[Carl rogers] novas formas de amor

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About This Presentation

psicologia centrada na pessoa


Slide Content

Titula do original norte-americano:
BECOMING P A R TN E R S: M A R R IA G E A N D IT S A L T E R N A T IV E S
Copyright (§) 1972 by Carl R . Rogers
Direitos para a língua portuguesa reservados à
LIVRARIA JOSÉ OLYMPIO EDITORA S.A.
Rua Marquês de Olinda, 12
Rio de Janeiro — República Federativa do Brasil
Printed in Brazil / Impresso no Brasil
Capa:
Grit von Franscky
FICHA CATALOGRÁFICA
(Preparada pelo Centro de Catalogaçao-na-fonte do
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, P J )
Rogers, Cari R.
R631n Novas formas do amor: o .casamento e suas alternativas; tradu­
ção de Octavio Mendes Cajado. 3?ed;Rio de Janeiro, J. 01ympio,1976.
240 p. 21 cm.
Do original norte-americano: Becoming partners: marriage and
its ahernatives.
Bibliografia.
1. Amor. 2, Casamento. 3. Família. 4. Sexo. I. Título. II.
Título: O casamento e suas alternativas.
CDD — 301.42
155.645
301.418
74-0281
CDU — 392.6
159.922.1

SUMÁRIO
INTRODUÇÃO / POR QUE E SfÒ # ESCREVENDO JESTE LIVRO? 9
1 / PRVlEMBiSÜCASAlRa .
Por queJoan se casou, 19. A perda de si mesmo e o seu efeito sobre
o casamento, 21. A salvação de^um casamento, 26. O meu caisa-
ménto, 28. Algumas observações finais, 36><Sf
2 / UM CASAL “C>AS^^ - 3 Í
A ligação anterior, 38. Vivendo juntos, 40. As mudanças acarre­
tadas pelo casamento, 4% ’“XJma difèrença ho modus operandV*, .
46. Alguns problemas no relacionamento, 47. Às pressões da socie­
dade, 49. Uma discussão,^ 50. O relacionamento sexual, 53. Um
breve olhar para b^futuro/5% a -
3 / UM CASAMENTO uM O D E R N d ^ l ^ Í ^ .. . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
O relacionamento, 59. Reações à libertação sexual, 62. O relacio­
namento sexual, 64. Um “momento difícil”, 67. Algumas metas e
alguns pensamentos profundos, 68. A qualidade mudável do rela­
cionamento, 70. Dificuldades nas relações sexuais, 71. O sexo coin
outro, 72. Duas concepções do casamento, 73. Um adendo final de
üitimáv honf.
B j i y C ^ S M Í S 3 É 76
5 / TRÊS CASAMENTOS E UMA PESSOA QUE ESTÁ
B p R E S c i l l i j M ........ . . . . . . 83
Os significados que encontro, 100.
As suas relações com a mãe, 105. Os antecedentes e a vizinhança,
106. Escola, 108. O primeiro casamento, 108. O esgotamento e o
rompimento, 111. O período entre os casamentos, 114. O casamen­
to com Becky, 116. As dificuldades nurrj^casamento iríter-racial, 118.
Os parentes, 122. As relações ná família, 122.

7 / AS COMUNAS COMO EXPERIÊNCIAS DE RELAÇÕES
HUMANAS E SEXUAIS :
............................. 126
As relações humanas como foco, 126. Algumas observações gerais
sobre as comunas, 127. Nove exemplos rápidos, 129. Problemas
pessoais, 132. Relacionamentos que envolvem parceiros sexuais,
137. Ciúme dos “casos” dos parceiros, 137. O sofrimento causado
pela mudança de parceiros, 138. A possibilidade de uma orgia, 139.
Amor entre mulheres e ciúme, 139. Ciúme da intimidade, 140. Ma­
neiras de lidar com tais problemas, 141. A mulher libertada, 141.
Minhas reações, 142. Outro exemplo de relações experimentais, 144.
Uma trinca em formação, 147. Alguns elementos significativos, 149.
Que significa a comuna para as crianças?, 151. A “família Manson”,
153. Algumas coisas que aprendi, 154. Por que ingressar numa
comuna, 156. Uma transição, 159.$ff
8 / QUINZE ANOS DE UM CASAMENTO QUE MUDOU
RADICALMENTE .........V.'......... 160
A mudança pioneira, 161. Três fases do casamento, 164. O esgota­
mento de Denise e a sua falta de personalidade, 166. O casamento
salvo por suas crises, 168. O elo profundo — pontos de vista dife­
rentes, 169. Como foi que você adquiriu personalidade, 171. O epi­
sódio de Margaret, 173. “Eu posso decidir ficar doente", 176. Eric
e a “doença” de Denise, 177. As conseqüências, 178. Amantes fora
do casamento, 179. O sexo é. apenas brincadeira — ou não £?, 180.
O ciúme de Eric, 181. O sofrimento e possessividade de Denise, 183.
O paradoxo, 185. Que é possessividade?, 186. O lugar das drogas,
186. A mocidade e “depois dos trinta”, 188. O casamento como pro­
cesso, 189. A conclusão de Eric, 190. Comentários e lições, 191.
9 / INDÍCIOS DE PERMANÊNCIA, DE ENRIQUECIMENTO .... 198
Dedicação? Compromisso?, 198. Comunicação, 201. A dissolução
dos papéis, 204. Tornando-se uma personalidade separada, 205. Só
quatro?, '208.
10 / E ENTÂO? QUE FAZEMOS? 209
Liberdade para fazer experiências no terreno dás uniões, 211. A edu­
cação para a interação humana, para a comunicação humana, 212.
A educação para a união, 214. Casais e famílias como recurso, 215.
Uma observação final, 217.
PARA CONTINUAR / UMA BIBLIOGRAFIA ANOTADA PARA
FUTURAS PESQUISAS MM.. '........ 219
6

NOVAS FORMAS DO AMOR
0 CASAMENTO E SUAS ALTERNATIVAS
Pa r a He l e n
Uma pessoa por direito próprio
— generosa, amante, forte —
minha companheira
em nossos caminhos separados
mas entrelaçados de crescimento;
enriquecedora de minha vida;
a mulher que amo;
e — felizmente para mim —
minha esposa.

