CAPACIDADE FUNCIONAL DE IDOSOS

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A capacidade funcional (CF) do idoso, no seu significado mais amplo, inclui sua habilidade em executar tarefas físicas, a preservação das atividades mentais, e uma situação adequada de integração social. Um recurso útil para compreender melhor as funções supracitadas é examinar os itens d...


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CAPÍTULO 2 17
© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
INTRODUÇÃO
A capacidade funcional (CF) do idoso, no seu significado mais amplo, inclui sua habilida-
de em executar tarefas físicas, a preservação das atividades mentais, e uma situação adequada
de integração social.
Um recurso útil para compreender melhor as funções supracitadas é examinar os itens dos
instrumentos que aferem a capacidade funcional. Apenas como ilustração do uso desse recur-
so pode-se citar um item de cada dimensão, ou seja, a capacidade de se alimentar sem ajuda,
uma adequada localização no tempo e no espaço, e possuir amigos a quem possa confidenciar
seus problemas.
Essa definição é classificada como ampla porque coexiste com outras mais restritas, como
por exemplo as que consideram somente as habilidades de executar tarefas físicas.
Diante da existência de uma diversidade de definições, é importante considerar quatro
pontos referentes à definição de CF quando se utilizar desse indicador de saúde: a) a definição
ampla é a mais adequada para a Promoção da Saúde do idoso; b) as definições são diferentes
mas não são conflitantes, uma vez que as mais restritas são segmentos da mais ampla; c) apesar
de não serem conflitantes, essa diversidade compromete a comparação dos levantamentos de
prevalência; d) como conseqüência, é indispensável, quando se trabalha ou se analisa a CF,
que os interlocutores explicitem o conceito utilizado, ou informem detalhadamente o conteúdo
do instrumento aplicado.
Completando o exposto, é necessário destacar que até então foi enfatizado, de forma
correta, a dimensão positiva da CF. No entanto, quando se consideram aspectos de interven-
ção, cabe agregar simultaneamente o seu pólo negativo, ou seja, a incapacidade funcional (IF),
estando a CF associada à manutenção e prevenção da saúde, enquanto a IF demanda a recu-
peração. Estão sendo enfatizadas situações polares, mas entre as duas existem situações
intermediárias de capacidade/incapacidade que devem ser consideradas.
Definido o conceito de CF, o passo seguinte é descrever o que fundamenta a sua importân-
cia. Para isso, três aspectos podem ser destacados: a prevalência de idosos com CF plenamen-
te preservada, ou o seu complemento que é a prevalência de IF; a IF como indicador de eventos
negativos, tais como a maior ocorrência de hospitalização; e o sofrimento que a IF gera.
A prevalência de incapacidade funcional de idosos não-institucionalizados, baseada em
levantamentos bem conduzidos, está em torno de 30%, o que é uma prevalência elevada.
No entanto, é necessário enfatizar que os valores da prevalência apresentam variabilidade
em diferentes levantamentos, mesmo quando estes são bem conduzidos.
A variabilidade nos valores das prevalências decorre, muitas vezes, do fato de as situa-
ções de saúde estudadas serem heterogêneas, mas a variabilidade na prevalência pode ser
também produto da não-homogeneidade dos instrumentos utilizados ou dos procedimentos
da pontuação.
Capacidade Funcional
Júlio Litvoc
Francisco Carlos de Brito
CAPÍTULO
2

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A comparação de duas pesquisas bem conduzidas evidencia a influência do tipo de instru-
mento e da pontuação utilizados no valor da prevalência.
A primeira efetuada nos EUA identificou 28% dos idosos com IF. É fundamental destacar
que o instrumento utilizado considerou somente a presença de alterações físicas graves, como
dificuldades para banhar-se ou vestir-se, e mobilidade.
A segunda pesquisa utilizada para comparação foi desenvolvida pela Organização Pana-
mericana da Saúde (OPAS) no Município de São Paulo e investigou, além de sete alterações
básicas, como banhar-se, mais oito alterações instrumentais, como a capacidade de usar trans-
porte coletivo, detectando uma prevalência de alteração de 47%.
Cabe, então, reafirmar a necessidade de estar atento aos instrumentos e à pontuação
utilizados nos levantamentos. Incorporando-se esses cuidados é possível afirmar, com o co-
nhecimento acumulado, que uma prevalência de 30% de IF corresponde a um valor realista do
problema para o idoso não-institucionalizado, considerando a população geral.
Existem subgrupos com percentuais mais elevados de incapacidade, superiores a 50%,
como os idosos com idades mais elevadas ou os institucionalizados.
O cálculo da prevalência — utilizado até aqui para demonstrar a importância da CF — é
bastante conhecido e relativamente simples de se efetuar, sendo necessário conhecer duas
informações, ou seja, o número de doentes, no caso o número de idosos com IF, e o número
total de idosos entrevistados, e, realizar, a seguir, a divisão do número de incapacitados pelo
total de entrevistados.
A demonstração do segundo aspecto da importância da CF, que é o seu caráter de indica-
dor de evolução negativa, como o óbito precoce, exige procedimentos epidemiológicos relati-
vamente mais complexos do que os utilizados no cálculo das prevalências. Novamente a
importância da CF está sendo assumida pelo seu complemento negativo que é a IF, ou seja,
quando o idoso perde a CF, ou tem parte dela comprometida, passa a apresentar maior chance
de uma evolução negativa, cuja IF é indicadora.
Para se demonstrar que a incapacidade se associa a eventos negativos, como o óbito
precoce, é necessário, em geral, analisar dois grupos, um com incapacidade e outro sem incapa-
cidade, acompanhá-los durante alguns anos, anotar a mortalidade em cada grupo e compará-las.
Existem, é claro, outras estratégias de análise, mas esta é bastante geral e permite perceber com
facilidade a maior complexidade deste tipo de estudo em relação ao estudo de prevalência.
Este esquema genérico, apresentado em parágrafo anterior, pode servir de referência para
o exame mais detalhado da pesquisa de Ramos, que estudou a possível associação de diversas
variáveis com a mortalidade do idoso, dentre as quais a CF.
Assim, pode-se descrever, de forma resumida, que Ramos, no desenvolvimento do Progra-
ma EPIDOSO, examinou, no início de seu seguimento, 1.667 idosos com idade de 65 anos ou
mais, coletando um número expressivo de informações de cada idoso, tais como informações
relativas às variáveis sociodemográficas e de morbidade, além de material para exames. A CF
foi aferida, por meio de um instrumento com 13 itens, básicos e instrumentais, parte de um
instrumento mais amplo cuja sigla é BOMFAQ.
Utilizando essas informações o autor identificou, no início do trabalho, que 557 dos idosos
não referiram queixas de incapacidade e 267, em outro extremo, referiram queixas em pelo menos
sete dos itens do instrumento de aferição. No final de dois anos de acompanhamento, observou
que no grupo sem incapacidade ocorreram 18 óbitos, correspondendo a um coeficiente de morta-
lidade (CM) de 3,2%, obtido pela divisão de 18 por 557. No grupo com incapacidade ocorreram 75
óbitos, resultando num CM de 28%, resultado da divisão de 75 óbitos por 267 idosos.
Para identificar e quantificar a importância da incapacidade na ocorrência do óbito, o
procedimento é dividir o CM observado no grupo com incapacidade pelo CM do grupo sem
incapacidade, que é a divisão entre 28% por 3,2% resultando no valor 8,6.

