais!e!irmãos,!o!!esposo!levou!as!malas!da!!jovem!esposa!para!o!carro.!O!pai,!ninguém!
sabe!ninguém!viu,!nem!!mesmo!a!menina!que!queria!se!despedir.!!O!Zeca!se!retirou!!
constrangido!e!emocionado.!A!noiva!e!a!mãe!no!portão!se!despediam.!A!mãe!Amélia,!!

113!
!
tinha!a!voz!embargada!,!pois!também!entregava!a!filha.!As!duas!se!abraçaram!chorando.!
–!Será!mesmo!que!ela!ia!ser!feliz!com!a!outra!família?!
!
!
Acima&dos&Tabus&
!
A!Amélia!quando!se!irava,!fazia!o!inferno!!O!Zaraque!havia!conquistado!seu!ódio!
quando!fez!gestos!obscenos!para!a!sobrinha!que!passava!férias!na!casa!dela.!Mas,!um!
belo!dia,!o!rapagão!topetudo!vacilou!e!invadiu!o!quintal!da!Amélia!para!roubar!mangas.!
Ah!!Agora!não!tinha!mais!como!ele!sair!dali!!A!não!ser!com!a!cabeça!aberta!e!os!miolos!
para!fora.!Pelo!menos!era!isso!que!a!Amélia!prometia,!plantada!no!caminho,!com!uma!
balaustra!de!cerca!na!mão.![!Passe!por!mim!e!eu!te!mato,!vagabundo!!
A!Dona!Maroca!enfiou!a!cabeça!pelo!buraco!do!xadrez!da!janela!e!gritava!
preocupada;!
–!Dona!Amélia,!não!faz!isso!não,!pelo!amor!de!Deus!!A!mãe!dele!tá!grávida,!pode!
perder!o!bebê!!!
–!Ah!!Mas!é!isso!mesmo!que!eu!quero.!Melhor!morrer!do!que!nascer!no!mundo!
outro!moleque!atentado!como!esse!!!
O!rapagão!valentão,!o!qual!metia!medo!em!todos!e!xingava!palavrões,!ali,!tremia!
e!suplicava!para!sair!com!vida.!Foi!uma!luta!até!a!Amélia!se!acalmar!e!conter!o!seu!desejo!
de!matar.!Aos!poucos,!foi!ficando!com!pena!da!mãe!dele,!fez[se!de!distraída!e!deixou!o!
moleque!pular!a!cerca!e!se!escafeder.!Naquela!rua!ele!nunca!mais!nem!passou.!!
–!Será!que!o!nome!Zaraque!vem!de!azar?!
!
!
O&nó&que&nos&une&
!
Naquela!aula!a!fotografia!tinha!estabelecido!um!nó!de!nós!três:!o!Zeca,!a!
professora!Fernanda!e!eu.!
–!Quem!é!ele?!Parece!que!eu!conheço...!Esta!fotografia!me!é!tão!familiar?!...!
!–!Esta!foto!meu!pai!tirou!há!alguns!anos!atrás,!lá!no!museu!de!Londrina,!no!túnel!
do!tempo.!!
A!professora!Fernanda!então!sorriu!e!relembrou,!que!quem!criara!o!túnel!do!
tempo!era!ela.!
Contei[lhe!então!da!brincadeira!dele!e!sua!performance!com!esta!fotografia!
estilizada:!
“No!domingo!quando!chegamos!para!visitá[los,!na!sala!havia!um!porta!retrato!
com!a!fotografia!de!um!senhor!em!trajes!antigos,!boina!e!bengala.!Parecia!um!visconde!
em!sua!imponência.!Aí!o!Zeca!falava!a!todos;!Vejam!que!surpresa!eu!tive!ao!visitar!o!
museu,!encontrei!a!foto!de!um!antepassado!igualzinho!a!mim.!Todos!olhavam!pensando!
como!podia,!se!nunca!souberam!desse!parente!desconhecido.!Então!alguém,!depois!de!
bem!se!atentar,!perguntou!ao!Zeca;![!Mas!o!seu!parente!Visconde,!perdeu!o!dedo!
mindinho,!na!serraria!também?”!
!
!
!
!

114!
!
Varais&
!
As!mulheres!de!Londrina!sempre!sofreram!com!o!pó!vermelho!desta!terra!
ferruginosa.!Lavavam!esfregando!no!tanque,!as!roupas!da!família,!e!esticavam[nas!ao!
sol,!nos!longos!varais!de!arames!esticados.!Às!vezes,!o!peso!das!roupas!molhadas,!
balançando!ao!vento,!fazia!arrebentar!o!varal.!As!mulheres!então!xingavam!até!não!
poderem!mais.!Desse!modo!a!menina!aprendeu!quantos!palavrões!podem!existir.!
(poesia[!Que!encanto!existe!num!varal.!Balançando!ao!vento,!misturando!as!cores,!e!as!
roupas!vão!se!abraçando!como!fazem!em!família,!os!donos!delas.!Incluir!desenho!de!
varal!em!aquarela).!
!
!
Colar&de&pérolas&
!
O!Zeca!deu!um!colar!de!pérolas!para!a!Amélia.!A!menina!notou!que!os!cordões,!o!
de!pérolas!e!o!de!dentes,!eram!iguais!e!perfeitos!até!na!cor.!Aí!então,!a!menina!já!não!
sabia!o!que!era!mais!bonito;!o!colar!ou!o!sorriso!da!mãe.!
!
!
Pena&
!
Em!uma!das!noites!na!sala!de!gravuras,!o!Manu!perguntou!ao!professor!Cláudio,!
onde!estava!a!caneta!de!“bico!de!pena”.!
–!É!de!“pena”!mesmo!não!é?!
–!Sim,!ela!estava!aqui.!
–!Essas!canetas!eram!usadas!só!por!gente!importante,!os!grandes!!Comenta!o!
Manu,!e!continua,!
–!E!a!melhor!marca!era...!
Só!sei!que!eu!já!não!ouvia!mais!a!conversa!deles,!pois!olhando!para!aponta!da!
caneta,!me!veio!o!desejo!de!pedir!para!escrever!um!pouquinho!só!com!ela.!Queria!
reproduzir!a!mesma!sensação!de!tantos!anos!atrás.!Era!ainda!menina,!chegando!em!casa!
com!minha!irmãzinha,!ouvi!minha!mãe!falando!de!uma!surpresa!!do!nosso!pai.!Sobre!a!
mesa!estavam!duas!canetinhas!vindas!do!Japão.!A!minha!era!amarela.!As!canetas!de!
“bico!de!pena”,!daquelas!dos!!“grandes”!,!dos!homens,!importantes,!o!meu!pai!mesmo!
teve.!Porém,!esta!era!minha,!podia!experimentá[la,!enchê[la!de!tinta!como!meu!pai!
estava!fazendo,!nos!explicando!seu!uso.!Depois!ele!mesmo!com!suas!mãos!enormes,!
ainda!com!resquícios!de!graxa!de!caminhão,!também!escreveu!umas!palavras.!Desenhou!
letras!trabalhadas,!enquanto!nos!falava!de!sua!avó!materna.!Mulher!“letrada”,!isto!queria!
dizer!estudada.!E!ia!!imitando!a!letra!de!sua!avó,!igual!aquela!do!cigarro!Continental,!!
enquanto!o!verde!de!seus!olhos!!se!esparramava!sobre!nossas!mãozinhas,!na!esperança!
de!um!dia!sermos!também!“letradas”.!As!meninas!irmãzinhas,!“experienciavam”!as!
canetinhas!“bico!de!pena”,!e!iam!pensando!onde!estava!!a!!pena!de!galinhas?!Hoje,!pena!
tenho!eu,!de!tanta!saudade!de!meu!pai.!
!
!
!
!

115!
!
Passava&a&boiada&
!
Quando!ouço!alguém!cantar;!ali!passava!boi,!passava!boiada,!recordo!de!minha!
infância!na!Vila!Judith.!O!Zeca!comprou!um!terreno!de!1000m²!na!Rua!Apucarana,!entre!
o!pasto!de!uma!fazenda!loteada!e!o!cafezal!na!Rua!Maringá.!Dizia!ele!que!o!melhor!
rendimento!para!o!dinheiro!é!comprar!terreno.!Um!homem!precisa!de!um!pedaço!de!
terra!para!construir!o!mundo!todo!seu.!
–!Terra!só!valoriza,!não!enferruja,!não!perece.!!
Pensava!no!futuro!de!sua!família!e!pensava!em!fugir!do!aluguel.!Construiu!então,!
naquele!pedacinho!de!céu,!sua!primeira!casa.!Com!seu!próprio!caminhãozinho!foi!em!
Umuarama!buscar!mais!madeira!peroba,!escolheu!o!lado!do!lote!onde!já!havia!o!poço,!e!
ajudou!o!carpinteiro!construí[la.!Tudo!era!feito!com!sacrifício,!mas!para!durar!para!
sempre.!Demorou!um!pouco!mais!a!fazer!a!cerca!de!balaustras,!enquanto!isso,!as!
crianças!corriam!livres!pelo!quintal!gramado!e!florido.!A!Amélia!plantou!uma!semente!de!
Pinheiro!de!sua!terra!natal,!ele!plantou!um!pé!de!Cedro!e!uma!Paineira.!Vez!em!quando,!
ouvia[se!um!som!estranho!de!berrante,!a!mãe!gritava!para!os!filhos!entrarem!rápido!em!
casa.!O!pai!ensinava!para!não!fazerem!nada!que!assustasse!o!rebanho,!pois!um!estouro!
de!boiada!destrói!tudo,!é!perigoso.!
Da!janela!eles!ficavam!observando!a!boiada!passar!e!descer!a!Viela,!atualmente!
chamada!Travessa!Araxá.!Os!filhos!deste!casal!nunca!tinham!visto!um!boi!de!perto,!
quanto!mais!uma!boiada.!O!boiadeiro!seguia!tocando!alto!o!seu!berrante,!talvez!para!nos!
impressionar.!O!barulho!das!patas!pisando!o!chão!vinha!embolado!com!a!poeira,!e!
crescia!conforme!descia!pela!Rua!Paranavaí.!A!poeira!levantava!vermelha,!e!de!dentro!
dela!só!apareciam!às!paletas!e!os!olhos!arregalados!dos!bois!desvairados.!Rapidamente!a!
poeira!assentava,!nisso!deixava!um!silêncio!ensurdecedor,!como!num!filme!de!câmera!
lenta,!nos!movimentávamos!maravilhados!de!terror.!
!
!
Deselegância&
!
Fui!deselegante!com!minhas!cunhadas!e!servi!o!maior!pedaço!de!doces!para!o!
meu!pai.!É,!minha!gratidão!a!ele,!era!maior!que!minha!educação.!Ele!nem!percebeu!isso!
porque!estava!acostumado!com!a!fartura!em!nosso!lar.!Creio!que!as!cunhadas!me!
entenderam,!elas!conheciam!a!generosidade!dele!e!como!eu,!percebiam!o!dia!da!
despedida!se!aproximando.!
!
!
UEL&
!
UAU!!É!a!UEL!!Que!privilégio!é!esse!espaço.!Quanta!beleza!em!sua!natureza!e!nas!
pessoas!que!por!ali!passam.!
!
!
Vestibular&
!
Os!grupos!de!jovens!se!cruzavam!à!minha!frente,!num!burburinho!frenético,!indo!
e!vindo.!Era!uma!massa!de!calças!jeans!e!celulares!nas!mãos.!Através!da!massa,!eu!via!

116!
!
um!cenário!com!bosque!de!árvores!centenárias!e!pássaros!canoros!em!seus!galhos.!Um!
pouco!adiante,!a!casa!do!imigrante!e!bem!atrás!de!mim,!a!cópia!da!primeira!igrejinha!de!
Londrina.!Havia!uma!luz!clara!intensificando!os!tons!de!verde!e!de!azul.!Num!arbusto!
magro,!o!macaco!dava!o!show.!As!meninas!se!encantavam,!jogavam!guloseimas!para!
ele,!que!não!deixava!nada!passar!despercebido!de!seus!olhinhos!vivos!e!redondos.!Tinha!
uma!confusão!de!sons,!e!entre!estes,!o!único!por!mim,!claramente!identificado,!era!a!voz!
de!meu!pai,!contando!sobre!esses!macacos!serelepes,!ao!se!comprazerem!atacando!os!
quintais.!Eles!transformavam!os!varais!das!lavadeiras,!em!um!grande!circo,!brincando!
com!as!roupas!em!seus!malabarismos.!As!“donas!de!casa”!não!podiam!com!eles!e!se!
fechavam!em!casa!com!as!crianças.!Pelas!frestas!de!portas!e!janelas!de!madeira!pesada,!
elas!espiavam!os!macaquinhos!arteiros!bagunçando,!mordendo!coisas,!cheirando,!
comendo,!rasgando,!esparramando!tudo!até!cansarem.!Então!partiam!satisfeitos,!
deixando!o!recado!de!que!aquele!território!era!deles!e!só!deles.!
Imaginei[me!invisível!e!por!isso!não!tive!vergonha!de!deixar!as!lágrimas!
escorrerem!de!meus!olhos,!em!pleno!calçadão!da!UEL.!Porém,!eu!não!estava!tão!
transparente!assim,!pois!um!rapaz!muito!bonito!se!aproximou.!Ele!tinha!cabelos!crespos!
castanho[escuro,!pele!bem!branca!e!trajava!calças!jeans!e!camisa!clara.!Este!moço!fazia!
parte!daquele!cenário,!onde!pouco!antes,!estava!sentado!a!um!banco!e!lendo!distraído.!
Preocupado!perguntou[me:![!A!senhora!não!está!bem?!Posso!ajudá[la?!Respondi!não!ser!
necessário,!eu!chorava!de!emoção,!de!saudades!de!meu!pai!e!de!uma!vida!linda!que!se!
acabara!a!apenas!três!dias!atrás.!O!bom!rapaz!me!deu!atenção,!ficou!conversando!e!só!
aceitou!se!afastar,!depois!de!me!acompanhar!até!a!sala!onde!eu!faria!a!prova!de!aptidão.!
Diante!de!situação!tão!drástica,!de!tão!pouco!tempo!de!falecimento!de!um!ente!
querido,!eu!não!deveria!estar!ali,!fazendo!vestibular.!Mas,!que!diferença!faria!chorar!em!
casa?!As!lágrimas!não!precisavam!me!impedir!de!continuar.!Talvez!no!inconsciente,!estar!
ali!no!Perobal,!fosse!uma!homenagem!a!ele,!a!eles,!que!a!duras!penas!conquistaram!esse!
espaço!e!aqui!se!estabeleceram.!Não!devo,!abandonar,!virar!a!página!e!simplesmente!
seguir.!Sinto!que!preciso!terminar!algo!antes.!Será!que!é!o!registro!da!história!deles?!
!
!
Fotohpintura&&
!
O!último!objeto!a!ser!retirado!de!nossa!velha!casa,!foi!o!retrato!do!Zeca.!Pintado!e!
emoldurado!à!moda!dos!anos!quarenta,!encomendado!de!um!fotógrafo!de!São!Paulo,!
pela!Rosalina!para!homenagear!seu!lindo!filho.!Falei!para!a!Amélia!que!o!capitão!é!o!
último!a!abandonar!o!navio.!Ela!riu!e!comentou!que!a!pintura!por!cima!da!fotografia,!não!
fazia!juz!à!beleza!do!capitão!e!que!a!moldura,!agora!tão!brega,!fazia!sucesso!na!
sociedade!e!era!objeto!de!arte.!A!avó!Rosalina,!mandou!fazer!destes!retratos!para!todos!
os!filhos!e!assim!todas!as!outras!mães!faziam.!Eram!também!usados!como!lembrança!de!
casais!em!matrimônios!e!colocados!nas!paredes!das!salas.!O!que!me!atrai!nessas!fotos!
pinturas!é!a!sua!possibilidade!de!unir!as!mídias!artísticas,!juntar!a!nova!tecnologia!das!
fotografias!com!o!antigo!procedimento!de!pintura!à!mão.!
Interessa[me!o!fato!de!que!esses!quadros!refletem!toda!a!história!de!uma!época!e!
forma!um!marco!de!inovação!tecnológica!mesclando[se!no!artesanal.!A!pintura!
resistindo,!a!fotografia!incide!na!arte,!juntas!e!emboladas!invadiram!a!vida!e!
humanizaram!a!tecnologia.!

117!
!
!!!!!!!Ao!olhar!para!as!fotos[pinturas!antigas,!sinto!um!estranhamento!na!deformação!das!
imagens!reais!das!pessoas!e,!principalmente!acho!as!molduras!de!estética!desagradável.!
Talvez!por!que!as!relaciono!com!cemitério!onde!as!pessoas!colocam!esses!tipos!de!
quadros!com!molduras!enfeitadas!para!seus!entes!queridos.!
!
!
Maquetes&da&vida&
!
No!jardim!da!casa!de!minha!infância,!sob!um!pé!de!flores!chamadas!
popularmente!“maravilha”,!e!também!sob!os!pés!de!roseiras,!eu!e!minhas!amiguinhas,!
costumávamos!montar!casinhas!de!bonecas,!como!se!fossem!maquetes!de!interiores!de!
casas!reais.!Do!lixo!doméstico,!eu!“reciclava”!vidros!de!perfumes!de!minha!mãe,!
tampinhas,!embalagens!de!remédios,!peças!de!porcelanas!quebradas,!pedaços!de!telhas!
de!barro,!e!outros.!Tudo!isso!se!transformava!em!móveis!das!casinhas.!Os!vidros!tinham!
formatos!bonitos!e!mesmo!quando!quebrados,!suas!partes!davam!uma!estética!especial!
aos!pequenos!móveis,!como!mesas!de!centro,!sofás!e!até!berçinhos!para!bebês,!dos!
cacos!de!telhas!de!barro.!Lembro[me!como!eram!bonitinhos!os!bebês!que!ocupavam!
estes!berçinhos,!eles!eram!feitos!com!pedacinhos!de!gravetos,!envoltos!em!retalhinhos!
de!tecidos,!imitando!uma!manta!ou!cueiro.!A!embalagem!do!“Sal!de!Frutas!Eno”,!
daquela!época,!era!em!vidro!azul,!como!anil,!lindo!!Assim!também!azul,!era!o!vidro!de!
“Leite!de!Magnésia!Philip”.!
Bem,!mas,!do!interior!da!casinha,!passava!também!a!construir!o!quintal!ou!jardim.!
Aí,!a!piscina!ou!lagoa,!era!feita!com!uma!lata!de!goiabada!e!cheia!de!água!tingida!com!
pedrinhas!de!anil!(alvejante!azul!de!roupas),!restos!também,!!retirados!no!tanque!de!
lavar!roupas,!da!mamãe.!Se,!em!vez!de!piscina,!a!lata!se!transformasse!numa!lagoa!azul,!
colocavam!na!água,!algumas!folhinhas!de!quebra[pedra,!por!terem!formato!de!
peixinhos.!As!amiguinhas!iam!chegando,!e!construindo!também,!e!assim!cada!menina!
aprendia!com!as!outras,!novas!idéias!de!criar!casinhas,!cópias!dos!seus!lares!da!vida!real!
ou!de!como!desejavam!que!fossem.!Iam!conversando,!repetindo!as!vozes!dos!pais!e!dos!
irmãos,!ora!eram!as!festas,!ora!eram!!os!conflitos,!a!invadirem!!aquela!escala!menor!de!
mundo.!
!
!
Museu&
!
O!índio!falou!que!antes!de!participarem!em!uma!exposição!no!museu,!é!preciso!
explicar!à!aldeia!o!que!é!um!museu.!A!maioria!das!pessoas!da!aldeia!e!também!das!
urbanas!acha!que!o!que!tudo!que!é!velho,!é!museu!e!deve!ir!para!o!lixo.!Para!que!museu?!!
“velho”!é!também!antigo,!e!não!necessariamente!corroído!e!descartável,!e,!certamente,!
cabe!no!museu!para!rever!a!história.!
!
!
1º&de&maio&
!
Nada!mais!justo!que!no!dia!do!trabalhador,!começar!o!dia!contando!das!pessoas!
que!foram!a!força!braçal!de!Londrina.!Lá!no!museu,!notei!a!pouca!referência!aos!
indígenas!e!aos!madeireiros.!Dos!indígenas!há!alguns!poucos!cestos!que!não!dão!conta!

118!
!
de!como!era!a!vida!deles!neste!território!que!era!seu.!Dos!madeireiros!há!até!fotos!dos!
caminhões!de!toras,!mas!nenhum!nome.!Pareceu[me!que!o!início!mesmo,!o!mais!real!e!
sofrido,!não!existiu,!foi!lenda.!Porém,!acredito!que!isso!éfruto!de!nossa!própria!
negligencia,!em!não!manifestar!aquilo!que!conhece!desse!espaço!tão!nosso,!nós!
londrinenses!comuns!ou!não.!O!“pioneiro!branco”,!mas!então!de!que!cor!são!indígenas,!
para!chamar!os!europeus!de!brancos?!!
Bem,!continuando,!o!pioneiro!branco,!não!tinha!noção!dos!direitos!dos!indígenas!
e!do!desastre!ecológico!do!desmatamento.!Acreditava!que!as!reservas!eram!apenas!para!
conservar!a!cultura!indígena!e!derrubar!uma!árvore!gigante!como!a!peroba!e!a!figueira,!
era!uma!glória,!uma!vitória!daquele!embate!onde!o!homem!parecia!tão!fraco!e!
inofensivo,!diante!da!colossal!floresta.!
A!cada!árvore!derrubada!os!madeireiros!erguiam!os!braços!e!gritavam!o!urro!de!
vitória,!pois!especialmente!eles,!sabiam!da!peleja!dura,!de!horas!na!serra!manual,!sendo!
picados!por!insetos,!!suando!pelo!calor!do!esforço!e!da!região!tropical,!com!fome,!longe!
de!casa,!dormindo!em!tarimbas,!no!meio!da!mata,!entre!animais!ferozes.!Cada!árvore!ao!
cair,!fazia!tremer!todo!o!chão!e!ia!derrubando!muitas!outras!como!faz!um!guerreiro!em!
seu!tombo!de!morte..!Se!fosse!próximo!da!cidade,!logo!o!fotógrafo!Juliani!chegava!com!
sua!lambretinha,!para!registrar!o!feito!destemido!e!o!avanço!do!progresso.!!
“Foi!em!1937,!no!sítio!de!José!do!Prado,!onde!Antonio!da!Silva!Matos!(22!anos)!e!
seu!irmão!José!(30!anos),!tinham!ouvido!a!sirene!da!serraria!Siam,!às!11!horas,!“avisando!
o!almoço”,!quando!começaram!a!cortar!a!peroba.!Durante!sete!horas,!com!breves!
intervalos,!os!dois!irmãos!atacaram!o!tronco,!de!diâmetro!superior!a!dois!metros!(mediu[
se!depois,!precisamente!2,10x2,!30).!Quando!tombou!de!sua!altura!de!33!metros,!causou!
estrondo!antes!nunca!ouvido!por!aqueles!desbravadores.!Coincidiu!que,!naquele!
momento,!a!sirene!da!serraria!Siam!soava!novamente!o!toque!das!18!horas.”!(JORNAL!
DE!LONDRINA,Widson!Schuartz,!17!de!abril!de!2000.)!!
Antonio!da!Silva!Mattos!era!irmão!de!Rosalina!de!Jesus,!casada!com!Manoel!Catarino,!e!
mãe!do!Zeca.!
!
!
&Pioneiro&desconhecido&
!
Na!folha!de!Londrina,!!foi!apresentado!um!poema!dedicado!aos!pioneiros!da!
cidade,!era!de!autoria!de!Domingos!Pelegrine!e!o!jornal!escolheu!uma!foto!dos!Catarinos!
em!seu!caminhão!de!toras,!mas!,!abaixo!da!fotografia,!dizia[se:![pioneiros!
desconhecidos.!A!Amélia!telefonou!para!o!Domingos,!apresentou[lhe!!o!nome!daquela!
família!e!contou!ao!poeta!,!que!ela!era!amiga!de!sua!mãe!e!que,em!seus!encontros!nos!
cafés!das!tardes!londrinenses,!se!compraziam!em!relatar!histórias!e!acontecimentos!
passados.!Era!um!nó!de!nós,!as!pessoas!comuns,!as!quais!não!têm!mais!tempo!para!
relacionarem[se!e,!!dedicarem[se!mutuamente,!como!faziam!os!pioneiros.!!
!
!
A&reserva&
!
Os!índios!Kaiangangues!foram!retirados!para!a!Reserva!Indígena!de!Tamarana.!
Quando!os!viajantes!da!região!Norte!do!Paraná!iam!para!a!Capital!do!Estado,!passavam!
no!meio!da!Reserva,!ao!subirem!a!Serra!pela!BR!369.!Na!beira!da!estrada,!por!um!grande!

119!
!
perímetro,!encontravam[se!os!ranchos!dos!indígenas.!Eram!como!os!quiosques!urbanos!
e!onde!eles!vendiam!seus!produtos!ali!expostos!e!pendurados.!Havia!cestos!de!todos!os!
tamanhos,!de!palha!trançada!e!colorida!com!pigmentos!naturais,!flechas!e!arcos!
ornamentados!com!palhas!igualmente!trançadas!e!ainda!com!penas!de!pássaros!
silvestres.!As!pontas!das!flechas!eram!confeccionadas!em!madeira!e!tinham!formatos!
variados,!conforme!o!tipo!de!caça!a!que!se!destinavam.!Vendiam!também!pilões!para!
socar!cereais,!cumbucas!e!gamelas!esculpidos!nas!madeiras!retiradas!na!mata!nativa.!Por!
toda!esta!extensão!viam[se!caldeirões!de!alumínio,!queimados!de!preto,!pelo!picumã!dos!
fogareiros!a!lenha,!improvisados!na!beira!da!estrada,!cozinhando!milho[verde,!servidos!
na!própria!palha!do!milho.!Dava!água!na!boca!o!cheirinho!do!milho!fervendo!e!da!fumaça!
branca!da!lenha,!em!bolas!se!expandindo!pelo!ar.!O!contraste!do!amarelo[ouro!das!
espigas,!envolto!naquele!verde!fluorescente!da!palha,!eram!as!cores!vivas!do!Brasil.!Eles!
comercializavam!também!as!rainhas!do!abismo,!batatas!na!maioria!grandes,!das!quais!
saíam!duas!ou!três!folhas!de!uma!penugem!prata,!brilhando!ao!sol!e!se!acendiam!
piscando!as!pequenas!flores!de!uma!laranja!aceso.!Como!diz!o!nome,!esta!planta!era!
rainha!e!se!pendia!pelos!abismos!daquela!serra,!porém,!foi!proibida!a!sua!extração,!pois!
estava!entrando!em!extinção.!(família!das!gloxínias).!
No!final!dos!anos!1960!os!indígenas!passaram!a!frequentar!mais!o!centro!urbano!
de!Londrina!para!venderem!seus!produtos,!e!estes!indígenas!de!então,!não!aceitavam!de!
modo!algum,!qualquer!favor!do!homem!branco.!Se!alguém!insistisse!em!lhes!dar!alguma!
roupa!ou!agrado!que!fosse,!teria!que!aceitar!da!parte!deles,!um!arco!e!flecha!ou!uma!
rainha!do!abismo.!
Atualmente,!alguns!indígenas!podem!ser!vistos!nos!sinaleiros!da!cidade,!pedindo!
moedas!nas!janelas!dos!veículos,!igualmente!aos!mendigos!urbanos.!Vê[se!ainda,!
criancinhas!indígenas!brincando!no!asfalto,!beirando!os!carros,!embora!sob!a!supervisão!
das!mães!que!gostam!de!estar!sentadas!nas!calçadas!ou!nas!gramas!das!praças!públicas.!
Devido!a!isso,!instituiu[se!um!recanto!para!esses!visitantes!do!centro!urbano.!Quanta!
ironia!!Os!donos!da!terra!vermelha,!são!agora,!como!intrusos,!ou!visitantes,!de!seu!
próprio!território,!relegados!ao!pouco!caso!dos!ditos!“civilizados”.!
!
(Centro!Cultural!Kaiangang]WÂRE,!Inaugurado!em!1999.!Projeto!destinado!a!oferecer!
melhores!condições!de!vida!aos!indígenas,!dentro!do!espaço!urbano!nas!suas!vindas!à!
Cidade!para!comercializar!seus!produtos).!
!
!
Quadro&de&garças&
!
No!bar,!um!dos!clientes!estava!vendendo!uma!tela!pintada!de!garças,!ou!melhor,!
dizendo,!um!quadro!de!garças!brancas.!O!Zeca!se!encantou!e!quis!de!todo!jeito!comprá[
lo!para!dá[lo!à!Amélia!e!às!crianças!e!enfeitar!sua!amada!casa.!Depois!de!muita!
negociação,!os!dois!clientes!do!bar,!chegaram!à!uma!negociação!final.!O!Zeca!adquiriu!o!
“quadro”!em!suaves!parcelas.!Chegou!em!casa!feliz,!mas!bem!atrasado!nas!horas.!Por!
isso,!a!Amélia!estava!brava,!e!ficou!mais!ainda!quando!viu!aquele!quadro!tão!“jacu”!
pendurado!na!parede!de!mata[juntas!da!sala.!Brigou!com!o!Zeca,!pois!eles!estavam!em!
dificuldades!financeiras!e!ele!ainda!foi!gastar!dinheiro!com!uma!bobagem!daquelas.!Ele!
se!explicou!dizendo!que!nem!sentiriam!pagar!aquelas!suaves!parcelas.!Ela!se!indignava!
toda!vez!que!olhava!para!a!pintura!que!os!mascates!vendiam!pelas!ruas!da!cidade.!O!