INTRODUÇÃO
P O R Q U E E S T O U E S C R E V E N D O
E S T E L IV R O ?
Eis aí uma pergunta que fiz muitas vezes a mim mesmo enquanto
trabalhava nesses capítulos. Curiosamente, a resposta inesperada me
acode de repente ao espírito:
— Porque gosto de gente moça.
Faz muitos anos que isso é verdade, e é mais do que verdade
neste momento. Muita coisa do que aprendi a respeito do mundo
moderno vem do meu hábito de prestar atenção aos jovens — jovens
colegas, amigos e netos — e de estar disposto a aprofundar-me com
eles nos elementos da vida que os emocionam, encolerizam e deixam
perplexos. Considero um privilégio o fato de ser a maioria das mi­
nhas associações e amizades estabelecida com indivíduos que têm
trinta e até cinqüenta anos menos do que eu. Alguns desses jovens
que conheço representam para mim toda a esperança que existe paira
este “planeta branco azulado” em seu trajeto por um universo es­
pacial muito escuro.
Por intermédio dos meus contatos com os jovens fiquei conhe­
cendo muito bem as incertezas, os temores, a bela e sincera desen­
voltura, as alegrias e frustrações que lhes assinalam as tentativas para
construir entre o homem e a mulher um tipo de associação que encerre
um elemento qualquer de permanência — não necessariamente uma
permanência que dure a vida inteira mas, de qualquer maneira, algo
muito mais significativo do que uma união transitória.
Daí que principiasse a germinar em minha mente a idéia de
que eu talvez tivesse alguma coisa para òferecer-lhes na sua luta
pioneira por construir novas espécies de casamentos e alternativas
para o casamento. Não se trataria, evidentemente, de um estúpido
livro de conselhos, mas talvez de algo novo.
9

Começou, entãoy a tomar forma um vago conceito do que po­
deria ser esse algo novo. Sei que podemos descobrir tudo o que qui­
sermos sabér sobre as exterioridades do casamento e das uniões em
geral. Descobrir , as diferenças què existem entre as necessidades e
o ajustamento sexuais do homem e da mulher. Ler livros sobre a
maneira de aprimorar o ato sexual. Estudar a história do casamento.
Determinar a percentagem dé jovens alunos de escolas superiores
que vivem maritalmente sem casamento. Compulsar listas, tiradas
de questionários, das principais causas de satisfação e insatisfação
de pessoas casadas —- e assim por diante. Vivemos mergulhados em
dados. Raras vezes, porém, topamos com um retrato verdadeiro do
que seja uma união, tal como é percebida, vivida e experimentada
pelos que dela participam. Talvez fosse esse o novo elémento que
eu poderia acrescentar^
Comecei a pensar na riqueza de experiências existentes em al­
guns casamentos e outras ligações que conheço. Seria eu capaz de
extrair essa riqueza? Estariam os casais ou os indivíduos dispostos
a revelar-se? De todas as uniões a cujo respeito sei alguma coisa,
qual delas proporcionaria o maior número de ensinamentos? Seria
possível apresentar um quadro vivo das lutas, dos momentos de
“compreensão mútua”, das horas de sofrimento e dos meses de per­
plexidade, ciúme, desespero, que concorrem para formar uma união
— quer “funcione”, quer se dis,solva?
Principiei, assim, a entrevistar alguns casais, gravando em fita
os nossos contatos. Pedi a outros que me escrevessem a respeito das
experiências íntimas da sua vida em comum. E confesso que a res­
posta me surpreendeu. Nunca recebi um não, puro e simples. Em
lugar disso, tanto os indivíduos quanto os casais me deram uma ima­
gem íntima do casamento (ou das suas alternativas) tal como é per­
cebido pelos seus participantes. Estas percepções e bosquejos re­
presentam para mim — e para este livro — os dados que conduzem
ao conhecimento. O espetáculo das vicissitudes dessas uniões, visto
pelo prisma da pessoa que está vivendo a experiência, alcança o que
são, para mim, diversos objetivos importantes. O material não se
impõe à atenção do leitor, dizendo: “É assim que você precisa ser”;
nem se parece com um grito de alarma, como quem diz: “Não vá
por esse caminho!”; tampouco estabelece conclusões claras, irretor-
quíveis; é muito simplesmente uma pessoa ou um casal que diz ao
leitor: .■ - ■'
— Eis como é e como foi para mim ou para n ó s... talvez
você possa aprender em tudo isso alguma coisa que o ajudará a
fazer as suas mudáveis e arriscadas opções.

Para mim, uma visão assim, “de dentro”^ altamente pessoal,
não é apenas a melhor fonte de aprendizagem; talvez mostre tam­
bém o caminho para uma ciência nova e mais humana do homem.
Não seguiremos, porém, nessa direção, que nos afastaria muito da
finalidade deste livro.
Das entrevistas e do material pessoal escrito de que disponho
procurei selecionar um espectro razoavelmente amplo de pessoas e
situações que, no meu entender, podem ser de maior interesse e
utilidade. Organizei cuidadosamente o material a fim de disfarçar
nomes, lugares e. outros elémentos de identificação. Mas não alterei
de maneira alguma o conteúdo psicológico pessoal. Entretanto, como
precisei fazer um decidido trabalho de seleção de tudo o que com­
põe este livro, gostaria de expor os critérios pelos quais me orientei.
Primeiro. Expressar-se-iam os indivíduos (isolada ou conjun­
tamente) com absoluta liberdade, espontaneidade e sinceridade a
respeito das uniões em qué têm vivido? Fosse falando, fosse escre­
vendo acerca do casamento, da vida em comum, das experiências
sexuais extraconjugais, diriam eles exatamente como é (ou como
foi)? Pareceu-me que o retrato “objetivo”, que se limitasse aos fatos
externos de uma ligação não teria nenhuma finalidade-útil, por mais
exata que fosse, ao passo que um vislumbre de intimidade profunda
poderia trazer à tona problemas que o próprio leitor está enfrentando
em seu foro íntimo. E é o leitor quem terá de ajuizar se obedeci
ou não satisfatoriamente a esse critério.
Segundo. Tentei escolher pessoas cuja experiência fosse sufi­
cientemente demorada para proporcionar alguma perspectiva sobre
a união ou a sua desintegração. Não se encontrará àqui nenhum
relato, feito por um casal, da sua lua-de-mel, como também não
se encontrarão descrições das agonias de um divórcio. Procurei es­
colher pessoas que tivessem passado por todos os altos e baixos e
percorrido todos os desvios, penosos ou emocionantes, de uma li­
gação, e que fossem capazes de ver e relembrar claramente essas
ocorrências, mas cuja capacidade de percepção não houvesse sido
falseada por um momento de êxtase ou de trauma. Disso resulta
que inúmeras uniões aqui descritas duraram de três a quinze anos, e
a maioria das pessoas têm idades que vão dos vinte aos trinta e seis
anos. A principal exceção nesse sentido é representada pela minha
tentativa de descrever meu próprio casamento: tanto eu quanto mi­
nha mulher já passamos dos setenta.
Terceiro. Fiz questão de incluir ligações que encerrassem am­
pla série de experiências positivas ou negativas, óu ambas. À medida
que as pessoas se apresentam neste livro, podemos ver que, avalia­
11

