Raivar, que este he outro jôgo.
Quando interrogada pela Ama sobre os seus apartes, responde-lhe ironicamente, declarando em voz
alta o contrário do que transmitira ao público, o que produz um imediato efeito cómico.
A par disso tudo, funciona como intermediária entre o interior e o exterior. É ela que sai, logo no início,
para confirmar a partida do marido. É ela, igualmente, que traz da rua a notícia do seu regresso. Com a
ação concentrada num espaço único e limitado (a câmara, a cozinha e o quintal da casa da Ama) era
necessária uma personagem que funcionasse como mensageira e introduzisse no diálogo as notícias
que suscitam alterações dramáticas no desenrolar da intriga.
Além disso, como já foi referido, é a ela que o autor atribui a função de marcar o decorrer do tempo
representado: primeiro, prenunciando a duração de três anos; mais tarde, anunciando efetivamente o
decorrer do tempo (dois anos..., três anos...).
É uma mulher de idade indefinida; subserviente, por necessidade; fiel à sua ama, que nunca denuncia;
perspicaz e atenta aos comportamentos da sua senhora; sensata, pois não se deixa iludir pelo aparato
e as falas pomposas do Lemos e do Castelhano; crítica, é a única personagem que mostra ser capaz de
distinguir claramente o certo do errado.
Castelhano
É uma personagem de origem social humilde, provavelmente um vendedor ambulante (é certamente a
ele que a Ama se refere, quando fala no "castelhano vinagreiro"). Oportunista, procura imediatamente
seduzir a Ama, assim que se apercebe da ausência do marido. Utiliza como estratégia de sedução a
lisonja e um discurso empolado, retórico, excessivo e inadequado ao seu estatuto humilde. Ao mesmo
tempo, revela-se um fanfarrão, exagerando a sua valentia. O excesso, quer do discurso, quer da
fanfarronice, tornam-no ridículo, perante o público e perante a Ama.
A imagem de homem culto, civilizado, que procura transmitir com a sua pomposa declaração (culto da
aparência), é desfeita na sua segunda intervenção, ao reagir com grande violência verbal, quando se
sente rejeitado pela Ama, impossibilitada de o receber, devido à presença de Lemos.
O modo como se veste revela a sua origem humilde, que ele procura disfarçar, insinuando ser homem
de posses, apesar do aspecto que apresenta. Através dele (e de Lemos, como veremos), Gil Vicente
aproveita para introduzir um outro tópico de crítica - o culto das aparências, típico duma sociedade
onde os bens materiais são já o valor dominante:
Que aunque tal capa me veis,