120!
!
Zeca!olhava!e!se!enlevava!imaginando!o!casal!de!garças!em!seu!movimento!lento,!
escorregando!nas!águas!do!Lago!Igapó.!A!filha!olhava!e!ficava!pensando!que!aquele!
fundo!verde!era!verde!bandeira,!mas!havia!beleza!na!massa!branca!do!corpo!das!aves,!se!
avolumando!para!fora!da!superfície!da!tela!e!os!rabos!delas!eram!de!penas!naturais!de!
patos!ou!galinhas,!para!dar!mais!realidade!à!cena.!E!então!ficava!pensando!no!processo!
que!o!artesão!seguiu!para!compô[la.!E!foi!este!realismo!que!encantou!o!Zeca.!
!
!
Vitória&da&Samotrácia&
!
Já!não!estou!correndo!atrás!de!um!trem,!mas!de!aviões!que!cortam!o!rubro[anil!
horizonte!Londrinense.!Da!minha!janela,!também!vejo!neste!crepúsculo,!a!minha!vida!
partindo!como!os!aviões,!velozmente,!deixando!apenas!minúsculos!pontos!pretos,!que!já!
não!posso!e!nem!almejo!alcançar.!
!
!
Bonecas&de&jornal&Tia&Odila?&
!
–!As!minhas!bonecas!eram!de!jornal.!
–!Papel!machê,!tia!Odila?!
–!Não,!não.!Eram!de!jornal!mesmo,!enrolado,!coberto!com!!!!!alguma!massa!e!
pintado.!O!cabelo,!o!rostinho,!o!corpo!todo,!era!bem!pintado,!tudo!era!pintado.!!A!
carinha!era!linda!!Eu!sei!que!eram!feitas!de!jornal!porque!uma!vez,!o!bracinho!descolou!
em!baixo!e!então!eu!vi!as!letrinhas!do!jornal!enrolado.!
–!E!a!roupinha,!tia!Odila,!era!de!papel!tipo!crepon,!como!algumas!que!conheci?!
–!Não,!não!!O!vestidinho!era!de!tecido,!era!de!chitinha,!cheia!de!florzinhas.!Tão!
bonitinho!o!vestido,!e!a!boneca!também.!
!
!
EXOSTYLES&GODOYENSES&–&PEROBA&ROSA&
!
A!exostyles!godoyensis!recebeu!esse!nome!científico!em!latim!para!homenagear!
a!Mata!dos!Godoy,!local!onde!ela!foi!encontrada!pela!primeira!vez.!É!uma!árvore!
bastante!rara!e!que!tem!características!únicas!que!a!diferenciam!de!suas!“primas”!as!
exostyles!que!nascem!na!floresta!amazônica!e!na!mata!atlântica.!Por!isso!o!próprio!
aparecimento!da!exostyles!godoyensis!em!Londrina!–!numa!mata!técnicamente!
chamada!de!“floresta!estacionária!semidecidual”!(floresta!em!que!parte!da!vegetação!
perde!folhas!no!inverno).!A!exostyles!godoyensis!não!ocorre!em!nenhum!outro!lugar!do!
país,!nem!nos!países!vizinhos!como!Paraguai!ou!Argentina.!Ela!é!incomum!e!só!pode!ser!
encontrada!na!mata!nativa!da!região!de!Londrina.!
Foi!na!Mata!dos!Godoy,!em!1989,!que!os!então!pesquisadores!da!Universidade!
Estadual!de!Londrina,!Lúcia!Helena!Soares!Silva!e!Vidal!Mansano,!se!depararam!com!
uma!árvore!não!catalogada!pela!ciência.!Foram!quinze!anos!de!espera!para!obter!o!
reconhecimento!da!descoberta.!A!demora!foi!devido!ao!rigor!dos!procedimentos!para!
reconhecimento!da!espécie,!pois!é!preciso!descrever!detalhadamente!a!morfologia!e!o!
habitat!da!árvore!e!submeter!os!resultados!das!pesquisas!a!uma!publicação!científica!de!

121!
!
grande!circulação.!No!caso,!a!descoberta!da!árvore!londrinense!foi!publicada!no!
Botanical!Journal!of!the!Linnean!Society,!de!Londres.!
!
!
ÁRVORE&SÍMBOLO&–&PEROBAhROSA&
!
Árvore!alta,!de!rara!beleza!e!boa!madeira,!as!perobas!rosa!despontavam!nas!
copas!das!florestas!norte[paranaenses!no!começo!do!século!XX.!Em!Londrina!a!peroba!
era!abundante,!tanto!que!ninguém!acreditava!que!o!progresso!pudesse!um!dia!acabar!
com!elas.!Mas!hoje!a!peroba[rosa!(aspidosperma!polyneuron)!é!uma!árvore!rara!e!corre!o!
risco!de!desaparecer!completamente.!Mesmo!as!dezenas!de!árvores!adultas!que!podiam!
ser!encontradas!no!início!da!década!de!1970!na!antiga!Fazenda!Santana,!conhecida!como!
“Perobal”,!onde!está!a!Universidade!Estadual!de!Londrina,!na!maioria!morreram.!Isto!
porque,!com!a!erradicação!da!mata!nativa,!a!peroba!perdeu!seu!elemento!de!fixação,!
pois!ela!possui!raízes!pouco!profundas!e!depende!de!outras!espécies!de!árvores!nativas!
para!“se!apoiar”!e!conseguir!proteção!e!sustentação!adequada.!
É!por!isso!que!perobas!isoladas!acabam!ressecadas!e!sujeitas!a!desaparecerem!durante!
as!ventanias!mais!fortes.!
A!peroba!apresenta!crescimento!demorado!e,!fora!de!seu!ambiente!da!mata,!é!
difícil!a!peroba!desenvolver[se!completamente!a!ponto!de!!atingir!a!média!de!seus!vinte!
a!trinta!metros!de!altura.!
A!região!norte!é!um!dos!poucos!lugares!onde!a!peroba!rosa!pode!ser!encontrada!
em!Londrina.!A!região!possui!sessenta!e!dois!mil!metros!quadrados!de!área!de!
preservação!florestal!situada!no!Conjunto!Luiz!de!Sá.!Trata[se!da!Mata!Ângelo!Cretá,!
cujo!nome!homenageia!esse!cacique!Kaingang!falecido!em!1980.!A!Mata!Ângelo!Cretá!é!
um!pedaço!da!mata!original!do!começo!de!Londrina.!
De!1930!a!1960,!a!peroba[rosa!foi!exterminada!juntamente!com!90%!da!mata!
virgem!existente!na!região!de!Londrina.!Essa!devastação!aconteceu!por!causa!da!!
cafeicultura!e!pela!ação!de!cerca!de!trezentas!serrarias!que!forneceram!madeira!para!a!
estrada!de!ferro!e!para!a!edificação!de!barracões!e!casas!dos!primeiros!moradores!da!
cidade.!
Fonte!de!pesquisa;!Caderno!Especial!–!FOLHA!NORTE!DE!LONDRINA!–!8/12!a!
14/12/2007!
!
!
Casas&de&matah&junta&
!
O!que!eu!mais!gostava!nas!casas!de!madeira!
Era!a!facilidade!em!pregar!os!pregos!
Para!pendurar!coisas!nas!paredes.!
!
!
!
!
!
!
!

122!
!
EXALTAÇÃO&ÀS&ÁRVORES&
&
“&MÃE”&
(Antonio&Correia&de&Oliveira,&Líricas&p.154,&Pôrtoh&1946)&&&&&
&
Olha,!meu!filho,!quando,!à!aragem!fria!
De!algum!torvo!crepúsculo,!encontrares!
Uma!árvore!velhinha,!em!modo!e!em!ares!
De!abandono!e!outonal!melancolia,!
Não!passes!junto!dela,!nesse!dia!
E!nessa!hora!de!bênçãos,!sem!parares;!
Não!vás,!sem!longamente!a!contemplares:!
Vida!cansada,!trêmula!e!sombria!!
Já!foi!nova!e!floriu!entre!esplendores:!
Talvez,!em!derredor,!dos!seus!amores!
Inda!haja!filhos!que!lhe!queiram!bem...!
Ama[a,!respeita[a,!ampara[a!na!velhice;!
Sorri[lhe!com!bondade!e!com!meiguice:!
[!Lembre[te,!ao!vê[la,!a!tua!própria!Mãe!!!
(Antonio!Correia!de!Oliveira)!Líricas,!p.!154,!Pôrto,!1946.!
!
!
AS&VELHAS&ÁRVORES&&&&&&&&&&&(Olavo&Bilac)&
!
Olha!estas!velhas!árvores,![!mais!belas,!
Do!que!as!árvores!moças,!mais!amigas,!
Tanto!mais!belas!quanto!mais!antigas,!
Vencedoras!da!idade!e!das!procelas!...!
O!homem,!a!fera!e!o!inseto!à!sombra!delas!
Vivem!livres!de!fome!e!fadigas;!
E!em!seus!galhos!abrigam[se!as!cantigas!
E!alegria!das!aves!tagarelas...!
Não!choremos!jamais!a!mocidade!!
Envelheçamos!rindo!!Envelheçamos!
Como!as!árvores!fortes!envelhecem,!
Na!glória!da!alegria!e!da!bondade,!
Agasalhando!os!pássaros!nos!ramos,!!
dando!sombra!e!consolo!aos!que!padecem!!
!
!
A&PÁTRIA&&&&&&&&&&&&(Olavo&Bilac)&
!
Ama!com!fé!e!orgulho,!a!terra!em!que!nasceste!!
Criança!!Não!verás!nenhum!país!como!este!!
Olha!que!céu!!Que!mar!!Que!rios!!Que!floresta!!
A!natureza,!aqui,!perpetuamente!em!festa,!
É!um!seio!de!mãe!a!transbordar!carinhos.!

123!
!
Vê!que!vida!há!no!chão!!Vê!que!vida!há!nos!ninhos,!
Que!se!balançam!no!ar,!entre!os!ramos!inquietos!!
Vê!que!luz,!que!calor,!que!multidão!de!insetos!!
Vê!que!grande!extensão!de!matas,!onde!impera,!
Fecunda!e!luminosa,!a!eterna!primavera!!
Boa!terra!!Jamais!negou!a!quem!trabalha!
O!pão!que!mata!a!fome,!o!teto!que!agasalha...!
Quem!com!seu!suor!a!fecunda!e!umedece,!
Vê!pago!a!seu!esforço,!e!é!feliz,!e!enriquece!!
Criança!!Não!verás!país!nenhum!como!este:!!
Imita!na!grandeza!a!terra!em!que!nasceste!!
!
!
Patriota&
!
Ser!patriota!não!é!necessariamente!ser!política,!
É!apenas!reconhecer!no!habitat,!que!ele!foi!meu!berço,!
A!seiva!que!me!sustentou!e!me!formou.!
É!amar!o!conhecimento!que!me!foi!dado!
Neste!espaço!que!me!desvendou!a!vida.!(Marcia).!
!
!
“A&Arte&é&o&espelho&da&Pátria.!O!País!que!não!preserva!os!seus!valores!culturais!jamais!
verá!a!imagem!de!sua!própria!alma”.!(CHOPIN,!1810[1849).!
!
!
ÚLTIMA&FLOR&DO&LÁCIO&(Olavo&Bilac)&
!
Última!flor!do!Lácio,!inculta!e!bela,!!
És!a!um!tempo,!esplendor!e!sepultura:!
ouro!nativo,!que!na!ganga!impura!
A!bruta!mina!entre!os!cascalhos!vela.!
!
Amo[te!assim,!desconhecida!e!obscura,!
Tuba!de!alto!clangor,!lira!singela,!
Que!tens!o!trom!e!o!silvo!da!procela!
E!o!arrolo!da!saudade!e!da!ternura!!
!
Amo!o!teu!viço!agreste!e!o!teu!aroma!
De!virgens!selvas!e!de!oceano!largo!!
Amo[te!ó!rude!e!doloroso!idioma,!
!
Em!que!da!voz!materna!ouvi:!"meu!filho!"!
E!em!que!Camões!chorou,!no!exílio!amargo,!
O!gênio!sem!ventura!e!o!amor!sem!brilho!!

124!
!
!
ROSALINA&
!
Aquela!senhora!alta,!cabelos!longos,!enrolados!em!coque!no!alto!da!cabeça,!era!
uma!mulher!mais!forte!do!que!gorda.!
A!Dona!Rosalina!de!Jesus!Mattos,!contava!que!quando!o!Zeca!tinha!uns!dois!
aninhos,!ele!andava!pelo!quintal!falando;![!ofu,!ofu!!E!procurando!pelos!ninhos!das!
galinhas,!por!que!adorava!comer!ovos!cozidos.!Ele!cresceu!forte!e!lindo,!parecido!com!o!
Sansão!e!Tarzan!dos!filmes!de!Hollywood.!Eram!os!cuidados!da!mãe,!dando!boa!
alimentação!aos!doze!filhos.!Ela!dizia!que!desses!seus!doze!filhos,!o!Zeca!era!o!único!que!
não!lhe!dava!demonstração!de!carinho.!Sempre!frio!e!distante,!só!ficava!observando!
tudo.!Mas!o!que!a!Dona!Rosalina!não!sabia!é!que!de!todos!os!seus!filhos,!ele!foi!o!que!
mais!respeitou!seus!ensinamentos!e!os!pregou!pela!vida!toda.!Cada!palavra!dita!por!ela!
ficou!guardada!em!seu!coração!como!um!guia,!uma!carta!de!orientação.!Ele!admirava!
sua!mãe!pelo!caráter,!pelo!modo!como!defendia!a!família,!pelo!seu!jeito!valente!de!
defender!os!filhos!dos!perigos!e!de!tudo!que!considerasse!injusto!ou!imoral.!Mãe!
enérgica,!ela!batia!nos!filhos!para!educá[los,!mesmo!depois!de!moços,!caso!algum!
desrespeitasse!suas!regras!de!mãe.!O!Zeca!sabia!que!ela!era!extremosa!em!sua!
dedicação,!protegia[os!com!fúria,!se!dilacerava!para!salvá[los.!
Talvez!devido!a!essa!certeza!de!que!a!tudo!ela!daria!um!jeito,!acharia!uma!solução!para!
ajudá[los,!que!naquela!noite,!em!seu!leito!de!hospital,!onde!a!torturante!doença!o!
consumia,!o!Zeca,!aos!seus!setenta!e!sete!anos!de!idade,!pediu:!
[!Eu!estou!precisando!da!mamãe!!
A!filha,!sua!acompanhante!no!Hospital,!indagou!espantada;!
[!Quem?!A!mamãe!“!Melha”?!Pois!era!assim!que!ele!chamava!a!sua!esposa!
Amélia.!
[!Não!!A!mamãe!Rosalina!!
Sua!filha!então,!na!penumbra!do!quarto,!vendo!lágrimas!grossas!e!mansas,!
escorrerem!de!seus!verdes!olhos,!fez!uma!súplica!a!Deus,!em!forma!de!oração.!Pediu!que!
o!amor!materno!da!Rosalina,!ainda!que!da!eternidade,!pudesse!trazer!algum!alívio!a!seu!
amado!filho!Zeca.!
!
!
Noite&louca&
!
Seus!cabelos!quando!estavam!um!pouco!mais!compridos,!se!reviravam!em!lindos!
caracóis!azulados.!Macios!caracóis!que!a!menina!só!acariciava!enquanto!era!criança.!
Depois,!por!respeito!o!pai!manteve!um!afastamento!e!a!menina!lhe!beijava!a!face!então,!
apenas!em!dias!especiais,!comemorativos!ou!derradeiros!no!leito!de!morte.!
Tchau!pai,!já!volto,!não!demoro.!E!encostava!o!rosto!na!mão!dele,!como!se!fosse!
um!beijo,!mas!sem!a!contaminação!de!saliva,!para!preservar[lhe,!!pois!ele!estava!com!
baixa!imunidade.!Mas,!pode!lhe!tocar!a!testa!com!os!lábios,!num!beijo!de!Adeus,!antes!
de!lhe!fecharem!o!caixão,!cama!na!qual!ninguém!amado,!nunca!deveria!se!deitar.!
Noite!muito!louca!aquela!!
O!seu!filho,!as!duas!filhas,!o!genro!e!os!netos!homens,!lá!naquele!bairro!distante,!
sala!precária,!paredes!com!pinturas!sujas,!gastas.!A!mesa!era!uma!banca!de!cimento!frio,!
onde!deveria!ser!colocado!o!caixão.!Agonia!inacreditável!a!eles.!Seu!rei!estava!morto.!

125!
!
Seu!corpo!querido!sendo!esperado!por!eles.!Inacreditável!este!dia!ter!chegado!!
Continuaram!unidos!como!sempre!à!volta!dele,!num!convívio!que!parecia!ser!
eterno.!
Mas!eterno!mesmo!é!o!lugar!para!onde!ele!foi.!
Os!filhos,!estarrecidos,!chocados,!viram!na!escuridão!daquela!noite,!o!carro!!
Furgãozinho!branco,!trazendo!seu!corpo!inerte.!Deu!a!volta!na!Avenida,!
lentamente!e!estacionou!à!porta!da!sala!fúnebre.!O!condutor!do!veículo!abriu!a!porta!do!
Furgão!num!baque!bruto!que!martelou!os!corações!da!pequena!família.!
[!Ah!!Mas!como!o!caixão!era!pesado!!
Pesado!demais!porque!continha!todo!o!tesouro!de!uma!vida!encerrado!num!
corpo!de!homem!grande,!quase!um!gigante,!como!disse!seu!irmão!Júlio:!!
[!O!tombo!de!um!gigante!repercute.!
Mas!os!homens!da!família!aquentaram!altivamente,!cerimoniosamente,!como!
deveria!ser!mesmo,!carregado!aquele!homem!que!lhes!dedicou!o!melhor!de!si,!deixando!
o!exemplo!de!dignidade!humana!e!missão!de!pai!honrado.!
Ele!aquentou!nossas!falhas!e!as!supriu!com!seu!amor.!Como!não!aquentar!agora!
seus!despojos,!seus!restos.!Aquele!corpo!afetado!pelos!reveses!que!nós!mesmos!lhe!
causamos.!Ele!gastou!com!a!família!toda!a!sua!força!e!capacidade!de!cacique!e!guerreiro.!
Assim!ele!se!via;!o!chefe!e!mantenedor!do!bem!da!família.!
!
!
Visita&ao&tio.&
!
A!menina!foi!ao!Hospital!visitar!o!tio.!Lá!chegando!encontrou!um!gigante!deitado!
no!leito.!Surpreso!ao!vê[la,!mas!feliz,!no!silêncio!de!solidão,!só!sorriu.!
O!paciente!ao!lado,!fez!gracinhas!com!essa!sua!sobrinha.!O!tio!quebrou!o!silêncio,!
mandou!o!homem!calar!a!boca!e!exigiu!respeito.!
A!velha!sobrinha,!em!pensamentos!reclamou;!
[!Por!que!é!tão!oneroso!manter!a!saúde!de!nossos!velhos?!
[!Nossos!heróis!mereciam!ser!mais!bem!tratados.!
Depois,!o!tio!pediu!à!sobrinha!que!desejava!ir!embora!para!casa.!
Comentou!o!sofrimento,!explicando!que!seu!corpo!hoje,!sente!as!consequências!
da!vida!tão!sofrida!que!levou.!
“[!Nós!fomos!muito!sofridos...”!,assim!ele!falou.!!
!
Outro&dos&tios&
!
Numa!tranquila!!tarde,!a!menina!velha!ouviu!seu!querido!tio,!muito!triste!dizer[se!
incompreendido.!
“[!Eu!fui!muito!sofrido.!Trabalhei!tanto!nessa!Cidade,!enfrentei!tanta!dificuldade...!
!Naqueles!tempos,!conforme!eu!andava,!eu!ia!crescendo!em!altura.!Era!a!massa!
de!barro,!em!dias!chuvosos,!colando!em!meus!calçados,!formando!saltos!altos!nos!
sapatos,!cada!vez!mais!grossos!e!mais!pesados.!Em!sol!ou!chuva,!não!podia!parar.!A!
responsabilidade!me!chamava,!exigente.”!
Seu!corpo!sofria!enquanto!ele!sonhava.!
“[!Agora!não!enxergam!meu!valor,!o!meu!caminho!de!lutas!vencidas.”!
É!que,!ninguém!sabe!meu!lindo!tio.!

126!
!
!
Costurando&colcha&
!
A!Rosalina!escolhia!os!retalhos!dos!panos!mais!bonitos,!pedaço!em!pedaço,!
juntava[os,!costurando,!costurando,!costurando,!e!nisso,!não!se!dava!conta!que!sua!
família!também!estava!se!tornando!igual!uma!colcha!de!retalhos.!
!
!
Valsando&
!!
É!inebriante!deitar[se!no!chão!e!contemplar!os!urubus!no!alto!céu[azul,!plainando!em!
voltas!fazendo!coreografia!de!valsas.!
!
!
!
Jornal&–&uma&crônica&
Matéria!publicada!no!jornal!santista!A!Tribuna!em!8!de!setembro!de!1996:!!
&
MEMÓRIA&DO&ARLANZA&!
!
Saudades!do!navio!inglês!Arlanza,!o!qual!trouxe!muitos!imigrantes!para!o!Brasil,!e!entre!
eles!o!jovem!português,!de!dezessete!anos,!Manoel!Henriques!Catharino.!
Durante!anos,!Santos!foi!porto!de!escala!do!transatlântico!!
Da!Reportagem:!
O!pesquisador!Laire!José!Giraud!afirma!que!ficou!emocionado!ao!descobrir,!relendo!uma!
edição!de!1954!de!A!Tribuna,!uma!crônica!sobre!o!Arlanza,!que!tantas!vezes!visitou!
Santos.!!
Segundo!ele,!o!autor!da!crônica!é!desconhecido,!mas!ele!o!imagina!um!homem!com!70!
anos,!na!época,!profundo!conhecedor!do!transatlântico!inglês!e!que!teria!trabalhado!em!
uma!casa!exportadora!de!café!(termo!usado!no!comércio!cafeeiro!até!os!anos!60).!!
O!escrito!foi!encontrado!dentro!de!um!livro!antigo,!adquirido!num!sebo.!A!matéria!era!
ilustrada!por!uma!foto!do!Arlanza,!tirada!antes!da!Primeira!Guerra!Mundial.!!
A!crônica![!O!clichê!reproduz!fotografia!tirada!do!Arlanza!saindo!do!Porto!de!Santos!em!
viagem!anterior!à!Primeira!Guerra!Mundial,!dois!anos!antes!de!cuja!deflagração!em!1914,!
havia,!sido!construído!em!Belfast!e!posto!na!linha!da!Mala!Real!Inglesa!para!a!América!do!
Sul,!inicia!o!autor.!
Naquele!conflito,!o!Arlanza!foi!convertido!em!unidade!armada!do!10º!Esquadrão!de!
Cruzadores,!tendo!entrado!em!ação!em!abril!de!1915.!!
Patrulhou!os!mares!do!Norte,!desde!então!a!outubro,!chegando!até!a!Rússia,!de!onde!ao!
sair,!a!20!do!mesmo!mês,!de!Arkangel,!conduziu!um!número!grupo!de!oficiais,!e!portador!
de!uma!carta!autógrafa!do!Czar,!expondo!ao!governo!inglês!as!necessidades!do!Exército!
e!da!frota!russos.!!
Tesouro![!Nessa!ocasião!também!levava!um!carregamento!de!platina!avaliado!em!500!
mil!libras!esterlinas!e,!tendo!dois!dias!depois!batido!em!uma!mina,!assim!mesmo!pôde!
continuar!a!viagem,!embora!rebocado.!!
Voltando!às!regiões!glaciais,!ficou!preso!entre!gelos!de!novembro!de!1915!a!junho!de!
1916,!o!que!o!obrigou!a!uma!temporada!nos!estaleiros,!de!onde!saiu!em!novembro!para!