das pelos padrões- da sociedade, vão do “sucesso” ao “fracasso”, com
muitos casos que a nossa cultura encontraria dificuldade para classi­
ficar. No meu entender, eles abrangem elementos altamente satis­
fatórios e outros tragicamente insatisfatórios, entremeados de alguns
de caráter misto.
Quarto. Eu queria escrever este livro baseado no meu contato
direto com essas pessoas de modo que, fossem quais fossem os ensi­
namentos mais profundos que me tivessem proporcionado, esses con­
tatos pudessem ser intercalados entre as experiências delas como
fios distintos e separados. A única exceção a isto é representada
pelo capítulo sobre às experiências comunais, em que precisei de­
pender muito dos outros para a obtenção de dados pessoais de pri­
meira mão.
Expus os meus critérios como se fossem claros. Na realidade,
porém, eles se desenvolveram aos poucos, à proporção que o livro
se formou tomando uma espécie de rumo próprio, natural e irregu­
lar, que busquei seguir. Talvez este enunciado, aparentemente claro,
do que escolhi devesse ser contrabalançado por alguns enunciados
do que o livro não é, de rumos que ele não seguiu naturalmente.
Não é um estudo de enlaces nem de casamentos em todas as
culturas. Refere-se à busca de ligações, feita por homens e mulheres,
nos Estados Unidos durante a década de 1970. Não faz a menor
tentativa de lidar com os padrões europeus ou orientais, se bem eu
acredite que estamos todos caminhando para estilos semelhantes.
Não abrange uniformemente todas as classes ou linhas e níveis
culturais deste país. Em razão das espécies de contatos que tenho,
não incluí narrativa alguma de um casamento rico nem de alguma
união de nível rigorosamente pobre. Algumas dessas pessoas têm
vindo de níveis econômicos inferiores e um preto viveu num gueto,
mas a maioria dos indivíduos não pode ser classificada como eco­
nomicamente desamparada. Isto, para mim, não é muito ruim, pois
acredito que a maioria dos leitores pertence, de certo modo, ao
mesmo grupo.
Não se trata, como já frisei, de um livro de conselhos nem de
uma coleção de estatísticas — emfcora se encontrem uns poucos al­
garismos no primeiro capítulo — nem de uma análise profunda de
tendências sociológicas.
Na realidade, o livro é uma série de fatias, quadros, percepções
— de relacionamentos, derrocadas, reestruturações — numa ampla
variedade de ligações. Estes mergulhos no íntimo de cada um não
são apresentados de maneira apreciativa. São “boas” ou “más” tais
12

uniões ou pertencem a alguma outra categoria de valor? Não sei.
Elas existem. Acredito que o leitor encontre aqui relatos íntimos e
significativos de relacionamentos entre um homem e uma mulher tais
como são realmente vividos — com todas as suas tragédias, as suas
fases de enfadonha estabilidade, os seus momentos oú períodos de
êxtase, e exemplos que se multiplicam de emocionante desenvolvi­
mento.
Sinto-me profundamente grato aos casais e indivíduos, necessa­
riamente anônimos, cujas comunicações registradas constituem parte
tão grande deste livro. Confesso-me agradecido às revelações que
me fizeram sobre suas vidas e, sobretudo, à sua permissão para trans­
miti-las ao leitor.
Ainda uma palavra sobre a minha relação com este trabalho. Fui
terapeuta durante quarenta anos, orientei muitos encounter gwups e
tive oportunidades insolitamente ricas de fazer amizade com jovens
casais. Não obstante, quando me pus a escrever este livro, descobri
que não poderia, de maneira alguma, tirar o que quer que fosse das
experiências passadas. Só conseguia recordar e registrar o que era
recente e imediato para mim. De outro modo, eu teria a impressão de
estar escrevendo um livro de “casos”. Daí que, embora nos comen­
tários eu me valha indubitavelmente de experiências passadas e pre­
sentes, o material essencial que se segue é novo e, com poucas ex­
ceções, foi todo coligido nos últimos doze meses.
Se, de um modo ou de outro, ele assistir o leitor nesse arris­
cado processo a que chamamos viver, e nos riscos especiais de uma
união com outra pessoa, este livro terá atingido plenamente os seus
dbjetiv<MÍ

'
I

warn
D E V E M O S C A S A R ?
Ao tentar encontrar meu caminho no estudo deste problema, pro­
blema difícil para quase todos os jovens e para muitas pessoas de
mais idade, eu gostaria de começar onde o livro começou. Desafia­
ram-me, há algum tempo, a tentar descrever as relações -humanas
tais como poderiam existir no ano 2000. O que então escrevi sobre
as relações entre o homèm e a mulher talvez nos forneça um pano
de fundo diante do qual podemos colocar alguns exemplos muito
mais atuais de casamentos que se dissolveram, ou que duraram, ou
que foram restaurados. Assim, para começar, aqui estão as ten­
dências que mé parecem mais prováveis do casámento e das suas
várias alternativas.
Que nos reservam as próximas décadas no terreno da intimi­
dade entre o rapaz e a moça, entre o homem e a mulher? Aqui tam­
bém estão em ação forças enormes e se jazem opções que, a meu ver,
não serão muito modificadas por volta do ano 2000.
Em primeiro lugar, é provável que continue a tendência para
uma liberdade maior-nas relações sexuais, em adolescentes e adultos,
quer isso nos assuste ou não. Muitos elementos conspiraram para
provocar uma alteração nesse comportamento, e o advento da “Pí­
lula” é apenas um deles. Parece provável que a intimidade sexufll
fará parte do “namoro sério” ou de qualquer interesse continuado e
especial por um membro do sexo oposto. A atitude libertina está
desaparecendo depressa e a atividade sexual está sendo encarada como
parte integrante de uma ligação, capaz de oferecer prazer e progresso.
A atitude de posse — a posse de outra pessoa — que historicamente
* tem dominado o convívio sexual — própende a diminuir considera­
velmente. Ê evidente que haverá variações enormes na qualidade

r
das relações sexuais — desde aquelas em que o sexo é um mero
contato físico, que tem praticamente a mesma natureza solitária da
masturbação, até aquelas em que o aspecto sexual é a expressão de
uma partilha cada vez maior de sentimentos, experiências e do pró­
prio parceiro-sexualmk
Por volta do ano 2000 será perfeitamente possível assegíWSAa
inexistência de filhos numa união. Mediante qualquer um dos vários}
meios que hoje estão sendo estudados, todos os indivíduos terão asséÊ
gurada a sua permanente esterilidade durante a adolescência. Sem
necessária uma ação positiva, só permissível depois de uma decism
amadurecida, para restabelecer a fecundidade. Isso inverterá a sú
tuação atual, em que só uma ação positiva impede a concepção
Nessa época, além disso, o acasalamento, feito com o auxílio d\
computadores, dos cônjuges em perspectiva será muito mais perfeiti
do que hoje e utilíssimo para um indivíduo encontrar o companhein
congenial do sexo oposto.
Algumas uniões temporárias assim formadas poderão ser legã
J lizadas por um tipo de casamento, sem nenhum compromisso permâ
] nente, sem filhos (por acordo m útuo) e — se a união se romper
I sem acusações legais, sem necessidade de processos judiciais, ser|
^pensões alimentícias.
Está se tornando cada vez mais claro que a relação entrelo
homem e a mulher só terá permanência na medida em que satisfizei
às necessidades emocionais, psicológicas, intelectuais e físicas dos Paif
ceirós. Isso quer~3ízér~que o casamento permanente do futuro seji
"ate melhor do que o casamento presente, pois os seus ideais e m
suas metas serão de õrdem mais elevada. Os consortes exigirão mais
cTasua união do quê exigem hõjé.
Se um casal se sentir profundamente ligado e quiser çontinm
junto para ter filhos, o seu consórcio será de um tipo novo e mm
solidário. Cada cônjuge aceitará as obrigações que supõem a gerâçat
e a criação de filhos. Poderá haver um assentimento mútuo quant(
à necessidade ou não de fidelidade sexual no casamento. E possíve
que, por volta do ano 2000, tenhamos alcançado o ponto em què
através da educação e da pressão sexual, um casal só decida te
filhos quando tiver dado provas de uma afeição profunda e madure\
que propenda a subsistir.*
* Foi submetido ao Legislativo de Massachusetts um projeto de lei qu
sugere a permissão formal de nascimentos e pagamentos “substanciais” a mu
lheres que não têm filhos durante o psríodo reprodutivo normal, entre o<
15 e os 44 anos. Sinal dos tempos?
16

