AS VELHAS, Lourdes Ramalho

quartasdramaticas 1,976 views 19 slides Mar 25, 2012
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Slide Content

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
AS VELHAS 
 
 
 
Lourdes Ramalho 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 
 
 
AS VELHAS 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
Peça  original  nordestina,  enfocando  as  frentes  de  t rabalho  de 
emergência,  formadas  pelo governo, por ocasião das  secas. Denúncia 
de roubos efetuados pelos políticos, quando vendem , nos barracões, as 
magras  rações  de  mantimentos  destinadas  gratuitamen te  aos 
flagelados. 
 
 
CENÁRIO  –  Toda  a  ação  se  passa  em  três  planos:  a  oiticica,  onde  se 
arrancha a família dos retirantes; a casa de Vina e  uma nesga de mato, 
ponto de encontro ou espécie de esconderijo. 
 
PERSONAGENS 
 
MARIANA – sertaneja de 40 anos 
CHICÓ – seu filho, 20 anos 
BRANCA – filha de 16 anos 
TOMÁS – mascate de 30 anos 
VINA – mulher de 45 anos 
JOSÉ – seu filho, 22 anos 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 
Música que abre e encerra o espetáculo AS VELHAS 
Letra de Lourdes Ramalho 
Música de José Cláudio Batista 
 
 
 
Bate o sol e assola a estrada 
Caminheiro a palmilhar 
Como é longa a caminhada 
Como é tristonha a jornada 
-Segue a leva, sem parar... 
Bate o sol e assola a estrada 
Bate o sol e assola a estrada... 
 
 
Da quentura a labareda 
Vem do do chão – desce do ar 
Cadê o atalho ou vereda  
Que nos leve a um bom lugar 
-Bate o pé comendo estrada 
Na esperança de chegar... 
 
 
Bate sola – pé cansado 
Que teu destino é correr 
Come terraq – boca triste 
Antes dela te comer 
Do céu limpo – faca afiada 
Bate o sol e assola a estrada 
Bate o sol e assola a estrada 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 
CENA 01  
 
CHICÓ,  MARIANA  E  BRANCA,  COM  PEQUENA  BAGAGEM  ÀS 
COSTAS, PROCURANDO ABRIGO
 
 
CHICÓ  –  Mãe,  vamo  parar  com  essas  andança  e  ficar  aqui  até  chegar  po 
inverno.  A  senhora  já  viu  que  todo  lugar,  nesse  tempo,  é  como  cantiga  de 
perua – de pior a pior. 
 
MARIANA –
 Num é os lugar que me desinquieta, meu filho, é os serviço 
pesado que botam pra riba de você, como se fosse qu alquer flagelado 
acostumado a pegar no eito. 
 
CHICÓ – Tá certo que eu nunca fui flagelado, mas chega tempo em que 
a  situação  dá  para  isso  –  e  quem  é  homem  tem  que  enfrentar    toda 
versidade de trabalho. 
 
MARIANA – Mas lhe castigarem desse jeito na picareta, botando serrote 
abaixo  pras  estrada  passar  –  Pensa  que  num  vejo  o  seu  sofrer,  se 
virando  a  noite  inteira  na tipóia,  sem  poder  pegar no  sono – as  mãos 
inchada de fazer dó? 
 
CHICÓ  –  Ora,  mãe,  aos  mãos  é  minha...  E  a  senhora, por  que  num 
dorme? 
 
MARIANA – Acha que posso pregar os olho vendo você  num serviço que 
só satanás aguenta? – Aquilo tira a sustança de qualquer cristão. 
 
CHICÓ  –  Besteira,  Mãe  –  com  esse  cabra  aqui  ninguém  pode  não. 
(RETIRANDO  DUM  SACO  UM  GANZÁ  QUE  SEGURA  CARINHOSAME NTE, 
COMEÇA  A  SACUDI-LO  CANTANDO)  Pode  chover  canivete/  quem  ta 
falando  é  Chicó/  fio  de  dona  Mariana;  macho  nascido  nas  brenha/  do 
sertão do Piancó. 
 
BRANCA  –  (QUE  OBSERVAVA  O  LOCAL,  ABSORTA)  –  Deixa  d e  tua 
leseira, Chicó, e resolve se a gente fica aqui ou não... Eu tou é cansada 
– e quando a gente ta enfadada só quer mesmo é cant o pra sossegar... 
 
CHICÓ – Enfadada? Quem fala. – Vinha passando de gr ande na boléia 
do caminhão.  – Avalie quem vinha sacolejando no lastro, bolando mais 
que xexo em ladeira... 
 
BRANCA  –  Tou  cansada  de  viver  pra  riba  e  pra  baixo,  os  cacareco  na 
cabeça, como se a gente tivesse sido a vida toda retirante... 

CHICÓ – E você pensa que é o que? – A princesa Cesa rina ou alguma 
baronesa? Ai que essa mocinha agora ta que nem o so l – tudo lhe fede a 
sangue real. 
 
BRANCA  –  Ora,  a  gente  sempre  teve  onde  morar,  com  que  passar, 
sempre  foi  considerado  –  e  agora  deu  pra  correr  mundo...  Podia  ter 
ficado em casa, como gente decente... 
 