127!
!
continuar!no!patrulhamento,!que!fez!até!agosto!de!1917,!quando!passou!para!o!serviço!
de!comboios!e!fez!também!viagens!a!Santos.!!
Foi!desmobilizado!em!dezembro!de!1918,!no!porto!de!Liverpool,!mas!somente!em!julho!
de!1920!voltou!à!sua!linha!regular!da!América!do!Sul,!tendo!percorrido!em!ação!de!
guerra! 145.816! milhas.!
Santos![!Do!nosso!porto!nunca!mais!se!afastou,!e!a!sua!última!viagem!de!volta!à!
Inglaterra!deu[se!em!agosto!de!1938,!para!ser!destruído.!!
Nos!seus!26!anos!de!serviço,!o!Arlanza!navegou!2!milhões!de!milhas,!e!recebeu!uma!
placa!de!bronze,!na!qual!constavam!o!salvamento!de!um!navio!mercante!italiano,!o!
Casmona;!o!transporte!do!príncipe!de!Gales,!do!Rio!para!Grã[Bretanha,!e!o!transporte!do!
rei!Afonso!XIII,!quando!este!monarca!tinha!visitado!a!Inglaterra,!em!julho!de!1930,!e!
regressava!à!Espanha.!!
Se!não!é!tudo!isso!que!nos!dá!saudade!do!Arlanza,!é!a!sua!regularidade!pelos!muitos!
anos!de!escalas!em!Santos,!como!um!forte!elo!decorrente!de!boas!relações!entre!dois!
povos.!!
Lembramo[nos!de!que!o!comandante!do!Arlanza!era!o!capitão!Artur!Coks.!Por!onde!
anda!ele!agora?!Sobreviveu!à!guerra!ou!não?![!finaliza!o!auto.!!
!
!
MEMÓRIA&
!
Gisele!é!o!nome!da!boneca!da!menina.!
Hoje!Gisele!é!uma!boneca!viva,!
Linda!como!deve!ser!mesmo!uma!boneca.!
Um!dia!ela!se!tornará!menina!mãe!
E!vai!entender!o!que!é!ser!filha.!
Depois!vai!se!tornar!avó!
E!vai!entender!o!que!é!ser!menina!velha,!
E!só!então!vai!compreender!
A!importância!da!memória.!
!
!
TREM&
!
Vou!correr!atrás!do!tempo!como!quem!corre!atrás!de!um!trem!
Para!tentar!coletar!vozes!daqueles!que!partem!
levando!consigo,!o!testemunho!vívido!de!uma!época!
!em!que!o!embate!do!homem!com!a!árvore,!!
culminou!na!extinção!de!uma!paisagem!florestal,!
dando!lugar,!ao!nascimento!de!uma!pujante!cidade.!
!
!
PÉhVERMELHO&
!
Conta[se!que!lá!pelas!bandas!do!Rio!Tibagi,!entre!os!rios!Paraná!e!Paranapanema,!
nasceu!um!povo!conhecido!como!“pé!vermelho”.!

128!
!
Esta!civilização!foi!assim!chamada!porque!desde!a!tenra!idade,!seus!filhos!tinham!os!
pezinhos!tingidos!desta!cor,!pela!terra!vermelha!de!basalto!de!vulcão.!
A!terra!era!muito!fértil!e!sobre!ela!se!estendia!uma!estupenda!floresta,!composta!
por!gigantescas!árvores,!em!cujo!seio!habitavam!e!subsistiam,!animais!hostis,!mas!belos!
na!sua!integridade,!até!então!tocada!apenas!pelos!indígenas,!primeiros!pés[vermelhos!
daquela!região.!
A!humanidade!se!desenvolvia,!aumentava!e!explodia,!exigindo!mais!espaço!e!
mais!riqueza.!Logo!descobriram!a!generosidade!da!terra!roxa,!onde!viviam!os!primeiros!
pés!vermelhos.!
Depois!dos!posseiros,!grileiros,!latifundiários,!chegaram!os!desbravadores,!imigrantes!e!
migrantes,!chamados!pioneiros!daquela!que!seria!a!Capital!do!Café,!a!Grande!Londrina,!
cidade!de!braços!abertos!ao!povo!não!só!do!Brasil.!
A!notícia!e!a!propaganda!que!circulava!na!Europa!e!até!no!Oriente,!chegou!aos!
ouvidos!de!pessoas!bem!mais!próximas,!e!estas!eram!os!trabalhadores!paulistas!e!
mineiros.!Estes!migrantes!viram!na!promessa!da!Cia!de!Terras!Norte!do!Paraná,!a!
oportunidade!de!possuir!um!pedacinho!de!terra!própria.!Especialmente!esta,!a!terra!
roxa,!os!atraía,!porque!sendo!fértil,!fazia!crescerem!plantas!e!hortaliças!gigantes,!como!
era!tudo!o!mais!que!ali!acontecia!até!mesmo!a!coragem!dos!desbravadores,!enfrentando!
disputas!acirradas,!feras,!clima!hostil,!insetos,!doenças,!poeira!ferruginosa,!vendavais,!
chuvas!frequentes!e!lama.!
Porém,!a!labuta!naquela!terra,!era!amenizada!pela!esperança!de!realizar!um!
sonho!e!também!pelo!constante!convívio!com!pássaros!canoros,!pequenos!e!delicados!
animaizinhos,!carícias!de!uma!rajada!de!brisa!fresca,!de!quando!em!quando,!a!chuva!
mansa!e!repousante.!O!céu!quase!sempre!se!tingia!de!azul!anil!enquanto!nele!passeavam!
lentamente!as!macias!nuvens!de!algodão,!salpicadas!por!urubus!em!sua!dança!maviosa.!
Era!uma!visão!de!Reino!Encantado,!o!cenário!perfeito!com!luminosidade!
cinematográfica,!o!palco!de!uma!história!de!bravura!e!entusiasmo.!
Este!foi!o!cenário!que!Manoel!Catarino!encontrou!e!onde!montou!seu!rancho!e!fincou!o!
destino!de!sua!família.!
!
&
&
&
&
&
&
&
&
&
&
&
&
&
&
&

129!
!
&
Extraordinário&o&Caminhão&de&Tora&
!
!"#$%&'()*+),(-".)/%,(%$()0+%-$12+3)!",&"-$%(4)5678)9(%*-$%":;<)
)
)!Caminhão!de!tora:!Antonio!Henriques!Catharino,!1947!Londrina![!PR!
!
!
O!extraordinário!nesta!fotografia!é!o!espanto!que!ela!causa!por!apresentar!o!
tronco!ou!a!tora!de!uma!árvore!que!consegue!ser!maior!que!o!caminhão!que!a!carrega.!O!
caminhão!também!é!extraordinário!e!representa!a!força!e!o!peso!de!máquinas!tão!brutas!
como!aquele!próprio!tempo!exigia.!Suas!cabines!eram!cortadas!para!darem!mais!lugar!às!
toras,!e!tanto!o!chassis,!!como!o!motor,!precisavam!ser!muito!robustos!para!competirem!
em!forças!com!as!toras!no!equilíbrio.!
!Esta!fotografia!traduz!toda!uma!época!em!que!somente!a!força!de!um!sonho!
poderia!fazer!acontecer.!Era!o!sonho!de!melhorar!de!vida,!a!esperança!de!se!libertar!do!
jugo!da!submissão!e!possuir!seu!próprio!negócio,!seu!pedacinho!de!terra,!e!foi!isto!que!
fixou!tantas!famílias!neste!chão!chamado!Londrina.!A!terra!era!mesmo!fértil,!a!
propaganda!era!boa,!confirmava!o!lugar!de!progresso!e!o!fenômeno!continua!
acontecendo.!Londrina!“de!braços!abertos”!em!pleno!terceiro!milênio!recebe!pessoas!do!
mundo!inteiro.!
!
!

130!
!
!
“O&MORRO&DOS&VENTOS&UIVANTES”&
!
Não!é!num!morro,!mas!no!Terceiro!Planalto!Central,!norte!do!Estado!do!Paraná,!
onde!sempre!antecedendo!a!uma!grande!tempestade,!ouvem[se!uns!uivos.!São!uns!
uivos!parecidos!aos!de!animal!ferido.!Talvez!seja!o!vento!fugindo!das!cenas!do!passado,!
cenas!de!morte!e!extermínio,!de!disputas!pela!terra.!!
O!vermelho!deste!chão!não!é!somente!geológico,!pois!ele!foi!também!tingido!de!
sangue.!Foi!derramado!o!sangue!de!pessoas!que!aqui!viviam!bem!antes!dos!primeiros!
migrantes!paulistas!e!antes!dos!ingleses!capitalistas.!
O!vento!horrorizado!passa,!e!na!sua!correria,!vai!derrubando!tudo!em!seu!
caminho.!Atrás!dele!vem!a!tromba!d’água,!querendo!lavar,!lavar,!lavar!tanta!injustiça!e!
sofrimento.!Foi!a!ganância!que!irrigou!com!sangue!esta!terra.!
!
!
JURITIS&
!
Final!de!tarde!em!tempo!nublado,!com!céu!branco!e!poucas!nuvens!em!azul[claro.!O!
casal!de!pombas[!juritis,!coçando[se!ora!viram[se!para!mim,!ora!viram[se!para!lá.!
Apreciam!a!paisagem!cinza!como!elas!e!cinza!como!o!velho!telhado.!Grafite!nas!asas,!
grafite!nas!telhas,!de!verde!somente!as!folhas!da!primavera!com!seus!brotos!siena!
dourado.!Muito!ao!longe,!às!vezes,!aparecem!pequenos!pontos!pretos;!outras!aves!
cruzando!o!espaço.!Melancolia!no!frio!e!na!cor,!então,!as!duas!se!aproximam,!se!
protegem.!Companheiras,!parceiras!no!desígnio!de!sobreviver.!No!desenho!que!se!vê,!
em!primeiro!plano,!a!primavera!em!broto!é!vida.!No!segundo!plano,!o!cinza!subjetiva!a!
intuição!da!tarefa,!!procriar.!
Depois,!apenas!as!duas,!sobre!o!balanço!do!quintal,!se!beijam.!
!
!
HORTÊNCIAS&
!
Ele!se!foi,!deixando!para!mim!o!jardim!de!hortênsias,!mas!a!inquilina!insensível,!
Arrancou!nosso!jardim!e!fez!ali,!a!garagem!do!carro!dela.!
Agora,!não!posso!mais!enfeitar!o!túmulo!dele!com!o!azul!e!o!lilás!das!flores.!
!
!
HERCULES&
!
O!Zeca!projetou!um!futuro!de!glórias!para!seu!filho!homem,!
Mas,!Deus!projetou!a!força!de!Hercules!neste!seu!filho,!
Para!que!ele!pudesse!sustentar!em!seus!braços,!
!o!peso!do!corpo,!do!querido!pai!que!se!despedia!da!vida.!
Glória!de!ambos!em!poder!dar!e!receber!amor!paternal,!amor!filial.!
!
!
!
!

131!
!
!
QUESTÃO&DE&PROFISSÃO&
!
O!pai!sonhava!um!filho!para!continuar!sua!empresa,!mas!o!filho,!sonhava!a!mesma!
paixão!do!pai!e!preferiu!continuar!apenas!motorista!de!caminhão.!Assim,!o!filho!fiel!
levantava[se!muito!cedo!para!juntamente!com!ele,!começarem!a!faina!de!formiguinhas,!
todo!dia!abrindo!crateras!na!terra!vermelha,!onde!plantassem!os!prédios!de!Londrina.!
!
!
CARTA&DE&1º&DE&ABRIL&
!
Londrina,!1º!de!abril!de!2013!
Meu!querido!pai!Zeca!
Tivemos!que!vender!a!nossa!casa!da!Rua!Apucarana.!Hoje,!preparando!a!mudança,!achei!
aquele!vidro!de!sementes!que!o!senhor!trouxe!para!plantarmos!na!Chácara!que!íamos!
comprar.!Mas,!não!houve!tempo,!né!pai?!–!Que!dó!...!
Um!beijo!em!suas!mãos,!estas!mesmas,!machucadas!de!tanto!arar!o!destino,!para!agora,!
nós,!colhermos!o!seu!amor.!
Com!carinho!da!filha!que!te!ama!
Marcia!
!
Endereços:!
Para!
Ilmo!Sr!
José!Catarino!
Rua!da!Saudade,!nº!2009!
Bairro!Jardim!do!Amor!
Eternidade!–!Céu!
CEP!00000[000!
Remetente:!
Marcia!de!Fátima!Catarino!Pelarim!
Rua!Fulgêncio!Ferreira!Neves,!nº!525!
Bairro!Jardim!Coliseu!
Londrina!–!Pr.!
CEP!86076[010!
!
!
TÃO&SÓ&
!
Ela!está!tão!só!
Apenas!seus!olhos!vivos!
Brilham!no!deserto!que!ficou.!
Ele!levou!consigo!o!encantamento!
Que!ela!não!viu!mais.!
Ela!sabe,!alvoroçada,!
Que!perdeu!o!abraço!abrigo!
E!a!ilusão!de!sonhar.!

132!
!
!
!
FAINA&
!
Somente!em!momentos!de!muita!chuva!o!Zeca!parava!a!sua!faina.!Aí!sossegava!o!
coração,!havia!percebido!já!que!o!sinônimo!de!Londrina!era!trabalho.!Mas!a!chuva!Deus!
mandava!para!por!cada!coisa!em!seu!lugar.!Fazer!meditar!a!natureza.!E!isso,!ele!também!
respeitava.!“[!Deus!manda,!Deus!sabe!o!que!faz.”!
!
!
BRIGOU&COM&A&MORTE&
!
Ouvi!a!Amélia,!com!tanta!raiva,!brigar!com!a!morte:!
[!Você!é!feia!morte,!eu!te!odeio!!
[!Você!é!má,!é!horripilante.!
[!Você!me!tirou!minha!mãe!quando!eu!era!ainda!menina,!tirou!meu!pai,!meus!
irmãos,!e!agora!me!tirou!o!Zeca.!!
Você!não!tem!educação,!entra!sem!pedir!licença,!sem!avisar,!invade!a!vida!das!pessoas.!
Você!tem!prazer!em!separar!aqueles!que!se!amam.!Sempre!lhe!pedi!para!me!levar!
primeiro,!mas!não,!você!não!me!quis,!só!para!contrariar,!me!fazer!sofrer.!
![!Morte!você!é!cruel,!eu!te!odeio!!
Depois!se!acalmou.!Pediu!perdão!a!Deus!por!tanta!insensatez,!pois!havia!ficado!
louca!de!dor.!
!
VALE&RUBI&&DAS&LAVADEIRAS&
!
O!Vale!Rubi!ficava!dentro!do!pasto!de!uma!Fazenda!cercada!por!arames!farpados.!
Ali!estava!a!mina!de!água,!nascente!do!Rio!Rubi,!um!riacho!límpido!onde!as!mulheres!
lavavam!roupas.!Hoje,!bem!perto!de!sua!minguada!nascente,!está!um!campinho!de!
futebol,!mas!naquela!época!havia!!em!suas!margens,!Santa!Bárbaras!(cinamomos),!tão!
antigas!que!as!crianças!corriam!pisando!seus!troncos!largos,!para!se!atirarem!na!lagoa.!
Mais!para!o!lado!da!atual!Rua!Astorga,!em!baixo!do!Pontilhão,!ainda!há!uma!mina!de!
água.!!
Ela!formava!uma!lagoa!maior,!por!isso!foi!escolhida!pelas!lavadeiras!de!roupas.!
Estas!donas!de!casa!se!reuniam!ali!para!baterem!roupas!em!meios!troncos!serrados!de!
árvores,!cuja!extremidade!ficava!submersa!na!água,!e!a!outra!ponta,!o!batedor,!era!
apoiado!e!preso!num!outro!pedaço!de!tronco!na!beirada!do!córrego.!Depois!de!lavadas!
as!roupas!eram!estendidas!nos!galhos!de!arbustos!ou!na!cerca!de!arame!farpado,!para!
secarem.!Pela!hora!do!almoço!algumas!crianças!traziam!as!marmitas!para!as!mulheres.!
As!casas!ficavam!na!Rua!Maringá,!onde!outras!mulheres!preparavam!o!almoço!para!
mandar!para!as!que!estavam!no!Vale!lavando!roupas.!!
A!matrona!Rosalina,!servia!para!suas!filhas!e!noras!e!vizinhas,!“um!golinho!de!
pinga”,!para!tirarem!a!friagem!da!água!fresca!nos!pés.!Havia!esse!cuidado!com!as!
mulheres!para!não!perderem!a!saúde.!Era!um!tabu,!achavam!que!a!mulher!ao!tomar!
friagem!nos!pés,!ficaria!barriguda!ou!poderia!afetar[lhe!os!pulmões.!Enquanto!as!
lavadeiras!amigas!cantavam!e!contavam!histórias,!as!crianças!faziam!algazarra!nadando!

133!
!
entre!lambaris,!ou!se!pendurando!nos!cipós.!Cuidado!com!as!urtigas!venenosas!e!
espinhudas!e!também!evitar!se!embrenhar!na!mata!para!não!pisar!em!cocô!de!gente.!!
Ali!não!havia!banheiro!ecológico.!Ou!era!ecológico?!As!meninas!admiravam!os!
pássaros!variados!e!colhiam!orquídeas!e!bromélias!para!enfeitarem!as!casas!simples!com!
chão!de!assoalho!em!madeira,!lixado!e!encerado,!todas!as!sextas[feiras!de!todas!as!
semanas,!pois!era!este!o!dia!da!faxina!doméstica.!Quando!chovia,!costumava[se!espalhar!
pó!de!serra!no!chão!para!amenizar!as!pelotas!de!barro!coladas!na!sola!dos!sapatos.!Eram!
os!moleques!quem!buscavam!o!pó!de!serra!nas!serrarias!das!redondezas!(Serraria!
Batistella!e!Policastro)!e!com!as!carriolas!feitas!por!eles!mesmos.!Com!as!carriolas!os!
meninos!também!iam!vender!sabão!caseiro.!Todos!tinham!suas!funções!naquela!
sociedade!iniciante,!todos!colaboravam!entre!si.!Os!jovens!tinham!orgulho!de!ser!
aprendiz!de!alguma!profissão.!O!orgulho!das!moças!era!aprender!corte!e!costura!e!as!
demais!prendas!domésticas!que!eram:!cozinhar,!bordar,!lavar,!passar...!!Ao!lado!de!todo!
portão!ficava!um!“raspa!pés”,!era!como!uma!faca!de!ferro!esticada!na!horizontal!e!sobre!
dois!toquinhos!nas!extremidades,!isto!servia!para!raspar!a!sola!dos!sapatos!e!tirar!o!
excesso!de!barro!nele!colado.!Faziam[se!também,!capachos!de!tampinhas!de!garrafas,!
para!limpar!a!terra!dos!calçados.!Todo!dia!tinha!o!cheiro!bom!de!fumaça!de!lenha!
queimada!misturando[se!com!o!aroma!de!alho!e!cebola!fritos!na!banha.!Feijão,!arroz,!
torresmo,!na!panela!de!ferro.!Ovos!quentes!para!as!crianças!crescerem!fortes.!!
Garapa!de!cana,!limonada!ou!groselha,!mas!guaraná!“Caçulinha”!ficava!reservado!
para!as!festas!e!suas!tampinhas!furadas!com!pregos,!para!virarem!tipo!de!mamadeira!na!
boca!das!crianças,!sugando!o!guaraná.!Passar!roupa!era!demorado!e!sofrido.!Enchia[se!
com!brasa!acesa,!a!barriga!do!ferro!de!passar!roupa,!ia!assoprando!as!brasas!para!não!
apagarem!e!pressionava[o!sobre!as!roupas!de!algodão!ou!linho,!geralmente!brancas,!
como!as!camisas!e!os!lençóis.!Era!um!trabalho!caprichoso!e!bonito!de!ver!depois,!tudo!
lisinho,!dobradinho!com!amor.!Algumas!vezes!a!cinza!escapava!do!ferro!e!sujava!a!roupa.!
!
!
RAINHA&DO&ABISMO&
!
Planta!que!algum!indígena!ainda!vende!nos!sinaleiros.!
Família!gesneriaceae,!classe!magnoliopsida!Sinningia!Douglasii.!Existem!2.000!
espécies!e!140!gêneros.!
Ocorre!em!regiões!tropicais!e!subtropicais!(Mata!Atlântica!e!Floresta!Ombrófila!
Densa!ou!Floresta!Ombrófila!Mista.!Floração!nos!meses!de!agosto,!setembro!e!outubro.!
Referências:!!Farzza,!Rafaela!Campostrini.!Catálogo!de!Plantas!e!Fungos!do!Brasil.!
!
!
ERA&IMPORTANTE?&
!
Sempre!soube,!desde!criança!que!isto!aconteceria,!e!quando!meu!pai!adoeceu,!
pela!primeira!vez!aos!setenta!e!sete!anos,!minha!certeza!era!quase!total.!Realmente!
Deus!torna!a!morte!misteriosa.!Tinha!a!esperança!de!que!meu!pai!resistiria!ainda!alguns!
dias,!talvez!meses.!Então,!de!qualquer!modo!foi[me!uma!surpresa!quando!a!enfermeira!
anunciou!que!ele!tinha!apenas!meia!hora!de!vida.!!
–!Você!tem!certeza!do!que!está!dizendo?!Dentro!de!meia!hora!cabe!a!
retrospectiva!de!uma!vida!de!setenta!e!oito!anos?!Como!é!possível!aceitar,!que!ele!teria!

134!
!
que!descer!nesse!ponto!da!nossa!viajem?!Mas!aceitamos,!resignados!por!temor!a!Deus,!
que!é!a!sabedoria!suprema.!!
A!partir!daí,!da!surpresa!inesperada!de!ouvir!esta!“meia!hora”,!nada!mais!
aconteceu!como!prevíamos,!até!o!velório!dele,!não!foi!no!mesmo!local!dos!velórios!dos!
outros!parentes!nossos.!Naquela!noite!a!ACESF!e!todas!as!capelas!mortuárias!da!cidade,!
estavam!ocupadas!devido!a!um!grande!acidente!ocorrido!na!BR369.!Dessa!forma!o!
velório!dele!aconteceu!lá!nos!“Cinco!Conjuntos”,!na!sala!de!velórios!do!Cemitério!da!
Saudade.!!
Alguns!amigos!e!conhecidos!não!acharam!o!local!e!outros!nem!ficaram!sabendo.!
Por!isso!ainda!apareceram!lá!em!casa,!por!muitos!meses,!pessoas!procurando!por!ele,!
para!visitas!ou!negócios,!e!se!espantavam!e!lamentavam!sua!morte.!Ele!morreu!
exatamente!à!meia!noite,!horário!muito!especial!para!ele,!e!todo!ano,!na!passagem!do!
Ano!Novo,!ele!descarregava!sua!“mause”,!dando!salvas!de!tiros!para!festejar!o!ano!novo!
que!se!iniciava.!Depois,!estourava!“champanhas”!para!nós,!não!falava!nada,!apenas!
provia!tudo!e!ficava!em!seu!canto!nos!observando,!e!rindo!da!bagunça.!Mesmo!com!seu!
jeito!“quietão”,!promovia!todas!as!nossas!festas.!Em!nossas!dificuldades,!a!camionete!
dele!parava!em!frente!de!nossas!casas,!ele!estendia!sua!mão!e!nos!socorria!no!que!fosse!
preciso.!!
Sempre!dizia:!“Vou!dar!um!jeito”.!O!Zeca!tinha!muitos!amigos!e!era!muito!
querido!mesmo.!No!cortejo!dele,!havia!tantos!carros!acompanhando[o!até!o!cemitério!
São!Pedro,!que!ao!passar!pelo!centro!da!cidade,!os!estranhos!perguntavam!se!tinha!
falecido!alguém!importante.!!
–!Tinha!sim,!tinha!morrido!alguém!que!transformou!nossas!vidas!em!alegria!e!
esperança!sempre.!Nos!fez!acreditar!que!tudo!vai!dar!certo.!Ensinou[nos!a!vermos!beleza!
e!Deus,!em!cada!simples!detalhe.!Provou[nos!que!com!perseverança!e!trabalho,!
podemos!realizar!nossos!mais!caros!ideais.!Valorizou!a!amizade!e!o!respeito!pelo!
sentimento!das!pessoas.!Os!sobrinhos!não!esquecem!o!tio!brincalhão,!contador!de!
histórias,!de!piadas!e!dispensador!de!atenção!especial!às!crianças.!!
Lembro[me!com!tanta!saudade!daquela!figura!de!homem!grande,!bronzeado!
pelo!trabalho!sob!o!sol!de!Londrina,!forte!no!físico,!forte!na!alma,!mas!com!tanta!ternura!
nos!olhos.!Ela!era!um!bruto!romântico,!tinha!o!coração!de!sonhador.!Ainda!naquela!
idade,!e!mesmo!com!o!AVC!que!o!aprisionou,!ele!tinha!planos.!Foi!meu!herói,!meu!
amigo.!Eu!fui!rica!de!pai,!e!serei!sempre!rica,!porque!dentro!de!mim!ele!viverá!
eternamente.!!
A!existência!dele!foi!indicar!o!caminho!que!sobrepuja!todo!o!sofrimento,!para!
fazer!valer,!somente!o!amor.!Em!sua!doença,!nem!por!um!minuto,!se!revoltou!ou!
reclamou.!Aceitou!em!silêncio,!com!coragem!e!esperança.!Meu!pai!foi!um!homem!
valente!até!o!fim,!e!isso!eu!disse!a!ele,!não!sei!se!ele!me!ouviu,!mas!sei!que!seu!coração!
ainda!batia,!quando!beijando!suas!mãos,!lhe!agradeci!pelo!amor,!pela!dedicação,!pelo!
trabalho,!pelos!conselhos,!pelos!exemplos!e!pelo!maravilhoso!pai!que!ele!foi.!Valeu!pai!!A!
sua!vida!valeu!muito!!Assim!lhe!falei.!E!completei:!!
[Até!logo,!até!quando!Deus!quiser,!pai.!
!
!
!
!
!

135!
!
!
!
VIAGEM&DIFÍCIL&
!
As!duas!irmãs!e!os!dois!irmãos!eram!muito!unidos,!mas!o!Antonio!era!aventureiro,!
sempre!se!mudando!para!outras!cidades.!Desta!vez,!o!”Tonico”!e!a!“Liva”,!eram!assim!
chamados!carinhosamente!pelos!seus!irmãos,!os!queridos!Antonio!e!Olivia,!estavam!
morando!em!Umuarama.!A!saudade!apertou,!o!Zeca!pôs!a!Amélia!e!as!meninas!no!
caminhão,!o!filho!homem!dele!ainda!não!tinha!nascido,!e!seguiram!a!longa!viagem,!
quase!um!dia!e!uma!noite.!Depois!de!Maringá,!era!tudo!mata!fechada!e!acabava!o!
asfalto.!Foi!num!ponto!bem!além!que!o!caminhão!quebrou.!
!A!estrada!de!terra,!uma!verdadeira!picada!no!meio!da!mata,!estava!de!tardezinha!
e!não!havia!outro!jeito!senão!o!Zeca,!a!pé,!com!a!peça!nas!costas,!procurar!ajuda!na!
parada!mais!próxima.!A!estrada!estava!deserta,!sem!movimento,!portanto!não!havia!
esperança!de!carona!ou!auxílio.!O!Zeca!sumiu!na!estrada!de!chão!batido!e!no!escuro!da!
tarde.!Caminhou!o!mais!rápido!possível,!pois!deixara!toda!a!sua!riqueza!naquela!cabine!
de!caminhão.!A!Amélia!abraçou!as!meninas,!ficou!contando!histórias!para!distraí[las,!
mas!foi!tenso.!Dos!dois!lados!da!estrada!batida,!estava!a!mata!fechada,!repleta!de!
árvores!frondosas!de!onde!pendiam!um!emaranhado!de!cipós!e!centenas!de!pés!de!
palmitos.!Ouvia[se!o!pio!de!todo!tipo!de!pássaros!e!os!gritos!de!macacos!e!outros!sons!de!
bichos!inimagináveis.!Foi!uma!noite!de!terror,!porque,!ouvia[se!também!os!rugidos!das!
onças.!
!A!Amélia!rezou!até!ver!de!madrugadinha!o!Zeca!apontando!na!comprida!estrada!
à!sua!frente.!Que!alegria!!Ele!conseguiu!um!jipe!para!trazê[lo.!Consertou!o!caminhão!e!
eles!chegaram!felizes!na!casa!onde!os!irmãos!e!os!três!sobrinhos!os!esperavam!para!o!
Natal.!
!
PAUhDEhARARA&
!
Num!determinado!Natal,!o!Zeca!organizou!um!grupo!maior!para!a!viagem,!pois!
sua!mãe,!também!estava!morando!em!Umuarama.!(Umuarama!em!indígena!quer!dizer!
reunião!de!amigos).!Seu!caminhão!era!de!carroceria!e!ele!o!transformou!num!pau[de[
arara.!Não!era!aquele!mesmo!“pau[de[arara”,!instrumento!de!tortura!usado!pela!
ditadura!militar.!Nesse!contexto,!o!pau[de[arara,!era!um!caminhão!com!a!carroceria!
coberta!por!uma!lona!de!encerado,!onde!os!trabalhadores!rurais!iam!segurando!nos!paus!
da!armação,!enquanto!eram!transportados!para!as!lavouras!ou!abertura!de!estradas!e!
construção!de!pontes.!Mas,!no!caso!da!família!festeira,!a!intenção!era!outra.!Por!isso,!o!
Zeca!cobriu!a!carroceria!com!lona!encerada!e!a!Amélia!forrou!todo!o!chão!com!
acolchoados,!mais!cobertas!e!travesseiros,!para!a!comodidade!dos!passageiros.!!
O!final!da!carroceria!ficou!reservado!para!as!bagagens,!os!alimentos,!os!presentes!
de!Natal!e!o!fogareiro!para!as!cunhadas!mais!novinhas,!fazerem!o!mingau!de!seus!bebês.!
Havia!uma!parada!bem!além!da!cidade!de!Maringá!e!da!“Ponte!Funda”!perigosa,!estreita!
e!funda,!porque!nem!se!via!a!água!lá!em!baixo.!!Assim!chamavam!a!ponte!porque!era!
velha,!de!madeira!esburacada,!mal!dava!para!encaixar!os!pneus!das!conduções.!Ali!o!
Zeca!passou!bem!devagar,!calculando!para!não!errar.!Os!sobrinhos!moços!desceram!
para!amenizar!o!peso.!Depois!da!travessia!da!ponte,!chegaram!à!parada!da!vendinha!do!