O que estou descrevendo é todo um contínuo de relações entre
o homem e a mulher, desde o encontro mais fortuito e as mais for­
tuitas relações sexuais, até uma união rica e satisfatória, em que a
comunicação é franca e real, em que cada qual se empenha em pro­
mover o desenvolvimento pessoal do outro, e em que existe um en­
tranhado apego mútuo, base sólida para a geração e a educação de
filhos num ambiente de amor. Algumas partes desse contínuo exis­
tirão dentro de uma estrutura legal; outras, não.
Podemos dizer, sem faltar à verdade, que grande parte desse
contínuo já existe. Mas no dia em que a sociedade tiver plena cons­
ciência dele e o aceitar abertamente, toda a sua natureza se modifi­
cará. Suponhamos que se admita francamente que alguns “matrimô­
niosf- não passam de uniões mal-sorteadas e transitórias, que se rom­
perão. Se não se permitirem filhos nesses casamentos, a proporção
de um divórcio para dois casamentos (índice atual na Califórnia) já
não será vista como uma tragédia. 'A dissolução da união, embora
penosa, não será uma catástrofe social, e a experiência talvez seja
um passo necessário ao desenvolvimento pessoal dos dois indivíduos
em sua marcha para a plena maturidade.*
Algumas pessoas terão a impressão de que o exposto é dema­
siado casual em sua presunção de que'o casamento convencional,
tal como o conhecemos neste país, éstá em vias de desaparecer ou
será consideravelmente modificado. Examinemos, porém, alguns fa­
tos. Na Califórnia, em 1970, houve 173.000 enlaces e aproxima­
damente 114.000 “dissoluções de casamento”. Em outras palavras,
para cada cem casais que se uniam 66 se separavam permanente­
mente. Cumpre reconhecer que esta imagem é falseada, pois uma
nova lei, que entrou em vigor em 1970, permitia aos casais, “dissol­
verem” os seus casamentos sem tentar incriminar a “parte culpada”,
simplesmente na base de um acordo. A dissolução torna-se defi­
nitiva depois de seis meses, e não mais de um ano, como antiga­
mente. Por isso mesmo, vejamos 1969. Naquele ano, para cada
100 casais que se desposavam, 49 se divorciavam. Haveria, sem dú?
vida, um número maior de divórcios se muita gente não tivesse es­
perado que a nova lei entrasse em vigor. No Condado de Los An-
* Rogers, C. R. “Interpersonal Relationships: USA 2000”. Sobre esta e qual­
quer outra referência neste livro, assim como notas sobre -outros que são
importantes, veja “Para continuar", bibliografia anotada no fim do livro para
os que desejam estudar melhor qualquer aspecto do assunto.
17

geles (essencialmente a cidade de Los Angeles), em 1969, os divór­
cios perfizeram 61% dos casamentos. Três casais estavam providen­
ciando a dissolução dos seus vínculos ao mesmo tempo que quatro
contraíam matrimônioí E, em 1971, no Condado de Los Angeles,
foram expedidas 61.S60 licenças de casamento e iniciados 48.221
processos de divórcio, a saber, 79% do número dos que estavam
casando. Não se trata de ações definitivas, visto que os resultados
finais só serão conhecidos dentro de algum tempo, mas trata-se de
medidas que indicam intenção. Dessa maneira, em 1971, para cada
cinco casais que pretendiam consorciar-se, quatro, pretendiam sepa­
rar-se! No espaço de três anos, ò índice de casamentos desfeitos numa
das maiores cidades do país subiu de 61% para 74% e para 79%-
Tenho a impressão de que esses casais e esses números estão ten­
tando dizer-nos alguma coisa!
Dirão alguns leitores: “Sim, mas é a Califórnia!” Pois eu es­
colhi de propósito esse Estado porque, em matéria de comporta­
mentos sociais e culturais, o que os californianos estão fazendo hoje
o resto da nação — como tem sido demonstrado de inúmeras ma­
neiras — fará amanhã. E escolhi o Condado de Los Angeles porque
o comportamento atual de um centro urbano tende a converter-se
em norma para o país no dia de amanhã. Nessas condições, pode­
mos dizer, sem carregar nas tintas, que mais de um em cada dois
casamentos na Califórnia acaba em separação. E nas áreas urbanas
— mais instruídas e mais afinadas com tudo o que é moderno —
a relação é de três para quatro e até de quatro para cinco.
Em meus contatos com os jovens compreendi, sem sombra de
dúvida, que o jovem contemporâneo propende a desconfiar do casa-
mento como instituição.. Já lhe notou tantos senões! Viu-o falhar
tantas vezes em seu próprio lar! Em compensação, o relacionamento
entre um homem e uma mulher só é significativo, só merece ser preser­
vado, quando é uma experiência que realça e desenvolve a experiên-
cia de ambos. São pouquíssimas as razões por que o casamento con­
tribui para o bem-estar econômico, como acontecia nos primitivos
tempos coloniais deste país, quando marido e mulher constituíam
um grupo de trabalho muito necessário. Ao jovem de hoje não im­
pressiona o fato de que o casamento, do ponto de vista religioso,
deve durar Haté que a morte nos separe”. Ele tende antes a consi­
derar os votos de completa permanência no matrimônio como mani­
festamente hipócritas. Da observação do comportamento de alguns
casais se depreende obviamente que, se fossem sinceras; as pessoas
envolvidas jurariam viver juntas “na doença e na saúde” enquanto o
18