MARIANA  –  (QUE  ESCUTAVA)  E  que  diabo  você  queria  ficar  fazendo 
naquele  desterro?  –  Comento  lagartixa  assada  ou  fazendo  vida  de 
santa? 
 
BRANCA – Se a gente num tivesse saído aparecia um j eito – Das outras 
vez ninguém saiu e escapou tudo – até as criação.  
 
MARIANA – Mas isso foi das outras vez. – Mas dessa  feita – num tem 
jeito que dê jeito.  (VEEMENTE) – Será que você num  via a urubuzada 
nas  carniça  dos  bicho  morto,  as  ossada  coarando  no sol,  nem  a 
derradeira  rês,  que,  pra  num  morrer  de  fome  –  tive que  vender  por 
pouco mais que nada? 
 
CHICÓ – (Limpando o ganzá, a quem dedica um carinho  todo especial) – 
Isso já passou, minha gente. È meter os peito de no vo. Pra que tamo 
vivo?  –  Só  tenho  um  prazer  –  tamo  de  retirada  com  os  piquáio  no 
lombo,  mas  nunca  baixemo  o  cangote.  Sempre  seguimo o  conselhoda 
velha que toda vida diz: - “Quem se abaixa de mais... o cu aparece”. 
 
BRANCA – Chicó fala se opando todo, como se fosse o dono do mundo... 
Ô xente. Já vi torres mais alta cair... 
 
MARIANA – (IRRITADA) – Larguem de bate-boca sem fut uro e venham 
coidar da vida que o tempo ta passando. 
 
CHICÓ – E num já tamo coidando? 
 
MARIANA – (SURPRESA) – Então a gente fica aqui mesm o? 
 
CHICÓ  –  Pra  que  melhor?  –  Uma  oiticica  com  um  sombrão  de  fazer 
gosto, toda cercada em redor de marmeleiro – quem f ez esse rancho fez 
caprichado – e tem a vantagem de ficar em riba da cacimba e até perto 
do  barracão,  uma  meia  leguinha  só...  Parece  até  coisa  prometida  por 
Deus... 
 
BRANCA – (AINDA INCRÉDULA) – Como é, a gente fica a qui mesmo? 

MARIANA  –  (SEMPRE  IRRITADA)  –  Vocês  num  já  resolver am? 
(SUSPIRANDO) – Fica-se até quando Jesus quiser... 
 
BRANCA – (DESCONFIADA) – Ih, tas escutando essa, Ch icó? 
 
MARIANA  –  Arre,  menina,  o  futuro  a  Deus  pertence.  –  Você  acha  que 
agora a gente vai tirar galé numa beira-de-estrada? – Fica-se enquanto 
der certo – quando num der... 
 
BRANCO  –  (COMPLETANDO  O  PENSAMENTO  DA  MÃE)  -  ...  pe rnas  pra 
que  te  quero,  num  é  mãe?  –  É  como  das  outras  vez  – a  senhora  na 
frente, feito zelação, e nós no rastro. 
 
MARIANA – (AMARGURADA) E quem  me fez virar zelação ? – Vocês. – 
Será por gosto? Ta esquecida do que aconteceu no Rio Grande? 
 
BRANCA  –  Ô  mãe,  e  o  que  aconteceu  também  no  Ceará,  no 
Pernambuco... – Em todo canto a senhora arranja uma   conversa mole 
pra dar o pira... 
 
CHICÓ  –  Que  gosto  vocês  duas  tem  de  desenterrar  defunto,  heim?  – 
Vamo tratar da vida, botar os terém nos canto antes que chegue outros 
e  tome  conta do  rancho. – Branca,  vigie aí  uns garrancho  e  faça  uma 
vassourinha pra ir limpando o terreiro... E a senhora, mãe, que é velha, 
se assente ali e vá tomar o seu deforete... 
 
MARIANA – (CEDE À FORÇA AO CARINHO DO FILHO E SENTA  SOBRE O 
ÚNICO  CAIXOTE  EXISTENTE  E  QUE  FAZ  AS  VEZES  DE  MÓVEL )  –  Essa 
sua  irmã  tem  o costume  ruim  de  passar as  coisas  na cara  da gente... 
Diz cada uma que me fica atravessada aqui. (GESTO N A GARGANTA). 
 
BRANCA  –  Ora,  a  senhora  quer  me  culpar  de  ter  saído  do  Seridó... 
Enquanto a gente foi pequeno até que se ficou quieto num canto, mas 
quando  se  cresceu,  a  senhora  jurou  tanto  que  afinal  deu  pra  correr 
mundo – atrás de que num sei... 
 
MARIANA – (MISTERIOSA) – Mas sei eu... É um causo c omigo mesma, 
que num tem nada a ver com vocês... 
 
BRANCA – Mas a gente é que paga o pato. Por que foi  que se saiu do 
Juazeiro? 
 

MARIANA  –  Ali  foi  aquele  desgraçado  que  começou  com  zonzeira  com 
seu irmão. Duro com duro num dá bom muro... Vivia s e jurando um ao 
outro. Se a gente ficasse lá eles acabavam se esfaqueando. 
 
CHICÓ – (QUE FAZIA A ARRUMAÇÃO) – Mas pia mesmo. Aq uilo era um 
frouxo. Na primeira vez que eu cantei o bicho ele correu com a sela. 
 