136!
!
Lambari.!Esta!venda!ficou!assim!conhecida!porque!os!viajantes,!ali!compravam!pacotes,!
desses!amarelos,!grandes!e!cheios!de!lambaris!fritos.!
Uma!delícia!cujo!gosto!a!memória!ainda!traz!à!boca.!As!crianças!brincavam!na!
lagoa!rasa!do!lugar,!vendo!as!pedras!e!os!peixinhos!no!fundo,!de!tão!límpida!aquela!água.!
As!mulheres!acendiam!o!fogareiro!para!preparar!mais!mamadeiras.!Todos!comiam!o!
frango!empanado,!os!sanduíches!e!outros!alimentos!que!traziam.!Os!homens,!irmãos,!
compravam!guaraná!e!guloseimas!na!vendinha,!conversavam!com!o!dono!do!
estabelecimento!e!aproveitavam!para!tomar!uma!pinga.!Depois!do!bom!descanso!de!
todos,!partiam!satisfeitos!para!continuarem!a!jornada!entre!a!mata.!Em!Umuarama,!a!
avó!Rosalina!e!o!avô!Manoel!já!tinham!encapado!com!papel!craft,!todos!os!muitos!
bancos!e!mesas!do!quintal.!A!despensa!estava!abarrotada!e!lá!dentro!a!criançada!sabia!
das!inúmeras!latas!cheias!de!rosquinhas[de[pinga.!A!avó!nunca!regulava!alimento!algum.!
A!fartura!era!uma!beleza!!Depois!de!uns!três!dias!já!era!Natal!e!o!Papai[Noel!
chegava,!na!casa!da!Olívia!e!do!Antonio,!porque!era!lá!que!o!suposto!Papai[Noel!estava!
hospedado!e!também!lá,!ficavam!as!roupas!dele,!para!as!crianças!não!verem.!O!Zeca!se!
vestia!de!Papai[Noel!e!seus!irmãos!solteiros,!tentavam!sabotar!a!brincadeira!tradicional,!
então!aquele!Papai[Noel!maluco,!prendia[os!no!canto!da!sala,!mandava[os!rezarem!o!
Pai[Nosso!de!trás!pra!frente!e!se!errassem!apanhavam!de!bengala,!improvisada!por!um!
cabo!de!vassoura.!Os!pequenos!se!perguntavam!por!que!o!Papai[Noel!ficava!bravo!e!os!
tios!peraltas,!ainda!riam!tanto.!Havia!um!suspense,!aquele!quarto!ficava!fechado,!a!tia!
Alice!segurava!a!porta!para!os!irmãos!não!entrarem!e!nele!tinha!uma!janela!baixa.!
Depois!de!espera!demorada,!a!Olivia!olhando!pela!porta!da!sala,!anunciava!a!
chegada!do!“velhinho”.!Ele!entrava!de!vagar,!com!dificuldade,!se!apoiando!na!bengala,!
era!recebido!na!sala!em!penumbra.!As!mulheres!dispensavam!todo!cuidado!a!ele,!
ensinando!como!devia!se!tratar!um!velhinho!cansado!que!veio!de!muito!longe.!As!
crianças!emudecidas!tratavam[no!com!desvelo!e!ofereciam[lhe!doces.!Ele!pedia!com!voz!
muito!baixa!e!fraca,!para!porem!os!doces!num!pacotinho!para!ele!comer!depois.!Dava!
medo,!aquela!máscara!mal!feita,!com!bigodes!e!barbas!brancas!e!os!olhos!por!trás!de!
dois!buracos.!O!vermelho!da!roupa!era!esplêndido!como!a!emoção!do!momento.!!
A!Amélia!e!a!Olívia!iam!ajudando!o!Papai[Noel!a!ler!os!nomes!da!cada!criança,!
escritos!nos!pacotes!de!presentes.!Depois!ele!se!despedia!alegando!cansaço.!Alguém!o!
ajudava!a!sair!para!o!jardim!e!as!crianças!se!preocupavam!em!abrirem!os!presentes.!Os!
irmãos!mais!jovens!do!Papai[Noel!até!lhe!davam!uns!tapas!no!gorro!e!o!chamavam!de!
velhinho!safado!porque!não!lhes!trouxe!presentes.!Os!pequenos!pensavam!no!
atrevimento!dos!tios,!enquanto!a!jovem!tia!Alice,!dava!vassouradas!nos!seus!irmãos!para!
proteger!o!Papai[Noel.!Era!tudo!teatro!para!as!crianças,!mas!todos!se!divertiam!muito.!
As!mulheres!costuravam!a!fantasia!do!“bom!velhinho”!e!esta!roupa!ficava!escondida!em!
uma!caixa,!em!cima!do!guarda!roupas!esperando!até!o!próximo!Natal.!
!
!
!
!
!
!
!
!
!

137!
!
!
!
CARTÕES&
!
Aquele!exotismo!trazido!pelos!cartões!natalinos,!com!árvores!secas,!ou!pinheiros,!
neve!e!azevinhos,!choupana!e!Jesus!na!manjedoura,!aumentava!a!expectativa!da!noite!
mágica.!A!gente!entrava!num!mundo!de!fantasia!onde!tudo!de!bom!poderia!acontecer.!
O!Papai[Noel!vinha!do!Reino!Encantado!que!era!assim:!Sua!casa,!uma!fábrica!de!
brinquedos,!e!os!duendes!moravam!lá,!construindo!brinquedos!o!ano!todo.!Por!conta!da!
Mamãe[Noel,!!ficavam!os!quitutes,!os!bolos!e!os!doces,!servidos!antes!do!Papai[Noel!sair!
entregando!os!presentes,!pois!lá!também!era!Natal.!
!
!
CHUPETA&
!
A!Gisele!sempre!foi!determinada!e!corajosa.!Já!estava!com!quatro!anos!e!não!
queria!largar!a!chupeta,!e!o!pior!é!que!só!queria!então!a!chupeta!velha,!a!verde.!Foram[
lhe!dadas!as!chupetas!mais!bonitas!e!cheias!de!invenções!infantis,!mas!ela!preferia!a!
verde,!velha,!simples!e!apodrecendo.!Vai!entender!!Então!a!sua!mãe!lhe!contou!que!o!
Papai[Noel!precisava!de!mais!chupetas!para!a!grande!árvore!natalina!no!jardim!do!reino!
encantado.!Uma!linda!borboleta!entrava!à!noite!na!casa!das!crianças!e!recolhia!as!
chupetas!que!elas!desejassem!doar.!Porém,!não!tinha!mais!volta,!porque!ninguém!iria!
estragar!a!linda!árvore,!tirando[lhe!algum!enfeite.!Quando!as!chupetas!chegavam,!a!
Mamãe[Noel!as!decorava!com!laços!de!cetim,!colava[lhes,!lantejoulas!e!pó!de!gliter,!e!
elas!ficavam!lá,!penduradas!na!árvore,!reluzindo,!piscando!e!acendendo!todo!o!jardim!
com!seu!brilho.!Que!a!Gisele!pensasse!bem,!e!se!decidisse!doar!a!chupeta,!era!só!colocá[
la!na!mesinha!da!sala!e!ir!dormir.!Olhou!firme!para!a!mãe,!pensou!com!os!olhos!grandes,!
rapidamente!colocou!a!chupeta!sobre!a!mesa!e!foi!para!o!seu!quarto.!Na!manhã!
seguinte,!ao!levantar[se!correu!para!a!sala,!certificou[se!de!que!a!linda!borboleta!havia!
passado!por!lá,!pois!a!chupeta!não!estava!mais.!Olhou!para!a!mãe!com!os!olhinhos!
pestanudos,!angustiados,!marejados.!Aí,!deu!um!sorriso!decidido,!orgulhoso.!Nunca!
mais!falou!na!chupeta!verde!e!nem!em!outra!qualquer,!mas!a!mãe!guardou!a!tal!chupeta!
verde,!no!caso!de!arrependimento.!
!
!
IGUAL&O&PRESIDENTE&LULA&
!
Nos!tempos!de!menino,!o!Zeca!foi!trabalhar!de!aprendiz!na!serraria,!acidentou[se!
na!serra!e!perdeu!o!dedo!mindinho!da!mão!esquerda.!Ao!casar[se,!ele!não!intimidou[se!
por!isso,!regras!são!regras!e!esta!ele!tinha!satisfação!em!cumprir.!Portanto,!ele!passou!a!
usar!a!aliança!normalmente,!no!dedo!vizinho!do!mindinho,!e!isto!chamou!mais!a!atenção!
para!o!defeito!na!mão.!Nas!festas!de!Natal!da!família,!era!sempre!ele!o!Papai[Noel.!Num!
destes!natais,!quando!o!Papai[Noel!chamou!pelo!nome!da!menina,!ressabiada!ela!se!
aproximou!mais!do!“velhinho”!arcado!e!enquanto!respondia!a!ele,!se!tinha!sido!uma!boa!
menina!durante!o!ano,!se!tirou!notas!boas!na!escola,!se!foi!obediente!à!mãe,!se!não!
brigou!com!a!irmãzinha,!a!menina!viu!pelo!buraco!da!máscara!que!ele!tinha!os!olhos!
verdes!como!os!de!seu!pai.!Ao!receber!o!pacote!de!presente!das!mãos!do!Papai[Noel,!a!

138!
!
menina!notou!também!que!lhe!faltava!um!dedo!na!luva!branca!e!da!mão!esquerda.!
Nessa!noite!a!menina!compreendeu!a!extensão!do!amor!dos!pais.!
!
!
PEÇAS&INFANTIS&
!
Na!série!de!peças!executadas!na!aula!de!escultura!com!a!professora!Tãnia,!
busquei!fazer!um!trabalho!reflexivo!sobre!os!afetos!e!relacionamentos!sociais.!São!
objetos!expositivos!para!encantar!o!observador.!Lembram!personagens!de!histórias!
infantis,!dando!exemplos!de!moral,!de!virtudes!e!com!toda!a!alegria!fantasiosa.!É!para!
tocar!a!criança!que!ainda!vive!dentro!de!nós,!fazendo[nos!percorrermos!de!novo,!a!
mesma!sensação!de!felicidade!ingênua!diante!do!mundo.!São!eles!bichinhos!com!
roupinhas!pintadas!imitando!pano,!tecidos,!para!lembrar!os!brinquedinhos!e!maquetes!
onde!as!crianças!interagem!com!a!vida.!Os!bichinhos!que!convivem!conosco!no!dia!a!dia,!
na!casa!ou!no!quintal,!nos!proporcionam!alegria!só!de!ver!o!seu!modo!de!sobreviver.!
Podemos!comparar!algumas!características!deles!nos!humanos!e!dos!humanos!neles.!Ao!
dividirem!o!mesmo!espaço!doméstico,!em!camarada!convivência!e!parceria,!são!
exemplos!de!amizade!e!fidelidade.!As!crianças!em!sua!simplicidade!fazem!comparação!
das!famílias!humanas!com!as!dos!animais.!Todos!têm!suas!casinhas,!comidinhas,!papai,!
mamãe,!ovinhos,!brinquedinhos,!roupinhas,!e!etc.!!
!
!
É&TECIDO,&É&PANO,&É&CARINHO.&
!
A!peça!de!tecido!alpaca!sobre!o!balcão!da!loja,!e!a!fita!métrica,!como!o!balcão,!era!
de!madeira.!O!tecido!tão!liso,!tão!engomado,!um!cheiro!de!novo,!de!tinta!ou!de!goma!
talvez.!As!mãozinhas!delicadas!de!minha!mãe,!deslizando!sobre!ele.!Com!“olho!arguto”,!
ela!examinava!se!era!de!algodão!puro!mesmo.!Jogo!de!olhar,!de!apalpar!a!linha!reta,!
deslizando!sob!a!mão,!na!textura!de!fios!finos!entrelaçados.!Depois,!na!camisolinha,!eu!
sentia!o!conforto,!a!maciez.!A!cor!suave,!com!florzinhas!espalhadas,!como!se!estivessem!
ao!vento,!voando.!Voando!como!o!meu!pensamento,!na!memória!de!um!tempo!puro,!
onde!tudo!à!nossa!volta!conseguia!nos!tocar,!provocar.!Era!o!corpo!e!o!meio,!
completamente!integrados,!naturais,!manufaturados.!E!o!som!inquietante!da!máquina!
de!costuras...!Mamãe!em!casa.!
!
!
BUCHEIRO&
!
Outra!carrocinha!curiosa!que!havia,!era!a!do!bucheiro.!Ele!vendia!de!portão!em!
portão!os!miúdos!do!boi,!ou!seja,!o!fígado,!o!coração,!os!miolos,!o!bucho.!Tinha!dia!certo!
para!o!bucheiro!passar,!por!isso!o!cardápio!doméstico!seguia,!uma!certa!rotina!
organizada.!Sempre!naquele!tal!dia!da!semana,!a!gente!comeria!fígado!frito!ou!
dobradinha!de!bucho.!Até!do!miolo!do!boi!fazia[se!um!bolinho,!temperado!com!cheiro!
verde,!empanado!e!frito.!Muito!delicioso!aquele!bolinho!que!a!menina!nunca!mais!comeu!
depois!que!descobriu!que!ele!era!feito!de!cérebro!de!boi.!
!
!

139!
!
!
!
VERDUREIRO&
!
A!maioria!dos!quintais!tinha!horta!e!pequeno!pomar,!mas!para!reforço,!passava!
toda!semana,!o!verdureiro!com!uma!charretinha!carregada!de!caixotes!de!frutas!e!de!
verduras.!Mexerica,!poncan,!laranja,!tangerina,!banana,!uva,!manga,!abobrinha,!tomate,!
alface,!abóbora!para!doce,!batata,!couve!flor,!acelga,!mostarda,!rabanete,!beterraba,!
berinjela,!ovos!de!galinha,!e!outras!coisas!boas!mais.!O!verdureiro!usava!chapéu!para!
protegê[lo!do!sol!sempre!escaldante.!Lá!em!casa!tinha!tudo!isso,!mas!às!vezes!estavam!
ainda!brotando,!nascendo.!Os!vizinhos!também!tinham!costume!de!fazerem!gentilezas!e!
oferecerem!aos!demais,!tudo!de!gostoso!que!produzissem!em!seus!quintais!ou!pratos!
típicos!de!suas!cozinhas.!Por!isso,!ninguém!passava!vontade!de!nada.!Apenas!uma!
vizinha,!muito!introspectiva,!vendia!bacias!de!mangas!coquinho!para!as!crianças.!Havia!
mangas!por!todo!lado,!mas!talvez!por!que!aquelas!eram!reguladas,!é!que!as!crianças!
desejavam!mais.!Mas!também,!o!pé!dessa!mangas!ficava!no!alto!do!terreno,!e!as!suas!
frutas,!amarelinhas!ao!sol,!ficavam!oferecendo[se.!
!
!
BIJUZEIRO&
!
O!Bijuzeiro!também!passava!na!rua!vendendo!bijus,!carregando!nas!costas!um!
tamborete!de!lata!com!uma!roda!da!sorte!na!tampa.!Ele!tinha!um!apito!para!assanhar!as!
crianças!e!avisar!que!estava!passando.!Quando!as!crianças!compravam!um!biju,!tinham!o!
direito!de!girar!a!roda!da!fortuna!e!se!ela!parasse!no!prego!do!número!escolhido,!elas!
ganhavam!mais!um!biju.!Esta!roda!da!sorte!tinha!raios!divididos!por!cores!e!por!números.!
Tudo!se!ligava!naquele!universo!infantil:!As!mesmas!cores!da!lona!do!circo,!os!gira[giras,!
nas!rodas!do!circo,!na!roda!da!sorte,!na!roda!do!pirulito,!do!bambolê,!do!pião,!da!bola,!da!
pipa.!
!
!
CARROCINHA&DE&PRENDER&CACHORROS&
!
Puxada!por!cavalos,!esta!carrocinha!era!uma!grande!gaiola.!Os!carroceiros,!dois!
ou!três,!eram!laçadores!de!cachorros.!Todo!cachorro!que!estivesse!na!rua!quando!eles!
passavam,!era!laçado!e!levado!para!lá!do!Lago!Igapó.!Dizia[se!que!os!matavam!para!
fazer!sabão!deles.!A!menina!ouviu!os!latidos!dos!cães!e!os!berros!dos!laçadores.!A!
carrocinha!já!estava!cheia!de!cachorros,!de!toda!raça!ou!de!“vira!latas”.!O!“portãozão”!do!
quintal!estava!aberto!para!facilitar!a!entrada!do!caminhão!do!pai!,que!estava!para!
chegar.Então,!de!medo!que!seus!cachorrinhos!saíssem!do!quintal,!a!menina!se!atirou!ao!
chão,!abraçou!seu!cachorrinho!branco,!o!“Perigo”,!que!já!estava!beirando!o!portãozão.!A!
menina!o!apertou!em!seus!bracinhos!e!gritava!desesperadamente!que!de!seu!
cachorrinho!ninguém!iria!fazer!sabão.!O!cachorro!envolto!no!vestidinho!dela,!e!com!os!
olhos!!arregalados,!queria!escapar!da!carrocinha!e!dela.!O!escândalo!foi!tamanho!que!até!
as!vizinhas!acorreram!e!desta!vez!a!carrocinha!deixou!passar,!sem!levar!o!animalzinho.!O!
“Perigo”!e!o!“Bobi”!eram!cachorros!fujões,!rueiros,!e!o!Zeca,!bom!pai!das!meninas,!

140!
!
sempre!tinha!que!buscá[los!lá!na!cadeia!de!cachorros!vadios,!pois!as!duas!irmãzinhas!
tinham!horror!de!que!eles!virassem!sabão.!!
!
!
BANANAL&
!
A!menina!comparava!o!quintal!de!sua!casa!com!a!Ilha!do!Bananal,!de!tanto!tipo!de!
bananas!que!havia!ali.!Banana!Nanica,!Banana!Prata,!Banana!Ouro,!e!delas!o!Zeca!
cortava!os!cachos!quase!maduros,!envolvia[os!em!folhas!secas!e!esperava!amarelarem.!
Nos!troncos!cortados!nasciam!novas!mudas.!!
–!Pai,!banana!não!tem!semente?!
!
!
SOPA&DE&BANANA&
!
É!coisa!de!louco,!!sopa!de!banana!ou!é!coisa!de!Amélia?!O!que!sei!é!que!é!uma!
delícia!!A!Amélia!cortava!as!bananas!ao!meio,!colocava[as!para!cozinhar!em!água!com!
açúcar!e!canela.!O!cheiro!delirante!tomava!conta!da!casa,!e!a!gente!tomava!aquela!sopa!
quente,!no!inverno,!como!sobremesa.!Ela!fazia!assim!a!sopa!de!maçãs!também.!Isto!é!
um!costume!trazido!por!ela!de!Ponta!Grossa,!sua!cidade!natal,!muito!fria.!!
!
!
CHIQUINHA&
!
O!Zeca!criava!galinhas!Caipiras!e!galinhas!Rodia!(as!vermelhas),!fez!um!poleiro!
para!elas!e!para!o!galo,!atrás!da!garagem.!Na!parede!da!garagem,!ele!pendurou!muitos!
balaios!com!palhas!de!bananeiras!para!as!galinhas!fazerem!seus!ninhos.!Seu!sobrinho!
Ciro,!tinha!uma!galinha!baixotinha,!vermelha,!e!de!pé!manco.!Por!motivos!de!mudança!
de!cidade,!o!menino!confiou!a!sua!mascote!ao!tio!e!às!primas.!Aquela!galinha!manca!era!
a!sensação!do!quintal,!mas!não!conseguia!subir!no!poleiro,!então!dormia!num!cantinho,!
nas!palhas!do!chão.!Essa!foi!sua!sorte,!pois!numa!noite!de!luar,!alguém!de!“olho!gordo”,!
entrou!sorrateiramente!no!terreiro!e!enfiou!todas!as!galinhas,!inclusive!o!galo!e!os!
franguinhos,!num!saco,!para!não!gritarem.!!Desse!modo,!roubaram!o!galinheiro!inteiro,!
menos!a!Chiquinha,!por!não!estar!no!poleiro.!Muito!aborrecido,!o!Zeca!começou!nova!
criação,!mas!desta!vez!fez!uma!escadinha!tipo!espinha!de!peixe!e!que!ia!do!chão!até!o!
galho!mais!alto!do!pé!de!ameixas.!Esta!árvore!de!ameixas!amarelas!se!tornou!o!novo!
poleiro,!mais!perto!da!casa!e!da!Chiquinha,!que!puseram!para!dormir!mais!perto!das!
crianças!também.!Quando!chegavam!visitas!para!o!jantar,!serviam!frango!cozido!na!
panela!de!ferro.!Costumava[se!fazer!canja!de!galinha!para!as!mulheres!parturientes,!para!
elas!se!recuperarem!mais!rápido.!Mas!nem!pensem!em!fazer!isto!com!a!Chiquinha,!pois!
ela!é!a!boneca!viva!das!crianças.!
!
!
ENIGMA&
!
Os!gatos!possuem!uma!mansidão!planejada,!uma!preguiça!determinada,!com!
indiferença!ao!que!ocorre!ao!seu!redor,!como!se!já!soubessem,!mesmo!sem!ver.!Mas!ao!

141!
!
me!fitar,!o!seu!olhar!enigmático,!atrai!o!meu!olhar,!porque!captando!minha!imagem,!
leva[a!para!dentro!de!si!e!não!a!devolve!jamais.!
!
!
GATOS&INCRÍVEIS&
!
O!Chiquinho!parecia!macaco.!A!Mimi!mandava!em!mim.!A!Nevinha!o!Búque!
matou.!O!Loló,!criamos!com!mamadeira!de!conta!gotas.!O!Totó!tinha!o!rabo!em!zique[
zague.!A!Oncinha,!um!menino!roubou.!O!Faísca!e!o!Fumaça!foram!envenenados.!O!
Romeu!Tuma!foi!roubado!no!ponto!de!ônibus.!A!Vaquinha,!consegui!pintar.!A!Jalile!era!
do!Zezé.!
!
!
ARTE,&CIÊNCIA&E&HISTÓRIA.&
!
A!ARTE,!A!CIÊNCIA!E!A!HISTÓRIA,!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
FORMAM!UM!CÍRCULO!VICIOSO!
DESENHANDO!A!VIDA.!
ESTE!CÍRCULO!TRANSCENDE!
O!QUE!VOCE!QUISER!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!E!O!QUE!NÃO!QUISER,!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!PORQUE!ELE!NÃO!OBEDECE,!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!APENAS!E!SIMPLESMENTE!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!ACONTECE.!
!
!
BILHETE!PREGADO!NA!“JANELA!ESPELHO!DO!TEMPO”!
!
OS&OLHOS&DESTA&JANELA,&JÁ&VIRAM&TANTAS&PESSOAS&PASSAREM,&
CADA!QUAL!DESFILANDO!A!SUA!PRÓPRIA!CULTURA!E!SEUS!SONHOS,!
FORMANDO!O!MOVIMENTO!ININTERRUPTO!DO!SER!NA!CONSTRUÇÃO!
DA!HISTÓRIA!DA!VIDA.!
ELAS!NUNCA!PERCEBERAM!QUE!ESTAVAM!AQUI!RETRATADAS,!
ASSIM!COMO!VOCÊ!AGORA,!FAZENDO!PARTE!DESTA!HISTÓRIA.!
!
!
O&NINHO&–&como&instrumento&pedagógico&
!
Trabalho!da!disciplina!de!Escultura,!com!a!Professora!Tânia!Sugeta!
!
No!início!da!construção!da!cidade!de!Londrina,!as!pessoas!ainda!recolhiam!ovos!de!
ninhos!feitos!pelas!aves!com!palha!de!vegetação!local.!As!galinhas!arranjavam!o!ninho!de!
modo!fofo,!térmico!e!escondido!para!protegerem!e!chocarem!durante!vinte!dias,!os!
treze!ou!os!quinze!ovos.!!
Após!este!período,!os!pintinhos!quebravam!as!cascas!dos!ovos!para!se!juntarem!à!
mãe!galinha!que!os!envolvia!com!as!asas,!ao!menor!sinal!de!perigo.!Eles!só!se!apartavam!
da!mamãe!galinha!quando!já!estavam!aptos!a!conseguirem,!sozinhos!o!seu!alimento.!No!