casamento fosse uma experiência enriquecedora e satisfatória para
os cônjuges.
Muita gente há que “encara alarmada” o estado atual do ca­
samento considerando-o uma prova de que a nossa cultura perdeu
os padrões morais, de que estamos num período de decadência e de
que, mais dia menos dia, seremos castigados por um Deus irado por
havermos criado este poço de imoralidade em que chafurdamos. Se
bem eu concorde em que há muitos sinais de que a nossa cultura
está realmente passando por uma crise e de que ela talvez se esteja
desfazendo nas costuras, inclino-me a ver as coisas por um prisma
diferente. Estes são tempos aflitivos para muitos, inclusive para inú­
meros casais. E isso talvez se deva ao fato de estarmos vivendo
sob a maldição contida no antigo dito chinês: “Eu te maldigo; pos­
sas tu viver numa era importante.”
Tenho para mim que estamos vivendo numa era importante e
incerta, e a instituição do casamento se encontra, sem dúvida, numa
situação incerta. Se 50% ou 75% de todos os carros da Ford ou
da General Motors se quebrassem na primeira parte da sua vida
útil de automóveis, tomar-se-iam medidas drásticas. Falta-nos, po­
rém, um método tão bem organizado para lidar com as nossas ins­
tituições sociais, de modo que as pessoas têm de conformar-se em
tatear, mais ou menos às çegas, na busca de alternativas para o ca­
samento (que é, sem dúvida, bem sucedido em menos de 50% dos
casos). i A vida em comum sem casamento, a vida em comunas, os
centros extensos de puericultura, a monogamia em série '(com um
divórcio depois do outro), o movimento de liberação feminina para
fazer da mulher uma pessoa por direito,próprio, as novas leis Sobre
o divórcio, que suprimem o conceito de culpa — tudo isso são ta-
teios na procura de um novo relacionamento entre o homem e a mu­
lher no futuro'. Seria necessário um homem mais arrojado do que
eu para predizer o que sairá de tudo isso.
Em compensação, quero que este capftulo apresente certo nú­
mero de vinhetas de casamentos verdadeiros, cada um dos quais assu­
me uma forma diferente, cada um dos qúais suscita questões pro­
fundas — de moral, praticidade, desejabilidade pessoal. Fio-me de
que, embora não se forneçam respostas, se encontrarão muitos ele­
mentos para reflexões e tomadas pessoais de decisão.
POR QUE JOAN SE CASOU
Ouçam o que diz Joan, uma moça divorciada, ao partilhar com
um encouníer group de alguns antecedentes do seu casamento. O

seu relato tem muitas coisas significativas para mim, e mais adiante
falarei de algumas. Ouçam-na:
Acho que me casei por todos os motivos errados. Na ocasião não
me restava outra alternativa. “Todas as minhas amigas estão casando
o que é que eu vou fazer? Estou no último ano da faculdade, sou
velha pra burro. £ melhor começar a pensar em casamento. Não
sei que outra coisa posso fazer. Talvez lecionar, mas isso não basta.'* {
Casei com um homem muito popular, sendo eu uma criatura^
muito insegura, muito insegura mesmo; e pensei: "Bem, tenho saído \
com ele e todo o mundo o aprecia, por isso, se nos casarmos, todo-,
o mundo me apreciará!” E embora o homem com quem casei não
me parecesse realmente sincero, eu me sentia segura. Por isso, e por '
não saber o que fazer quando me formasse. . . acabei casando com\
ele.
Um pouco mais adiante ela revela, com maiores detalhes, o tipo
de reflexões que lhe precederam o casamento.
A razão •por que fiquei noiva foi porque uma das minhas me-1
lhores amigas tinha ficado noiva, ganhara um anel muito bonito e
estava fazendo uma porção de planos de casamento. Minhas ami­
gas viviam dizendo: “Ora, essa, Joan, por que você e Max não
casam? Faz três anos que vêm saindo juntos. Não o deixe ■ esca-i
par! Se deixar fugir um homem como ele, será muito estúpida!” Mi­
nha mãe dizia: “Oh, Joan, onde é que você vai achar outra pessodi
como Max? Ele é tão formidável, tão responsável, tão amadurecidot
tão seguro!” E eu pensei: "Preciso casar com ele, porque minhas
amigas íntimas, minha companheira de quarto, minha mãe, todo o
mundo diz isso”. E embora algumas dúvidas se agitassem dentro de
mim, pensei: “Pois bem, você é tão insegura e tão estúpida que nem
sabe o que está sentindo”. E concluí: “Elas sabem o que é melhor
para você e, como você não sabe, o certo mesmo é seguir o conselho
delas.”
Tive coragem suficiente para contar a Max o que eu eslava fct-,
zerdo e disse-lhe que me sentia meio assustada com o casamentoi
E ajuntei: “Não sei se é isso mesmo o que devo fazer”. E ele res­
pondeu: “Não se preocupe. Você aprenderá a amar-me.” Aprendi,
a amá-lo, mas como se fosse um irmão, e os meus sentimentos mão'
foram além disso.
20

Quando desembrulhei os presentes de casamento e toaa a no­
vidade se dissipou, e se acabou a novidade d t ter um bebê* (xtfaecei
realmente a pensar: "Oh sua estúpida idiota, w c ê deyetia ier ouvido
os seus sentimentos”. Porque eu, de jato, disstra essas coisas a. mim
mesma, mas não dera atenção a elas pois me\Qchava tonta temais
para saber o que me convinha. Mas, no jim das ay itasM & quem
tinha razão.
Existem vários elementos que, na minha opinião, se destacam
na experiência dè Joan. Primeira que tudo, ela mostra o quanto
estamos sujeitos, todos nós, a ceder a pressões sociais. Uma aluna
do último ano da faculdade deve estar planejando casar-se, e social­
mente não lhe resta outra alternativa.
Os perigos dos conselhos avultam clarissimamente. Movidas
pelo amor, pelo carinho e pelo zelo, sua mãe e as suas melhores
amigas sabem o que mais lhe convém. Como é fácil dirigir a vida
dos outros e como é difícil viver a própria vida!
O medo de enfrentar os próprios problemas. Joan sabia-se in­
segura. Sabia que tinha medo do futuro. Compreendia que não
poderia influir nos próprios sentimentos. Mas, em lugar de encarar
de frente e com firmeza esses problemas interiores, fez o que faz
tanta gente: iludiu-se, acreditando poder encontrar a solução fora de
si mesma — em outra pessoa.
Finalmente, o que me impressiona é que Joan, como acontece
com muitas pessoas, não confia nos próprios sentimentos, nas pró­
prias reações mais íntimas. Tem uma vaga noção das dúvidas que
alimenta a respeito do seu relacionamento com o futuro marido, da
ausência de um sentimento profundo, do seu genuíno despreparo
para assumir um compromisso com esse homem. Mas isso são ape­
nas sentimentos. Apenas sentimentos! E só depois de casada, só de­
pois de ser mãe, é que ela compreende, que as suas reações íntimas
eram dignas de confiança. Bastaria que tivesse confiado nelas o su­
ficiente para ouvi-las!
A PERDA DE SI MESMO
E O SEU EFEITO SOBRE O CASAMENTO
Em seguida eu gostaria de apresentar o retrato de um bom ca­
samento que se desintegrou. Creio que podemos ver em pleno fun­
cionamento alguns elementos que lhe provocaram o malogro. Por
isso aqui está a história de Jay, jovem e futuroso professor de jorna­
21