MARIANA – Num é o que eu digo? Você mesmo gosta de  comprar briga, 
meu filho. É você na valentia e sua irmã na... 
 
BRANCA  –  Lá  vem  mãe  com  a  inticança  de  novo.  A  senhora  mesmo 
inventa. 
 
MARIANA – Inventa? Minha filha, eu num tou caduca,  num sou doida e 
nem bebo cachaça pra num saber do que se passa. – V ocê quer dizer 
agora que nunca deu cabimento aquele pilantra? 
 
BRANCA – Agora sim. Eu num digo que tou mole mesmo?  
 
MARIANA – (ZANGADA) – E num fique aí dando muchocho  e se fazendo 
de  inocnete  não.  Eu  ia  lá  aguentar  ver  aquele  papangu  de  novena 
passar  de  vez  por  dia  no  meu  terreiro,  passando  e  quebrando, 
quebrando em ponto de torcer o percoço, até se encobrir na curva? 
 
BRANCA – (DESDENHOSA) – Pra mim é que ele num quebr ava... 
 
MARIANA  –  Se  num  era  pra  você,  era  pra  mim  ou  pra  Chicó,  pois  só 
tinha nós três em casa. 
 
CHICÓ – Pra mim, vôtes. Tenho lá cara de veado! 
 
BRANCA – Tá bom, tá bom, num já viemo embora, num t á tamo aqui? 
Agora é cuidar de ficar e pronto. Mas ficar mesmo, viu? 
 
MARIANA – É sua irmã que pega com as animação dela  com qualquer 
catraia – e ainda vem com pilerinha, como se eu fos se qualquer troço 
que num merecesse respeito... 
 
CHICÓ – Mãe, já que ninguém quer ajeitar nada – vou  na cacimba ver 
água... pode ser que assim esse comer saia... (pega o pote) – E façam 
logo o fogo, já quero sair pro serviço armoçado! (Sai dizendo coisas) 
 

BRANCA  –  (ASSUSTADA)  –  Taí,  Chicó  afobou-se.  Vamo  logo  botar  as 
coisas no canto, mãe. (CONCILIATÓRIA) – Eu faço a c ozinha desse lado 
porque ali tem galha boa de armar rede, num é? 
 
MARIANA  –  (AINDA  AMUADA)  –  Faço  do  jeito  que  quiser...  (NOUTRO 
TOM) – Eu, que já estou assentada, vou fuxicando os calção de trabalho 
dele. (BRANCA COMEÇA A VARRER. MARIANA COSTURA, PEN SATIVA) – 
Ai que dor nas cruz. (FALA SÓ) – Tou mais banida qu e  couro-de-pisar-
fumo. – Também, viver que nem judeu errante... Mas,  já comecei vou 
até  o  fim...  Esperei  a  vida  inteira  por  isso  –  andar,  andar  até  achar 
aquele  ingrato.  (SUSPIRA) – Talvez fosse melhor ter morrido  tudo em 
casa, numa ruma feito tapuru... Mas as leis de Deus tem quer ser justa, 
tem que fazer ela pagar tim-tim por tim-tim todo o mal que me fez. 
 
BRANCA  –  (QUE  VARRIA  E  ESCUTAVA)  –  Mãe  parece  que  tá  aluada, 
falando sozinha... (CONTINUA VARRENDO E ESCUTANDO).  
 
MARIANA  –  Eu  toda  vida  fui  injicada  com  cigano.  Parece  até  que 
advinhava  a  desgraça  que  uma  tinha  pra  me  trazer.  Quando  era 
pequena, que avistava uma bicha daquelas, as saiona arrastando, chega 
me dava um baticum no coração. Quando moça, nunca d ei a mão pra 
lêr – mesmo assim uma me disse: “Ganjona, deixe eu  cortar o mal que 
uma do meu sangue tem pra lhe fazer”. Se eu tivesse acreditado... Mas, 
nesse  tempo  era  muito  pegada  com  o  meu  padim  Ciço  e   ele 
excomungava quem andasse com essa qualidade de gent e... 
 
BRANCA – (PARA SI) – Isso é sina que a gente traz e tem de cumprir... 
 
(TOMÁS APARECE E FICA MEIO OCULTO, ESCUTANDO TAMBÉM ) 
 
MARIANA  –  (AINDA  EM  SOLILÓQUI)  –  Que  vida  tenho  levado!  Isso  é 
baião  pra  doido.  Queria  ver  se  com  Tonho  a  gente  tinha  desandado  a 
esse ponto... Tinha nada! Tonho era aquela moleza, aquela queda pelas 
feme – mas era homem – e homem de todo jeito é resp eitado. Se num 
fosse aquela cadela prenha ter se atravessado na vida da gente... Tirou 
o pai de meus filhos, o sossego da família... Foi que nem a outra disse, 
ah, praga dos seiscenteos diabo, fiquei sem meu Ton ho e quem quiser  
que  pense  o  que  é  uma  mulher  nova,  forte,  viçosa,  caçar  nos  quatro 
canto da casa o seu homem e só achar a saudade dele ... Dá vontade da 
gente desabar no meio do mundo e fazer tudo o que n um presta... Isso 
eu  num  fiz,  sei  mesmo  que  num  fiz  pela  obrigação  dos  filho,  mas  ele 
merecia.  Tem  nada  não,  tudo,  vem  a  seu  –  e  agora...  (SENTE  A 
PRESENÇA DE ESTRANHOS) – Ô xen, quem é o senhor? 
 