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Por analogia ao conceito de risco relativo pode-se denominar esse valor de 8,6 como
“razão de mortalidade”, e ele significa que o idoso com incapacidade está submetido a um risco
de vir a falecer 8,6 maior do que o idoso que não apresenta incapacidade.
A análise da pesquisa de Ramos necessita ser completada com uma informação essencial.
Como os dois grupos, com e sem incapacidade, não foram pareados, os grupos difeririam na
sua composição em relação a diversas variáveis, como, por exemplo, o grupo com incapacidade
ter pessoas mais idosas, o que vai influir na mortalidade. Por isso, tecnicamente, a “razão de
mortalidade” de 8,6 é denominada “bruta” e pode estar falseada por algumas variáveis denomi-
nadas de confusão.
Para contornar esse problema, o autor realizou uma análise estatística denominada multi-
variada. Com esta análise controlou as variáveis de confusão, na medida em que se realiza um
procedimento que equivale a um pareamento a posteriori, ou seja, um ajustamento no momen-
to da análise, depois que os dados já foram coletados.
O autor optou por realizar uma análise multivariada denominada regressão logística, cuja
medida de efeito que o programa calcula é o odds ratio (OR), equivalente ao risco relativo. O
resultado da análise multivariada mostrou que, após o controle das variáveis de confusão, o
valor do odds ratio foi de três, ou seja, os idosos com incapacidade apresentam uma chance
três vezes maior de morrer, em dois anos de seguimento, que os idosos sem incapacidade.
O “risco” diminuiu de 8,6 para 3, mas isso não significa que a incapacidade deixou de ser
um fator importante. Um risco de magnitude três ainda é um risco importante. E mais confiável,
porque com a análise multivariada foram controladas as possíveis interferências decorrentes
da diferente composição dos dois grupos.
O terceiro aspecto selecionado para analisar a CF é o sofrimento a que o idoso é submetido
quando ocorre perda de função.
É importante considerar inicialmente o sofrimento cotidiano, e nesta perspectiva a possí-
vel perda da autonomia, decorrente da incapacidade, constitui seguramente uma situação
muito dolorosa.
A perda da autonomia pode ser identificada e trabalhada com o método epidemiológico,
mas o sofrimento dela decorrente não é um objeto habitualmente analisado com este método.
Diferentes estudos procuram obter informações que caracterizam as perdas.
Existem estudos clássicos, de grande valor, que pesquisam a perda da autonomia de uma
forma mais direta. É o caso de um estudo que observou um grupo de mulheres com incapacida-
de e constatou que 34% delas não ultrapassavam a vizinhança, mesmo em fins de semana, e
destas, 15% não saíam de casa.
Já Iezzoni pesquisou um aspecto particular da vida das pessoas com incapacidade, que é
o uso de serviços de saúde preventivo. Aproveitou uma pesquisa nacional, extensa, e analisou
o uso destes serviços por 77.437 pessoas, dividindo-as em pessoas sem problemas de mobili-
dade e pessoas com problemas de mobilidade, para fins de análise.
A incapacidade funcional foi representada apenas pela questão da mobilidade, que sem
dúvida é um componente importantíssimo mas não único.
Os participantes compreendiam uma faixa de idade ampla, a partir dos 18 anos, mas foi
possível aos autores separar grupos de idade mais elevada.
Um resultado importante é o do exame de mamografia nos dois últimos anos em mulheres
com 50 anos ou mais, cujo percentual nas mulheres sem problemas de mobilidade foi de 63,5% e
nas mulheres com problemas de mobilidade foi de 45,3%, diferença estatisticamente significativa.
O autor chama a atenção para os baixos percentuais do uso de serviços de saúde preventivo nos
dois subgrupos, ponto que exige investigações adicionais, segundo o mesmo.

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A contribuição mais relevante é que a estratégia básica desta pesquisa pode ser reprodu-
zida para um grande número de situações. Elegendo apenas uma dessas situações, pode-se
citar a comparação de pacientes com e sem CF preservada em relação à aderência a tratamentos
prescritos. A multiplicação desse tipo de pesquisa, atendendo a situações de interesses espe-
cíficos, poderá trazer subsídios para compreender melhor eventos distais mais graves, como
maior proporção de internações ou de mortes precoces.
A quantificação das diferenças é também uma contribuição relevante. É claro que a menor
proporção de exames entre as mulheres com problemas de mobilidade é fato esperado do ponto
de vista lógico. O mérito da pesquisa reside em quantificar essa diferença, que foi de 18,2
(63,5%-45,3%), ou seja, pode-se supor, com muita lógica, que mulheres com problemas de
mobilidade realizem menor número, e principalmente menor proporção de mamografias, mas só
a quantificação permite afirmar que esta diferença é de 18,2 e não de outro valor.
Reconhecida a importância da capacidade funcional para a saúde do idoso, não é surpresa
que a manutenção ou recuperação da mesma seja prioridade na atenção ao idoso.
O reconhecimento desta abordagem é muito difundido entre os profissionais que traba-
lham com o envelhecimento e também por Instituições como a Organização Mundial da Saúde
(OMS) e a Organização Panamericana da Saúde (OPAS).
O Ministério da Saúde do Brasil também reconhece o valor dessa estratégia e a explicita na
Política Nacional da Saúde do idoso ao afirmar que “decorre daí o conceito de Capacidade
Funcional, ou seja, a capacidade de manter as habilidades físicas e mentais necessárias para
uma vida independente e autônoma”. “Trata-se, portanto, de um enfoque que transcende o
simples diagnóstico e tratamento de doenças específicas”.
Definido o conceito de capacidade funcional (e de incapacidade), delineada a sua impor-
tância para o idoso e explicitado que a preservação ou recuperação da capacidade funcional
consiste num objetivo prioritário na atenção ao idoso, o tema será aprofundado com o desen-
volvimento de três tópicos:
• instrumentos de aferição da capacidade funcional
• determinantes da incapacidade funcional
• prevenção e reabilitação da incapacidade funcional
INSTRUMENTOS
Os aspectos que serão abordados neste tópico são os seguintes: a) indicar uma lista de
instrumentos que aferem CF, considerados de boa qualidade, e que estejam relacionados numa
publicação de reconhecido valor; b) expor critérios mínimos que subsidiem um profissional
para selecionar instrumentos para aplicação; c) comentar aspectos técnicos dos instrumentos;
d) comentar as Classificações da Organização Mundial da Saúde (OMS).
O artigo selecionado, que contém uma lista de instrumentos que aferem capacidade fun-
cional, é o de Applegate, que realizou uma importante revisão sobre o tema. Não é uma lista
completa, mas é diversificada e contém instrumentos de qualidade reconhecida. Na seleção do
artigo considerou-se também a facilidade de acesso à referida publicação.
Selecionado então um conjunto de instrumentos que podem ser recomendados, a partir da
revisão de Applegate, o próximo passo é expor os critérios para a escolha de um instrumento
para aferir a capacidade funcional.
Existem vários critérios, mas serão valorizados dois, por serem bastante abrangentes.
Estes critérios são, primeiro, as propriedades psicométricas do instrumento, ou seja, a confia-
bilidade e validade; segundo, a validade de face do instrumento, ou seja, se o mesmo contém
as informações que são desejadas pelo profissional que irá aplicá-lo.

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O primeiro critério, ou seja, as propriedades psicométricas, compreende uma tradução
adequada e adaptação transcultural, quando for instrumento traduzido; a obtenção de bons
resultados no exame da confiabilidade, seja por teste-reteste ou consistência interna e uma
validade comprovada, ou seja, que tenha sido demonstrado que o instrumento “mede o que
realmente se propõe a medir”.
O segundo critério, a validade de face, dependerá dos objetivos específicos do aplicador.
O que será aqui destacado é a diversidade de itens existentes nos diferentes instrumentos, o
que favorece a escolha do aplicador, segundo os seus objetivos específicos.
Para mostrar a diversidade dos itens existentes nos diferentes instrumentos a lista de
Applegate e col. é bastante útil, e por isso serão selecionados desta lista quatro instrumentos
para análise.
O primeiro é o “Index of ADL”, ou Katz, um instrumento que afere as capacidades básicas,
tais como a de banhar-se, vestir-se, ir ao banheiro, movimentar-se para e da cama, alimentar-se,
controlar esfíncteres urinário e fecal.
Em seguida, é o instrumento “Kenny”, que pergunta sobre 17 atividades. Distingue-se do
Katz porque, além dos aspectos de autocuidado, o Kenny investiga também aspectos relativos
à locomoção, como a capacidade de andar e subir escadas.
Na seqüência vem o questionário “Instrumental ADL Scale”, que acrescenta atividades
mais complexas, conhecidas como instrumentais, tais como preparar alimentos, fazer compras
e cuidar das finanças.
As atividades instrumentais são denominadas também sociais porque muitas delas
são essenciais para o idoso desenvolver uma atividade externa, como o uso de condução
coletiva, mas devem ser distinguidas das atividades sociais estritas, que têm um caráter
mais de acolhimento.
Para finalizar, é interessante comentar o quarto instrumento selecionado da lista de Apple-
gate, que é o Framingham Disability Scale. Ele foi selecionado por várias razões: é um instru-
mento composto, ou seja, combina três instrumentos tradicionais e um deles avalia a desempenho
do idoso, a partir de ações que lhe são solicitadas, como estender os braços acima dos ombros.
Os instrumentos de desempenho são observacionais e constituem um recurso valioso para
aferição da capacidade.
Deve ser observado que embora a definição de capacidade funcional compreenda três
dimensões – física, emocional/mental, e social – predominam as pesquisas que utilizam apenas
as medidas físicas e instrumentais. O Projeto de Framingham, por exemplo, possui também um
instrumento de natureza social específico, mas é pouco utilizado.
Assumida a lista que Applegate elaborou como uma referência importante, embora não
completa, definidos os critérios básicos para a seleção de um instrumento, a próxima etapa é
analisar alguns aspectos técnicos relevantes dos instrumentos.
Para tanto selecionou-se o “Index of ADL”, ou Katz, como será denominado, e serão comen-
tados os seguintes pontos: como foi realizada a avaliação psicométrica; os tipos de atividades
que o instrumento avalia; o grau de explicitação dos termos usados pelo autor e a pontuação.
Esta análise mais pormenorizada dos aspectos técnicos, que será efetuada centrando-se em
Katz, pode ser realizada em qualquer dos instrumentos da lista de Applegate, e pode ser realizada
também em instrumentos já validados no Brasil, e que não constam da lista do referido autor, uma
vez que o roteiro de análise que aqui será utilizado é aplicável a qualquer instrumento
Selecionou-se o Katz para esta análise técnica mais pormenorizada, porque ele consta da
lista de Applegate e col. e é também muito utilizado no Brasil, possuindo assim uma dupla
articulação. Além disso, é instrumento muito conhecido, antigo, publicado em 1963, considera-
do pioneiro junto com o “Pulses Profile” e o “The Barthel Index”.