lismo, e Jennifer, estudante de sociologia, que se interessava por
problemas internacionais e pela arte. Faz muitos anos que os conheço
e os pais deies são méus amigos. Orçavam ámbos pelos vinte anos
quando se conheceram, e as suas relações iniciais se desenvolveram
em torno do interesse mútuo que descobriram pelas questões mun­
diais. Acabam de entrar na casa dos quarenta. Vinham ambos de
boas famílias, se bem o pai de Jay, pessoa muito culta, houvesse
sido, praticamente, um autodidata. Pertenciam a fés religiosas dife­
rentes, posto que nenhum deles desse grande valor à ortodoxia, e as
suas crenças poderiam ser melhor descritas como humanísticas. Es­
tavam casados, e o seu casamento parecia realmente felicíssimo. No
correr de vários anos tiveram um menino e uma menina. Foi esse
o primeiro ponto em que surgiu a possibilidade de uma rachadura.
Jay procedia de um ambiente familial e cultural em que se adorava
a criança. Na sua opinião, nada era suficientemente bom para os
filhos e todos os caprichos das crianças deviam ser satisfeitos. Jen­
nifer acompanhou-o nisso até certo ponto, mas aquele não era o
seu método, e ela divergia francamente do marido nesse sentido.
Jay parecia um pai admirável. A diferença de muitos homens, não
havia nada que mais lhe agradasse do que passar um dia com os
filhos, e ele possuía a capacidade de tornar-se também, nessas oca­
siões, muito parecido com uma criança.
À proporção que Jay foi progredindo em sua profissão, era
convidado a passar períodos de tempo no estrangeiro — em países
europeus, latino-americanos e asiáticos. Em todas as viagens mais
extensas a família o acompanhava. Conheceram pessoas interessan­
tes, estudaram novas culturas, e Jay e Jennifer chegaram a trabalhar
juntos em alguns projetos estrangeiros. Tudo indicava que se tra­
tasse de um casamento idílico e de uma família muito unida. Havia,
contudo, falhas sutis na personalidade e no comportamento de cada
um deles — deficiências que pareciam alimentar-se das deficiências
do outro, até que, pouco a pouco, como elas não foram abertamente
enfrentadas nem mutuamente discutidas, tornaram intolerável o idí­
lico casamento. Permitam-me fazer um relato muito condensado
dessa sutil espiral descendente.
Antes do casamento, Jennifer havia sido extremamente indepen-=
dente, criativa e inovadora, sempre começando coisas e levando avan­
te projetos que outros não tinham a coragem de fazer. Em seu ca­
samento, porém, ela preferiu apoiar o marido, fazer o que ele queria ,
que se fizesse, do jeito que ele queria. Na sua opinião, assim devia ,
proceder uma esposa. Ela até me contou que escreveu a ele, antes
22

de casarem, confessando-lhe que não se sentia muito segura de si
mesma e que desejava viver a sua vida através da vida dele.
Ora, Jay é uma pessoa encantadora, altamente carismática; in­
telectual brilhante, extraordinário conversador, não admira que os ami­
gos convidados à casa do casal fossem os seus. Ele era o foco central
da noite, ao passo que Jennifer se saía esplendidamente arrumando a
comida, as bebidas, o cenário estético da recepção. Por mais que ten­
tasse, não conseguia entrar na conversação nem introduzir nela um
tópico seu. Num plano qualquer, o seu ressentimento contra essa
situação começou a avolumar-se, conquanto só viesse realmente a
furo doze ou catorze anos depois do casamento. Até esse momento,
efetivamente, ela não se dera conta das suas mágoas. Isso talvez
se devesse à vida que levara com a própria família, onde quase nunca
se expressavam os sentimentos negativos.
De qualquer maneira, sem ter consciência do que estava acon­
tecendo, interiorizou o ressentimento. Como poderia ser tão incom­
petente, tão incapaz, tão pouco compreensiva que não conseguia apre­
ciar o marido como os outros o apreciavam? Renunciou, pura e sim­
plesmente, ao próprio eu a fim de ser a -esposa que Jay queria que
ela fosse e de que ele precisava. A essa altura, vem-nos à mente a
frase de Sõren Kierkegaard (tradução de 1941): “O maior perigo,
a perda do próprio eu, pode passar despercebido, como se nada fosse;
qualquer outra perda, a de um braço, de uma perna, de cinco dó­
lares, etc., é infalivelmente notada”. Conquanto tivesse sido escrita
há mais de um século, essa sentença era incrivelmente éxata em re­
lação a Jennifer, e ela levou anos para descobrir o que perdera.
Outra faceta importante das relações entre ambòs era a de­
pendência de Jay para com ela, evidente em muitos sentidos, mas
sobretudo na tomada de decisões importantes. Se bem fosse exterior­
mente um profissional competentíssimo, ele parecia encontrar grande
dificuldade para chegar a decisões e, muitas vezes, conseguia arran­
car de Jennifer uma declaração sobre o tipo de decisão que, na
opinião dela, ele devia tomar. Jay, então, tomava a decisão sugerida
pela mulher. Mas se as coisas não corressem bem, ela era indefecti-.
velmente responsabilizada pelo insucesso, e ele sempre encontrava
meios sutis de insinuá-lo.
f A dependência do marido e a sua incapacidade de ser um pai
forte e decidido concorreram para avolumar a cólera reprimida den­
tro dela, até que Jennifer descobriu, horrorizada, que detestava ouvir o
barulho do carro dele ao chegar depois do trabalho. “Aí vem o meu
■terceiro filho”, pensava, e um sentimento de profundo desalento a
pnvolvia, como Uma nuvem.
23

0 vezo inconsciente de interiorizar todos os sentimentos nega*
tivos tocantes às suas relações com o marido tornou-a mais e mais
deprimida, até que idéias de suicídio entraram a salteá-la com fre-1
qliência cada vez maior. Um dia, ao dar acordo de si, estava to­
mando as providências que a conduziriam à própria morte, persua­
dida de ser inútil, de que nem Jay nem seus pais lhe sentiriam a
falta, de que ninguém ligava para ela, e de que, portanto, o melhor
era dar cabo de tudo. Nesse momento, alguma coisa dentro dela se
rebelou. Estava, pelo menos, começando a surgir a idéia de que ti-1
nha d.reito à vida. Sentou-se imediatamente e escreveu a um psiquia­
tra, que conhecia e no qual confiava, pedindo uma consulta urgente,
que lhe foi concedida. Iniciou o tratamento e continuou-o durante
muito tempo.
Este foi, positivamente, o momento decisivo para ela, mas não
para o casamento. À medida que ela se tornou mais franca em suas
relações, parte da sua cólera e do seu ressentimento, por tanto tempo
refreados, caiu sobre Jay, muitas vezes para seu total assombro. Ele
dera à mulher tudo o que ela quisera. Fora um pai amante do lar,
da esposa e dos filhos. Quem era aquela mulher irada, que ele não
conhecia, que lhe censurava a dependência, que afirmava não ser ele,
sexualmente, homem bastante para ela, que se irritava com a emoção
por ele criada nas conversações sociais? Os pais dela sentiram o
mesmo assombro, pois ela empilhou sobre eles os ressentimentos
acumulados durante tanto- tempo é que quase nunca diziam respeito
às suas relações atuais.
Jay estava convencido de que não podia ser responsabilizado
pela situação, de que sempre se portara como deveria fazê-lo um
bom marido e de que, evidentemente, Jennifer estava “doente”. Fora
generoso, prestadio, estimulante e completamente fiel. Não conse­
guia compreender a situação e achava que não era ele quem precisava
mudar. Daí que, embora fizessem várias tentativas para resolver al­
guns dos problemas com um conselheiro matrimonial, os seus esfor­
ços não tiveram êxito e, em certos sentidos, agravaram a situação. Jay
se mostrava sempre tão fluente e tão benévolo, que até o conse­
lheiro se deixou, de certo modo, influenciar por ele, o que aumentou
ainda mais a cólera de Jennifer.
Jennifer começou a exigir que Jay fosse o marido que elá queria
e esperava. Jay, do seu lado, desejava simplesmente que Jennifer
voltasse a ser a companheira que ele conhecera durante quase quinze
anos. Ele continuaria a ser a criatura amorosa que sempre fora se
ela voltasse a ser a esposa amante que tinha sido. O casamento tor-
24