TOMÁS – (APARECENDO) – Bom dia, Dona. 
 
MARIANA – Que é que o senhor quer? 
 
TOMÁS – (TENTANDO EXPLICAR) – Dona, eu ia passando. .. 
 
MARIANA - (AGRESSIVA) – O senhor sabe que é muito m al prometido 
chegar  assim,  na  casa  alheia,  de  chapéu  de  sol  armado,  como  se  já 
fosse conhecido antigo? 
 
TOMÁS  –  (DESCULPANDO-SE)  -  ...ia  passando  e  vi  gente  arranchada 
aqui... 
 
MARIANA – E isso era motivo pro senhor embocar sem  mais nem menos 
nos canto, confiado como se já fosse amigo do peito? 
 
TOMÁS – (QUERENDO AGRADAR) – Sabe, Dona, eu ando ma scateando 
e vim saber se tão precisando de alguma coisa. 
 
MARIANA – (FERINA) – E por isso vem se chegando tod o de bandinha, 
todo  mansinho...  Isso  é  lá  procedimento  de  gente  de  vergonha!  Se 
tivesse negoço, aparecesse logo, batesse palma, chamasse pelo povo – 
assim é que faz quem tom boa tenção, meu senhor. 
 
TOMÁS  –  (ENLEADO)  –  Dona,  adisculpe,  eu  num  sou  malfazejo  não, 
sempre  soube  entrar  e  sair  em  toda  parte  sem  deixar  fama  de 
desordeiro ou atrevido. 
 
MARIANA – 0
 
senhor num obrou bem, usando de moitim como acabou 
de usar... 
 
TOMÁS – Num ignore, dona, é que por volta de dez lé gua todo mundo 
me conhece e eu penseil... 
 
MARIANA – Pois todo penso é tordo e num lhe conheço  e nem o senhor 
a mim, do contrário já tava sabendo que num sou mul her de prosa nem 
de braço no pescoço – e mais – pra ter minha confia nça a pessoa tem 
que, primeiro, comer uma sada de sal mais eu... 
 
TOMÁS – (REAGINDO) – Até aqui nunca tive malquerenç a com ninguém 
– o que ouço num canto lá mesmo deixo, nunca fuxiqu ei e sempre fui 
benquisto  –  se  a  senhora  quiser  saber  quem  é  Tomás Mascate  é  só 
especular. 
 

MARIANA  –  (CORTANDO)  –  Num  tem  precisão.  Nessa  terr a  num 
conheço  ninguém,  nem  tenho  vontade  de  conhecer  –  eles  pro  canto 
deles e eu pro meu, tá ouvindo? 
 
TOMÁS – De qualquer jeito, se a dona precisar de mim é só dizer... 
 
MARIANA – Agradecida, mas num vou precisar e tamos  conversado... 
 
BRANCA – (QUE ESCUTARA O DIÁLOGO ANSIOSA, INTERCEDE ) – Mãe, 
Chicó já  vem  chegando, num  era bom o homem  esperar  por  ele?  –  O 
senhor espere um tiquinho que meu irmão pode querer  alguma coisa... 
– Se assente ai... 
 
TOMÁS – (AINDA RESSENTIDO) – Não, moça, eu vou-me i ndo... 
 
BRANCA  –  (APRESSADA)  –  Pronto,  meu  irmão  chegou.  Ch icó,  esse 
homem veio aqui se oferecer... e mãe... você sabe... 
 
CHICÓ – (ENTRA E PÕE O POTE NO CHÃO) – Bom dia, ami go, eu tinha 
ido ver água... É limpa que nem cristal, mãe, só tem que é meio pesada 
– de cacimba e nesse tempo, já se viu... Branca, vá botar o comer no 
fogo,  faça  aí  um  caldo-de-caridade  pra  gente  enganar  a  fome...  (A 
TOMÁS) – E o amigo, que é que manda? 
 
TOMÁS – Eu sou vendedor ambulante e vim me oferecer  à dona, mas já 
tou de saída – até loguinho... 
 
CHICÓ – Já? Só porque eu cheguei? Demore uma coisin ha pra esfriar o 
corpo – um seção desse... O sol mal sai e a quentura já torrando tudo... 
Encoste aí... A gente acabou de chegar, ta tudo à toa... – Então, você 
mascateia? 
 
TOMÁS  –  (ANIMANDO-SE)  –  É...  também  levo  encomenda,   trago 
encomenda... Tempo ruim... 
 
CHICÓ  –  O  tempo  ta  com  cara  de  hereje.  –  Bernardo  Cintura  anda 
acochando muita gente. 
 
TOMÁS – Se anda! A coisa ta tão vasqueira que às ve z a gente tem o 
dinheiro e num acha o que comprar. 
 
MARIANA – (QUE COSTURAVA) – Por falar em vasqueira,  Chico, o feijão 
Zinho que tem mal dá pra quebrar o jejum... 
 