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Iniciando pelas propriedades psicométricas, constata-se que há poucos estudos deste
tipo com o Katz, e com resultados contraditórios, o que a princípio compromete o seu uso, pois
as características psicométricas são pré-requisitos para a utilização de um instrumento. Apesar
desta limitação, o instrumento goza de grande prestígio, o que não surpreende, pois McDowell
e Ian lembram que em várias áreas da quantificação da saúde a aceitação da escala é mais por
“aclamação” do que pela demonstração das propriedades psicométricas.
As atividades que o Katz avalia situam-se no grupo das atividades de vida diária (básicas),
e como tal os idosos que tiverem essas alterações certamente apresentam quadros mais gra-
ves. Ele afere seis capacidades já citadas, a saber, banhar-se, vestir-se, ir ao banheiro, movi-
mentar-se da e para cama, controlar urina e fezes, alimentar-se.
Quanto aos termos usados no questionário, um aspecto positivo a destacar é o cuidado
do autor em explicitar estes termos. A maioria dos termos é de uso cotidiano, mas é conhecida
a importância da precisão quando se trata de instrumentos que serão usados por um grande
número de profissionais que freqüentemente não têm nenhum contato entre si. Alguns exem-
plos poderão ser ilustrativos e para isso serão selecionadas duas atividades para serem co-
mentadas, as quais são tomar banho e controle urinário e intestinal.
No questionário, para cada “item”, Katz apresenta três alternativas, e o entrevistador
deverá escolher apenas uma alternativa em cada atividade. A redação das atividades banho e
controle será transcrita, com o intuito de destacar o nível de clareza e precisão da redação.
A reprodução dos dois itens do instrumento Katz ilustra adequadamente o que se denominou
de precisão no uso dos termos, e realça o valor da clareza e da precisão na redação do instrumento,
como elemento favorável para uma utilização homogênea por diferentes aplicadores.
Outro exemplo é a definição de “ajuda”, que o autor explica claramente o que deve ser
considerada vigilância, direção ou ajuda pessoal. Se não explicitasse o termo, alguns profissio-
nais, eventualmente, poderiam interpretá-la de maneira mais restrita, repercutindo no diagnós-
tico de incapacidade/capacidade.
Já um aspecto mais conceitual é a informação que consta do questionário, segundo a qual
independência “se basa en la situación real y no en la capacidad. Cuando un paciente se niega
a cunplir una funcción, se considera que no realiza esa funcción, aún cuando se estime que
está capacitado para hacerlo”.
O último aspecto que será analisado é a pontuação.
Banho – de esponja, na banheira ou chuveiro.
Não recebe ajuda Recebe ajuda para lavar Recebe ajuda
(entra na banheira somente uma parte do para lavar mais
e sai dela sozinho, corpo (como a escápula de uma parte do
se acostumado a ou uma perna). corpo (ou não
banhar-se desta forma) se banha).
Continência
Tem completo perda ocasional não controla
controle da micção
e da evacuação intestinal

CAPÍTULO 2 23
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Na pontuação, destaca-se preliminarmente a opção do autor em trabalhar com apenas
duas classificações para cada atividade, ou seja, consideraram o idoso como dependente ou
independente. Como o questionário contempla três possibilidades, quando o profissional
assinala a resposta do “meio”, como, por exemplo, “perdas ocasionais” na capacidade de
continência, esta resposta deverá ser classificada como dependente ou independente. O autor
recomenda que as situações “do meio” nas atividades banhar-se, vestir-se e comer sejam
classificadas como independentes, e as respostas “no meio” das atividades ir ao banheiro,
movimentar-se para e da cama e controle urinário e fecal, como dependentes.
A partir daí, propõe para pontuação propriamente dita dois caminhos distintos. Segundo
a publicação de 1963, o idoso pode ser classificado em um dos oito grupos, listados de A até
G, e um adicional denominado other. No A estão os idosos independentes nas seis atividades;
no B, os com independência em cinco atividades; no C, os independentes em quatro ativida-
des, sendo que a atividade tomar banho sozinho deve ser obrigatoriamente uma das atividades
dependentes; no D, o idoso é dependente, obrigatoriamente, em banhar-se e vestir-se, e a
terceira poderá atuar em qualquer outra função; e assim vão seguindo essas combinações até
se atingir a classificação G, em que o idoso é dependente nas seis funções. Dada a complexida-
de da classificação, a categoria other é residual, com dependência em pelo menos duas ativida-
des, mas não podendo ser classificado nas categorias C, D, E ou F.
Em 1976, portanto 13 anos após a primeira versão, Katz e Akyom propõem uma nova forma
de pontuar as respostas, certamente mais simples. Propõem um gradiente que vai de zero a 6,
onde o idoso com zero não apresenta dependência em nenhuma das atividades; com 1 apresenta
dependência em uma das seis atividades; com 2 apresenta duas dependências em qualquer
atividade, até pontuação 6 com alteração nas seis atividades. É importante destacar que os
autores informam que este tipo de pontuação apresenta alta correlação com a pontuação original
e que a consistência da ordenação hierárquica favorece a correlação entre as duas pontuações.
Examinado os aspectos técnicos do instrumento de Katz é importante reafirmar que estes
aspectos podem e devem ser analisados em qualquer instrumento, considerando as especifi-
cidades dos mesmos. É o que faz Spector, em sua cuidadosa revisão, quando destaca que no
“Lawton Scale” as capacidades são avaliadas em função da “capacidade de realizar”, enquan-
to no instrumento de Capacidade Funcional do “OARS” as capacidades são avaliadas em
função da habilidade, sendo que os dois instrumentos têm itens em comum, como uso de
medicação e cuidar das finanças.
Dado o grande número de instrumentos disponíveis na literatura, cabe reafirmar que se
optou por centrar a análise em instrumentos relacionados em um artigo de revisão, que é o de
Applegate, porque essa escolha facilitará o acesso do leitor aos mesmos, e principalmente
permitirá que o leitor tenha uma clara percepção da diversidade dos instrumentos. Mas é
importante também enfatizar a existência de instrumentos já traduzidos e validados no Brasil,
como o BOMFAQ, BOAS, FIM, Akthar, de enorme utilidade para os Pesquisadores e Clínicos.
Como recomendação final, nesta análise dos aspectos técnicos, cabe lembrar que os ins-
trumentos de aferição da capacidade funcional são vinculados aos conceitos de capacidade
funcional à ampliação do conhecimento sobre mecanismos e determinantes desta capacidade
e também ao aperfeiçoamento das estratégias de prevenção e de reabilitação.
Como esse conjunto de conhecimentos e de práticas se aperfeiçoam no decorrer do tempo,
não é surpresa que os instrumentos também se aperfeiçoem.
As duas classificações da OMS, que incluem, entre outros aspectos, a questão da capaci-
dade/incapacidade, ilustram bem esse movimento de aperfeiçoamento.
Antes de examiná-las é necessário registrar que elas também não são restritas aos idosos,
mas incluem, é claro, as pessoas desta categoria etária.

