Avaliação do Estado Mental e Coma Baseada no Tratado de Neurocirurgia da SBN
Introdução
Fundamentos Neuroanatômicos Consciência depende da interação entre córtex e SARA. O SARA origina-se no tronco encefálico, especialmente ponte e mesencéfalo. Projeta-se para núcleos talâmicos e córtex, modulando vigília. Neurotransmissores: acetilcolina, dopamina, noradrenalina, serotonina, histamina. Lesões focais raramente deprimem consciência; lesões difusas são necessárias.
Outras Estruturas Relacionadas Hipotálamo posterior: pode ativar o sistema reticular. Tálamo intralaminar : essencial na integração talamocortical . Lobo frontal: regula o feedback cortical-inibitório sobre o tálamo. Lesão bilateral cortical → alteração global da consciência. Lesão unilateral → déficits cognitivos específicos, sem coma.
Definições Clínicas Nível de consciência: estado de alerta e interação com o ambiente. Conteúdo da consciência: funções cognitivas e afetivas. Delirium: alteração aguda, flutuante, com desatenção. Demência: déficit cognitivo progressivo, crônico. Coma: ausência de consciência e de resposta a estímulos externos (olhos fechados)
Classificação de Plum e Posner Etiologia dividida em: Lesões supratentoriais . Lesões infratentoriais . Disfunção difusa/metabólica. Critério anatômico: relação com a tenda do cerebelo. Útil para raciocínio clínico inicial do neurocirurgião. Orienta condutas diagnósticas e terapêuticas imediatas. Fundamenta algoritmos de emergência.
Lesões Supratentoriais Infartos talâmicos ou hemisféricos extensos. Hematomas (epidurais, subdurais e intraparenquimatosos ). Tumores primários e metastáticos. Abscessos intracerebrais ou subdurais. Traumatismos cranianos graves com contusão/laceração.
Lesões Infratentoriais Hemorragias pontinas e infartos de tronco. Tumores e abscessos de tronco ou cerebelares. Infartos cerebelares com efeito compressivo. Hemorragias sub/ extra-durais da fossa posterior. Aneurismas basilares e lesões expansivas extratronco .
Causas Difusas e Metabólicas Hipóxia e hipóxia-isquemia cerebral. Distúrbios metabólicos: hipoglicemia, hipernatremia, hipocalcemia. Insuficiência hepática, renal e endocrinopatias graves. Intoxicações exógenas: drogas, álcool, metais pesados. Infecções difusas: encefalite, meningite, sepse.
Exame Clínico Geral História detalhada, preferencialmente de testemunhas. Avaliar sinais vitais: febre, hipotermia, PA, FC, FR. Procurar sinais de trauma, intoxicação ou doença sistêmica. Odor do hálito pode indicar causas específicas (álcool, cetose, uremia). Inspeção da pele, mucosas e pupilas orienta diagnóstico
Exame Neurológico Inicial Quatro pilares: respiração, pupilas, movimentos oculares, resposta motora. Fundoscopia e sinais meníngeos complementam avaliação. Assimetrias sugerem lesão estrutural. Achados simétricos e difusos → sugerem origem metabólica. Sempre correlacionar com histórico e exame físico geral.
Escala de Coma de Glasgow Três parâmetros: abertura ocular, resposta verbal, resposta motora. Pontuação varia de 3 (coma profundo) a 15 (normal). Prática clínica mundialmente padronizada. Limitações: paciente intubado, ausência de tronco cerebral, não detecta mudanças súbitas. Não deve ser usada isoladamente para prognóstico.
Full Outline of UnResponsiveness - Four Score Avalia: olhos, motricidade, reflexos de tronco e respiração. Varia de 0 a 16 pontos. Capta nuances em pacientes intubados ou em morte encefálica. Identifica estados vegetativos e síndrome do encarceramento. Mais completa que Glasgow para UTI neurológica
Movimentos Oculares Avaliar posição em repouso, movimentos espontâneos e reflexos. Desvio conjugado → lesão cortical ou tronco. Nistagmo → considerar crises epilépticas ou intoxicação. Bobbing ocular → típico de lesão pontina . Reflexos: oculocefálico (“boneca”) e oculovestibular (calórico).
Pupilas Tamanho, simetria, forma e reatividade. Miose → opioides ou lesão pontina . Midríase bilateral fixa → anóxia , lesão de tronco, intoxicação. Anisocoria → lesão estrutural até prova em contrário. Preservação da resposta fotomotora → sugere coma metabólico.