CHICÓ – Pois é se arrumar com o que tem e pronto qu e eu num vou, 
mal chego, enterrar a unha no barracão, pra nunca m ais me livrar. É se 
arranjar  com  o  que  tem,  já  disse  –  o  pouco  com  Deus  é  muito  –  e  o 
muito sem Deus é nada... Tou ou num tou certo, amig o? 
 
TOMÁS – Por falar nisso, a senhora num tome por des feita – tenho aqui 
uma mucutinha de feijão e até um taquinho de jabá –  tinha comprado 
pra uma comadre me fazer o almoço, mas tou avexado  pra voltar pra 
rua... (ESTENDE O PACOTE A MARIANA, QUE FICA IMÓVEL ). 
 
CHICÓ – Ora, rapaz, caiu a sopa no mel. É misturar  tudo e fazer uma 
panela  só.  Pronto,  mãe,  deixe  de  apocamento  e  vá  preparar  a  bóia. 
Largue de besteira, o rapaz num deu com tanto gosto? Pegue duma vez, 
eu sei que a senhora ta qurendo... 
 
MARIANA  (RECEBE)  –  Dê  cá,  você  ta  mandando...  (EXAMINA)  –  Virge 
Maria, é mais gorgulho que caroço de feijão. 
 
CHICÓ  –  Deixe  de léria  –  gorgulho  é  carne  de  pobre.  Leve  e  faça  um 
comer gostoso como só a senhora sabe fazer. 
 
MARIANA – Pela amostra logo se vê o que tão vendend o nesse barracão. 
Só deve ter o que num presta – e pela hora da morte. (SAI). 
 
CHICÓ (A SÓS COM TOMÁS) – Viu? Pra viver com mãe é  preciso jeito. 
Ela  é  arisca  por  vida,  e  muito  desconfiada  com  desconhecido.  Mas, 
enquanto  a  gororoba  apronta,  vamo  nós  conversando  –  eu  calço  esse 
enxadreco e você me conta as coisas daqui... me dá umas informação... 
Me diga – tem muita moça bonita nesse lugar? 
 
TOMAS – Depende... Moça é como chita... 
 
CHICÓ  –  Lá  isso  é...  E  as  diversão.  Tem  sempre  um  samba  ou  um 
forrozinho pra gente balançar o esqueleto? 
 
TOMÁS – Foi num foi, eles faz um furdúncio – é Quinta da consertina ou 
Zé do Fole aparecer... 
 
CHICÓ – Ô belage... E as moça. Deixa a gente dançar agarrado? 
 
TOMÁS – Podia até deixar... A família é que num deixa... 
 
CHICÓ – Abe emboança, né? 
 

TOMÁS – O cabra aqui meteu-se a besta já ta armado  o esternegue. 
 
CHICÓ – E as briga é de homem pra homem ou eles peg a na traição? 
 
TOMÁS – Nessa terra tem de tudo. Aqui vive toda naç ão de gente. Mas 
rapaz, você parece que é meio terra-quente, heim? 
 
CHICÓ – A gente tem que viver – quem passa a semana  toda no eito 
tem  que  ter  seu  refrigério.  Mas,  venha  cá  e  fique  lá  mesmo  –  esse 
negócio de mulher aqui... mulher pra... você entende, né? 
 
TOMÁS  –  Homem,  isso  aqui  é  um  causo  meio  difícil...  Na  redondeza 
mesmo num tem uma só, nem pra meizinha... 
 
CHICÓ – Ô xen, e os home daqui, como sr arremideia?  
 
TOMÁS – Os homem? Bom, tem os que se vira por eles  mesmo... Outros 
procura nos campo... e os mais luxento vai nas rapariga da rua, se bem 
que  na outra  semana  já  teja  nas  garrafada de  Maria Roxinha  –  ou no 
Cibazol, que trago aqui comigo... 
 
CHICÓ – Votes! E por perto num se arranja nem uma n eguinha pra um 
namoro achambregado? 
 
TOMÁS – Só se for lá na Pitombeira, praqueles lado. 
 
CHICÓ – E como se vai lá – tem algum festejo? 
 
TOMÁS – Tem novena, mas só no mês de Maria, São Joã o e Santana. 
Agora mesmo teve a procissão de São José – quando n um chove o povo 
rouba os santos e faz penitença. 
 
CHICÓ  –  As  reza  também  dá  ingresia?  Rapaz,  eu  tou  precisando  me 
desforrar dum tempão que passei sem ver nem cara de  mulher, quanto 
mais o resto... Desde que a seca começou que a gent e vira mundo. Já 
se andou por tudo quanto é canto. Eu mesmo quase fi co enterrado em 
Catolé  do  Rocha,  terra  em  que  se  mata  gente  no  meio  da  rua  por 
brincadeira. Entrei lá numa fria... 
 
TOMÁS  –  Por  isso  sua  mãe  é  carrasca  –  você  é  metido  a  cavalo-do-
cão... 
 
CHICÓ – Ela é carrasca mesmo. Sustenta a gente no c abresto curto... O 
cabra estremeceu ela já ta ali, no pé do loro... 

 
MARIANA  (ENTRA)  –  A  panela  já  abriu  fervura.  Num  é que  depois  de 
bem  escaldado  o  comer  ta  tomando  gosto?  Só  falta  tempero,  mas,  a 
Deus querer, a gente vai ter aqui uns caquinho de verdura... 
 