24 C APÍTULO 2
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A primeira das duas Classificações data de 1980, e em português tem o título de “Classi-
ficação Internacional de Deficiências, Incapacidade e Desvantagens” utilizando a sigla in-
glesa ICDIH.
Ela consagrou a noção seqüencial, embora linear, da estrutura “doença/deficiência/inca-
pacidade/desvantagem”.
A classificação contém muitos exemplos, dos quais se reproduz um clássico, no qual a
pessoa apresenta um problema musculoesquelético (deficiência) que determina problemas de
locomoção (incapacidade), prejudicando a sua possibilidade de se deslocar (desvantagem).
Entre as diversas contribuições para a teoria e prática da CF, que a classificação de 1980
aduziu, a seu tempo, duas se destacam.
A elaboração de uma estrutura, apresentada em parágrafo anterior, que favorece um racio-
cínio mais ampliado, no sentido de que quando se examina um idoso, que é o nosso interesse,
qualquer que seja o ponto em que se fixa a atenção há um estímulo no sentido de se pensar nos
dois outros elementos da estrutura (incapacidade ou desvantagem etc.).
A segunda, muito relevante, é a valorização do significado social da incapacidade, que é a
desvantagem (handicap), o que torna o instrumento mais holístico, uma postura particular-
mente importante em relação ao idoso.
Na seqüência, em 2001, a 54
a
Assembléia Mundial da Saúde endossou a segunda edição
da Classificação para uso internacional, que em português passou a se denominar Classifica-
ção Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, cuja sigla é CIF.
A CIF é uma classificação de “componentes da saúde” e não mais de “conseqüência da
doença”, pois engloba todos os aspectos da saúde humana e alguns componentes relevantes
para a saúde relacionados ao bem-estar.
Algumas informações sobre a estrutura da Classificação são interessantes para se ter uma
idéia da utilidade do instrumento. A CIF é composta de duas partes, a saber, uma primeira
denominada Funcionalidade e Incapacidade e uma segunda denominada Fatores Contextuais.
Cada parte é constituída de dois componentes, sendo os da primeira parte os componentes
Funções e Estruturas do Corpo e Atividades e Participação; a segunda parte possui os compo-
nentes Fatores Ambientais e Fatores Pessoais.
Um exemplo do detalhamento e complexidade da Classificação pode ser demonstrado
elegendo-se um item para descrição. No caso, o escolhido para ilustração é o item “Serviços
educacionais de treinamento, sistemas e normas” que é parte do Componente Ambiental, da
parte 2. Para esse, e para todos os itens, a Classificação prevê o preenchimento de dois cons-
tructos, um de “facilitadores” e outro de “barreiras”.
É nítido, então, que se trata de uma classificação extensa. Para facilitar o usuário, ela
possui uma versão resumida.
Como já foi afirmado no início deste capítulo, uma estratégia prática para se conhecer um
instrumento em relação ao seu conteúdo é examinar os itens que o compõem. Como essa
transcrição, no caso da CIF, transcende as possibilidades deste capítulo, sugere-se aos que
estiverem interessados em conhecer a Classificação que entrem em contato com o “Centro
Colaborador da OMS para a Família de Classificações em Saúde” situado na Faculdade de
Saúde Pública da USP, uma vez que os aspectos aqui relatados sobre a CIF visaram exclusiva-
mente a indicar a importância desta Classificação para a área.
Ao encerrar este tópico, entendemos que é importante emitir uma apreciação sobre a
multiplicidade de instrumentos que são utilizados no cotidiano.
Não há sinais de que haverá mudança deste comportamento em curto prazo, o que signi-
fica que este é um fato com o qual os interessados no tema terão que conviver. Uma das razões

CAPÍTULO 2 25
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dessa diversidade é que freqüentemente a escolha de um determinado instrumento é de inte-
resse do profissional, segundo seus objetivos específicos.
Diante deste quadro, a postura mais produtiva nos parece ser a explicitação do instrumen-
to utilizado, as justificativas da escolha do mesmo, e a intensificação do diálogo e da reflexão.
Essa diversificação no uso dos instrumentos, se trabalhada criticamente, possui um as-
pecto positivo, porque a experiência tem mostrado que o campo do conhecimento e de prática
da capacidade funcional, incluindo os instrumentos, se constrói de forma cumulativa. Portan-
to, concordamos com McDowell e Ian quando afirmam que os conhecimentos iniciais sobre o
tema não têm apenas valor histórico, uma vez que constituem também a base clínico-epidemio-
lógica dos avanços.
DETERMINANTES
A incapacidade funcional é determinada por múltiplos fatores, destacando-se, entre eles,
as doenças, os fatores de caráter sócio-cultural, como a escolaridade, e as alterações do enve-
lhecimento, como a diminuição da força muscular.
As doenças constituem o fator determinante mais citado e por isso será iniciada a análise
por esta condição.
A importância das doenças na causação da incapacidade é analisada sob vários aspectos,
como por exemplo a distinção entre incapacidades que ocorrem agudamente, decorrentes de
doenças como o Acidente Vascular Cerebral (AVC) ou fratura de bacia, e incapacidades de
início geralmente mais insidioso, como as decorrentes de doenças crônicas.
Uma descrição bastante precisa da relação doença/incapacidade é efetuada pela OMS que
observa, como tendência geral, que o impacto da doença no indivíduo, embora importante,
com o decorrer do tempo fica obscurecida pela incapacidade que compromete a vida do idoso.
Identificada a importância das doenças como determinantes de incapacidade, para melhor
situar o papel das mesmas, serão analisadas, inicialmente, as seguintes questões: quais as
doenças que são importantes e qual a ordem das mesmas em grau de importância?
As pesquisas já realizadas, e em número expressivo, permitem responder que as doenças
e condições identificadas como relevantes são: artrite, acidente vascular cerebral (AVC), alte-
rações cognitivas, câncer, claudicação, depressão, diabetes, doenças do coração, doença pul-
monar obstrutiva crônica, fratura do quadril, osteoartrose do joelho e problemas de visão.
Essas doenças foram identificadas de forma destacada basicamente em idosos não-institucio-
nalizados. Se forem considerados os institucionalizados, a síndrome demencial deverá também
ser incluída. Há outras sugestões de doenças a serem consideradas nesta lista, como é o caso
da doença de Parkinson.
É indispensável lembrar que esse conjunto de 12 doenças, relevantes como determinan-
tes, foi consolidado a partir de um grande número de estudos epidemiológicos. É necessário
que o número de estudos seja elevado, porque em epidemiologia ocorre uma situação freqüen-
te que é mais bem explicada com o auxílio da seguinte situação hipotética: escolhendo qualquer
uma das 12 doenças, o diabetes, por exemplo, constatar-se-á, a partir da revisão bibliográfica
dos trabalhos que abordaram a relação doença/incapacidade, que o diabetes foi estudado na
maioria das pesquisas, mas não em todas. E mais: considerando as pesquisas nas quais o
diabetes foi estudado, na maioria delas detectou-se associação diabetes/incapacidade, mas em
alguns poucos estudos o diabetes não se associou à incapacidade. Esse quadro vale para
todas as doenças.
Essa aparente contradição — ausência da doença determinante em alguns estudos e
alguns poucos resultados de não associação — não invalida a conclusão sobre a importância