142!
!
dia!a!dia!a!galinha!ciscava!e!cacarejava,!chamando[os!para!comerem!os!grãos!ou!vermes!
da!terra.!Mas!a!galinha!também!educava!bicando[os,!se!não!seguissem!as!regras!naturais!
de!sua!simples!existência.!Tanto!os!animais!como!as!pessoas,!viviam!em!harmonia!com!a!
natureza!num!bonito!respeito!ao!ritmo!biológico.!Eram!verdadeiros!rituais!de!interação!
pela!sobrevivência.!Porém!o!homem!com!muita!ciência!e!técnica,!confinou!as!aves!em!
viveiros,!improvisando!ninhos!em!série,!para!agilizarem!a!coleta!dos!ovos.!Construíram!
granjas!e!chocadeiras!e!até!as!raças!dos!animais!sofreram!transformações.!Tudo!para!
atender!às!necessidades!humanas!e!principalmente!a!demanda!do!mercado.!Atualmente!
muitas!crianças!só!conhecem!ovos!acomodados!em!caixinhas!de!papelão!e!nunca!viram!
pessoalmente!um!ninho.!Portanto,!o!trabalho!de!instalação!em!pauta,!tem!o!objetivo!de!
incluir!a!arte!como!instrumento!pedagógico!e!estimulador!para!resgatar!os!sentidos!que!
foram!atropelados!pela!velocidade!da!tecnologia,!dentro!de!um!sistema!mecanizado,!
capitalista!que!domina!e!ignora!uma!força!imprescindível!ao!ser!humano,!o!seu!lado!
sensível,!não!permitindo!que!ele!contemple!o!mundo!e!reflita!sobre!sua!existência.!Uma!
existência!de!família!moderna,!onde!todos,!até!a!mamãe,!precisam!trabalhar!fora!de!
casa,!ausentando[se!dos!filhos.!Podemos!então!perguntar:![!Cadê!a!mamãe?!
(Nesta!instalação!o!material!utilizado!é!natural!e!copiou!fielmente!o!ninho!de!
galinhas,!e!somente!o!galo!foi!pintado!em!tinta!acrílica,!e!está!assustado,!pois!não!
compreende!o!que!está!acontecendo!e!procura!desesperado,!pela!companheira!que!
abandonou!o!ninho).!
!
!
EU&
!
Que!me!perdoe!minha!querida!professora!Irmã!Gisele,!por!eu!estar!transgredindo!
as!regras!gramaticais!e!de!ética,!pois!neste!trabalho,!sinto!um!prazer!enorme!em!usar!a!
primeira!pessoa!do!pronome!pessoal!do!caso!reto,!logo!no!início!das!frases!e!dos!textos.!
Eu!penso!que!talvez!seja!porque!estou!numa!viagem!introspectiva,!recuperando!minha!
identidade!egoísta,!ou!porque!seja!uma!conversa!íntima!entre!amigos!ou!iguais,!onde!
não!se!faz!cerimônias!e!as!palavras!vão!fluindo,!como!quem!assovia!distraído.!Ou!talvez!
por!serem!memórias!dançando!despreocupadas,!pois!só!querem!se!entregar!ao!
devaneio.!
!
!
!
!
VENTO&TRAVESSO&(para&as&crianças)&(ilustrar)&
!
Eu!conheço!um!vento!que!se!chama!travesso.!
“Quem!deu”!!a!ele!esse!nome,!foram!as!crianças.!
As!crianças!gostam!dele!porque!é!divertido.!
Esse!menino!irreverente!quando!passa,!
Vai!derrubando!os!papéis!de!sobre!a!mesa,!
Dança!com!as!roupas!nos!varais,!
Levanta!a!saia!das!meninas,!
Embaraça!os!cabelos!das!pessoas!como!se!fosse!um!saci.!
!

143!
!
Mas!esse!vento!também!brinca!de!soltar!pipas,!
As!quais,!ele!levanta!bem!alto,!desenhando!como!lápis!de!cor,!!
Caminhos!coloridos!sobre!o!céu!de!anil.!
!
As!nuvens!brancas!também!são!suas!amigas,!
ele!as!contorna,!conforme!seus!pedidos,!
Para!comporem!lindas!figuras!e!!
Cada!qual!adquire!a!forma!desejada.!
Umas,!querem!ser!borboletas,!
Outras!são!tigres,!patos,!flores,!
Um!palhaço,!um!coelho,!um!anjo,!
Um!carro,!um!telefone,!uma!casa...!
!
Quando!o!vento!travesso!resolve!abraçar!as!nuvens,!
Ele!vai!apertando[as!todas!juntas,!até!espremer!a!água!contida!nelas,!
Aí,!o!cinza!escuro!saturado,!se!derrama!em!chuva!sobre!as!plantas.!
Depois!elas!subirão!novamente!e,!levadas!por!ele,!!
Transformam[se!em!leves!flocos!de!algodão.!!!
!
Aqui!no!chão,!as!flores!vibram,!soltam!pólen!
Que!também!viaja!pelo!vento,!pra!beijarem!outras!flores.!
!
Muitas!vezes!são!as!sementes!que!tomam!carona!com!o!vento!
E!ele!as!leva!para!lugares!longínquos,!
Onde!elas!farão!novas!moradas.!
!
As!aves!são!outras!companheiras!do!vento!travesso!e!
Com!ele!atravessam!o!mundo!numa!grande!aventura,!!
Escrevendo!rotas!e!direções!lá!em!cima!
Igualmente!aos!aviões.!
!
!
!
!
DONA&IZOLINA&
!
O!trinco!da!porta,!redondo!e!de!porcelana!branca,!girou.!
A!porta!dupla,!só!de!um!lado!se!abriu.!
Um!rosto!de!mulher!bonita!apareceu.!
Mas!seu!rosto!tinha!as!marcas!
De!um!tempo!em!que!Londrina!
Exigiu[lhe!muita!força!e!determinação.!
Olhou[me!firmemente!e!depois,!
Sorriu[me!alegremente!um!sorriso!hospitaleiro.!
Convidou[me!a!entrar!e!gentilmente,!
[!Não!me!chame!de!sogra!que!este!é!um!nome!muito!feio.!
[!Desculpe!!Mas!hoje,!te!chamo!sim.!

144!
!
O!nome!pode!até!ser!feio,!!
Mas!a!nossa!amizade!foi!tão!bonita!!
!
!
AS&CORES&DA&ALMA&
!
As!imagens!são!linhas,!são!riscos!que!vão!se!desenhando!em!nossa!mente!
Vão!se!tingindo!de!infinitas!combinações!
Usando!todos!os!matizes!da!memória.!
Podem!ser!revistas!e!revisitadas!
Pelo!trânsito!das!dimensões!temporais!e!!
Conforme!os!afetos!ou!anseios!do!coração,!
Vão!mostrando!as!cores!da!saudade.!!
!
!
GRATIDÃO&
!
Minha!mãe!e!sua!amiga!
Dona!Maria!Pelegrine!
Ensinaram[me!que!a!gratidão!
É!uma!virtude!que!
Atrai!mais!bênçãos!
E!a!justiça!divina.!
!
!
REI&DO&QUINTAL&
!
Como!rei!dos!últimos!quintais,!
Aquele!bem[te[vi,!soberano,!
No!alto!do!velho!telhado,!de!costas!para!mim,!
Fitava!o!plano!de!fundo!de!céu!nublado,!onde,!escondido,!
Ficou!meu!passado.!
!
!
BOLINHO&DE&CHUVA&
!
Nos!dias!de!muita!chuva!em!Londrina,!as!ruas!sem!pavimentação,!ficavam!
intransitáveis.!Os!pés!das!pessoas!colavam!no!chão,!na!massa!mole!de!barro!marrom.!Os!
carros!atolavam!e!nesses!dias!o!padeiro!não!conseguia!entregar!o!pão!nas!casas.!Por!esse!
motivo!entre!outros,!a!Amélia!e!a!Olivia,!faziam!os!tais!“bolinhos!de!chuva”!para!as!
crianças.!
Enquanto!elas!fritavam!essa!massa!aos!pingos,!os!priminhos!ficavam!em!volta!do!
fogão!apreciando!os!bolinhos,!os!quais!tomavam!formas!variadas,!parecidas!com!
bichinhos!criados!pela!imaginação!deles!e!eles!já!iam!até!escolhendo!qual!deles,!cada!um!
iria!comer.!
[!Eu!quero!o!tatu!!
[!O!patinho!é!meu!porque!vi!formar!primeiro!!

145!
!
[!Eu!prefiro!o!gatinho!que!está!virando!agora!!
Assim!aquelas!tardes!se!tornavam!também!deliciosas!brincadeiras!e!eles!juntos,!
até!esqueciam!a!chuva!lá!fora.!
!
!
QUER&PROVAR?&
!
Em!uma!vasilha,!coloca[se!duas!xícaras!de!chá!de!farinha!de!trigo,!no!centro,!
coloca[se!um!ovo!inteiro,!uma!pitada!de!sal,!uma!colher!de!sopa!de!fermento!em!pó!e!
água!suficiente!para!bater!com!colher,!uma!massa!mole!(de!pingar).!Esquenta[se!bem,!
bastante!óleo!numa!frigideira!e!vai[se!pingando!colheradas!dessa!massa.!Os!bolinhos!
disformes,!vão!crescendo!e!adquirindo!aspectos!variados!que!a!imaginação!aproveita!
para!desenhar!muitas!figuras.!Quando!eles!estiverem!dourados!dos!dois!lados,!retira[se!e!
joga[se!sobre!eles!mais!sal!ou!açúcar.!(Variação);!Acrescentar!na!massa!ainda!crua,!
rodelas!ou!pedaços!de!bananas!e!depois!de!fritos,!os!bolinhos,!pulveriza[os!com!açúcar!e!
canela.!
!
!
PADEIRO&
!
O!progresso!também!matou!o!padeiro.!Todas!as!manhãs,!bem!cedinho,!ouvia[se!
a!buzina!de!sua!carrocinha!e!o!tropel!de!seu!cavalo!marrom.!A!carroça!era!de!latão!e!
madeira,!quadrada,!tinha!uma!portinhola!em!cima!que!ele!abria!e!tirava!os!pães!
quentinhos.!Enrolava[os!em!papel!e!dava!às!donas!de!casa.!Senão,!deixava[os!numa!
sacolinha!de!pano,!pendurada!na!cerca!da!casa.!Tanto!tempo!depois,!o!padeiro!e!sua!
carrocinha!foram!atropelados!lá!na!Avenida!Tiradentes.!
O!padeiro,!morreu,!o!cavalo!dele,!também,!mas!as!carrocinhas!de!padeiros!já!
tinham!morrido!em!Londrina.!
!
!
PERFEITAMENTE&
!
Nós!éramos!perfeitamente!felizes!e!tínhamos!plena!consciência!disso.!Eu!mesma,!
dizia!de!peito!aberto:!
[!Eu!sou!a!mulher!mais!feliz!do!mundo!!
Até!que!a!morte!bateu!em!nossa!porta,!não!teve!piedade.!Começou!levar!nossos!
amores.!Entre!eles!o!Zeca,!o!esteio!de!nossa!alegria,!de!nossa!paz.!Depois!eu!via!a!sua!
companheira!com!pensamento!voando,!enquanto!assistia!emocionada,!a!um!vídeo!de!
Ney!Matogrosso,!cantando!no!computador:!“...!Eu!sei!meu!amor,!que!nem!chegas[te!a!
partir,!pois!tudo!ao!meu!redor!me!diz!que!estás!sempre!comigo...”!
!
!
CORTINA&DE&CHITÃO&E&BONECA&
!
Se!na!minha!infância,!a!Dona!Eliza!ocupava!o!lugar!de!bruxinha,!hoje!a!vejo!como!
uma!bonequinha!de!pano!saindo!de!um!mundo!fantasioso,!através!da!cortina!de!
“chitão”.!

146!
!
!
!
APELIDOS&
!
Os!caminhões!de!toras!eram!tratados!como!se!fossem!cavalos!de!raça!e!recebiam!
até!apelidos!carinhosos!como;!Chebinha,!para!o!caminhão!Chevrolet.!
!
!
ALVINA&E&A&COBRA&
!
Com!a!idade!e!a!sabedoria!adquirida!pelo!tempo,!a!Amélia!compreendeu!como!
sua!madrasta!Dona!Maria,!tentou!ser!uma!mãe!para!ela,!pelo!menos!no!modo!de!
conduzir!a!educação!de!uma!menina.!Mas,!naqueles!dias!da!infância,!nem!ela,!nem!seus!
irmãos!conseguiam!admitir!outra!mulher!no!lugar!de!sua!mãe!e!muito!menos!queriam!
repartir!o!amor!paterno.!Eles!estavam!muito!machucados!pelos!reveses!da!vida.!!A!
Amélia!tinha!quatro!anos,!seu!irmãozinho!cinco,!e!as!outras!duas!irmãs,!tinham!catorze!e!
quinze!anos.!O!irmãozinho!mais!novo,!com!dois!aninhos,!havia!falecido,!apenas!três!
meses!após!a!morte!da!mãe!deles,!Alvina!Degraf.!A!morte!foi!causada!pela!picada!de!
uma!cobra!Urutú[cruzeiro,!aquela!com!uma!cruz!na!cabeça!venenosa!e!guizo!na!cauda.!
Havia!muito!destas!cobras!peçonhentas,!no!sítio!deles,!lá!em!Ponta!Grossa.!A!Alvina!
estava!capinando!em!baixo!de!uma!laranjeira!e!confundiu!a!picada!da!cobra!com!
espinhos!de!galhos!secos.!Porém!era!o!maldito!réptil!que!assolou!a!vida!daquela!família,!
levando!para!sempre!a!jovem!mãe!Alvina,!com!apenas!vinte!e!seis!anos!de!idade,!
deixando!órfãos!seus!cinco!filhinhos.!
!
!
O&ÚLTIMO&NATAL&
!
O!“Seu!Augusto!Peron”,!um!dos!primeiros!alfaiates!de!Londrina,!chegou!aqui!em!
1940.!Ele!foi!um!jovem!irrequieto!e!determinado,!por!isso!constantemente!entrava!em!
crise!com!seu!pai.!O!pai!dele!tinha!um!trole!muito!elegante!lá!em!Santa!Rita!do!Passa!
Quatro,!em!Minas!Gerais,!com!o!qual!carregava!figuras!importantes!do!cenário!histórico!
brasileiro.!Por!isso!esse!homem!era!rigorosíssimo!em!seu!trabalho.!“Seu!Augusto”!e!a!
mãe!dele!tinham!a!incumbência!de!manter!os!cavalos!em!perfeito!estado!e!aparência.!À!
noite!o!jovenzinho!Augusto,!segundo!filho!dos!dez,!ainda!ajudava!a!mãe!a!cuidar!os!
irmãozinhos!para!não!chorarem!e!perturbarem!o!sagrado!sono!do!pai,!devido!ao!trabalho!
de!tanta!responsabilidade.!Porém,!o!menino!Augusto!sofria,!não!suportava!mais!ver!a!
bondosa!mãe,!tão!submissa!e!oprimida.!Então,!numa!dessas!crises!com!o!pai,!Augusto!
ainda!tão!jovem,!abandonou!o!lar,!e!embora!o!amor!pela!família,!nunca!mais!voltou.!!!
Foi!para!São!Paulo!e!trabalhou!de!aprendiz!de!alfaiate.!Um!dia!o!jovem!e!bom!
conhecedor!daquela!profissão,!veio!para!Londrina.!Mais!alguns!longos!anos,!e!o!Sr.!
Augusto!Peron,!recebeu!uma!carta!de!seu!irmão,!dizendo!que!a!querida!mãe!estava!
gravemente!enferma.!A!mãe!mantinha!junto!ao!peito,!uma!medalhinha!de!um!lado!
tendo!a!figura!de!uma!Santa!e!do!outro,!a!fotografia!do!filho!tão!esperado,!Augustinho.!
Apertava!a!medalhinha!na!mão!o!tempo!todo,!em!oração.!O!“Seu!Augusto”!relutou!
muito,!não!queria!rever!o!passado.!O!irmão!mais!novo!insistia!e!então!ele!partiu!em!
viagem!de!retorno!à!terra!natal.!Ao!descer!do!ônibus,!teve!a!visão!de!uma!imagem!

147!
!
congelada.!Era!de!manhãzinha,!a!cidade!dormia.!A!mesma!vendinha!e!as!ruas!que!pisou!
em!criança,!ele!sentiu!de!novo!o!mesmo!chão!sob!os!pés.!Desceu!a!“ruinha”!como!
menino,!coração!aos!pulos!e!estava!diante!da!porta!de!sua!antiga!casa.!Era!cedo,!não!
quis!acordar!a!família,!então!saiu!pela!cidade!em!recordações!mil.!Depois!voltou,!exitou,!
peito!sôfrego,!bateu!à!porta.!Ouviu!o!som!de!chinelinhos!se!aproximando.!Uma!velhinha,!
de!81!anos,!agora!já!cega!pela!diabetes,!abriu!a!porta!e!perguntou:!!
[!Quem!é?!
[!Sou!eu,!o!Augustinho,!mamãe!!
Alegria!infinita!naquela!hora!!
A!mãe!abraçada!ao!filho!levou[o!até!a!cozinha!onde!a!um!canto,!perto!do!fogão!
de!lenhas,!o!pai!agora,!tão!velhinho!e!alquebrado,!nem!em!sombra!parecia!o!homem!
enérgico!do!passado.!
Ao!ver!o!filho,!Girólimo!Peron,!com!voz!embargada,!só!conseguiu!dizer:!
[!Agora!já!posso!morrer.!
Estava!próximo!o!final!do!ano!e!eles!tiveram!o!melhor!Natal!que!pode!haver,!
porque!o!filho!pródigo!a!casa!retornou.!!
Mas!que!pena!!Para!a!mãe,!aquele!foi!o!último!Natal.!
!
!
JACU&
!
Gente,!Jacú!era!um!termo!bastante!usado!em!Londrina!para!se!referir!a!pessoas!
tímidas!vindas!do!interior!do!Estado.!Certa!vez,!o!tio!Cata,!assim!a!menina!chamava!seu!
tio!Antonio!Catharino,!foi!buscar!seu!irmão!Zeca!para!experimentar!um!Jipe!que!ele!
havia!comprado,!e!levaram!a!menina!junto.!!Durante!o!trajeto,!o!tio!freava!o!Jipe!e!a!
menina!precisava!se!apoiar!na!alça!do!painel!da!condução.!Então!o!tio!ia!repetindo:!
!![!O!nome!dessa!alça!é!“segura!jacu”.!!
E!provocava!solavancos!no!Jipe!para!forçar!a!menina!a!se!apoiar!naquele,!“segura!
jacu”.!!A!menina,!constrangida,!evitava,!mas!não!conseguia.!E!os!dois,!tio!e!pai,!riam!
brincando!com!ela.!
Tenho!saudades!e!orgulho!de!ser!jacu,!de!ter!convivido!com!essas!pessoas!
maravilhosas,!atenciosas!às!crianças,!dispensando[lhes!tempo!e!lições.!Em!todas!as!suas!
aventuras!a!menina!também!estava.!
!
!
LINHAS&CRUZADAS&
!
A!Amélia!cortava!os!bolos!de!tabuleiro!em!quadrados!perfeitos.!Quando!ela!pedia!
ao!Zeca!para!cortá[los,!ele!fazia!várias!linhas!retas!paralelas!e!voltava!cortando!sobre!
estas!linhas,!outras!linhas!também!retas!paralelas,!mas!diagonais.!Assim!os!pedaços!de!
bolo!adquiriam!formato!de!losangos.!E!ele!ia!explicando!aqueles!nomes,!dizendo!que!os!
pedaços!nos!cantos,!tinham!forma!de!triângulos.!Comecei!a!perceber!a!geometria!nas!
formas!do!mundo.!O!Zeca!gostava!de!cortar!tudo!em!diagonal,!fossem!os!bolos,!as!
linguiças,!os!pães,!os!chouriços.!Ele!falava!também!do!trapézio!no!circo,!como!ele!pode!
suportar!um!elefante!equilibrando!seu!peso.!Eram!tantas!outras!figuras!geométricas!
exploradas!no!universo!circense:!arcos,!círculos,!bolas,!triângulos,!cilindros,!cones,!
quadrados,!retângulos,!e!as!cores!primárias.!Essas!cores!e!figuras!extrapolavam!do!

148!
!
mundo!do!circo!para!o!das!crianças,!e!podíamos!encontrá[las!nos!pirulitos,!piões,!
bambolês,!roda!do!biju,!balões,!roda!gigante,!carrossel!do!parque,!enfeites!de!Natal...!
!
!
USINA&TRÊS&BOCAS&
!
Foi!Manoel!Catharino!o!motorista!quem!trouxe!em!seu!caminhão!as!máquinas!
para!a!Usina!Três!Bocas!de!Londrina.!Os!moleques!da!Cidade!não!perdiam!nenhuma!
novidade.!Com!seus!olhinhos!curiosos,!pés!descalços!e!rapidez,!acompanhavam!o!dia!a!
dia!dos!adultos.!E!nesse!dia!então,!a!molecada!de!todos!os!cantos!da!cidade,!saiu!em!
disparada.!Os!pés!batendo!a!terra,!em!correria!anunciavam!uns!aos!outros;!!
[!A!Usina!chegou!!
Em!pouco!tempo!uma!procissão!e!um!alvoroço!se!formou.!Rodearam!o!caminhão,!
curiosos,!examinando!tudo,!ouvindo!os!planos.!Mas!na!hora!da!pose!póstuma,!os!
meninos!não!entraram.!Não!importava.!Para!eles!o!que!valia,!era!a!emoção!de!estarem!
ali.!
!
!
CHOFERAR&
!
Manoel!Catharino!não!sabia!dirigir,!por!isso!foi!o!dono!de!seu!primeiro!caminhão!
quem!o!ensinou!a!choferar.!Depois!ele!adquiriu!mais!caminhões!e!ensinou!os!seus!filhos!
homens!a!trabalharem!de!motoristas,!mas!naquela!época!só!dirigiam!os!caminhões!de!
toras.!Os!jovens!de!apenas!catorze!ou!quinze!já!eram!motoristas!embrenhando!os!
caminhões!pelas!estradas!nas!matas.!E!aprendiam!ainda!a!consertarem!os!caminhões,!
eram!também!mecânicos!na!oficina!do!pai.!
!
!
EMBLEMA&DA&FESTA&DOS&CATHARINOS;&inspirado&na&fivela&da&cinta&do&José&
Catarino&,&o&qual&tinha&tanto&orgulho&do&nome&de&sua&família,&que&mandou&
fazer&esta&fivela&em&ouro&enfeitada&com&dois&rubis,&sua&pedra&preciosa&
preferida.&Ele&era&solteiro&ainda&quando&mandou&cunhar&a&fivela&e&a&usou&com&
honra&até&a&data&de&seu&falecimento.
!!
&
EMBLEMA&DA&FESTA&DOS&CATHARINOS;!inspirado!na!fivela!da!cinta!do!José!Catarino,!
o!qual!tinha!tanto!orgulho!do!nome!de!sua!família,!que!mandou!fazer!esta!fivela!em!ouro!
enfeitada!com!dois!rubis,!sua!pedra!preciosa!preferida.!Ele!era!solteiro!ainda!quando!
mandou!cunhar!a!fivela!e!a!usou!com!honra!até!a!data!de!seu!falecimento.!
!
!
!
!

149!
!
O&TRIGO&
!
!Conta!a!tradição!alemã,!segundo!a!Amélia!e!a!Olivia!Degraf!Catarino,!que!todo!enxoval!
de!moça!“casadoira”,!deve!conter!uma!peça!de!roupa!da!casa!(seja!de!mesa,!cama,!ou!de!
banho),!bordada!com!um!ramo!de!trigo!para!garantir!a!fartura!no!lar.!Por!isso,!todo!ano!o!
Zeca!ia!nos!arredores!de!londrina!e!colhia!em!algum!campo,!feixes!de!trigo!e!trazia!para!
nossas!casas.!O!trigo!na!decoração!tem!o!intuito!de!continuar!atraindo!a!fartura!em!
nossas!mesas!abençoadas.!!
!
!
DOZE&IRMÃOS,&PAPAI&E&MAMÃE&&(Família&Catharino)&
!!
Como!era!bonito!ver!os!doze;!homens!e!mulheres,!já!formados,!alguns!até!avós,!se!
referindo!aos!pais!de!modo!tão!singelo!e!respeitoso,!dizendo:!
[!O!Papai...!
[!A!Mamãe...!
Diante!da!figura!materna!ou!paterna!eles!agiam!como!crianças!obedientes!aos!
preceitos!da!família.!Conforme!os!princípios!dos!pais,!eles!punham!à!frente!de!suas!
decisões,!a!vontade!de!Deus!e!se!submetiam!às!agruras!da!vida!com!a!confiança!de!que!
havia!alguém!maior!que!tudo,!um!criador!que!zelava!por!eles.!A!esperança!de!dias!
melhores!era!a!meta!que!aprenderam!buscar,!e!todos!a!alcançaram.!
Na!fortaleza!da!união!cresceram!e!formaram!novos!núcleos!familiares!e!juntaram!
aos!seus,!os!princípios!valorosos!de!seus!cônjuges,!os!quais!trouxeram,!novos!saberes!e!
igualmente!aos!pães!feitos!pela!Vó!Rosalina,!o!fermento!do!amor!fez!a!família!crescer!
bonita!de!se!ver!!Esses!cunhados!e!cunhadas!acrescentaram!muita!felicidade!com!o!laço!
de!amor!fraterno.!Juntos!enfrentaram!momentos!difíceis,!amainados!pelas!mãos!unidas!
aos!irmãos!e!cunhados!que!acabaram!se!tornando!a!mais!bela!irmandade,!por!este!amor!
que!sempre!falou!mais!alto!entre!eles.!No!alvorecer!desta!cidade,!a!família!também!
nascia!para!a!história!e!crescia!trabalhando!na!construção!de!Londrina.!Os!Catarinos!
eram!conhecidos!em!toda!a!região!e!eram!comentados!pela!energia!com!que!se!
dedicavam!a!tudo,!colocando!corpo!e!alma!em!seus!empreendimentos!e!em!suas!
relações!sociais.!Ninguém!ficava!fora!de!suas!vidas.!Todos!eram!recebidos!em!suas!casas!
modestas!e!convidados!a!sentarem[se!à!mesa!farta,!enfeitada!com!sincera!alegria.!
A!alegria!sempre!foi!uma!constante!na!família,!embora!guarde!sufocada!no!
coração,!uma!profunda!saudade!daqueles!que!já!partiram.!Partiram!mas!deixaram!uma!
sabedoria,!que!é!o!comportamento!feliz,!comemorando!com!encontros!festivos,!todos!
os!eventos!que!fazem!valer!a!vida.!A!vida!é!maravilhosa!pela!oportunidade!de!juntar!
pessoas!e!fazerem[nas!se!amarem.!
!
!
“GALO&PORTUGUES”&ou&“GALO&DE&BARCELOS”&&
!
O!casal!Rosalina!e!Manuel!!mantinham!toda!a!tradição!portuguesa!em!seus!costumes!e!
devoções.!Um!desses!costumes!era!o!uso!do!“azeite!português!galo”,!sempre!presente!
em!sua!mesa!farta!de!alimentos!e!de!fraternidade.!O!“Galo!de!Barcelos”!é!símbolo!de!
Portugal,!a!pátria!primeira!de!meus!avós!e!eles!assim!recordavam!os!momentos!
passados!com!seus!parentes!que!ficaram!na!terra!natal.!