TOMÁS  –  Por  falar  em  verdura,  tenho  aqui  até  umas  sementinha  de 
coentro que me pediram pra plantar – se a dona quiser... 
 
CHICÓ  –  Chegou em  boa  hora. Dê a  mãe e você  vai ver  do que  essa 
mão  dela é  capaz... A  gente inda vai fazer  muita  bóia  junto  e  var ver 
que  mulher  como  essa  aí  só  nascendo,  porque  num  existe  outra... 
Vamos  comer  que  já  dando  uma  biloura  de  fome...  (CANTA  COM  O 
GANZÁ) – Minha mãe me dê comida/ já num agüento a f ome/ tripa seca 
faz mofino/ O mais valente dos home/ faz chorar que nem menino/ todo 
e qualquer cangaceiro, até galo bate o pino vira capão de terreiro. 
 
 
 
 
CENA 2  
 
NO CAMINHO – ENCONTRO DE JOSÉ E TOMÁS   
 
TOMÁS – Boa, José, em casa tá tudo em paz? 
 
JOSÉ – Se você chama aquilo de paz. O velho encaran guejado pra um 
canto e mãe pra outro, entrevada com o reumatismo.. . Assim mesmo a 
gente assenta ela no batente da cozinha, e dali, tanto ela determina a 
luta de casa, como dá conta da vida de quem vai e quem vem... 
 
TOMÁS – Vina é uma graça e eu sempre digo: quando a quele morrer, o 
corpo vai numa caixa de fosco... e a língua num caminhão. 
 
JOSÉ  –  Mãe  toda  vida  foi  linguaruda  –  mas  disposta.  Só  agüentar  o 
banzeiro da doença de pai todos esses anos... Vai lá em casa, ela tem 
um montão de encomenda pra lhe fazer. 
 
TOMÁS – Eu já tou indo, mas, primeiro, me faça um f avor: arranje uma 
vaga  pra  um  rapaz  que  chegou  faz  15  dias...  ele  tava  engajado  na 
turma dos Moitas, mas num se deu bem o feitor... que, cá pra nós, pois 
num  quero  intriga  com  ninguém,  tem  uma  cara  de  arroto  choco  da 
molesta... 
 

JOSÉ – Eu tou com medo de botar gente desconhecida  na minha turma 
por causa do fusuê das lista e da fuxicada do barracão, mas, um pedido 
seu... Quem é esse sujeito? 
 
TOMÁS – É desse pessoal que ta arranchado nas oitic ica. É gente boa e 
que  num  engole  as  safadeza  do  Dr.  Procope...  de  vez  em  quando  ta 
abrindo a boca e a mãe fica nervosa... 
 
JOSÉ  –  Ah,  o  povo  das  oiticica...outro  dia  passei  e  vi  uma  mocinha 
aguando uns caquinhos de planta. Já sei quem é o rapaz – ele gosta de 
tomar  bicada  e  cantar  verso.  Mas  você  num  perde  tempo  –  já  ta  de 
cama-e-mesa lá, heim? 
 
TOMÁS  –  Que  é  isso,  menino?  Ali  é  gente  pobre,  mas carrega  o  seu 
rócio. Uma família cheia de precato... 
 
JOSÉ – Nem parece... o rapaz é rede rasgada... 
 
TOMÁS  –  Mas  as  mulher  tem  preceito.  Homem  tem  passagem  livre... 
Chico já andou articulando com gente do barracão – ladroeira no peso e 
num ta sendo visto com bons olhos... Você arranja a vaga? 
 
JOSÉ  –  Você  num  pede  –  manda...  E,  agora,  vá  vê  Mãe,  que  ta 
esperando... 
 
(SAI. TOMÁS SEGUE CAMINHO ATÉ A CASA DE VINA) 
 
 
 
 
CENA 3  
 
VINA E TOMÁS 
 
TOMÁS – Ô de casa. Licença pra um pobre ambulante e ntrar? 
 
VINA  (SENTADA  NO  BATENTE  DA  PORTA)  –  Lá  vem  o  freguês  da  má 
notiça.  Até  que  enfim  apareceu.  Aposto  que  as  novidades  que  trás  é 
fome, carestia e safadeza. 
 
TOMÁS  –  Ô  língua  de  prata.  Só  falo  disso  quando  encontro  pareceira. 
Que me compra hoje? 
 

VINA – Tudo o que tiver no matulão... E como quem n um tem com que 
pague já pagou... 
 
TOMÁS – Paga com boas conversa...Como vai essa forç a? 
 
VINA – Num vou bem como você que tem uma vida boa.. . 
 
TOMÁS – Vida boa... Um pobre que vive de malote às  costas, levando 
fora dum, calote de outro, pra juntar meia pataca na ponta do lenço... 
 
VINA – Sente, homem, pra descançar as pernas... 
 
TOMÁS – É as perna descançando e o trazeiro tendo trabalho... 
 
VINA – Castigo é o meu, com o mucumbu atolado nessa  esteira, inturida 
que num há remeido que desarrollhe... 
 
TOMÁS – Ô xen, e a pílula que eu trouxe da rua? 
 