26 C APÍTULO 2
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da doença como determinante, pois são resultados coerentes com os princípios de Hill*, que
constituem um dos paradigmas da epidemiologia. Entre esses princípios, a “replicação dos
resultados” ou “consistência” é um dos pontos que se destaca, porque a conclusão de um
estudo epidemiológico isolado não significa sempre conclusão final. Freqüentemente, uma
associação se apóia em estudos adicionais confirmatórios e é o que ocorre também com os
estudos epidemiológicos sobre capacidade funcional.
Em relação à segunda questão, que analisa a ordem de importância, os elementos de que se
dispõe permitem classificar, em ordem decrescente, somente seis das doze doenças considera-
das de maior risco como determinantes de incapacidades. Em primeiro lugar, como maior fator
de risco para produzir incapacidade está o Acidente Vascular Cerebral (AVC). A seguir, em
ordem decrescente, estão os sintomas depressivos e a fratura de quadril, em posições equiva-
lentes; seguem-se a osteoatrose do joelho, doenças do coração e doença pulmonar obstrutiva
crônica, todas igualmente relevantes.
As razões da dificuldade de ordenar todas as 12 doenças são semelhantes às apontadas,
quando se comentou o exemplo hipotético da presença do diabetes nos estudos que permitem
identificar a lista das 12 principais doenças incapacitantes. Mas cabe ressaltar, e isso é relevan-
te, que identificar a ordem das seis primeiras constitui uma informação prática de valor, ainda
que parcial.
Em relação à ordem de importância, é interessante analisar mais detalhadamente duas
pesquisas que fundamentam essas classificações. O propósito desta análise é evidenciar os
princípios que embasam estas pesquisas, permitindo assim compreender melhor as eventuais
variações que possam ocorrer nestas listas de ordenação das doenças.
A primeira pesquisa é de Guccione, que reuniu pessoas com a mesma doença, formando
assim grupos de idosos homogêneos em relação à doença, o que permitiu que calculassem as
prevalências de incapacidade específicas por doença. A segunda é de Thomas, que se preocu-
pou inicialmente em formar conjuntos ou blocos de incapacidade, para depois relacionar com
doenças. Em ambas as pesquisas o desenho epidemiológico utilizado foi o transversal ou
seccional.
A primeira, de Guccione, utilizou informações obtidas no 18
o
exame bienal do Projeto
Framingham, quando foram examinados 1.826 idosos não-institucionalizados. Apesar de o
Projeto Framingham caracterizar-se por acompanhar os participantes, ou seja, ser longitudinal,
o autor optou nesta análise por realizar um estudo transversal, como já foi dito.
Pesquisou sete atividades, a saber, subir ladeiras, andar uma milha, executar tarefas pesa-
das em casa, cuidar da casa, cozinhar, fazer compras na rua e carregar peso, excluindo compro-
metimentos mais graves como a necessidade de ajuda para se banhar.
Selecionou para análise dez doenças, examinando se estas apresentavam ou não associa-
ção com cada uma das incapacidades. Para decidir sobre a existência ou não de associação
utilizou a medida odds ratio, obtida a partir de uma análise multivariada na qual efetuou ajus-
tamento para idade, sexo e co-morbidade.
Calculou 70 valores de odds ratio, pois eram 10 doenças e sete incapacidades, um número
elevado de resultados que obviamente dificulta a análise. Descrevendo de forma isolada al-
guns dos 70 resultados, pode-se destacar que o maior OR, que corresponde ao maior risco, foi
o dos pacientes com AVC, comparado aos sem AVC, na atividade de efetuar compras externas,
cujo valor foi de 3,63. Isso significa que os pacientes com AVC tem um risco um pouco maior do
que o triplo de desenvolver essa incapacidade. O OR menos elevado, mas ainda constituindo
*Austin Bradford Hilll sistematizou oito critérios para serem considerados na decisão sobre a associação causal
entre fator e doença: replicação; força da associação; especificidade; relação dose-resposta; relação tempo-
ral; plausibilidade biológica; coerência com a teoria e avaliação experimental.

CAPÍTULO 2 27
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risco, é o do paciente cardíaco andar uma milha, cujo OR foi 1,49. Muitas doenças não se
mostraram fator de risco para diversas incapacidades, como o diabetes, para cuidar da casa, e
as pessoas com doença pulmonar obstrutiva crônica, para fazer compras, e esses e outros
resultados estão facilmente acessíveis no artigo.
Diante do elevado número de relações doenças/atividades (70), o autor optou por utilizar
como indicador para classificar as doenças em ordem decrescente de importância, o número de
incapacidades associadas a cada doença. Exemplificando, o AVC foi considerado a doença
situada em primeiro lugar porque ela se associou com as sete incapacidades. Os pacientes com
AVC apresentaram um risco de incapacidade para fazer compras de 3,63, que foi o maior para
essa doença, como já foi dito, e noutro extremo o OR para efetuar serviços pesados em casa
que foi de 1,93, ainda importante. Enfim, para todas as sete atividades, os pacientes com AVC
apresentaram um risco maior do que 1, indicando uma associação da doença com todas a
atividades.
Na seqüência, foram classificados, na mesma ordem de importância, os idosos com sinto-
mas depressivos e os com fratura de bacia, no qual cada doença se associou com cinco
atividades em termos de risco.
Doença do coração, osteoartrite do joelho e doença pulmonar obstrutiva crônica associa-
ram-se a quatro incapacidades.
O autor concluiu que estas seis doenças são as que mais determinam incapacidade em
idosos não-institucionalizados.
Deste artigo, além da informação sobre a ordenação identificada, é interessante destacar dois
aspectos metodológicos: considerou na análise a co-morbidade, um fator importantíssimo; e, além
disso, explicitou e justificou o porquê de não ter incluído as atividades de vida diária básicas, uma
vez que optou por estudar idosos socialmente ativos. Essa postura de explicar as atividades que
estão sendo consideradas e as justificativas da opção precisa ser ressaltada porque ampliam a
compreensão sobre o tema, conforme sugerido no final do tópico dos instrumentos.
A segunda pesquisa, selecionada para examinar o processo de seleção da ordem de impor-
tância das doenças como determinante de incapacidade, é a de Thomas. Esta pesquisa foi
escolhida porque os autores adotaram uma abordagem diferente daquela adotada por Guccione
para analisar o mesmo tema.
Entrevistou 9.008 idosos com 14 itens de AVD, básica e instrumental, e optou por agrupar
os 14 itens em três agrupamentos, procedimento diferente do efetuado por Guccione, que
analisou os sete itens de seu instrumento isoladamente.
Com base em estudos já desenvolvidos por outros autores, analisou os 14 itens com uma
técnica estatística denominada “análise fatorial”, que agrupou os itens em três agrupamentos
de funções, que foram denominadas escalas básica, intermediária e complexa.
Os itens em cada agrupamento foram os seguintes: na escala básica, dificuldades de
usar banheiro, vestir-se, comer, levantar-se da cama e cuidar da aparência; na escala interme-
diária, dificuldades em banhar-se, andar, cuidar da casa, preparar refeição, fazer compras fora
de casa e andar fora de casa; na escala mais complexa, cuidar das finanças, usar telefone e
cuidar da medicação.
Analisou oito doenças, semelhantes à lista de Guccione, mas o propósito nesta pesquisa foi
duplo, ou seja, efetuar uma classificação segundo o valor da prevalência, como Guccione fez e,
ao mesmo tempo, identificar uma associação com as três escalas que elaboraram.
O trabalho de Thomas é evidentemente mais complexo, e embora os resultados não te-
nham sido completamente consistentes, os dados iniciais e a importância da contribuição
justificam a posição do autor que defende a continuidade desta linha de pesquisa.