150!
!
!
A&ROSA&&
!
A!rosa!como!flor!que!reinou!nos!jardins!da!Vó!Rosalina!e!que!também!é!origem!do!seu!
nome.!Os!galhos!secos,!espinhosos,!da!roseira!remetem!à!história!da!família,!a!qual,!dos!
sofrimentos!enfrentados!na!mata!agreste!do!pioneirismo!londrinense,!fez!surgir!uma!
saga!de!pessoas!valentes,!perseverantes!e!cheias!de!encantamento,!devido!ao!modo!
fraterno!e!amoroso!de!viver.!
!
!
MALHAÇÃO&NO&JUDAS&
!
A!Irma!Bernardo!falou!que!sua!mãe!batia!nos!filhos!para!corrigi[los,!mas!que!
naquela!época!era!normal!ser!assim.!Ela!não!gostava!do!Sábado!de!Aleluia!por!que!o!
relacionava!com!a!malhação!de!Judas!e!as!surras!que!levava!de!sua!mãe.!Pra!ela!era!o!seu!
dia!de!apanhar!também,!porque!até!o!dia!da!Sexta!Feira!da!Paixão,!ela!e!os!irmãos!
aproveitavam!aprontar!todas!as!peraltices,!pois!como!era!quaresma!sua!mãe!respeitava!
e!na!Sexta!Feira!da!Paixão!então,!ninguém!trabalhava,!nem!varria!a!casa!e!muito!menos!
batia!nos!filhos.!Mas!no!Sábado!de!Aleluia,!ela!andava!na!linha!e!como!quem!pisa!em!
ovos.!Se!fizesse!alguma!travessura,!apanhava!por!tudo!que!não!apanhou!na!quaresma.!
Apanhava!igual!ao!Judas.!Ela!tem!pena!do!Judas.!
!
!
O&ESPANTALHO&E&LIETE&BRUNELLI&
!
O!espantalho!de!roça!era!um!tipo!de!Judas!na!aparência,!porque!faziam!também!
com!roupas!velhas!de!homem,!enchiam!com!palha!de!milho,!só!que!punham!nele!um!
chapéu!velho.!Mas!ele!servia!para!espantar!os!pássaros!da!roça!na!época!da!colheita!de!
milho!e!arroz.!Todo!mundo!tinha!espantalho!na!roça.!
!
!
JUDAS&E&ZENAIDE&DE&OLIVEIRA&
!
Não!gostava!de!malhação!do!Judas!não.!Achava!agressivo.!Em!sua!casa!não!tinha!
gritos,!nem!nada!disso.!!
“...![!Aí!eu!via!que!pegavam!aquele!boneco,!espancavam!e!ainda!ateavam!fogo!!
!!!!![!Primeiro!as!pessoas!brincavam!com!aquilo,!depois!eles!gritavam!e!malhavam!
e!ainda!tacavam!fogo?”!!
[!Mas!eu!chorava,!chorava,!chorava!!
[!Não!queria,!não!queria,!não!queria!não”.!
!
!
NO&NATAL&DE&ZENAIDE&DE&OLIVEIRA&
!
Na!época!do!Natal!nós!fazíamos!presépio.!A!gente!era!feliz.!O!Menino!Jesus!era!
uma!espiguinha!de!milho!novinha.!Disso!lembro[me!muito!bem.!Da!melancia!novinha,!a!

151!
!
gente!fazia!a!vaquinha.!A!gente!sempre!montava!presépio.!Eu!sou!apaixonada!por!
presépio,!mas!vem!desse!tempo.!A!gente!brincava.!As!crianças!de!hoje!não!brincam,!não!
aproveitam!nada!que!a!gente!aproveitou.!Também!tínhamos!respeito!pela!avó,!por!tudo!
que!ela!falava.!A!minha!bisavó!era!índia!e!meu!bisavô!devia!ser!espanhol!ou!português!!
branquinho,!com!olhos!claros.!!
Minha!bisavó!trançava!chapeuzinho!de!palhas!para!minhas!bonecas!de!pano!e!a!
roupinha!tinha!sempre!algum!remendo,!para!imitar!as!roupas!das!pessoas!da!roça.!Quero!
fazer!uma!boneca!com!roupa!remendada!para!lembrar!minha!infância.!
!
!
COLCHA&DE&RETALHOS&DA&IRMA&BERNARDO&
!
Ao!ouvir!a!canção!da!colcha!de!retalhos,!Irma!se!remete!a!uma!imagem!dos!seus!
seis!anos!de!idade.!Ela!se!recorda!voltando!para!casa!no!sítio,!revê!todo!o!caminho.!
Talvez!sua!mãe!estivesse!cantando!a!canção!durante!o!percurso!na!vereda.!Ela!explica:!“![
Todo!mundo!tinha!dessas!colchas,!talvez!minha!tia!também.!Hoje,!chama[se!colcha!de!
patwork!para!ficar!chique”.!
!
!
O&FANTASMA&DA&FIGUEIRA&
!
Descendo!rumo!ao!centro!da!Cidade,!entre!o!Mercado!São!Francisco!da!Rua!
Maringá!e!a!Associação!Odontológica,!havia!uma!frondosa!Figueira.!Nas!noites!de!lua!
cheia,!os!rapazes!que!voltavam!do!cinema!bem!tarde!da!noite,!subiam!para!a!Vila!Judith!
com!as!orelhas!em!pé,!olhos!vivos!e!pernas!prontas!pra!correr.!É!porque!alguns!deles!já!
haviam!visto!o!Fantasma!da!Figueira.!Ele!ficava!lá,!vestido!com!sua!capa!de!boiadeiro,!
encostado!na!árvore!e!quando!alguém!se!aproximava!muito,!ele!sumia.!Dizem!que!ele!
até!chegou!a!pedir!fogo!para!algum!moço!desavisado,!que!se!borrou!todo!e!nunca!mais!
passou!por!aquele!carreador.!A!Rua!João!XXIII!já!existia!ali,!mas!era!estreita,!chão!de!
terra!batida!e!do!Campo!do!Japonês!até!o!Jóquei!Clube,!as!árvores!cobriam[na!com!as!
sombras!das!suas!copas!exuberantes.!Por!isso!as!pessoas!fizeram!o!carreador!passando!
em!baixo!da!Figueira!e!dando!diretamente!no!Mercado!de!hoje,!naquela!época,!um!
terreno!grande!de!milharal.!
!Esta!história!seria!apenas!mais!uma!de!fantasmas,!não!fosse!uma!incrível!
coincidência.!Anos!depois,!a!Vila!Judith!estava!totalmente!urbanizada,!já!tinha!até!o!
restaurante!O!Casarão.!Na!Rua!João!XXIII!construíram!o!prédio!moderno!da!Associação!
Odontológica!com!sua!praça!e!do!outro!lado!da!Rua,!ficava!a!muralha!alta!do!Campo!de!
Beisebol!do!Japonês.!Foi!aí!que!um!rapaz!ao!sair!atrasado!de!uma!festa!na!Casa!da!sua!
namorada,!e!descendo!pela!calçada!do!Campo!do!Japonês,!percebeu!estar!sendo!
seguido.!Olhou!melhor!para!trás!e!viu!um!homem!estranho,!com!capa!de!boiadeiro.!
Andou!mais!rápido,!o!homem!também!!Ele!correu!o!homem!também!correu!!Quando!
estava!ao!pé!de!alcançá[lo,!o!tal!homem,!deu!um!salto!fenomenal!para!cima!e!
desapareceu!atrás!do!muro.!O!rapaz!quase!morreu!de!medo.!Impressionado,!no!outro!dia!
contou!o!acontecido.!Uma!das!mulheres!antigas!do!lugar!lhe!disse;!
[!Meu!filho,!você!viu!foi!o!“Fantasma!da!Figueira”.!!
Não!sei!se!a!Figueira!ainda!existe,!e!nem!quero!mexer!com!estas!coisas.!Deus!me!
livre!!

152!
!
Mas!somente!o!fantasma!poderia!dizer!por!que!ainda!está!por!lá!e!porque!usa!
aquela!capa!de!boiadeiro.!
!
!
!
FANTASMA&DA&PORTEIRA&
!
Outro!fantasma!da!Rua!Maringá!costumava!aparecer!pendurado!na!árvore!da!
porteira!de!uma!fazenda,!por!volta!de!onde!atualmente!fica!a!Pizzaria!Martignone.!
Falavam!que!o!homem!havia!se!enforcado!bem!ali!naquela!árvore!da!porteira.!Quando!
alguém!tinha!que!passar!ali!á!noite,!sentia!os!pelos!arrepiarem!dos!pés!à!cabeça.!Passei!
por!lá!algumas!vezes!em!criança,!voltando!com!meus!pais!da!casa!da!Tia!Liva!(Olivia).!Na!
subida!da!Rua!Goiás,!os!faróis!do!caminhão!do!meu!pai,!clareavam!totalmente!a!porteira!
e!a!árvore,!como!se!elas!se!acendessem!sozinhas.!O!resto!era!mata!e!breu.!Bem!na!frente!
dela,!da!porteira,!o!caminhão!virava!já!entrando!na!Rua!Maringá.!Era!uma!visão!de!
segundos.![!Direita,!volver!!Aí!tudo!sumia!na!escuridão!da!noite.!Os!faróis!conseguiam!
então,!clarear!apenas!o!chão,!marcado!por!rodas!de!carros!na!reta!e!longa!estradinha,!
hoje!chamada!Avenida!Maringá.!
!
!
A&FIGUEIRA&E&SEUS&MISTÉRIOS&
!
A!avó!Rosalina,!a!mãe!Amélia!e!a!menina,!ritualmente!se!dirigiam!da!esquina!para!
a!Figueira.!Por!três!sextas!feiras!seguidas,!a!avó!com!uma!faca!pontuda!e!afiada,!cortava!
uma!rodinha!da!casca!da!Figueira,!a!mãe!abaixava!a!calcinha!da!menina!e!colava!com!a!
própria!nódoa!viscosa,!aquela!rodinha!de!casca,!sobre!a!hérnia!inguinal!da!criança.!A!avó!
dizia!umas!palavras,!a!mãe!repetia,!colocavam!a!rodinha!de!volta!no!tronco!para!colar!e!
iam!embora.!Depois!que!as!rodinhas!de!casca!se!integraram!novamente!no!caule,!a!
hérnia!inguinal!simplesmente!sumiu.![Vá!explicar.!
!
!
CHORONAS&
!
Foi,!divertido!e!emocionante!na!aula!do!professor!Cláudio,!a!Loana!e!eu!
cantarmos!juntas,!“Aquela!Colcha!de!Retalhos”.!Duas!choronas!após!as!aulas,!lendo!os!
rascunhos!de!meu!trabalho.!O!nosso!amor!pela!família!é!igual.!Na!última!aula,!emoção!
de!novo,!me!presenteou!com!duas!mimosas!bonequinhas.!Duas!obras!de!arte!dela!para!
eu!guardar!no!meu!coração.!
!
!
POEIRA&NO&MUSEU&
!
Já!estava!beirando!as!dezoito!horas,!e!ainda!não!tínhamos!terminado!a!
Instalação.!Os!funcionários!começaram!a!entrar!em!desespero!e!vieram!me!auxiliar.!!
Uma!das!mulheres,!com!voz!desacreditada,!indagou[me!incisivamente:!
[!Mas!esta!porta!vai!ficar!assim????!!!!!
[!Cheia!de!pó!????!!!!!!!!!!!

153!
!
Desejando!brincar!com!ela,!eu!ia!responder!que!se!aquilo!era!peça!de!museu,!
assim!deveria!ficar.!Pela!falta!de!intimidade,!acorri!com!um!pano!de!limpeza!e!tirei!só!o!
excesso!de!pó,!pois!incrivelmente,!há!que!se!deixar,!resquícios!de!construção!e!de!terra!
vermelha,!conforme!meu!propósito.!
!
!
BEIJAhFLOR&
!
A!menina!era!muito!feliz.!Ela!pensava!que!o!mundo!todo!era!dela!e!a!todos!os!
seus!desejos!os!pais!e!os!tios!atendiam.!Bonecas!de!borracha,!de!louça,!bambolês,!
tamanquinhos! barulhentos,! doce! banana! (literalmente! escrito! nele),! bolacha!
champanhe,!sacos!de!balas,!chocolates!em!baldinhos!decorados,!bombons!sonho!de!
valsa!no!papel!rosamaravilha,!bolas!de!todos!tamanhos!e!cores,!carrinhos!de!vime!para!
carregar!bonecas,!bolinhas!de!gude!leitosas,!e!até!melancias!e!abacaxis,!mesmo!fora!da!
época,!eles!davam!um!jeito!e!traziam!pra!menina.!Mas!havia!um!desejo!antigo.!Ela!queria!
um!passarinho.!Estava!colhendo!framboesas!e!viu!sob!o!arbusto,!algo!verde,!cintilando!
ao!sol.!Era!um!beija[flor!morto!por!pedrada!na!cabeça.!Apesar!dele!estar!sujo!de!sangue!
e!de!terra!a!menina!examinou[o,!pena,!por!pena,!tão!pequenininhas,!brilhando,!o!
biquinho!fino!como!agulhas!de!bordar.!Apalpou!seu!corpinho!mínimo,!só!pele!e!osso,!e!o!
volume!ficava!por!conta!das!belas!peninhas.!A!menina!viu!a!fragilidade!daquela!ave!
delicada,!vivendo!só!pra!beijar!e!enfeitar.!Aí!ela!sentiu!ódio.!Ódio!do!menino!do!
estilingue.!
!
!
MAIONESE&
!
Sem!maionese!não!é!domingo.!
Todo!domingo!a!Tia!Liva!me!pedia!para!fazer!maionese!pra!ela.!
Todo!domingo!ainda!faço!maionese,!só!pra!ficar!pensando!nela.!
!
!
SUTIL&
!
Queria!ter!a!sutileza!dos!japoneses.!
Eu!queria!fazer!um!hai!kai,!de!Beija[flor,!
!de!João!de!Barro,!de!corruíra,!de!pardal.!
!
!
LIETE&E&A&CAVEIRA&
!
“[!A!gente!fazia!coisa!monstruosa!para!assombrar!as!pessoas.!Fazia!furos!na!
abóbora!ou!no!mamão,!tirava!as!sementes!deles,!e!com!faca,!cavava!no!lugar!do!olho,!do!
nariz!e!da!boca!de!caveira.!Depois!punha!uma!vela!acesa!dentro!e!ficava!escondido!no!
milharal,!esperando!o!“fulano”,!passar!por!ali!na!volta!do!Terço”.!
!
!

154!
!
CACHORRO&NERVOSO&
!
Vocês!se!lembram!daquele!cachorro!que!quando!ficava!bravo,!“peidava”?!
Latia,!corria!e!“peidava”!de!raiva.!“Peidava”,!corria!e!latia.!
Desculpe!!Mas!se!eu!não!falasse,!“peidava”,!não!teria!graça.!
!
!
PIONEIROS&
!
Pioneiros,!sempre!ouvi!de!cada!um!de!vocês!a!mesma!frase!que!saía!de!suas!
entranhas!e!marejava!seus!olhos!me!dizendo;!“Nós!fomos!muito!sofridos...”!
Não!falemos!mais!de!sofrimento,!falemos!agora!de!glória.!A!glória!de!ter!crescido!
pisando!a!terra!roxa,!assistindo!as!nuvens!brancas!passearem!pelo!céu!azul,!como!as!
moças!faziam!na!Avenida!Paraná,!de!ter!sentado!nas!cadeiras!“chic”!do!Cine!Ouro!Verde!
e!ouvir!músicas!orquestradas!enquanto!aguardava!o!filme.!A!glória!de!ter!feito!parte!de!
uma!sociedade!a!qual!girou!em!torno!da!retirada!da!Madeira!Rica!e!do!Ciclo!do!Ouro!
Verde!do!Café.!De!sentir!o!cheiro!de!terra!molhada,!de!tomar!café!preto!toda!manhã,!de!
estar!reunido!com!a!família!em!volta!do!fogão!de!lenha,!de!ter!se!apaixonado,!casado!e!
semeado!aqui!mesmo,!a!sua!descendência.!Mas!falemos!principalmente!da!glória!de!ter!
ajudado!dar!à!luz!a!esta!amada!Cidade.!
!
!
RAIVA&
!
Quando!eu!cresci,!o!meu!pai!com!raiva!dizia;!
Pronto!!Agora!ela!“despregou”.!
Despregou!a!falar!“Bosta”,!
Despregou!a!rir.!
!
!
ENXOVAL&
!
Minha!mãe!fez!um!belo!enxoval!para!mim.!
Bordou!algumas!peças!com!ramos!de!trigo,!!
E!ainda!colocou!junto,!uma!boneca!“dorminhoca”,!!
Conforme!a!tradição!europeia.!
Ela!queria!me!fazer!feliz.!
E!a!senhora!conseguiu,!viu!mãe?!
Deus!te!abençoe!minha!querida!mãe!Amélia.!
!
!
SALIENTE&DEMAIS&
!
Os!homens!trabalhavam!longe!de!casa,!portanto!as!mulheres!sempre!estavam!
unidas!para!se!apoiarem!em!qualquer!situação!difícil.!No!outro!lado!da!rua,!lá!no!cafezal,!
um!homem!estranho!começou!a!fazer!“cenas!obscenas”!para!as!mulheres!que!cortavam!

155!
!
lenha!no!quintal.!Uma!delas,!a!mais!resolvida!e!mais!indignada,!em!ver!tamanha!pouca!
vergonha,!furiosa,!disse!ao!homem:!
[!Não!cabe!na!calça?!–!Deixa,!que!eu!corto.!
Pegou!um!facão!e!partiu!pra!cima!dele.!No!meio!do!cafezal!a!poeira!levantou.!Nunca!se!
viu!tanta!velocidade!como!nas!perninhas!daquele!safado,!desavergonhado.!
!
!
!
!
PRESENTES&DE&MADRINHA&
!
A!senhora!lembra!madrinha,!quando!fazia!pão!e!separava!pequenas!porções!da!
massa!para!fazer!pombinhas!com!olhinhos!de!feijão!preto?!Quando!a!porta!do!forno!se!
abria!era!uma!surpresa!ver!como!a!pombinha!tinha!crescido!e!aí!apesar!do!cheiro!bom!
dava!dó!comer!aquele!lindo!pãozinho!com!o!qual!a!gente!só!queria!brincar.!Outra!
surpresa!foi!quando!a!senhora!fez!suspense!e,!ficou!meses!antes!de!meu!aniversário,!
falando!em!me!dar!um!presente!especial.!Ele!seria!branco,!redondo,!bonito,!com!alça!e,!
cheiroso.!
!–!Nossa!!Que!desgosto!!
Ao!abrir!o!pacote!encontrei!um!pequeno!penico,!branco,!de!mãe!ágata,!ou!esmaltado,!
tanto!faz.!De!acordo!com!a!educação!recebida!de!minha!mãe,!agradeci,!sorri!forçado,!
quase!chorando,!mas!disse;![!Muito!obrigada.!
!
Foi!uma!brincadeira!da!madrinha.!O!presente!mesmo!veio!em!seguida.!Um!par!de!
tamanquinhos,!brancos,!de!plástico!e!com!cheirinho!de!doce.!É,“quase!iguais”!
!
Lembra!madrinha,!do!cartãozinho!de!flores!secas!que!me!enviou?!A!senhora!mesma!
desidratou!o!singelo!raminho,!prendeu!com!um!lacinho!e!escreveu!Feliz!Aniversário!!
!
Lembra!madrinha,!do!anel!todo!em!ouro!que!a!senhora!e!o!padrinho!Netto!me!
ofertaram?!Ele!dava!volta!em!meu!dedinho!e!se!fechava!numa!fivelinha.!Guardo!até!hoje,!
com!carinho!a!joia!tão!bonita.!
!
Lembra!madrinha,!aquela!caminha!“patente”,!que!a!senhora!me!deu?!Hoje!ela,!a!
caminha,!cópia!exata!da!cama!em!que!eu!dormia,!está!no!Museu,!testemunhando!o!
amor!e!a!dedicação!que!a!senhora!me!deu.!
!
!
“MULA&SEM&CABEÇA”&
!
Uma!mulher!que!namora!Padre,!quando!morre,!vira!“mula!sem!cabeça”.!Dizem!
que!nas!noites!de!lua!cheia,!podia!acontecer!de!verem!uma!mula!branca,!correndo!entre!
os!cafezais.!Mas!o!que!assustava,!era!a!mula!não!ter!cabeça.!Corria!só!com!o!corpo.!A!
irmã!da!menina,!conheceu!uma!“mula!sem!cabeça”,!mas!era!moça!ainda,!e!seduziu!o!
padre!atrás!da!igreja.!Vai!virar!mula!quando!morrer.!
!
!

156!
!
DINOSSAUROS&
!
Para!ir!à!escola!a!menina!calçava!seu!sapato!“passo!double”!que!odiava!por!que!
era!preto!e!de!amarrar,!e!seu!primo!dizia!que!aquilo!era!sapato!de!moleque.!Vestia!o!
guarda!pó!branco!e!subia!a!rua!Guaporé!juntamente!com!duas!coleguinhas!maiores,!
mocinhas.!Ao!se!aproximarem!da!linha!do!trem,!a!qual!cortava!em!curva,!a!Rua!Guaporé,!
já!se!ouvia!uma!campainha!infernal,!como!que!batendo!latas!ou!ferros!ou!sei!lá!o!que.!A!
cancela!de!madeira!abaixava.!Estacávamos!!À!nossa!frente!a!máquina!imensa,!como!um!
dinossauro!enlouquecido!passava!arrastando!infindáveis!vagões.!Parecia!que!o!vento!
dela!ia!arrastar!a!minúscula!menina,!e!se!ela!ficasse!olhando!reto,!dava!vertigem!e!
sensação!que!aquilo!tudo!estava!tombando!sobre!ela.!O!chão!tremia.!Paralisada,!coração!
batendo!disparado,!enfeitiçada,!a!menina,!ficava!o!mais!perto!possível!daquele!medo.!
!
!
TRECHO&DE&CARTA&
!
Irene!Degraf!Netto,!90!anos,!escreveu!à!sua!irmã!assim:!
...!Ando!muito!magoada!com!a!vida,!espero!em!Deus!que!isso!vai!passar,!e!se!Deus!
permitir!quero!viver!ainda!mais!um!pouco.!Quero!lembrar[me!dos!bons!momentos!que!
vivi!junto!com!meu!companheiro!e!sei!que!logo!vamos!nos!reencontrarmos,!lá!onde!
espero!ele!esteja!dormindo!em!paz.!Estou!fazendo!tudo!pra!viver!e!ter!ainda!mais!uns!
anos!junto!com!meus!filhos,!pois!amo!todos!e!sei!que!sou!amada!por!eles.!Mas!tenho!
saudades!de!meu!companheiro.!Você!minha!irmã,!lembra[se!daquela!música!que!é!um!
bolero!que!diz;!“Sempre!no!meu!coração...”,!pois!é!assim!que!me!lembro!do!meu!amor!
que!Deus!levou:!
“Sempre!no!meu!coração,!o!teu!nome!guardarei,!e!na!minha!solidão,!nas!minhas!preces!
rezarei!e!se!nunca!mais!voltares,!guardarei!teu!nome!então,!sempre!no!meu!coração.”!
!
!
ESTE&ESPAÇO&CHAMADO&LONDRINA&
!
Localização;!Terceiro!Planalto!Paranaense,!na!região!Sul!do!Brasil.!
Latitude!23!graus,!18!minutos,!37!segundos!Sul!
Longitude!51!graus,!9!minutos!,!46!segundos!W[GR!
Área!total!do!Município!1.724,70!Km²!!
Altitude!585!metros!do!nível!do!mar!
Clima!Úmido!Mesotérmico!com!verões!quentes,!gedas!pouco!frequentes.!
Chuvas!nos!meses!de!verão,!cujas!principais!médias!anuais!são!superiores!a!22!
graus!!centígrados!e!inferiores!a!18!graus!centígrados.!
Cobertura!Florestal!está!inserida!na!Região!Fitogeográfica!da!Floresta!Estacional!
Semidecidual,!Floresta!Semicaducifólia.!!
Bacia!Hidrográfica!do!Rio!Tibaji.!
O!Solo!faz!parte!do!Terceiro!Planalto!Paranaense!e!sua!geologia!é!caracterizada!
pela!Formação!da!Serra!Geral,!pertencente!ao!Grupo!São!Bento.!
Os!principais!tipos!de!solos!da!sua!região!são:!Terra!Roxa!Estruturada,!Litólicos,!
Latossolo!Vermelho!Escuro,!e!Podzólico!Vermelho[amarelo.!
População!em!2009!–!mais!de!meio!milhão!de!habitantes.!

157!
!
Criação!do!Município!ocorreu!em!03!de!dezembro!de!1934,!assinado!pelo!
Interventor!Manoel!Ribas,!com!Instalação!a!10!de!Dezembro,!quando!se!comemora!o!
aniversário!da!Cidade.!
!
!
!
FALANDO&DE&BONECAS&
&
Dona!Zulmira!Batista!de!Aguiar!(89!anos)!
!
Toda!vez!que!se!fala!de!bonecas,!Dona!Zulmira!logo!se!recorda!que!no!seu!tempo!
de!infância!não!havia!a!facilidade!de!hoje!para!obter!brinquedos.!Por!isso,!ela!tinha!muito!
apreço!e!carinho!por!sua!boneca!de!sabugo.!Porém!em!certo!dia,!seu!cachorrinho!
também!quis!brincar,!mas!destruiu!aquela!querida!boneca.!Dona!Zulmira!nunca!se!
esqueceu!daquele!sentimento!e!de!sua!boneca!de!Sabugo.!
!
!
!
CARTA&AO&ZECA&
!
Zeca,!eternamente!lembrarei.!
!Teus!olhos!verdes!brilhando!como!pedra!de!anel.!Teus!cabelos!pretos!
azulados,!ondulados,!no!caixão,!penteados!de!um!modo!tão!nobre!quanto!o!senhor!
merecia.!Teu!porte!de!super[homem,!desde!minha!infância,!foi!mesmo!meu!herói.!Tua!
pele!bronzeada!pelo!sol!de!Londrina.!Teu!dedo!faltando!na!luva!de!papai[noel!foi!o!que!
te!denunciou!papai...!Tua!mão!enorme!e!grosseira,!pesando!sobre!minha!testa,!para!
medir!a!minha!febre.!As!maçãs!vermelhas!que!nos!ofertava!quando!estávamos!na!cama!
convalescentes.!Teu!sapato!preto!social,!que!tanto!me!pediu!para!levar!ao!hospital,!na!!
determinação!de!sair!logo!de!lá.!As!camisas!de!mangas!curtas,!as!calças!de!linho.!A!fivela!
de!ouro!da!tua!“cinta”,!escrito!Catarino,!entre!dois!rubis.!Tua!atração!pelos!relógios.!As!
joias,!orgulhosamente!a!nós!ofertadas!em!datas!importantes!de!nossas!vidas!e!pagas!em!
“suaves”!prestações.!
As!flores!que!trazia[nos,!as!mudas!e!as!sementes.!Teu!assobio!nos!chamando!no!
portão,!era!teu!jeito!discreto!de!“bater!à!porta”.!O!canto!dos!pássaros,!todos!
identificados!e!imitados!pelo!senhor.!As!histórias!das!criaturas!de!Deus,!dando!bons!
exemplos!ao!ser!humano,!assim!como!o!passarinho!João!de!Barro,!pai!diligente,!
construindo!a!morada!da!família,!era!o!que!o!senhor!também!fazia!meu!pai.!Aquela!pata!
que!enfeitou!com!plumas!um!ninho!na!cesta!de!vime!e!cujo!ninho!o!senhor!comparou!ao!
carinho!da!mamãe!Amélia!em!nosso!lar.!“...[!as!rolinhas!juritis!ao!ficarem!viúvas,!se!unem!
em!solidariedade”,!isto!o!senhor!me!contou!ainda!no!seu!último!mês.!O!beija[flor!que!
cruzava!a!toda!hora!a!janela!do!hospital.!E!a!corruíra,!todo!ano!voltava!ao!ninho!do!
torrador!de!café!da!mamãe.!
!
!
!Nossa!casa!em!madeira!de!peroba,!na!saudosa!Rua!Apucarana.!O!porão!de!
bonecas!com!cortininha!de!borracha,!decorada!com!tampinhas!de!garrafas.!Os!capachos!