VINA  –  As  pílula?  Aquilo  é  água  do  pote.  Também  umas  porqueirinha 
pichititinhas  assim...  E  pior  é  que  me  apareceu  uma  dor  de  cabeça, 
encasquetada do caroço do olho aqui pra cova-do-lad rão... Ontem , já 
ao cantar do galo, José te que ir atrás de uma café aspirina que foi com 
que ainda dormi uma madorna... 
 
TOMÁS – Você já ta de pés virado pra cova, criatura. Arrependa-se dos 
pecados e entregue a alma a Deus. Quem ta na luta da casa? 
 
VINA – Rita de Oleriana dá uma ajuda, mas ali, você  conhece, é “olho 
viu – mão andou”... A raça toda é rato puro – ta no sangue... 
 
TOMÁS – A culpa é sua. Foi botar Zé Mutuca pra fora... 
 
VINA – Aquilo era cabra trabugueiro e preguiçoso. Só aparecia na hora 
do comer e era enchendo o rabo e virando a perna pr a tomar fresca e 
roncar...  e  tanto  roncava  pelo  norte  como  pelo  sul...  Só  queria  vida 
grande,  e,  como  sabe  ler,  já  botaram  como  apontador  nas  listas  de 
cassaco... 
 
TOMÁS – Virge. Agora é que a safadeza vai engrossar... 
 
VINA  –  Se  vai...  É  desses  traste  que  os  políticos  precisa  pra  fazer 
robalheira. Cadê que chamam José? Por muito favor d eram o emprego 
de feitor – e ainda num tomaram com medo da minha l íngua... Quem se 

atreve  a  bulir  com  Ludovina?  Respeitam  tudo  o  que  é  meu  –  até  o 
Melado. Sim, senhor, o Melado. 
 
TOMÁS – Falar em Melado, eu me lembrei. Vê se prend e ele uns dias... 
O  bicho  ta  dando  o  maior  trabalho  ao  pessoal  que  se  arranchou  nas 
oiticica... Foi num foi ele aparece lá e é um destempero... 
 
VINA  –  Ah,  é  os  retirante  que  você  anda  parido  por eles.  Pois  lhe 
informaram  mal,  Melado  num  sai  de redor  de  casa.  Eu num  digo  –  só 
terá de bode nessa terra ele? 
 
TOMÁS  (INSISTENTE)  –  Que  num  sai  de  casa,  Vina?  Toda  vizinhança 
vive  se  queixando.  Nem  roupa  se  pode  mais  deixar  nas  cerca  que  ele 
come tudo. 
 
VINA – Pois é num deixar. Quem lavar seus pano que fique pastorando. 
 
TOMÁS – Ele arranca até dos couro da pessoa. Num vi u Maroca? Saiu de 
casa vestida e voltou com as vergonha de fora. 
 
VINA  (DIVERTIDA)  –  Ali  foi  bem  feito.  Numa  seca  dessa,  vestir  roupa 
verde é pra quem quer ficar nu mesmo... 
 
TOMÁS – Você pra desculpar o que é seu é na hora, m as pra julgar mal 
os outros... 
 
VINA – Eu num intento nada de ninguém, agora se me  contam, boto pra 
frente – aplaudir safadeza alheia nunca foi pecado... Pra que é que fico 
o dia todo estatelada nesse batente? – É colhendo as ruindade e abrindo 
a boca no mundo. 
 
TOMÁS  –  É,  você  da  corda  a  quem  vai  e  quem  vem,  e, depois,  vai 
emprenhar os ouvidos de José. – Ele já ta ficando mal visto, viu? 
 
VINA – Mal visto por quem? – Pelo grande que ta enc hendo o rabo às 
custas dos miseráveis? – A gente tem que rasgar a safadagem, se num 
quiser  morrer  de  fome.  Eu  Já  descobri  cada  coisa  – (EM  TOM  DE 
CONFIDÊNCIA) – Se lembra de Pirrita, o jumento de Z é Catota? Ta de 
nome assentado na lista dos cassaco, ganhando dinheiro. 
 
TOMÁS – Isso é conversa do povo... 
 
VINA – Conversa? Me diga, cadê o finado Pedro Bota? 
 

TOMÁS – Ah, já entregou a alma a Deus há muito temp o... 
 
VINA – Pois ta na lista da emergênça. E o defunto Minervino? 
 
TOMÁS – Peraí, num vai dizer... 
 
VINA – E eu brinco? Noutra lista, trabalhando no eito. E assim, todo o 
cemitério anda agora  dando  duro nas  estrada.  É  as  tal  lista-fantasma, 
donde o Dr. Procópe enraba rios de dinheiro. Tem ca sa que, além das 
alma  penada,  até  os  gato  e  cachorro  ta  alistado,  pra  essa  canalha  de 
gravata embolsara os cobre. 
 
TOMÁS (DE CHOFRE) – E na turma de José? 
 
VINA  –  Na  do  meu  filho  num  tem  disso  não,  ta  com  a gregena  pra 
pensar  uma  coisa  dessa?  –  José  é  carne-de-galo,  por  isso  tão  danado 
com ele. Outro dia colocaram nome de um magote de m enino-de-cueiro 
– mas ele cortou na hora. Tenho até medo de uma tra ição, do jeito que 
aqui, por qualquer besteira, mandam um pra cidade-de-pé-junto... 
 