28 C APÍTULO 2
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A pesquisa de Guccione, assim como a de Thomas, pode ser denominada como descritiva
porque o objetivo fundamental de ambas é identificar doenças que são associadas às incapa-
cidades e listá-las por ordem de importância.
Essa observação, de serem estudos descritivos, não diminui o valor das duas pesquisas,
mas apenas situa os seus alcances. Ultrapassa os objetivos deste capítulo aprofundar os pontos
positivos destas duas pesquisas, mas vale a pena citar o cuidado com que realizaram os
diagnósticos, quer das doenças, quer das incapacidades, a qualidade da análise multivariada
realizada, controlando assim possíveis variáveis de confusão, e as estruturas propriamente
dita dos artigos, no caso de Guccione, que somaram incapacidades por doença, e no caso de
Thomas, que realizaram uma análise fatorial para formar grupos de incapacidades.
Examinadas as duas pesquisas que se propõem a estabelecer uma ordem de importância
das doenças na determinação da CF, cabe analisar uma outra abordagem, cujo propósito fun-
damental é o de identificar os nexos, segundo os quais a doença determina a incapacidade, e
por isso pode ser denominada de pesquisa etiológica.
Esses dois tipos de estudo — que classificam as doenças em ordem de importância e os
estudos etiológicos — possuem muitos pontos em comum, sendo que os primeiros, em certa
extensão, contribuem também para o esclarecimento etiológico.
No entanto, duas características distinguem com freqüência a pesquisa etiológica das
duas anteriores: na maioria das vezes é um estudo de seguimento, ou longitudinal e se concen-
tra numa só doença. Ou seja, a pesquisa etiológica incorpora os aspectos positivos citados em
parágrafos anteriores e possui ainda essas duas características que favorecem um aprofunda-
mento dos nexos etiológicos.
A pesquisa de Penninx se enquadra neste perfil e será aqui examinada. Trata-se de um
estudo que se propôs a analisar os nexos entre depressão e incapacidade funcional. Na primei-
ra fase desta pesquisa, denominada tecnicamente baseline, incluiu para seguimento 6.247
idosos, todos com capacidade funcional preservada, dos quais 496 apresentavam depressão
na fase baseline e 5.751 não apresentavam depressão. Acompanhou os dois grupos por seis
anos, assinalando o surgimento de incapacidade em cada grupo de idosos.
Para estudar as incapacidades, analisou separadamente as atividades de vida diária básicas
(AVDB) e a mobilidade. Para AVDB considerou o comprometimento de qualquer uma das ativida-
des relacionadas a banho, alimentação, vestir-se, ir da cama ao banheiro, usar o banheiro ou
andar no quarto. Na mobilidade, avaliou a capacidade de andar uma milha ou subir escadas.
O autor registrou o surgimento de incapacidade em cada grupo, com e sem depressão, no
decorrer do tempo. Tecnicamente permite o cálculo de incidências, e também do risco (relativo)
de o grupo com depressão em relação ao sem depressão.
Outro aspecto a destacar é a identificação e incorporação pelos autores de variáveis
denominadas de potencialmente de confusão para realização da análise multivariada dos
resultados. Essa incorporação pode ser realizada com competência, tanto nos estudos trans-
versais como nos longitudinais, mas é nestes últimos que este procedimento pode ser mais
bem planejado.
Coerentemente com o que se afirma no parágrafo anterior, Penninx selecionou e analisou
22 variáveis: idade, sexo, nível de escolaridade, renda familiar, doença cardíaca, AVC, diabetes,
câncer, fratura de quadril, artrite, problemas de audição, problemas de visão, hipertensão arte-
rial, angina, comprometimento cognitivo, hábito de fumar, ingestão de álcool, índice de massa
corpórea, atividade física, estado conjugal, filhos e relações com parentes.
O autor apresentou os resultados quantitativos separadamente para as AVD e para mobi-
lidade. Para facilitar a exposição serão apresentados apenas os resultados relativos às AVDs,
mas é importante registrar que são bastante semelhantes.

CAPÍTULO 2 29
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O primeiro dado de interesse é que já no final do primeiro ano surgiram incapacidades nos
dois grupos. Sempre lembrando que no início da pesquisa todos apresentavam capacidade
funcional íntegra, entre os que apresentavam depressão, no início da pesquisa, 6,3% passaram
a apresentar incapacidade no final do primeiro ano, e entre os que não apresentavam depres-
são, 4,3% passaram a apresentar incapacidade no final do primeiro ano.
No final de 6 anos, a incapacidade estava presente em 23,9% dos idosos sem depressão, e
em 36,1% dos idosos com depressão.
O Risco Relativo ao final de seis anos foi de 1,67 (IC, 1,44-1,95, 95%). É um valor bruto, sem
ajuste para as variáveis potencialmente de confusão. Em termos brutos, pode-se afirmar, pela
associação detectada, que o idoso com depressão apresenta 67% a mais de chance de desen-
volver incapacidade.
Os autores ajustaram o OR bruto para todas as 22 variáveis já citadas, e que foram deno-
minadas “potencialmente de confusão”. Destas, 10 modificaram a associação denominada
“bruta” e serão comentadas a seguir.
Em ordem decrescente, o ajustamento por sexo e idade reduziu o Risco Relativo de 1,67
para 1,57; o nível de escolaridade para 1,51; ser doente de artrite para 1,48. Influenciaram ainda
no risco relativo: angina, AVC, alteração cognitiva, problemas de audição, atividade física e
relações com parentes, de modo que o Risco Relativo final, ajustado para todas estas dez
variáveis foi de 1,33. A conclusão, baseada no valor final detectado, é que o Risco de um idoso
com depressão desenvolver incapacidade é 33% maior do que o do idoso sem depressão,
sendo esse valor agora controlado para todo aquele conjunto de variáveis de confusão.
É fundamental destacar que a escolha das variáveis de confusão já obedece a uma lógica
clínico-epidemiológica. Uma vez analisados os resultados com essas variáveis, o risco que
persiste, de 33% no estudo de Penninx, instou o pesquisador a prosseguir na análise, agora
mais interpretativa e com base no conhecimento da literatura para explicar a associação. Assim,
Penninx prosseguiu na análise, agora sem dados empíricos próprios, mas com base na literatu-
ra. Nesta perspectiva, considerou a adesão do idoso deprimido à terapêutica, a História Natural
da depressão, e processos biológicos. Esta etapa é essencial nos estudos etiológicos e coe-
rente com os paradigmas de Hill, já citados.
Examinados com certo grau de detalhamento, os estudos transversais e os longitudinais, a
contribuição de cada tipo de estudo fica mais evidente. Nos estudos transversais, como o de
Guccione, a doença e a incapacidade são observadas num mesmo momento, como foi o caso, por
exemplo, do AVC e da incapacidade de fazer compras. Metodologicamente, significa que não se
conhece a temporalidade, ou seja, não se sabe o que surgiu primeiro, se a incapacidade ou o AVC.
No exemplo selecionado, AVC/limitação para fazer compras, o desconhecimento sobre a tempo-
ralidade não compromete a pesquisa de Guccione, pois não cabe pensar que a incapacidade
determinou o AVC. Mas quando se estuda a relação depressão/incapacidade esta lógica já não é
tão linear, e é nessa situação que o desenho longitudinal, como o realizado por Penninx, fornece
recursos analíticos valiosos para entender os nexos de determinação.
Examinado o papel das doenças na determinação das incapacidades, impõe-se uma
consideração final. O risco relativo, ou o seu equivalente, o odds ratio, é um indicador
importantíssimo e expressa principalmente um risco individual em termos de probabilidade.
No entanto, se o objetivo for também a organização da atenção ao idoso, então é necessário
combinar dois indicadores: o Risco que está associado à doença e o valor da prevalência da
doença na população.
Com os dados de Guccione pode-se efetuar um cálculo que demonstra o que se afirmou no
parágrafo anterior. Foi visto naquela pesquisa que os pacientes com AVC apresentaram um
risco de desenvolver incapacidade para fazer compras 3,63 maior do que os pacientes sem