\
nou-sc cada vez mais acrimonioso, a atmosfera encheu-se de hosti­
lidade, até que o divórcio se apresentou como a única solução sensata.
Farei apenas dois comentários sobre esse casamento. Posto que
Jay e Jennifer não combinassem muito bem, há todas as razões para
acreditar que a união dos dois poderia ter sido satisfatória. Exa-
minando-a agora retrospectivamente, não nos será difícil perceber
que, se Jennifer houvesse, desde o princípio, insistido em ser ela
mesma, o casamento teria tido uma dose muito maior de discórdia,
mas também uma dose bem maior de esperança. Se ela, ao sen­
tir-se dominada pela primeira vez na conversação, tivesse expres­
sado o seu ressentimento, como um sentimento seu, é muitíssimo pro­
vável que se tivesse encontrado alguma solução satisfatória para am­
bos. O mesmo se pode dizer do desgosto dela por se ver obrigada
a orientar sozinha os filhos, do dissabor que lhe causava a depen­
dência dele, da sua decepção diante da falta de agressividade sexual
do marido. Tivesse ela dado expressão a essas atitudes à proporção
que foram surgindo, antes de chegarem a uma pressão insuportável;
tivesse dado expressão á elas como sentimentos que existiam em seu
íntimo, e não como as acusações em que mais tarde se converteram,
e teria sido muito maior á probabilidade de que a manifestação dos
sentimentos dela provocasse a manifestação dos sentimentos dele
e a possibilidade de chegarem a uma compreensão mútua mais pro­
funda e à solução das dificuldades. Parece trágico que um casa­
mento com um grande e emocionante potencial venha a malograr-se.
Dele, contudo, saiu uma Jennifer forte e criativa, que nunca mais,
acredito eu, se sacrificará para satisfazer às necessidades e exigências
de outra pessoa.
E Jay — houvesse ele deparado com esses sentimentos quando
eles ocorreram — teria necessariamente compreendido que nem sem­
pre era o pai e o marido excelente que se supunha, que nem sempre
tinha razão, que estava contribuindo com amor e carinho para o
casamento (como de fato estava), mas estava também provocando
cólera, melindres e sentimentos de incapacidade na esposa. Ele po­
deria haver-se tornado, então, mais humano, mais infantil, mais fa­
lível. Ao invés disso porém, sente confirmada a sua opinião de
ter sido um ótimo marido e um ótimo pai, de que não havia tensão
alguma no casamento, ao que lhe era dado ver, até que Jennifer,
por motivos desconhecidos, “saiu dos trilhos”. No seu entender, o
desenlace foi desnecessário e, acima de tudo, um erro. Para ele,
as idéias de Jennifer acerca das relações entre ambos se tornaram
uma feia caricatura de algo belo, criativo e, não raro» prazenteiro.
25

jay simplesmente não compreende o que aconteceu, a não ser que
a culpa não foi sua. Ê doloroso ver tamanha falta de discernimento
numa criatura tão brilhante.
A SALVAÇAO D E UM CASAMENTO
Aprendi muita coisa, em meu trabalho de aconselhamento, com
uma jovem esposa, Peg Moore. Muito embora isso tenha acontecido
há alguns anos, as preocupações dela e os ensinamentos que adquiri
são tão “atuais” quanto o último disco de música “pop”. Eu conhe­
cera Peg numa das minhas classes. Buliçosa, espontânea* bem-hu­
morada, tinha a aparência sadia da moça genuinamente norte-ame­
ricana. Pouco depois, entretanto, vem aconselhar-se comigo. Quei­
xa-se de que o marido, Bill, muito formal e reservado, não fala com
ela nem a deixa participar dos seus pensamentos; além disso, os dois
são sexualmente incompatíveis e vão-se distanciando rapidamente uni
do outro.gjSurpreendo-me a pensar: “Como é trágico que uma moça
tão viva, tão cheia de emoção, esteja casada com a imagem de ma­
deira de um homem!" Mas à proporção que ela vai falando, descre­
vendo as suas atitudes, torna-se mais franca, cai-lhe a máscara e o
quadro se modifica radicalmente. Ela expressa um profundo senti­
mento de culpa em relação à sua vida antes do casamento, quando
andara com alguns homens, quase todos casados. Compreende que,
embora seja alegre e espontânea com a maioria das pessoas, é fria,
controlada e sem espontaneidade em suas relações com o marido.
Vê-se também exigindo que ele se mostre exatamente como ela quer
que ele seja.
Nesse ponto, o aconselhamento se interrompeu porque precisei
ausentar-me da cidade. Ela continua a escrever-me, expressando os
seus sentimentos e acrescentando: “Se eu pudesse ao menos dizer
essas coisas a ele [o marido], talvez mç sentisse à vontade. Mas
se o fizesse, que aconteceria à confiança qye ele tem nas pessoas?
O senhor me achãria repulsiva se fosse meu marido e soubesse da
verdade? Eu gostaria de ser uma ‘boa menina’ em lugar de ser uma
‘garota bacana'. Armei uma embrulhada dos d ia b o s ! |I |j§ a |H
A isto se seguiu uma carta, da quaí citarei longo trecho, a. meu
ver justificadamente. Ela conta que andara irritadiça — e que se
mostrara profundamente desagradável quando, uma noite, surgiram
visitas em sua caáa. Depois que as visitas saíram,
26