158!
!
feitos!com!tampinhas!de!garrafa!também.!As!luzinhas!coloridas!na!cabine!de!seu!
caminhão!lembravam[me!as!enfeitadas!árvores!de!Natal.!
O!cheiro!de!graxa!e!de!terra!molhada.!O!teu!apego!e!envolvimento!com!a!terra!
vermelha!que!embalou!teus!sonhos!e!agora!velará!teu!sono.!Teu!louvou!a!natureza.!Teu!
temor!a!Deus.!Teus!conselhos!de!pai.!Teu!respeito!à!dignidade!das!pessoas.!Tua!amizade!
leal.!
Tua!dedicação!ao!trabalho,!teu!rosto!pingando!suor,!enquanto!serrava!ou!
martelava!algo!para!nós.!Os!bancos!de!madeira,!as!mesas!de!pranchas,!a!bancada!com!
gaveta!de!aço!e!as!churrasqueiras!de!tanques!de!caminhão.!Fazia!tudo!como!se!fosse!
para!durar!para!sempre,!como!esta!saudade!de!meu!coração.!Tuas!ferramentas,!as!
prateleiras,!as!perobas.!A!Fazenda!Perobal!avistada!da!nossa!janela.!
O!barulho!da!camioneta!trazendo!o!pão!das!dezesseis!horas!ou!chegando!para!
me!dar!um!carona.!Quantas!viagens!sua!camioneta!carregou!lotada!de!nossos!sonhos!!
!
!
!Os!teus!esconderijos!nos!batentes!das!portas.!Teu!aparelho!de!giletes!e!a!
espuma!na!tua!barba,!sabonete!phebo!e!loção!de!barbear.!Teus!banhos!perfumados!se!
espalhando!pela!casa.!
Nossas!discussões,!nossas!risadas,!nossa!teimosia,!nossa!parceria,!nossa!grande!
amizade!!
Meus!namorados!que!o!senhor!tocou!de!casa,!mas!meu!marido!que!tratou!como!
filho.!
O!poço!de!água!da!Vila!Judith,!a!plantação!de!mandioca!e!gergelim.!Os!barracões!
e!as!garagens.!Pé!de!cedro,!pessegueiro!amarelo.!O!dia!em!que!plantou!a!paineira!e!o!dia!
em!que!a!derrubou,!puxando!com!o!teu!caminhão.!A!“mini!casa”!construída!somente!
para!o!senhor!e!a!mamãe,!mas!que!acabou!abrigando!a!todos!nós.!
As!festas!juninas,!os!rojões,!as!bombas,!pareciam!a!Guerra!do!Golfo.!Foguetes!e!
fogueiras!de!andares,!preparadas!semanas!antes,!juntamente!com!a!criançada.!
A!salva!de!tiros!à!meia!noite,!na!passagem!de!Ano!Novo,!era!sua!coroação!da!
festa,!tradição!de!muitos!anos,!e!o!senhor!partiu!meu!querido!pai,!exatamente!numa!
meia!noite.!
Nossos!Natais!!Domingos!!Aniversários,!a!primeira!fatia!de!bolo!era!sempre!sua!e!
o!tamanho!lhe!correspondia.!Tantos!churrascos,!cafés,!viagens,!passeios.!
A!fartura!em!nosso!lar.!Teu!grande!amor!por!minha!mãe!(Amélia)!“Melha”!como!a!
chamava.!O!teu!medo!de!“se!morrer”!como!dizia.!A!tua!saudade!do!sítio,!dos!irmãos!e!do!
pai.!Numa!noite!de!muita!aflição,!me!disse!estar!precisando!da!mamãe,!a!Rosalina,!
conforme!suas!próprias!palavras.!Fogão!de!lenha,!forno!de!pão,!quintal,!torresmo,!porco!
assado,!panelas!de!ferro,!moedores!de!café,!redes!de!descanso.!Os!balanços!no!pé!de!
abacates.!Teus!cachorros;!o!Perigo,!o!Bobi,!o!Duque!e!a!Polinha!que!partiu!contigo,!te!
acompanhando!para!a!nova!vida.!
!
!
Os!chocolates!e!as!balas!nos!bolsos!das!tuas!camisas,!sempre!tirados!com!um!
gesto!de!mágica!e!atraindo!as!crianças!ao!teu!colo.!
E!aquela!foto!de!Visconde!de!Londrina?!A!falta!do!dedo!de!tua!mão,!novamente!
te!denunciou!papai.!Foi!mais!uma!brincadeira!sua.!Mas,!a!bengala,!a!boina.!Meu!Deus!!
Tornaram[se!reais!!

159!
!
Tua!coleção!de!moeda,!tua!palavra!de!rei,!tua!sabedoria,!teu!caráter!de!homem!
de!bem,!tua!responsabilidade,!teus!amigos!leais.!
As!parlendas,!trava[línguas,!piadas,!tantas!brincadeiras,!tanta!alegria.!Que!pessoa!
mais!linda!o!senhor!foi!!
A!história!do!começo!desta!cidade,!a!derrubada!da!mata,!os!macacos,!os!quatis,!o!
Vale!Rubi,!os!caminhões,!as!máquinas,!o!céu!azul,!as!nuvens!formando!desenhos!de!
algodão,!a!chuva,!depois!o!incrível!arco[íris,!as!árvores,!todos!os!prédios,!as!ruas!onde!
passo,!tudo!está!impregnado!do!senhor,!meu!pai.!Tudo!está!misturado!ao!senhor,!não!
tem!como!separar.!Portanto,!a!meu!ver,!ao!meu!sentir,!esta!cidade!sempre!se!chamará!
“Londrina!Catarino”.!
Perdão!meu!pai,!por!algo!que!te!fiz!e!muito!obrigada!por!tudo!que!me!deu!!
Com!amor!de!seus!filhos!Marcia,!Marisa!e!Hercules,!da!sua!esposa!Amélia!e!em!
nome!de!toda!a!família!e!amigos,!aos!quais,!com!exemplo,!o!senhor!ensinou!a!amar!e!
valorizar!a!vida.!
!
!
SILHUETA&
Cena!mais!linda!meu!pai,!ver!a!sombra!negra!de!tua!grande!silhueta!recortada!
contra!o!rubro!céu!de!crepúsculo!londrinense,!colhendo!a!braçada!de!trigos!para!mim...!
!
!
!
! !

160!
!
!
Capítulo(V((
!
!
ARTISTAS&COM&QUEM&RELACIONO&MEUS&TRABALHOS&
!
!
LOUISE&BOURGEOUIS&&
!
!!!!!Presença!forte!das!suas!memórias!afetivas!na!produção!poética.!
!!
“Todos!os!temas!têm!fonte!em!minha!infância,!que!nunca!perdeu!sua!magia,!jamais!
perdeu!seu!mistério!e!drama.”!!
!Louise!Bougeouis!(1911[2010)!
!
A!artista!acredita!que!arte!é!um!privilégio!de!estar!em!contato!com!seu!inconsciente.!É!
uma!relação!entre!emoções!e!ideias.!Procura!produzir!um!novo!sentido,!não!para!
surpreender,!mas!como!processo!de!dar!forma!a!emoções!e!aflições,!uma!espécie!de!
catarse.!No!meu!trabalho!quero!surpreender!e!dividir,!afetar!o!outro,!através!de!
sensações,!criar!situações,!também!um!modo!de!catarse.!Em!vez!de!dar!forma!concreta!
a!emoções,!me!aproprio!de!objetos!que!farão!este!papel.!
!
!
BISPO&DO&ROSÁRIO&
!!
Utilização!de!elementos!do!entorno,!do!industrial,!apropriações.!
A!vida!como!uma!lenda,!era!uma!vez...!
Tudo!é!simbólico.!
Garrafas!de!naufrágio,!algo!morrendo,!querendo!resistir.!
As!memórias,!voltando!às!raízes.!
A!poética!nasce!de!um!enfrentamento,!de!uma!afirmação!de!vida.!
Apropriação!de!fragmentos!de!materiais,!descartes!do!século!XXI,!que!valoriza!apenas!o!!!!
novo.!
Multiplicidade!de!coisas,!amor!ao!artesanal.!
Acumulação.!
As!obras!de!Bispo!do!Rosário!têm!números!e!anotações.!Há!uma!ordem.!!
Vitrines;!questões!e!problemas!que!a!obra!mostra.!
!O!lúdico,!miniaturas,!resgate!de!brinquedos,!bonecas.!
!
!
SOPHIE&CALLE&
!
Sophie!Calle!faz!da!sua!vida,!incluindo!seus!momentos!mais!íntimos,!o!seu!
trabalho,!através!de!performances,!livros,!filmes,!vídeos,!entre!outros.!Sua!poética!
trabalha!com!fotografias!e!textos!referentes!aos!conflitos!femininos!e!alteridade.!
!Algumas!de!suas!obras;!

161!
!
!
Os(que(Dormem((Les(dormeurs),1979&
!
"Eu!queria!que!a!minha!cama!estivesse!ocupada!24!horas!por!dia,!como!essas!fábricas!
que!nunca!param.!Pedi!às!pessoas!que!se!sucedessem!em!turnos!de!oito!horas!durante!
oito!dias.!Eu!fotografei!todas!as!horas.!Eu!assisti!aos!meus!convidados!dormirem”.!
!
O(Hotel(((L’Hotel),1981&
!
Três!semanas!trabalhando!como!camareira!em!um!hotel!em!Veneza,!Calle!espiona!os!
hóspedes.! Como! um! detetive! particular,! ela! fotografa! os! quartos! de! hotel!!
momentaneamente!desocupados.!O!espectador!é!um!cúmplice!de!Calle.!
Sophie!Calle!publicou!as!fotos!juntamente!com!suas!observações!num!livro!intitulado!
Écrit(sur(l'image.(L'Hotel.&&
!
Trecho!de!texto!do!hotel,!quarto!30:!
“Quarta[feira!4!de!março!de!1981.!11:20.!Eu!fui!para!o!quarto!30.!Apenas!uma!cama!foi!
usada,!a!da!direita.!Há!uma!pequena!bolsa!no!stand!!de!bagagens.!A!camisola!de!seda!
bem!passada!encontra[se!na!cadeira!que!tem!sido!puxada!para!perto!da!cama:!ela!
claramente!nunca!foi!usada.!Todo!o!resto!ainda!está!no!saco!de!viagem.!Tudo!o!que!vejo!
lá!são!roupas!de!homem:!calça!cinza,!uma!camisa!cinza!listrada,!um!par!de!meias,!um!kit!
higiênico!(navalha,!creme!de!barbear,!pente,!loção!pós[barba),!uma!fotografia!com!
orelhas!de!um!grupo!de!jovens!que!cercam!uma!velha!mulher,!um!passaporte!em!nome!
de!ML,!sexo!masculino,!nacionalidade!italiana,!nascido!em!1946,!em!Roma,!o!seu!local!de!
residência,!olhos!azuis.!O!banheiro!está!vazio,!assim!é!o!armário,!mas!na!gaveta!da!mesa!
de!cabeceira!encontrei:!uma!caixa!de!charutos!Panter,!uma!caneta!tinteiro,!correio!aéreo!
parado,!uma!caixa!de!couro!com!o!ML!iniciais.!Em!um!pedaço!de!papel!tem!o!endereço!
de!um!Sr.!e!Sra.!B.!em!Florença,!uma!carteira!com!cinco!fotografias!idênticas!de!uma!
mulher!loira!e!uma!fotografia!de!casamento!que!mostra!o!homem!no!passaporte!em!um!
smoking!e!a!mulher!loira!em!um!vestido!de!casamento.!Há!também!um!projeto!de!lei!
antigo!do!C.!Hotel,!datado!de!e!de!março!de!1979,!em!nome!de!Sr.!e!Sra.!L!para!o!mesmo!
quarto,!número!30.!Exatamente!dois!anos!atrás,!M.L.!passou!a!noite!no!Hotel!C.!com!sua!
esposa.!Ele!voltou!sozinho.!Com!a!camisola!bordada!em!sua!mala.!Sua!reserva!foi!para!
ontem!à!noite!apenas.!Ele!está!saindo!hoje.!!Eu!vou!fazer!o!quarto!mais!tarde.!
!
!
CuideTse((Prenez(Soin(de(Vous),&2007&
!
Este!trabalho!foi!apresentado!na!Bienal!de!Veneza!em!2007.!!Teve!iniciou!quando!Sophie!
teve!um!relacionamento!amoroso!rompido!através!de!uma!comunicação!por!!email,!que!
terminava!com!a!frase,!"prenez!soin!de!vous"!(cuide[se).!Sem!saber!como!responder!a!
essa!mensagem!e!a!essa!situação,!ela!resolveu!seguir!o!conselho!de!uma!amiga!de!fazer!
um!trabalho!de!arte!e!utilizou!para!isso!a!própria!mensagem.!Gravou!em!vídeo!mais!de!
cem!pessoas!lendo!o!e[mail!e!fazendo!comentários.!Ela!enviou!o!texto!do!email!para!uma!
advogada!forense,!uma!linguista,!uma!taróloga,!uma!juíza!especialista!nos!direitos!
femininos,!entre!outras,!e!pediu!a!todos!que!o!texto!fosse!analisado!segundo!o!filtro!de!
cada!especialidade.!E!esse!material!compõe!a!Instalação.!

162!
!
!
Sophie!Calle:!!Título!da!Instalação!![!Uma!maneira!de!cuidar!de!mim.!
!“Recebi!uma!carta!de!rompimento!e!não!soube!como!respondê[la.!
Era!como!se!ela!não!me!fosse!destinada.!
Ela!terminava!com!as!seguintes!palavras:!!
‘Cuide!de!você’.!
Levei!essa!recomendação!ao!pé!da!letra.!!
Convidei!107!mulheres,!escolhidas!de!acordo!com!a!profissão,!para!interpretar!a!carta!do!
ponto!de!vista!profissional!e!analiza[la,!comenta[la,!dança[la,!canta[la,!esgota[la,!
entendê[la!em!meu!lugar.!Responder!por!mim.!Era!uma!maneira!de!ganhar!tempo,!!
antes!de!romper.”!
!
!
&“Pela(última(e(pela(primeira(vez”(
!(Pour!la!dernière!et!pour!la!première!fois),!2011!!
!
!
‘La(dernière(image’!(A!última!imagem)!–!2010,!Istambul.!!
Em!visita!a!Istambul,!Sophie!Calle!conheceu!várias!pessoas!que!tinham!perdido!a!visão!
de!forma!repentina!e!pediu[lhes!para!descreverem!o!que!tinham!visto!pela!última!vez.!O!
trabalho!que!foi!sub[intitulado!‘la!ville!des!aveugles’!(a!cidade!dos!cegos),!mostra!a!
memória,!da!última!imagem,!do!mundo!visível!desses!homens!e!!
!
‘Voir(la(mer’((Ver(o(Mar)&–&2011,&Istambul.&
Na!cidade!costeira!há,!entre!os!seus!habitantes,!pessoas!que!nunca!viram!o!mar.!Sophie!
Calle!convidou!essas!pessoas,!muitas!delas!provenientes!do!interior!da!Turquia,!a!
observarem!o!mar,!pela!primeira!vez,!através!do!olhar!da!câmara!de!Caroline!
Champetier.!
!
!
RACHEL&WHITEHEAD&
!
A!questão!fundamental!na!obra!de!Whitehead!é!o!espaço!vazio.!Ela!não!pretende!
preencher,!mas!resignificar!este!espaço.!Ela!encontra!valor!nos!resquícios!de!uma!vida!e!
subverte!este!espaço,!para!provocar!uma!reflexão.!Ela!trás!o!íntimo!para!fora,!para!o!
público.!!
Nos!objetos!domésticos,!no!banal!do!cotidiano!que!sempre!nos!passa!
despercebido,!ela!dá!significado!e!eleva!esse!objeto!a!obra!de!arte.!Rachel!explora!os!
vestígios!humanos!deixados!no!espaço!e!nos!objetos!domésticos.!
Rachel!interfere!nas!formas!convencionais!dos!objetos!e!acessórios!das!casas.!Ela!
transgride!suas!formas!e!também!os!coloca!em!espaços!estranhos!a!eles,!são!objetos!
domésticos!colocados!em!lugares!inusitados.!Costuma!dar!ênfase!à!linha!e!às!formas!de!
suas!peças,!quase!sempre!monocromáticas.!Suas!peças!lembram!cubos!de!gelo,!vidros,!
doces!glaçados,!pedaços!de!sabão!lavanda,!rosa,!hortelã,!lilás.!
O!vazio!está!repleto!daquilo!que!transcende,!!daquilo!que!já!foi!vida,!que!já!teve!
história.!Trabalhar!restaurando!tampas!de!caixões!no!cemitério!de!Highgate!a!fez!pensar!

163!
!
nessas!questões,!no!sentimento!do!vazio!que!fica!quando!o!tempo!já!passou.!Nas!
transformações!que!afetam!o!espaço,!ela!procura!por!resquícios!de!uma!ausência.!!
Ela!diz!que!estes!espaços!carregam!resíduos!de!anos!e!anos!de!uso.!É!um!exame!
permanente!do!contato!físico!com!o!espaço.!Ela!dá!significado!a!objetos!banais!do!nosso!
cotidiano,!colocando[os!em!cheque!quando!trás!para!fora,!para!público,!aquilo!que!é!
íntimo,!que!é!de!sentimento!interior.!Ela!transgride!na!forma!e!na!ocupação!espacial!
desses!objetos,!provocando!um!estranhamento!ao!mesmo!tempo!familiar!e!que!remete!
a!memória,!tornando!sua!compreensão!quase!imediata,!porque!o!espectador!se!
identifica.!
!
Ghost,&1990&
!
Nesta!obra!Whitehead!mostra!um!espaço!arquitetônico!como!sendo!um!espaço!
vazio,!despojado,!com!manchas!nas!paredes,!enfatizando!os!resquícios!do!lugar!que!
denotam!ter!sido!habitado!antes.!É!um!recorte!do!espaço!de!uma!sala!da!Road!Archway!
em!Londres.!
!
Casa(–(Prêmio(Turner(Prize(
!
!A!Casa!é!uma!cópia!de!concreto!de!uma!casa!vitoriana!cuja!original,!se!localizava!
em!Grove!Road,!193!no!leste!de!Londres.!A!casa!original!havia!sido!demolida!juntamente!
com!todas!as!outras!casas!da!rua!para!dar!lugar!a!uma!praça,!!de!Londres.!Whitehead,!!
transgride!nas!formas!convencionais!da!casa!e!mostra!o!lado!de!dentro.!Uma!
modelagem!do!espaço!interno.!Esta!casa!foi!a!última!de!um!conjunto!no!estilo!Vitoriano,!
demolida!juntamente!com!outras.!Rachel!fez!a!modelagem!do!espaço!interno!destas!
casas!da!Zona!Leste!de!Londres.!
A!casa!provoca!lembranças!de!outras!residências!há!muito!esquecidas.!
Esse!edifício!também!faz!alusão!a!um!movimento!solitário!que!remete!ao!
problema!dos!sem!tetos!de!Londres!e!ainda!provoca!lembranças!de!outras!residências!
esquecidas.!
!
!
Ether,&1990&–&Laranja,&1993&
!
São!peças!vazadas!do!espaço!envolvente!ao!redor.!As!formas!e!banheiras!
vitorianas!também!remetem!a!sarcófagos!de!pedra!gregos,!e,!Laranja,!1993,!inverte!essa!
sensação!de!aspereza!de!sentimento!de!morte,!devido!ao!seu!material!de!composição!
que!lembra!gelatina!laranja!petrificada.!
!Em!sua!obra!Rachel!concretiza!a!presença!da!ausência!naquele!espaço.!
!
Storytime&–&2008&
!
Impressão!sobre!papel!a!partir!de!um!espaço!montado!com!móveis!e!brinquedos!
infantis.!!Rachel!busca!inspiração!também!em!brinquedos!de!seus!filhos!e!em!cenas!
domésticas.!
!
!

164!
!
!
A&INSTALAÇÃO&NO&MUSEU&HISTÓRICO&DE&LONDRINA&
!
ARRANCANDO&RAÍZES,&MEMÓRIA&E&ARTE&NO&MUSEU&HISTÓRICO&DE&
LONDRINA.&
!
!
Em!comemoração!ao!Dia!das!Crianças!do!ano!2013,!a!Profa.!Dra.!Regina!Célia!Alegro,!
diretora!do!Museu!Histórico!de!Londrina,!cedeu!um!espaço!para!a!minha!“Instalação!
Arrancando!Raízes,!Memória!e!Arte!no!Museu”.!
!
A!Instalação!foi!muito!bem!recebida!pelo!público,!especialmente!pelas!crianças,!e!por!
isso!a!exposição!pôde!se!estender!por!mais!alguns!dias.!O!que!as!pessoas!mais!
apreciaram!foi,!a!possibilidade!de!interagirem!com!os!objetos!componentes!da!
Instalação,!muitos!dos!quais!foram!emprestados!de!algumas!famílias!para!resgatar!a!
memória!deste!espaço!chamado!Londrina.!Transferi!para!o!Museu!Histórico,!parte!da!
Instalação!que!foi!apresentada!no!Laboratório,!na!Galeria!do!Departamento!de!Artes!
Visuais!da!Universidade!Estadual!de!Londrina!e!acrescentei!bonecas!de!pano,!tangrans,!!!
cinco[marias,!“jogo”!de!amarelinhas,!e!outros!que!remetessem!às!brincadeiras!mais!
antigas!
&
Nota&no&jornal&
!
!!
O!Museu!Histórico!de!Londrina!abre!nesta!sexta[feira!(11/10),!uma!Mostra!de!
fotografias,!objetos!e!brinquedos!antigos,!que!tem!o!objetivo!de!resgatar!a!
memória.!Idealizada!pela!estudante!do!4º!ano!do!curso!de!Artes!Visuais!da!UEL,!
Márcia!de!Fátima!Catarino!Pelarim,!a!exposição!pretende!mostrar!como!as!mães!
antigamente!aproveitavam!restos!de!tecidos!para!confeccionar!brinquedos!e!
objetos!de!enfeite!para!as!casas.!Além!de!visitar!a!exposição!as!pessoas!poderão!
tocar!os!objetos,interagir!com!eles!e!sentir!sua!textura.!“É!uma!forma!de!fazer!com!
!!
!!
!!
!!
!!
!!

165!
!
que!as!pessoas!comparem!os!objetos!antigos!com!os!atuais!e!sua!tecnologia”.!!
As!fotos!que!estarão!expostas!são!do!acervo!de!uma!família!que!segundo!ela!são!
pioneiros!em!Londrina.!Márcia!de!Fátima!explica!que!as!fotos!vão!fazer!com!que!as!
pessoas!reflitam!sobre!como!era!a!nossa!Londrina!antigamente!comparando!com!os!
dias!de!hoje.!!
Os!objetos!são!cedidos!por!amigos!para!exposição!e!as!bonecas!de!pano!foram!
confeccionadas!em!trabalhos!de!disciplinas!de!Arte[Educação!e!agora!“são!usadas!
como!instrumento!de!resgate!da!história,!do!conhecimento!e!da!poesia!dos!nossos!
antepassados”.!!
Essa!Mostra!é!também!uma!homenagem!à!Semana!da!Criança.!Permanecerá!aberta!
até!o!dia!18!de!outubro,!durante!o!horário!de!funcionamento!do!Museu:!de!terça!a!
sexta[feira!das!9!às!11h30!e!das!14h30!às!17h30.!Sábados!e!domingos!das!9!às!11h30!
e!das!13!às!17!horas.!O!Museu!ficará!fechado!somente!na!segunda[feira,!dia!14,!para!
manutenção.!!
O!Museu!Histórico!fica!na!Rua!Benjamin!Constant,!900!–!Centro!(antiga!Estação!
Ferroviária).!Mais!informações!pelos!telefones!(43)!3323[0082!e!3324[4641.!A!
matéria!acima!foi!retirada!do!site!de!notícias!da!Universidade!Estadual!de!Londrina.!
!
!!
!!
!!
!!
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!!
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!
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!
! !

166!
!
!
IMAGENS&DA&INSTALAÇÃO&ARRANCANDO&RAÍZES,&MEMÓRIA&E&ARTE&
NO&MUSEU.&
!
!!
!
!!
!
!

167!
!
!
!
!&

168!
!
&
!
!!

169!
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170!
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!!
!
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171!
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!
!!
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172!
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!!
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173!
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174!
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!
!

175!
!
!!
!

176!
!
!
!!
!
!
!
!
!

177!
!
Cartaz!de!apresentação!no!Museu!Histórico
!A!camionete!do!Zeca!também!carregou!objetos!para!a!Instalação!no!Museu!Histórico!
!

178!
!
!
!!
Chaleira!de!ferro!que!pertenceu!a!Vó!Rosalina!e!o!Torrador!da!Café!da!Vó!Amélia.!
!

179!
!
!
!!
!
!

180!
!
!
!Giovana!Paolini!e!Marcia!na!“Janela!Espelho!do!Tempo”.!
!
!!
Irineu!Pelarim.!“Nino”!é!o!menino,!que!fazia!travessuras!nos!pátios!da!Estação!Ferroviária!
de!Londrina.!
!
!
(fotografia!por!Netto!Bueno!e!Giovana!Paoline).!
!

181!
!
!
!!
HERCULES.!Como!é!bom!ter!um!querido!irmão!a!nos!apoiar!sempre.!
!
!
! !

182!
!
Capítulo(VI(
&
HISTÓRIA&SEM&FIM&
!
Deixei!no!espaço!ocupado!pela!Instalação!Memória!e!Arte!no!Museu!Histórico!de!
Londrina,!um!caderno!para!contatos!onde!as!pessoas!pudessem!comentar!a!sua!
experiência!ali,!colocar!seus!endereços,!tomar!o!meu!endereço!também,!para!me!
enviarem!suas!próprias!histórias!e!fotografias!participando!assim!ativamente!da!
Instalação!e!da!História!de!Londrina.!Por!isso!este!livro!!Trabalho!de!Conclusão!de!Curso,!
Arrancando!Raízes,!terá!uma!extensão!que!se!chama!Capítulo!Sem!Fim,!pois!continuará!
registrando!histórias,!dando!vozes!às!pessoas!que!se!propuserem,!se!interessarem!a!
completar!a!História.!!
!
Registro&de&alguns&comentários&dos&visitantes&do&Museu&Histórico&de&Londrina,&em&
ocasião&da&Instalação&Memória&e&Arte&no&Museu.&
!
!