30 C APÍTULO 2
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AVC. Para efetuar a demonstração do papel da prevalência, é necessário agregar outras infor-
mações da mesma pesquisa, no caso a informação real de que os idosos com problemas no
coração possuem um risco de 1,80 de desenvolverem a incapacidade de fazer compras em
relação aos que não têm problemas no coração.
O risco é maior no grupo com AVC (3,63 × 1,80), mas como a prevalência de doentes do
coração é quase o triplo daquela dos doentes com AVC, na amostra de Guccione, o número
absoluto de idosos com incapacidade para fazer compras entre os cardiacos é de 33, enquanto
nos com AVC é 26. Isso significa que em termos de atenção à saúde, particularmente para
incapacidade de fazer compras, os problemas cardíacos contribuem com maior número de
casos, apesar de o risco ser menor.
É claro que o idoso que tem AVC possui, individualmente, risco maior de apresentar
incapacidade do que o doente do coração, mas considerando conjuntamente os riscos com as
prevalências, sendo que esta última é maior no caso dos doentes do coração, esta doença
cresce de importância do ponto de vista de volume de casos para atenção médica e social.
Todavia, ambas as perspectivas são de valor e devem ser consideradas, tanto a individual
como a coletiva.
Já os fatores socioculturais, outro grupo de determinantes, englobam um conjunto diver-
sificado que inclui fatores como escolaridade, atividade física, fumo e participação social.
A escolaridade é uma variável relativamente fácil de quantificar com segurança, e por isso
comentaremos a pesquisa de Amaducci, que estudou de forma bastante adequada, a relação
entre escolaridade e capacidade funcional.
O estudo tem vários méritos. É também longitudinal, com seguimento de dois anos; defini-
ram claramente incapacidade, classificaram-na como pequena quando havia comprometimento
de uma ou duas atividades básicas, e moderada a grave quando havia comprometimento de
três ou mais atividades básicas; ajustaram o odds ratio da escolaridade por ocupação, por
doenças, no caso, Parkinson, AVC, doença do coração e diabetes.
Constatou que o grupo com três anos ou menos de escolaridade apresentou o maior risco
de incapacidade. Este risco decresceu 30% quando o grupo tinha quatro a cinco anos de
escolaridade, 60% para o grupo de seis a oito anos e 80% para o grupo com mais de oito anos.
Como afirmamos, a escolaridade é uma variável mais fácil de quantificar dentre as sociocul-
turais e, por isso, foi aqui selecionada para se examinar seu uso em estudo epidemiológico.
Completando a análise dos fatores selecionados para o exame dos determinantes da IF, é
necessário comentar sobre o envelhecimento em si como fator de incapacidade. Redução da
força muscular, citada no início deste tópico, diminuição da flexibilidade articular, diminuição
da velocidade das respostas e das resistências em geral, podem favorecer o surgimento de
incapacidades. Não identificamos estudos sistematizados sobre esses fatores, e sim observa-
ções clínicas. Mas não há dúvidas de que é fundamental considerar esses aspectos.
Finalizando o tópico, é importante lembrar que nenhum desses fatores é um determinante
absoluto, ou automático, e que com grande freqüência esses determinantes agem em conjunto.
Uma demonstração de que esses fatores não são determinantes absolutos e automáticos é o
fato de que 20% dos idosos com problemas do coração, não-institucionalizados, apresentam
incapacidade, o que é um valor elevadíssimo, mas significa também que 80% dos idosos com
problemas do coração não apresentam incapacidade.
Quanto à ação conjunta, e dinâmica, pode ser citado, entre outros, o que se denomina
secondary disability. Constitui uma situação mais grave, e um exemplo é o caso do paciente
com AVC que, ao ser manipulado, sofre uma subluxação do ombro. Há várias outras possibili-
dades de “ação conjunta” de determinantes para os quais se deve estar atento.

CAPÍTULO 2 31
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PREVENÇÃO E REABILITAÇÃO
As ações de prevenção e promoção da saúde, que incluem medidas referentes às doenças
e aos aspectos do bem-estar social e cultural, são fundamentais tanto para os idosos com CF
preservada como para aqueles já com incapacidade.
No caso daqueles com função preservada, essas ações são necessárias para manter o
estado funcional íntegro. Já para os que desenvolveram incapacidade, as ações de prevenção
e promoção da saúde continuam a ser necessárias e relevantes, mas não são suficientes, pois
estes idosos demandam também ações de reabilitação.
A Prevenção é uma postura, de longe, a mais desejável, mas como ela já foi analisada no
capítulo anterior, e o será no decorrer do livro, especialmente no capítulo de Promoção, dare-
mos ênfase aqui à Reabilitação.
A Reabilitação do idoso é um processo complexo, e uma das razões dessa complexidade é
que a incapacidade funcional, que é o objeto de seu trabalho, é multifacetada. Já foi destacado
que existe um grande número de diferentes alterações da capacidade funcional; que os fatores
determinantes também são múltiplos; e agregue-se ainda o fato de que a gravidade da incapa-
cidade também é variável.
Uma decorrência dessa complexidade é a necessidade de uma equipe de diferentes profis-
sionais para atender ao idoso, porque nenhum profissional, ou disciplina, possui todo o co-
nhecimento necessário. A composição mínima inclui médico, enfermeiro, fisioterapeuta e o
terapeuta ocupacional. Uma vez que o trabalho em equipe é essencial, é importante lembrar de
algumas posturas da Equipe que favorecem o sucesso do trabalho como a definição clara dos
objetivos, a assunção de papéis e avaliação conjunta das atividades
Outra decorrência dessa complexidade — particularmente dos graus variáveis de gravida-
de das incapacidades — é o fato de que o local onde se realiza a Reabilitação varia desde o
domicílio, local com baixa tecnologia material, em geral, até centros hospitalares com concen-
tração de alta tecnologia. Entre esses dois extremos existe uma gama de Serviços, como por
exemplo o Hospital-Dia. Esses Serviços, situados aqui entre os dois extremos, são vários e
dependem da estrutura de atenção ao idoso no país ou região. É consenso que o domicílio é um
lugar preferencial para reabilitação, respeitadas as indicações técnicas, adequações de recur-
sos e situação social do idoso.
Os dois aspectos que foram comentados nos parágrafos anteriores são decorrência da
complexidade da Reabilitação, como foi afirmado, e a menos que se comprometa o trabalho, ele
deverá, sempre que possível, ser desenvolvido por uma equipe, de composição variável, e
realizado no espaço adequado.
Mas há outros procedimentos que não são assim automáticos e que dependem das op-
ções da Equipe. O fato de dependerem da opção da Equipe não os torna menos importantes e
são denominados de princípios. O conjunto de princípios articulados forma a estratégia, e
citaremos alguns destes princípios não só para descrevê-los, como para distingui-los das
ações técnicas, também fundamentais.
O primeiro que será citado é a necessidade de cuidar do(s) problema(s) de base que
provocou(aram) a(s) incapacidade(s). Este procedimento é extremamente lógico, como é o
procedimento de explicar a situação ao paciente e à família, quando for o caso, com a finalidade,
entre outras, de obter a participação do idoso e da família.
O diagnóstico da(s) incapacidade(s) deve ser o mais exato possível, e é importante também
diagnosticar a(s) desvantagem(ens) associada(s), porque esta(s) é(são) muito motivadora(s)
para o idoso.
A monitorização é outro componente essencial no processo de Reabilitação. Recomenda-se
estabelecer objetivos para curto, médio e longo prazos, todos monitorados e avaliados junto

32 C APÍTULO 2
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com o idoso, sendo esse procedimento útil para a integração da Equipe e para estimular o idoso
a persistir no programa.
Constata-se, assim, que a Reabilitação é uma prática que exige, além de uma base técnica
específica, um planejamento e organização adequados.
Por isso surgiram modelos de atenção nesta área, inclusive na perspectiva coletiva. Será
citado o de Isaacs e Neville, que privilegiaram o tipo de serviço proporcionado e a duração de
tempo de uma pessoa junto ao idoso.
O primeiro procedimento deste modelo, de “Isaacs e Neville”, é comum aos outros modelos
e consiste em avaliar a capacidade funcional e conseqüentemente a extensão da ajuda a ser
recebida. A viabilidade da continuidade do apoio é também um diagnóstico inicial fundamental.
A partir destes dados, os idosos são classificados em três grupos: precisam ter um acom-
panhante continuamente; precisam de acompanhante em alguns períodos do dia; precisam de
companhia, mas não diariamente. Outra classificação considera o período do dia, dividindo em
manhã, tarde e noite.
A partir deste diagnóstico é possível, segundo a proposta dos autores, planejar com maior
racionalidade as ações de reabilitação para o idoso.
Existem outros modelos, mas selecionamos o de “Isaacs e Neville” para ilustrar os
modelos de Reabilitação, não só pela sua importância mas também pela facilidade de acesso
à bibliografia.
Não é objetivo deste capítulo comentar com profundidade aspectos técnicos da reabilita-
ção, mas dada a sua grande importância, citaremos alguns procedimentos técnicos desenvol-
vidos por diferentes membros da equipe de reabilitação.
Para isso foi selecionado como situação-problema o acidente vascular cerebral (AVC), e
serão citados apenas dois procedimentos técnicos por categoria de profissional. Esses proce-
dimentos ocorrem à medida que se dê a indicação e condições. O terapeuta desenvolve as
atividades que visam à ida do paciente ao banheiro e ao uso de aparelhos para locomoção, que
são os mais variados; o terapeuta ocupacional treina o idoso para recuperá-lo para as Ativida-
des de Vida Diária Básica; o fonoaudiólogo ajuda não só na fala mas na comunicação; o
geriatra cuida da situação clínica, que inclui não só o AVC, mas também as intercorrências.
O idoso com AVC, particularmente o hospitalizado, requer atenção técnica especializada
em geral de alta tecnologia. Mas é interessante citar, também, um recurso que no exterior é
denominado Aids and appliance — tools for living. São soluções simples, freqüentemente
úteis, utilizadas no domicílio, como o uso de velcro em vez de botões, ou mesmo aparelhos/
equipamentos de baixa complexidade, sempre sob orientação e supervisão da equipe.
Constatam-se, assim, avanços na reabilitação. Mas é consenso que há necessidade de
aperfeiçoá-la, e nesse sentido as avaliações das estratégias, e particularmente de seus resulta-
dos, são fundamentais.
A avaliação dos resultados é uma tarefa reconhecida como difícil, num quadro de muitas
variáveis, com existência de melhoras espontâneas mesmo sem intervenções, em 10 a 20% dos
casos. Mas avaliações existem e selecionamos três que usaram diferentes tipos de estudos
epidemiológicos, ou seja, um estudo populacional tipo ecológico, um estudo observacional e
um estudo de intervenção.
O primeiro estudo é o de Freedman, que analisou dados de uma coorte norte-americana
acompanhada por 10 anos. Metodologicamente, é o estudo mais limitado porque analisa grupa-
mentos e não pessoas individualmente, mas esta pesquisa apresenta várias qualidades que
compensam, em parte, essas limitações. Apóia-se numa pesquisa ampla, o Supplements on Aging
to the 1984 and 1994 National Health Interview Survey (NHIS). Ao buscar a associação entre
cada doença e incapacidade, ajusta a associação para as variáveis sexo, raça, educação, estado

