Boas e claras
conversas sobre as
preferências sexuais
geram relações mais
prazerosas
Gisele Bortoleto
[email protected]
Pode parecer bobagem, mas
um beijo na orelha, que tem si-
do repetido ao longo de déca-
das, pode colocar uma relação a
perder, assim como uma mão
errada na hora errada. Na ver-
dade, no misterioso mundo do
sexo, pequenas coisas não dis-
cutidas podem se acumular e
provocar uma crise. A maioria
dos problemas sexuais que ator-
menta os casais começa quan-
do pequenos detalhes, que po-
deriam ser resolvidos sem dra-
ma, acumulam-se, garantem os
especialistas.
Nada substitui a boa e velha
conversinha. Os norte-america-
nos têm até um termo para is-
so, é o “pillow talk” ou conver-
sa de travesseiro. Isso mesmo,
aquela conversinha em que um
casal acaba conseguindo falar
sobre suas preferências. Apesar
de parecer simples, os
sexólogos estão acostumados a
ver diariamente um grande nú-
mero de casais em seus consul-
tórios porque as pessoas não
costumam falar sobre o que gos-
tam ou não na hora do sexo. E
os especialistas são unânimes:
é preciso falar.
O projeto Afrodite, centro
de atendimento às mulheres
com disfunções sexuais da Uni-
versidade Federal de São Paulo
(Unifesp), após a realização de
uma pesquisa, concluiu que as
pessoas com baixa autoestima
são as com maior dificuldade
em falar de sexo e também as
mais insatisfeitas sexualmente.
E, quanto maior a autoestima,
melhor o desempenho sexual.
E quanto maior a autoestima,
segundo Maria Cláudia Lor-
dello, coordenadora do projeto,
mais elas dão valor às prelimi-
nares. Um estudo feito pela
Universidade de Michigan,
nos Estados Unidos, mostrou
que o tempo que o casal conver-
sa depois do sexo é tão impor-
tante quando as preliminares.
“Muitos problemas sexuais
dos casais são relacionados à fal-
ta de comunicação sobre o que
gostam ou que não gostam”,
diz a psicóloga clínica, Ana Ca-
nosa, terapeuta sexual, coorde-
nadora do curso de pós-gradua-
ção em educação sexual do Cen-
tro Universitário Salesiano
(Unisal) e profissional que mi-
nistra aulas nos cursos de sexua-
lidade da Faculdade de Medici-
na de São José do Rio Preto (Fa-
merp). A relação sexual é uma
negociação de autonomia. Nas-
ce no nosso corpo. Isso signifi-
ca que, quando estamos com o
(a) parceiro(a), é preciso nego-
ciar nossos gostos e fantasias.
“São duas pessoas com autono-
mias distintas, com ritmos e
fantasias diferentes. Por isso, é
muito importante que possam
se comunicar ao longo das rela-
ções sobre o que gostam e espe-
ram para queessa relação se-
xual possa ser prazerosa para
ambos envolvidos”, explica.
Quando não falamos e nos
submetemos só à autonomia
do outro, a possibilidade de
prazer é menor do que daque-
le mantém sua autonomia e di-
ta ritmo da relação. Pode pare-
cer simples? Não é. O reflexo
disso pode ser uma disputa
por poder e submissão em si-
tuações cotidianas.
Para a mulher, garantem os
especialistas, é ainda mais difí-
cil adotar o lema de liberada e
se expressar quando o assunto
é sexo. Isso porque, até a déca-
da de 1960, com a entrada da pí-
lula anticoncepcional, o sexo
era um assunto sobre o qual ela
não falava porque ficava malvis-
ta quando se interessava de-
mais pelo assunto. “As mulhe-
res têm menos autonomia se-
xual que o homem por ques-
tões como a repressão sexual fe-
minina, que foi muito forte du-
rante séculos, a falta de uma
educação sexual clara e até mes-
mo por questões sociais”, diz
Ana Canosa. Hoje, por mais
que o jovem façasexo sem
compromisso, para alguns
grupos ainda é difícil aceitar
que a mulher faça sexo ape-
nas por prazer. Isso mostra
ainda preconceito em admi-
tir que a mulher possa ter pra-
zer na relação sexual e que
ela é dona do seu próprio cor-
po, seja em uma relação even-
tual ou de parceria conjugal.
“Essa dificuldade em se fa-
lar de questões íntimas, como
desejos e insatisfações, ainda
não é hábito entre os casais. E,
quando isso acontece, ainda pa-
rece queixa ou reclamação e o
casal acaba evitando o assunto
para evitar brigas”, diz a psicó-
loga e terapeuta sexual Márcia
Atik. E a verdadeira intimida-
de de um casal consiste em fa-
lar com o outro como se você es-
tivesse falando com você mes-
mo. “Os casais precisam apren-
der a falar disto”, diz. Geral-
mente, um dos parceiros con-
corda em fazer o que o outro
quer e não o que o excita. E is-
so, ao longo do tempo vai irri-
tando, até que chega o dia em
que ele não suporta mais essa si-
tuação.
Muitas vezes, o problema
ocorre porque o (a) parceiro (a)
resolve falar sobre o assunto
no momento de crise, raiva ou
insatisfação aguda. “O ideal é
que converse em um momen-
to de relaxamento, o que é di-
ferente da antiga fórmula de
‘discutir relação’”, comple-
menta Márcia.
Os especialistas alertam
que abordar o assunto com o
parceiro não é tão embaraçoso
quanto se imagina. O incômo-
do passa rapidamente e quem
consegue expressar o que quer
obtém muito mais prazer na re-
lação. Aposte nisso.
Vida a dois
PAPODE
TRAVESSEIRO
8/São José do Rio Preto, 16 de setembro de 2012DIÁRIO DAREGIÃO