TOMÁS – (OLHANDO O CAMINHO) – Ô xen, José já deu co m Chico? – 
(DIRIGINDO-SE  AOS  QUE  CHEGAM)  –  Vocês  dois  já  vem  a ssim,  de 
parelha? 
 
 
 
 
CENA 4 
 
JOSÉ E CHICÓ CHEGAM A CASA DE VINA 
 
JOSÉ – Você num conhece o dito: “falou do mau, prep are o pau”? – Pois 
assim que nós se deixemo, eu fui logo dando de cara  com o rapaz – aí 
entremo no assunto da mudança de turma, e o resulta do é que amanhã 
mesmo ele vem pra cá. 
 
CHICÓ – Graças a Deus me livrei de matar ou ser mor to, porque viver 
junto com um bando de ladrão daqueles... Valeu porq ue peguei toda a 
patuscada – se de tudo o que robalheira... 
 
JOSÉ – Foi bem ter encontrado Chico – o que eu faltava saber, descobri 
agora... 
 

TOMÁS – Vocês tão sabendo de tudo, mas é bom ficar  na moita. Cabra 
falador  aqui,  entra  logo  nas  leis  de  Chico-de-Brito  –  metem  a  macaca 
pra cima. 
 
VINA – E você acha que ainda se deve cobrir o sol com uma peneira? O 
causo dos caminhão de mantimento... 
 
JOSÉ – Dando com a língua nos dentes, mãe? 
 
VINA – Eu num sou saco de segredo de ninguém... Pra  que me deram 
água-de-chocalho pra beber, em pequena? 
 
TOMÁS – Ta desconfiando de mim, José? 
 
JOSÉ  –  Ta doido? – É que  a  gente  precisa de  prova  pra  poder  abrir  a 
boca. 
 
CHICÓ – VocÊs tão falando dos mantimento que o gove rno manda pros 
flagelados  e  os  políticos  desvia  pro  barracão?  –  Eu  já  me  escondi  e 
peguei... À meia-noite chegou um caminhão, eles des carregaram – era 
leite em pó, jabá, feijão, farinha e rapadura. Enquanto, no escuro, eles 
botavam pra dentro, eu entrei na boléia e surrupiei as notas. Ta tudo na 
minha  mão,  nota  fiscal  do  que  veio  pra  ser  dado  de graça  e  os 
desgraçado tão vendendo. Só tou esperando a hora pr a denunciar... 
 
TOMÁS – O que foi que eu lhe disse, José? – Esse era o rapaz que você 
procurava. Mas tenha cuidado – seguro morreu de velho... 
 
CHICÓ  –  Pode  contar  comigo  pro  que  der  e  vier.  Quero  ver  como  vai 
ficar  a  cara  desses  grandão...  Calçada  de  vergonha,   se 
tiverem...(LEMBRANDO-SE) – Ah, é essa a casa do bon dinho? – Mas ele 
fez  uma  amizade  tão  grande  com  minha  irmã...  Mãe  é que  implica, 
porque o bichinho caga por todo canto, se atrepa pra comer os caco de 
verdura,  e  ela,  ave  Maria,  num  sabe  fazer  comer  sem  as  folhinha  de 
coentro e cebola, pra dar gosto... 
 
JOSÉ – Chico, guarde lá suas provas que eu aqui já  tenho também as 
minhas – listra com nome de defunto, gato, cachorro , jumento, bebê e 
velho  aposentado...  Dessa  feita  o  Dr.  Procope  vai  responder  por  tudo, 
até  pelas  ossada  dos  pobre  que  ele  mandava  matar  e enterrar  na 
fazenda. 
 

VINA – Ô José, você diz que eu falo demais – parece é que macaco num 
olha  pro  rabo.  –  Eu  escolho  com  quem  falar  e  você  pega  qualquer 
cabuleté do oco do mundo e dá toda confiança. 
 
CHICÓ – Se a dona ta dizendo isso comigo ta redonda mente enganada. 
Eu  nunca  fui  do  oco  do  mundo,  sou  sertanejo  de  vergonha  na  cara, 
tenho minha mãe e minha irmã pra sustentar e ningué m é o que a dona 
ta maginando não... 
 
VINA – Mãe, irmã – mas pai, que é o chefe da família – por certo o gato 
comeu... 
 
CHICÓ – O gato, não, foi o destino, dona e qualquer um peça felicidade 
a Deus, que ninguém ta livre de sofrer o que a gente sofreu... 
 
TOMÁS – Vina, você é ferina demais – esse povo tem  terra, tem gado, é 
porque a seca quando vem num pede licença – desemba ndeira ricos e 
pobres. – Que mulher mais perigosa... 
 
CHICÓ  –  Deixe,  Tomás,  cada  um  dá  o  que  tem.  Até  amanhã  vocês... 
(SAI) 
 
VINA  –  (Para  os  dois  que  haviam  ficado  silenciosos)  –  Que  cara  de 
jumento-sem-mãe  é  essa?  –  Parece  que  viram  visagem?  Em  vez  de 
ficarem aí, apatetados, me ajudem a levantar que ta no hora de botar a 
ceia... (OS RAPAZES, SILENCIOSOS, LEVANTAM VINA E A  LEVAM PARA 
DENTRO). 
 
 
 
CENA 5 – EM CASA DE MARIANA 
 
 
 
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