CAPÍTULO 2 33
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marital e realiza uma análise excelente com base na bibliografia. Não analisou diretamente o
trabalho de reabilitação, mas o modelo de análise se aproxima bastante do tema.
Freedman examinou inicialmente a evolução do quadro da incapacidade, no decênio e
constatou que a proporção de idosos com incapacidade diminuiu no decorrer do tempo. Bus-
cando uma explicação para essa evolução, analisou a morbidade no mesmo período e consta-
tou que essa se elevou, ou seja, a taxa de prevalência das doenças aumentou.
Esses são dados objetivos, e a partir deles o autor enuncia duas hipóteses que são articu-
ladas entre si. A primeira, é que provavelmente a gravidade das doenças diminuiu no período,
o que explica o aumento das doenças e diminuição das incapacidades; a segunda, é que o que
deve ter ocorrido foi o tratamento mais precoce das doenças, porque a prevalência não dimi-
nuiu, e até aumentou. Se tivessem ocorrido ações preventivas eficazes, a prevalência teria diminu-
ído, segundo os autores.
Freedman é cauteloso nestas análises, e alerta para a necessidade de outros estudos
confirmatórios.
Walk estudou a influência da qualidade das Instituições para idosos no surgimento da IF.
Para tanto agrupou conjuntos de instituições que acolhem idosos em Israel, segundo a quali-
dade das mesmas, aferidas por indicadores como, por exemplo, o treinamento da equipe. Trata-
se de um estudo observacional, porque os dados foram obtidos por um programa estatal, e não
por Walk.
No início da pesquisa conhecia a situação funcional dos idosos em todas as Institui-
ções, e partir daí o pesquisador acompanhou estes idosos por quatro anos. Com isso elabo-
raram um estudo longitudinal e observacional, pois os dados eram “produzidos” sem sua
intervenção.
Como é possível prever, com base na lógica clínica, os idosos residentes nas instituições
cujos indicadores avaliatórios revelaram qualidade menos satisfatória apresentaram maior inci-
dência de incapacidades. Por exemplo, o risco de desenvolver alteração na atividade “tomar
banho sozinho” foi de 1,5 nos idosos residentes nas instituições comparados aos idosos
residentes nas instituições com melhores indicadores. No caso da incontinência urinária este
risco foi de 6,2.
O importante, nesta abordagem, é a identificação das diferentes magnitudes de risco,
nas várias atividades. Essa informação é valiosa para o planejamento e avaliação das ações
de intervenção.
O terceiro estudo é o que apresenta maior potencial explicativo, do ponto de vista metodo-
lógico, porque trata-se de um ensaio clínico e portanto com maior possibilidade de controle. É
a pesquisa de Hart, que estudou incapacidades ligadas à motricidade em idosos com 85 anos
e mais. Identificou 79 idosos incapacitados e os dividiu em dois grupos, um recebendo ajuda e
outro não. Os que tinham apoio apresentaram melhor evolução. Estudos de intervenção, como
o de Hart, têm de considerar, com maior cuidado, os aspectos éticos, pertinentes, o que dificul-
ta a expansão deste tipo de estudo no problema das incapacidades.
Ao encerrar este capítulo, cabe afirmar que o conhecimento científico sobre a CF pode ser,
hoje, avaliado sob duas perspectivas.
Por um lado, uma avaliação positiva, pois existe um volume de conhecimento apreciável
sobre o tema, o que permite ações efetivas de prevenção e reabilitação. De outro, o reconheci-
mento de que muitos pontos sobre a CF precisam ser aclarados, o que não é estritamente uma
avaliação negativa, mas alerta para a necessidade do prosseguimento de pesquisas.
Assumindo, então, que já se conhece muito sobre CF, em termos teóricos e práticos, apesar das
lacunas, questões importantes devem ser enunciadas: em que medida os idosos estão se benefi-
ciando desses recursos técnicos eficazes? Quais as razões daqueles que não se beneficiam?

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Tal questão aparenta ser de fácil resposta quando analisada apenas intuitivamente, pois é
óbvio que são os idosos pertencentes aos segmentos excluídos da sociedade que seguramen-
te estão entre os que não se beneficiam dos conhecimentos e recursos sobre a CF.
Mas uma análise mais sistematizada sobre esse tema exige, como se verá, uma série de
definições, que torna o assunto mais complexo. Para ilustrar o que foi afirmado, pode-se recor-
rer ao estudo de Alonso, realizado na Espanha. Nesse estudo, Alonso definiu inicialmente o
“idoso necessitando de serviços de saúde”, como o idoso com autoavaliação desfavorável, ou
acometido por duas ou mais doenças crônicas, ou dependente em pelo menos uma atividade
de vida diária básica. Já “necessidade não atendida” foi definida como ausência de contato
com o médico nos últimos 12 meses. O autor calculou, a partir destes critérios, o percentual de
não-atendimento para cada tipo de necessidade e o resultado foi, em média, de 15% de não
atendidos, entre os necessitados.
Desai desenvolveu pesquisa semelhante nos EUA e encontrou um percentual de 20%.
É claro que os conceitos utilizados e sua operacionalização, dado as suas complexida-
des, devem ser objeto de reflexão, cabendo-se propor outras definições de “necessidades”
e de “atendimento”.
Mas a opção de comentar sumariamente essas duas pesquisas, no final do capítulo, não é
essencialmente para examinar seus aspectos metodológicos, o que deve ser realizado oportu-
namente, mas para destacar a pertinência de estudos que forneçam subsídios às políticas
públicas para que estas estendam à totalidade dos idosos o conhecimento tecnicamente dis-
ponível, assim como os recursos.
Estes itens estão baseados no BOMFAQ

(Brazilian version of the OARS Multidimensional
Functional Assessment Questionnaire), instrumento validado por Ramos (l987) e muito utiliza-
do no Brasil.
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CAPÍTULO 2 35
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ANEXO
É importante frisar que estão listadas as variáveis e não a reprodução do questionário, de
acordo com o propósito expresso no rodapé da primeira página deste capítulo.
As variáveis listadas, apenas como ilustração, fazem parte das dimensões “atividades de
vida diária” e “saúde mental” do questionário do projeto epidoso (total de sete dimensões).
• Atividades de Vida Diária
Deitar/levantar da cama
Comer uma refeição
Pentear o cabelo
Andar no plano
Tomar banho
Vestir a roupa
Ir ao banheiro
Subir um lance de escada
Tomar remédios na hora
Andar nos arredores da casa
Fazer compras
Preparar refeições
Cortar as unhas do pés
Pegar transporte público
Fazer faxina na casa
• Saúde Mental
Acorda descansado?
Vida monótona?
Vontade de abandonar o lar?
Ninguém te entende?
Vontade de largar tudo?
Sono agitado?
É feliz a maior parte do tempo?
Sente que o mundo é contra?
Sente-se inútil?
Sente-se bem a maior parte do tempo?
Problemas de dores de cabeça?
Sente-se fraco na maior parte do tempo?
Tem dificuldade de equilíbrio?
Tem falta de ar ou peso no coração?