Síndromes de Herniação Central: progressão diencéfalo → mesencéfalo → ponte → bulbo. Sinais evolutivos: miose, postura de decorticação , pupilas fixas, descerebração , apneia. Uncal ( transtentorial lateral): midríase ipsilateral, hemiparesia contralateral. Compressão do III par e pedúnculo cerebral. Indicam emergência neurocirúrgica absoluta.
Estados Relacionados Estado vegetativo persistente: >2 semanas, sem consciência, mas com ciclo sono-vigília. Estado minimamente consciente: respostas inconsistentes, não reflexas. Diferenciação prognóstica é essencial. Escala de Recuperação do Coma auxilia classificação. Métodos auxiliares: PET, EEG, potenciais evocados.
Exames Laboratoriais Avaliar eletrólitos, glicemia, função renal/hepática, amônia, osmolalidade . Gasometria arterial e ECG. Triagem toxicológica ampliada. Hormônios tireoidianos, cortisol em casos especiais. Coleta precoce de culturas se infecção suspeita.
Exames de Imagem TC de crânio: método inicial, rápido e disponível. Detecta hematomas, infartos, edema, hidrocefalia. RM de encéfalo: maior sensibilidade, especialmente para lesões sutis. Angiorressonância /angiografia: avalia aneurismas, tromboses e MAVs . Punção lombar: indicada se TC normal e suspeita de HSA ou infecção.
EEG no Coma Permite diferenciar causas metabólicas, epilépticas e estruturais. Ritmos normais: alfa (8–12Hz), beta (13–30Hz). Ritmos lentos ( theta , delta) → lesão difusa. Achados típicos: ondas trifásicas (encefalopatia hepática/urêmica). Monitorização contínua essencial em UTI neurológica.
Tratamento Inicial Estabilização ABC: via aérea, respiração, circulação. Indicações de IOT: ECG ≤ 8, hipóxia, risco de aspiração. Manter oxigenação, evitar hipercapnia prolongada. Acesso venoso calibroso e monitorização contínua. Sempre considerar hipoglicemia e déficit de tiamina.
Tratamento Empírico Tiamina EV antes de glicose hipertônica. Naloxona em suspeita de intoxicação por opioides. Antibióticos + dexametasona em suspeita infecciosa. Hiperventilação temporária + manitol se HIC. Benzodiazepínicos em crises epilépticas testemunhadas.
Monitorização Neurológica GCS e Four Score seriados. Pupilas registradas em evolução horária. EEG contínuo em casos graves. PIC monitorizada em trauma ou HIC. Sempre correlacionar clínica + imagem.
Prognóstico Causa primária e lesão secundária são determinantes. Ausência de reflexos pupilares, corneanos e motores após 72h → mau prognóstico. Resposta pupilar preservada é fator protetor. Biomarcadores ( enolase neuronal, S100) em investigação. Prognóstico também depende do suporte nutricional e controle de PIC
Implicações Neurocirúrgicas Avaliar necessidade de craniotomia para hematomas expansivos. Decisão rápida em HIC refratária. Derivação ventricular externa em hidrocefalia aguda. Considerar descompressão em infartos malignos. Discussão precoce com familiares sobre prognóstico.
Aspectos Éticos Definir futilidade terapêutica em alguns cenários. Discussão multidisciplinar com equipe e família. Importância do prognóstico neurológico confiável. Dilemas em manutenção de suporte artificial prolongado. Ética baseada em evidências e valores do paciente/família.
Avanços Recentes Novos biomarcadores séricos e de imagem. Uso de PET e fMRI em estados de consciência mínima. Algoritmos prognósticos integrando IA. Expansão do EEG multimodal em UTI. Tendência a protocolos individualizados.
Papel do Neurocirurgião Diagnóstico rápido de causas estruturais tratáveis. Indicação cirúrgica precoce em hematomas e HIC. Decisão sobre monitorização invasiva. Interpretação integrada de exames complementares. Liderança em protocolos de emergência neurológica.
Conclusões Coma é um diagnóstico sindrômico, multifatorial. Diferenciar metabólico x estrutural é fundamental. Avaliação clínica seriada é insubstituível. Neurocirurgião deve dominar exame físico + exames auxiliares. Prognóstico depende de intervenção precoce e adequada.
Discussão Final Qual o papel da neurocirurgia no prognóstico do coma metabólico? Em quais cenários devemos insistir em monitorização invasiva? Até onde devemos ir em terapias agressivas? Como integrar novas tecnologias sem perder a clínica? Debate aberto para prática baseada em evidências e experiência.