183!
!
!!
!
!!
&
&
&

184!
!
A&caneta&do&Zeca&
!
Caneta!confeccionada!a!partir!de!um!galho!de!árvore.!
!
!
!
O&Zeca&nem&sabia,&mas&ele&também&fazia&“artes”.&
!
INVENTÁRIO&DOS&OBJETOS&QUE&FORMARAM&A&INSTALAÇÃO&
MEMÓRIA&E&ARTE&NO&MUSEU&HISTÓRICO&DE&LONDRINA&
!
!
“JANELAS!DO!TEMPO”!–!O94!X!098!cm!(madeira!e!vidro)!
“JANELA!ESPELHO!DO!TEMPO”![!0.98!X!0,74cm.!(madeira,espelho!e!vidro)!
“VITRINE!COM!BONECAS!DE!PANO!E!BONECAS!DE!ÉPOCA”![!1,50!X!2,00!cm!
PORTA!RETRATO!DIGITAL!(MOX),!DA!JANELA!DO!“QUARTO!DA!MENINA”!–!0,21!X!
0,27!cm!
O!“QUARTO!DA!MENINA”!–!MAQUETE!EM!MADEIRA!–!0,80!X!0,34!e!altura!0,72!cm!
ENGRADADO!DE!GARRAFAS!–!“NÁUFRÁGIOS”!–!0,50cm!X!0,70!cm!(madeira!e!vidro)!
SUPORTE,!“CAVALETES!DE!CONSTRUÇÃO”!–!0,89!comp.!X!1,00!alt.!X!0,40!larg.!
SUPORTE!PARA!FOTOS!DA!SÉRIE!“E!COMEÇOU!O!EMBATE...”![!VIGAS!DE!3,00!cm!X!
0,32!cm!larg.!X!0,04!cm!espessura!(madeira)!
PAINEL!“COLCHA!DA!VÓ!ROSALINA”!–!1,60!X!1,90!cm!(tecido!algodão)!
“GAIOLA”!–!0,25!X!0,30!cm!–!(!madeira,!argila)!!
SUPORTE!DA!GAIOLA,!“ARTE!DO!ZECA”!–!(banco!de!ferro)!–!assento!0,42!cm!X!0,22!
cm,!base!0,42!cm!X!0,42!cm,!altura!0,75!cm.!
“CHALEIRA!DE!FERRO!DA!VÓ!ROSALINA”!–!0,55!cm.!diâmetro!X!0,30!cm!alt.!
“CALDEIRÃO!DE!TERRA!VERMELHA!COM!BOLINHAS!DE!GUDE”!

185!
!
“TORRADOR!DE!CAFÉ!COM!CORRUÍRA!DE!PANO”!
“ENGRADADO!COCA!COLA”!–!0,50cm!X!0,70!cm!(madeira)!
“PETECA!COM!PENAS!DE!ARARAS”!
“CESTA!INDÍGENA!COM!BONECAS!DE!PANO”!–!0,51!cm!diâmetro!X!0,22!alt.!(palha!e!
pano)!
“CESTINHAS!INDÍGENAS!COM!APETRECHOS!DE!COSTURA”!(vários!tamanhos)!
“VIDRO!POTE!COM!BOTÕES”!
SÉRIE!“SEMENTES”!–!24!garrafas!com!sementes!várias.!(vidro)!
TRÊS!POTES!DE!VIDRO!–!0,48!cm!diâmetro!X!0,25!cm!alt.,!contendo:!“POEMA!DO!
PIONEIRO”!de!Willian!Fernandes,!“SEMENTE!DE!SABEDORIA”,!giz!e!“SEMENTE!DE!
MARCIA”,!fotografia.!
“CORTINA!DE!TSURUS”!–!5,00!cm!X!6,00!cm!–!(papel),!fazendo!intersecção!com!a!
Exposição!da!sala!anterior!“HIROSHIMA!E!NAGASAKI”.!
“VITRINE!BONECA!JAPONESA”!–!0,29!cm!X!0,29!cm!X!0,54!alt.!
“TAN!GRAN”[!0,50!cm!X!0,50!cm!(madeira!revestida!de!tecido!algodão!estampado)!
CINCO!JOGOS!DE!“CINCO!MARIAS”!–!travesseirinhos!de!0,02!cm!X!0,02!cm.!
“CARTEIRA!ESCOLAR!ANTIGA”!–!0,55!cm!X!0,40!cm!com!1,00!cm!alt.!(!ferro!e!madeira),!
usada!como!suporte!para!a!“CARTILHA!CAMINHO!SUAVE”!
Vários!“PORTARRETRATOS”!–!0,20!cm!X!!0,30!cm!!
!PORTARRETRATO!“ETERNAMENTE!TUA...”!!0,10!cm!X!0,15!cm!
SÉRIE!DE!FOTOGRAFIAS!–!“A!PEROBA!ROSA!EM!LONDRINA”!–!“FOTOGRAFIAS!
CONTEMPORÂNEAS”![!0,30!cm!X!0,20!cm.!
!“CADERNO!DE!RECORDAÇÃO!E!DE!COMUNICAÇÃO”!–!0,20!cm!X!0,28!cm![!mensagens!
e!endereços.!
PISO!“VISTA!AÉREA!DE!LONDRINA”!–!50!m2!(emborrachado).!
“JOGO!DE!AMARELINHAS”[!formado!com!fita!crepe!sobre!o!mapa!vista!aérea.!
CESTO!DE!VIME!–!com!vários!“LIVRINHOS!INFANTIS”!
“LIVRO!DE!PANO”!–!retalhos!de!tecido!algodão,!tamanho!A4,!com!histórias!escritas!em!
recortes!de!papel!e!alinhavadas!sobre!eles.!Quinze!páginas!pregadas!com!botão!grande.!
“CAPACHO!ESTRELA!DO!ZECA”!–!tábua!de!madeira!com!tampinhas!de!garrafas!
pregadas!sobre!ele.!0,30!cm!X!0,50!cm.!
“FERRO!A!BRASA”!–!(ferro,!carvão!e!especiarias).!
BANCADA!“ALTAR!DE!CAMINHÕES!DE!TORAS”!–!3,00!cm!comp.!X!!1,00!cm!de!larg.!X!
1,50!cm!alt.(vigas!de!madeira).!
RETRATO!DE!PAREDE!“FOTOPINTURA”!–!0,38!cm!X!0,53!cm!
CAIXINHA!DE!MADEIRA!“CORRESPONDÊNCIAS!DE!SAUDADES”!–!0,10!cm!X!0,15!cm!!
“MÁQUINA!DE!DACTILOGRAFIA,!REMINGTON!IPANEMA”!–!com!a!oração!da!vovó!
abandonada.!
“PORTA!AO!PASSADO”!–!duas!folhas!de!portas!em!madeira!e!vidros,!0,50!cm!X!2,10!cm!
cada!uma!com!fotografias!antigas!coladas.!!
!
!
!
!
!
!
!

186!
!
!
!
CAPÍTULO&SEM&FIM&
!
Assim!como!no!caderno!que!estava!na!Instalação,!para!dar!voz!às!pessoas!que!desejarem!
se!manifestar!sobre!a!Cidade!de!Londrina!ou!sobre!sua!história!individual,!ou!desejarem!
enviar!cópias!de!fotografias,!depoimentos,!críticas,!deixo!aqui!o!endereço!para!a!
comunicação:!!!!!!!
!
!
[email protected]!
Rua!Fulgêncio!Ferreira!Neves,!525!
Jardim!Coliseu!
Londrina!–!PR!
86.076[010!
!
!
Deixo!também!a!você!a!
!
!
&CANÇÃO&DA&SAUDADE&(de&Bastos&Tigre)&
!
SAUDADE!PALAVRA!DOCE!
QUE!TRADUZ!TANTO!AMARGOR!
SAUDADE!É!COMO!SE!FOSSE!!
ESPINHO!CHEIRANDO!A!FLOR!
UM!DESEJO!DE!ESTAR!PERTO!!
DE!QUEM!ESTÁ!LONGE!DE!NÓS!!
UM!AI!!QUE!NÃO!SEI!AO!CERTO!
SE!É!SUSPIRO!OU!UMA!VOZ.!
UM!SORRISO!DE!TRISTEZA!
UM!SOLUÇO!DE!ALEGRIA!
O!SUPLÍCIO!DA!INCERTEZA!
QUE!UMA!ESPERANÇA!ALIVIA!
NESSAS!TRÊS!SÍLABAS!!
HÁ!DE!CABER!TODA!UMA!CANÇÃO!
BENDITA!A!DOR!DA!SAUDADE!
QUE!FAZ!BEM!AO!CORAÇÃO.!
UM!LONGO!OLHAR!QUE!SE!LANÇA!
NUMA!CARTA!OU!NUMA!FLOR;!
SAUDADE!–!IRMÃ!DA!ESPERANÇA!
SAUDADE![!FILHA!DO!AMOR!
UMA!PALAVRA!TÃO!BREVA!
MAS!TÃO!LONGA!DE!SENTIR!
E!HÁ!TANTA!GENTE!QUE!A!ESCREVE!
SEM!A!SABER!TRADUZIR.!
GOSTO!AMARGO!DE!INFELIZES!

187!
!
FOI!COMO!A!CHAMOU!GARRET;!
CORAÇÃO,!CALADO!DIZES!
NUM!SUSPIRO!O!QUE!ELA!É!
A!PALAVRA!É!TÃO!PEQUENA!
MAS!DIZ!TANTO!DE!UMA!VEZ!!
POR!ELA!VALEU!A!PENA!
INVENTAR[SE!O!PORTUGUÊS.!
!
!
!
!
!
!
!
!
! !

188!
!
Ricos&e&raros&presentes&
!
!!
Almofada&de&crochê&feita&pela&vovó&Alvina&Degraf.&
!
!!
Pano&de&copa&feito&pela&sogra&amiga&Dona&Izolina&Peruzzo&Pelarim.&

189!
!
É!um!dos!tantos!presentes!mais!caros!que!já!recebi.!
!
!!
Toalha&de&mesa&feita&pela&Amélia&Degraf&Catarino&
!
A!Amélia!costurou!e!bordou!um!lindo!enxoval!para!a!Marcia.!Ela!queria!que!sua!filha!
fosse!feliz.!E!conseguiu.!Viu!mãe?!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
! !

190!
!
!
!
!
REFERÊNCIAS&BIBLIOGRÁFICAS&
!
!
ARCHER,!Michael.!Arte!Contemporânea:!Uma!história!concisa.!2012!
!
BÉLEM,!Elisa.!Crise!Da!Representação:!Ações!De!Sophie!Calle.!Disponível!em:!
http://www.portalabrace.org/vireuniao/territorios/19.%20Elisa%20Belem.pdf.!!Acesso!
em:!29!de!outubro.!!
!
CALLE,!Sophie.!Histórias!Reais.!Rio!de!Janeiro:!Agir,!2009.!Tradução!:!Hortencia!Santos!
Lencastre.!
!
CARDOSO,!Lúcia!de!Fátima!Padilha;!PORTO!FILHO,!Gentil!;!CAMPELLO,!Silvio!Barreto.!!
O!Conceito!De!Imagem!Na!Obra!!De!Sophie!Calle.!!
Disponívelem:!
http://www.anpap.org.br/anais/2010/pdf/chtca/lucia_de_fatima_padilha_cardoso.pdf.!
Acesso!em:!29!de!outubro!de!2012.!
!
ENTLER,!Ronaldo.!Entre!A!Memória!E!O!Esquecimento:!O!Realismo!Na!Obra!De!Sophie!
Calle.!.!Disponível!em:!http://www.studium.iar.unicamp.br/22/05.html.!!!
Acesso!em:!!29!de!outubro!de!2012.!
!
HUPE,!Ana!Luize.!O!Uso!Da!Fotografia!Em!Práticas!Artísticas!De!Sophie!Calle.!!
Disponível! em:! http://www.ppgartes.uerj.br/spa/spa3/anais/ana_hupe_279_288.pdf.!
Acesso!em:!29!de!outubro!de!2012.!
!
ITAÚCULTURAL.!Sophie!Calle.!Disponível!em:!http://www.itaucultural.org.br/index.cfm?!
cd_pagina=2728&_Todos=1&_busca=sophie+calle&x=0&y=0.!!Acesso!em:!!27!de!outubro!
de!!
2012.!
!
GALERIEPERROTIN.SophieCalle.Disponívelem:!
http://www.perrotin.com/artisteSophie_Calle[1.html.!!Acesso!em:!!27!de!outubro!de!
2012.!
!
MUTUALART.COM.SophieCalle.Disponívelem:!!
http://www.mutualart.com/Artist/SophieCalle/394BEE08D17A394F?utm_source=google
&utm_medium=cpc&utm_term=sophie%20calle&utm_campaign=Artist%20(4)&KEYW
ORD_K=sophie%20calle&TRACKING_ID_K=153151ef[e284[f029[3200[
0000744046a8&CHANNEL_K=google&CAMPAIGN_K=Artist%20(4)&AdGROUP_K=Sop
hie%20Calle&gclid=CMTc4pyRubMCFQMFnQodnGcAPw.!Acesso!em!:!29!de!outubro!de!
2012.!
!

191!
!
SESC.! Cuide! De! Você! Dá! Adeus! Ao! SESC! Pompeia.! Disponível! em:!
http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas/subindex.cfm?Paramend=1&IDCategoria=6143! .!
Acesso!em!:!29!de!outubro!de!2012.!
!
SILVA,!Valdete!Nunes.!Sophie!Calle!E!A!!Arte!Fotográfica:!A!Inventividade!Dos!Jogos.!.!!
Disponívelem:!
http://www.abralic.org.br/anais/cong2008/AnaisOnline/simposios/pdf/064/VALDETE_SI
LVA.pdf.!!Acesso!em:!29!de!outubro.!
!
TATE!Galery:!http://www.tate.org.uk/art/artists/rachel[whiteread[2319!
!
The! Guardian:! http://www.guardian.co.uk/culture/whiteread! BAUDRILLARD,! Jean.!
Sophie!Calle.!In:!!A!Arte!Da!Desaparição.!Rio!de!Janeiro:!Editora!UFRJ/N[Imagem,!1997.!
Tradução!:!!Anamaria!Skinner.!p.!47[63.!!
MoMa!Org:!http://www.moma.org/collection/artist.php?artist_id=6910!
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UOL.!28ª!Bienal!Internacional!De!São!Paulo!–!Artistas:!Sophie!Calle.!Disponível!em:!http:!
//entretenimento.uol.com.br/arte/bienal/2008/artistas/sophie[calle/.!!Acesso!em:!!27!de!!
outubro!de!2012.!
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192!
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REFERÊNCIAS(DAS(LEITURAS(INSPIRADORAS(
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!Pedro!Nava,!O!Círio!Perfeito.!Editora!Nova!Fronteira.1983.!
Josué!Monteiro,!Noite!em!Alcântara.!
Reinert,!B.!L.!Bornschein,!M.R.!e!Belmonte!Lopes,!Conhecendo!Aves!Silvestres!Brasileiras,!
Cornélio!Procópio,!Grupo!Ecológico!Vida!Verde,!2004.!
Lygia!A.!Schrank!Araújo,!Moinho!do!Tempo,!2003!e!Estação!Poesia,!2009.!
Cláudia!Flora,!Priscila.!Vestir]se:!tecer!identidades.!TCC!da!Universidade!Estadual!de!
Londrina.!2012.!
Jocelyn!Moorhouse,!Colcha!de!Retalhos,!“How!to!make!na!american!quilt”]Filme!baseado!
no!livro!de!Whitney!Otto,!
Carolina!Panchoni,!O!Desejo!Entre!a!Permanência!e!o!Vôo,!TCC!da!Universidade!Estadual!
de!Londrina,!2012.!
Cora!Coralina,!Meu!livro!de!cordel,!Global!Editora.!1987!
Mirian!Paglia!Costa,!Notícias!do!Lugar!Comum.!Editora34,1997.!
Geraldo!Mayrink!e!Fernando!Moreira!Salles,!Memorando.!Cia!das!Letras.!1993.!
Cora!Coralina,!Poemas!dos!becos!de!Goiás!e!Estórias!Mais,!Globo!Editora,!1979.!
Adélia!Prado,!Poesia!Reunida,!Arx,!1991.!
Michael!Archer,!Arte!Contemporânea,!Martins!Fontes,!2012.!
Arlindo!Catharino,!Memórias!de!um!Filho!de!Londrina,!Alphagraphics.!
Maria!Juliani!de!Arruda,!Um!Homem,!Sua!Máquina!e!a!História!de!Londrina,!Midiograf!
Gráfica!e!Editora,!2002.!
Christopher!Clouder!e!Janni!Nicol,!Brincadeiras!Criativas!para!Seu!Filho,!Octopus!Publishing!
Group!.!Ltd.,!2008!e!Publifolha,!2009.!
Fryderyk!Franciszek!Chopin,(1º]03]1810!a!17]10]1849),!músico!polonês.!Levou!para!os!
Salões,!a!música!do!povo.!
Edicoesanteriores.jornalagora.com.br/site/índex.php?=27!
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Os(porquês(dos(ARTISTAS(COM(QUEM(ME(RELACIONO(
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Sophie!Calle!–!Faz!de!sua!vida,!o!seu!trabalho,!numa!poética!de!fotografias!e!textos!
referentes!aos!conflitos!femininos!e!alteridade.!
Rachel!Whitehead!–!A!questão!fundamental!é!resignificar!o!espaço!vazio.!Provoca!reflexão!
nos!resquícios!de!uma!vida.!Dá!significado!ao!banal!do!cotidiano.!Provoca!reflexões!sobre!a!
morte.!Remete!à!memória.!
Rosana!Paulino!–!Pelos!afetos!da!memória,!o!embate!com!as!referências!que!tinha!de!suas!
bonecas.!Sua!poética!trabalha!com!o!universo!da!costura.!
Louise!Bougeouis!–!Presença!do!universo!de!sua!infância!como!reconstrução!da!memória!
afetiva!
Bispo!do!Rosário!–!As!memórias!da!infância,!as!acumulações,!o!uso!de!objetos!do!cotidiano!
e!do!entorno,!apropriação,!reade!made,!a!morte,!a!afirmação!da!vida.!
Lia!Chaia!–!tamancos!sobre!Tókio!e!as!direções,!e!resgate!de!tangrans.!
Cora!Coralina!–!Transformou!suas!memórias!em!poesias!porque!amou!a!vida!e!as!pessoas!
que!conheceu.!
Olavo!Bilac!–!como!patriota!e!amante!da!terra!natal!e!da!língua!portuguesa.!

193!
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Guimarães!Rosa!e!a!poesia.!
Bastos!Tigre!–!uma!única!poesia!traduzindo!todo!o!sentimento!“saudade”.!
Antonio!Correia!de!Oliveira!–!as!árvores!a!as!mães!em!seu!desígnio!vital.!
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ALGO&SOBRE&O&LIVRO&ORIGINAL&&
TRABALHO&DE&CONCLUSÃO&DE&CURSO&
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ARRANCANDO!RAÍZES:!
Invenção!de!narrativas!que!colhe!imagens!em!retalhos!de!camadas!do!tempo!
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Trabalho!de!Conclusão!de!Curso!apresentado!ao!Departamento!de!Artes!Visuais!da!
Universidade!Estadual!de!Londrina,!como!requisito!parcial!à!obtenção!do!título!de!
Licenciado!em!Artes!Visuais.!
Orientador:!Prof.!Dr.!Marcos!Rodrigues!Aulicino!
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BANCA!EXAMINADORA!
Prof.! Orientador! Dr.! Marcos! Rodrigues!
Aulicino!
Universidade!Estadual!de!Londrina!
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Prof.!!Dr.!Cláudio!Garcia!
Universidade!Estadual!de!Londrina!
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Profa.!Dra.!Tânia!Cristina!Rumi!Sugeta!
Universidade!Estadual!de!Londrina!
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Dedico!este!Trabalho!de!Conclusão!de!Curso!a!minha!amiga!e!amada!mãe!Amélia,!por!
me!alfabetizar!e!me!mostrar!a!potência!da!leitura!em!nossas!vidas.!
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Londrina,!!11!de!novembro!!de!2013!
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194!
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A(VOZ(DE(ARLINDO(CATHARINO(
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(retirada(do(livro(de(sua(autoria(“MEMÓRIAS(DE(UM(FILHO(DE(LONDRINA”)(
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EXPEDIÇÃO(NA(MATA(
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1951!–!Meu!pai!Manoel!Henriques!Catharino,!foi!incumbido!pelo!dono!da!Serraria!para!a!
qual!nós!prestávamos!serviço!na!época,!de!retirar!madeira!adquirida!de!uma!fazenda!lá!
pelas!bandas!do!Rio!Paraná,!próximo!ao!porto!São!José.!Para!tal,!foram!contratados!
diversos!homens;!madeireiros,!serradores,!machadeiros!e!cozinheiro.!O!trabalho!era!no!meio!
da!mata!virgem.!Estradas?!Não!existia.!Só!de!Londrina!à!Maringá!gastava]se!cinco!ou!seis!
horas,!se!não!chovesse,!é!claro.!De!Maringá!pra!frente?!Uma!odisseia!!Só!mesmo!
aventureiros!se!atreviam.!Uma!trilha!pelo!meio!da!mata!fechada,!era!difícil!aparecer!uma!
clareira!onde!se!visse!o!sol.!Ponte!de!rios?!Nem!pensar!!Passava]se!nos!lugares!mais!rasos!
dos!rios,!se!houvesse!enchente,!então!acampava]se!por!ali!mesmo!até!que!as!águas!
baixassem;!Três!caminhões!dois!Fords!F6!ano!50,!e!um!F7,!cujo!motorista!era!o!Américo,!
moço!ainda,!trinta!e!poucos!anos.!Julgava]se!o!melhor!dos!motoristas,!e!não!é!que!o!danado!
era!bom!mesmo?!Olha!que!para!cambiar!um!caminhão!daqueles,!naqueles!areões,!tinha!que!
ser!bom,!senão!ficava!atolado!no!meio!da!areia,!e!daí,!só!rebocado.!Caminhões!lotados!com!
mantimentos!pra!vários!meses!na!mata,!mais!ou!menos!trinta!homens!entre!madeireiros,!
motoristas!e!ajudantes.!Seguia!caravana!mata!adentro,!distância!mais!ou!menos!duzentos!
e!trinta!quilômetros,!que!hoje!são!percorridos!em!menos!de!três!horas,!gastava]se!o!dia!
inteiro!aproveitando!a!madrugada.!Meu!pai!no!comando!dessa!expedição,!sua!palavra!era!
ordem!que!todos!respeitavam!e!acatavam,!meu!irmão!Zeca!dirigindo!o!F6!branco,!o!Júlio!já!
meio!mecânico,!guiava!o!outro!F6,!eu!como!era!o!mais!novo,!fui!rebaixado!para!ajudante,!
mas!estava!feliz!assim!mesmo,!só!por!estar!em!cima!de!um!caminhão...!
...!última!etapa,!mata!virgem,!apenas!alguma!pequena!derrubada!de!mato,!ou!um!pequeno!
sítio!sendo!formado,!muitos!bichos!cruzando!a!trilha!em!disparada,!macacos!pulando!nas!
árvores,!aves!e!pássaros!os!mais!diversos!e!até!uma!cobra!jiboias!enrolada!em!um!galho!
bem!à!beira!do!caminho.!Enfim!chegamos!à!fazenda!que,!aliás,!era!um!carreador!na!mata!
virgem.!O!caminhão!mal!passava!por!entre!as!árvores,!quatro!quilômetros!até!a!beira!do!rio,!
onde!armamos!acampamento.!
!
ACAMPAMENTO(
!
...!Na!beira!do!rio,!uma!lona!muito!grande,!armada!mais!ou!menos!como!um!circo,!com!as!
laterais!o!mais!próximo!possível!do!chão,!mas!que!não!podia!impedir!a!entrada!de!bichos,!os!
quais!não!se!aproximavam!porque!sempre!mantínhamos!fogo!aceso,!além!do!barulho!que!
fazíamos!na!barraca;!uns!contando!mentiras,!outros!discutindo!no!jogo!de!truco,!até!que!o!
cansaço!nos!impunha!o!silencio.!
A!cozinha!ficava!fora!da!barraca,!uma!tarimba!armada!com!varas!apoiadas!como!uma!
esteira!sobre!quatro!forquilhas!a!uma!boa!altura!do!chão,!onde!se!colocavam!os!apetrechos!
de!cozinha!e!também!os!alimentos.!Um!buraco!cavado!no!chão!medindo!meio!metro!de!
largura!por!um!de!comprimento!e!uns!trinta!centímetros!de!fundo,!alguma!travessas!de!
ferro!para!apoiar!as!panelas.!E!esse!era!o!fogão.!Feijão,!arroz,!linguiça,!carne!seca,!de!vez!

195!
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em!quando!uma!caça,!como!o!macuco!e!o!jacu!ou!peixe!pescado!ali!mesmo,!a!uns!vinte!
metros!no!rio!que!fazia!fundos!com!a!fazenda.!Esse!era!o!cardápio!diário!acompanhado!com!
uma!boa!cachaça!e!muita!algazarra.!Após!o!jantar,!recolher!todo!tipo!de!alimentos,!pois!o!
que!ficasse!fora!do!alojamento,!a!onça!buscava.!Cada!um!fazia!a!sua!própria!cama;!uma!
tarimba!mais!ou!menos!igual!a!da!cozinha,!também!a!uma!boa!altura!do!chão!para!evitar!
algum!bicho.!
!
AO(TRABALHO(
!
Ao!trabalho!pessoal!!!!Gritam!alguns!encarregados!da!turma;!machados,!foices,!traçadores,!
corotes!de!água,!homens!em!cima!dos!caminhões;!]!Vamo!que!é!tarde!!
Uma!grande!derrubada!havia!sido!feita!na!mata!e!depois!ateado!fogo,!queimando!toda!
galharia!fina,!assim!ficava!mais!fácil!extrair]se!a!madeira!grossa,!só!que!em!poucos!minutos,!
ficávamos!todos!pretos!pelo!pó!da!queimada,!com!o!suor!do!rosto!mais!pó!preto!grudava!e!
os!mosquitos?!Pequeninos!e!valentes!borrachudos,!iam!sugando!o!sangue!da!gente!até!
triplicarem!o!seu!tamanho.!Tapa!aqui,!tapa!ali,!um!por!um,!a!gente!ia!matando,!enquanto!o!
suor!corria!pelo!rosto!e!continuava!escorrendo!pelo!corpo!todo.!Em!pouco!tempo!ficávamos!
com!a!camisa!encharcada.!Alguns!até!tiravam!a!camisa,!mas!logo!não!suportavam!o!ataque!
dos!bichinhos.!
O!trabalho!era!estafante!!Durante!o!dia!tinha]se!que!transportar!para!a!beira!da!estrada!o!
maior!número!possível!de!toras,!então!se!repetia!várias!vezes!a!operação!carrega,!
descarrega.!Algumas!toras!de!perobas!chegavam!a!pesar!até!cinco!toneladas,!era!mesmo!
um!trabalho!para!homens!fortes!e!corajosos.!
Na!hora!do!almoço!cada!qual!pegava!a!sua!marmita!já!fria,!sentava]se!a!uma!sombra!e!com!
muita!avidez,!devorava!rapidamente!toda!a!comida,!incluindo!os!mosquitos!que!atacavam!
em!nuvens.!
Ao!entardecer,!à!volta!para!o!acampamento,!todos!para!o!riacho,!um!banho!reconfortante!
naquela!água!fresquinha,!sem!cerimônia,!todos!pelados,!alguns!ficavam!meio!acanhados!de!
mostrar!os!“documentos”,!mas!tudo!ali!era!muito!natural!e!havia!respeito.!
!!!!!!!!!!!!!!!!
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Conclusão(Final((
(
“FOI!COM!SEU!SUOR!E!COM!TRABALHO!MUITO!ÁRDUO!QUE!O!PIONEIRO!FECUNDOU!A!
PECULIAR!SOCIEDADE!LONDRINENSE,!FORJANDO!PESSOAS!COM!OS!OLHOS!NO!
FUTURO,! A! TAL! PONTO! QUE! NEGLIGENCIAM! O! PASSADO! HERÓICO!
DESCONSIDERANDO!A!LUTA!DOS!DESBRAVADORES!QUE!ABRIRAM!AS!CLAREIRAS!DO!
PROGRESSO.”!(Marcia!de!Fátima!Catarino!Pelarim).!
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