Senti-me um traste por haver-me portadtètão mal. . . Eà ainda me
reconhecia intratável, culpada e com db Billy —
e nervosa a mais não poder.
Por isso, decidi fazer o que vinha realmente querendo fazer e
adiando sempre, pois achava que era mais do qu&m poderia esperar
de um homem — dizer a Bill tudo o que me fãzUt àgir daquela ma­
neira terrível. Foi até mais difícil do que contar ao senhor — e olhe
que isso não foi nada fácil! Eú não poderia repetir os detalhes com.
tantas minúcias, mas consegui botar para fora alguns daqueles senti­
mentos sórdidos a respeito de meus pais e sobretudo a respeito da­
queles "malditos” homens. A coisa mais gostosa que o ouvi dizer foi,
“Bem, eu talvez possa ajudá-la nisso” — quando lhe falei de meus
pais. E ele se mostrou muito compreensivo com as coisas que eu tinha
feito. Contei-lhe que me sentia tão incompetente em tantas situações
— porque nunca me haviam permitido jazer uma porção de coisas
— nem mesmo aprender a jogar baralho. Conversamos, discutimos, e
realmente chegamos ao fundo de muitos dos nossos sentimentos. Não
falei tudo a ele sobre os homens — não lhe disse os nomes, mas
dei-lhe uma idéia do número. Pois bem, ele se mostrou tão compreen­
sivo e as coisas ficaram tão mais claras que agora CONFIO NELE.
lá não tenho medo de contar-lhe as ideiazinhas idiotas e ilógicas que
não param de passar pela minha cabeça. E se já não tenho medo, é
possível que essas bobagens também parem logo de aborrecer-me. Na
outra noite, quando lhe escrevi eu estava pronta para fugir — pensei
até em sair da cidade. (Escapar de tudo isso;) Mas compreendi que
estaria apenas fugindo de tudo e que não poderia ser feliz enquanto
não enfrentasse a situação. Falamos sobre filhos e, embora decidísse­
mos esperar até que Bill estivesse mais próximo da.sua formatura,
sinto-me jeliz com esse arranjo. Bill pensa como eu a respeito das
coisas que desejamos jazer pelos nossos filhos — e, o que é mais im­
portante, a respeito das coisas que não desejamos fazer por eles. Por
isso mesmo, se o senhor não receber outras cartas desesperadas, ji-
cará sabendo que as coisas vão indo tão bem quanto se pode esperar.
Agora, pergunto — o senhor sempre soube que isso era a única
coisa que eu poderia jazer para aproximar-nos? Pois eu lhe confesso
que, no meu entender, era a única coisa injusta para Bill. Imaginei
que a revelação estragaria a sua confiança em mim e nos outros.
Havia uma barreira tão grande entre Bill e eu que eu tinha a im­
pressão de que ele era quase um estranho. _A única maneira que
arranjei de convencer-me a jazer o que jiz foi pensar que, se não
tentasse ao menos conhecer a sua resposta às coisas que me preo-
27

cupavam, estaria sendo injusta — estar-me-ia afastando dele sem lhe
dar a oportunidade de provar que merecia a minha confiança. Pois
ele me provou até mais do que isso — que também andava sofrendo
como o diabo com o que sentia — em relação aos pais, e a muitas
pessoas em geral. (Rogers, 1961, pp. 316-317.)
É interessante perguntar quanta energia psicológica está sendo
consumida por maridos e mulheres que tentam viver em seus casa­
mentos atrás de uma máscara. Peg sentiu claramente que só seria
aceita se se refugiasse atrás de uma fachada de respeitabilidade. À
diferença de Jennifer, tinha consciência dos seus sentimentos, mas
cuidava que, se os revelasse, seria irrevogavelmente rejeitada.
Para mim, o significado da história não reside em haver ela
contado ao marido as suas experiências sexuais anteriores. Não me
parece que seja essa a lição que se deve colher. Conheci casamentos
felizes em que um dos cônjuges sempre ocultou do outro certas ex­
periências, mas conseguiu fazê-lo sem constrangimento. No caso de
Peg, o ocultamento ergueu enorme barreira entre os dois, de modo
que ela não poderia ser autêntica em suas relações conjugais.
Uma regra prática cuja utilidade descobri para mim resume-se
no seguinte: em qualquer união continuada, todo sentimento persis­
tente deve ser expresso. A sua repressão só pode estragar o relacio­
namento. A primeira parte da sentença não foi dita por acaso. So­
mente no caso de uma união significativa e continuada, e somente se
o sentimento for recorrente ou persistente, será necessário revelá-lo.
Em caso contrário, o que não se exprime acaba, aos poucos, empe­
çonhando o relacionamento, como aconteceu no caso de Peg. Por
isso, quando ela pergunta “o senhor sempre soube que isso era a
única coisa que eu poderia fazer para aproximar-nos?”, a minha res­
posta depende do que ela quer dizer. Acredito, sem dúvida, que foi
a partilha dos seus verdadeiros sentimentos que lhe salvou o casa­
mento, mas se é necessário ou não contar a Bill os pormenores do
seu comportamento é um assunto que só ela poderá decidir.
A propósito, a notícia de um nascimento e uma nota, vários
anos depois, indicavam que tanto o casamento quanto a criança pa­
reciam estar passando muito bem.
G MEU CASAMENTO
Eu gostaria de contar-lhes alguma coisa a respeito do casa­
mento em que, até o momento de escrever este livro, estive envol­
28

vido por mais de quarenta e sete anos! A alguns leitores isso pode
parecer incrivelmente quadrado, mas eu não concordo. Helen e eu,
entretanto, ainda hoje nos maravilhamos de toda a riqueza que ainda
encerra a nossa vida em comum e perguntamos como e por que temos
sido tão felizes. Não posso responder a essas perguntas, mas gostaria
de contar-lhes um pouco da história do nosso casamento, tão obje­
tivamente quanto puder. A leitura talvez lhes seja proveitosa.
Morávamos a um quarteirão de distância um do outro, num su­
búrbio de Chicago, durante a maior parte do tempo em que freqüen­
tamos a escola, secundáriâ.BHavia outros que também faziam parte
do nosso grupo, embora ela tivesse mais amigos do que eu. Mudei-
me quando tinha treze anos, e não me lembro de ter sofrido muito
por estar longe dela. Nem sequer nos carteamos,
Quando fui para a faculdade, fiquei surpreso ao descobrir que
ela escolhera a mesma universidade, posto que os seus interesses
fossem completamente diversos dos meus. Ela foi a minha primeira
namorada na escola, pois eu era tão tímido que não teria a coragem
de namorar uma estranha. Mas quando comecei a requestar outras
moças, aprendi a apreciar-lhe as muitas qualidades que me atraíam
— a delicadeza, a franqueza, a solicitude — nenhum fulgurante
brilho acadêmico, mas uma disposição para pensar abertamente sobre
questões reais, . se bem eu me deixasse levar mais pelo desejo de
aparentar erudição. Ainda me recordo de que cheguei a envergo­
nhar-me dela, algumas vezes, em reuniões sociais, porque ela parecia
não ter cultura geral e acadêmica.
A nossa amizade aprofundou-se. Fomos a excursões e pique­
niques em que pude apresentá-la ao mundo da natureza, que eu
amava. Ela ensinou-me a dançar e até, por vezes, a apreciar Teuniões
sociais. Os meus sentimentos por ela foram-se tornando cada vez
mais sérios. Ela gostava de mim mas não estava absolutamente se­
gura de que quisesse casar comigo. Depois, em virtude de várias cir­
cunstâncias, ausentei-me da escola durante um ano, mas continuei
a escrever-lhe cartas mais e mais apaixonadas. Quando voltei, ela
deixara a escola para assumir um emprego de artista comercial em
Chicago, de modo que continuamos separados durante a maior parte
do tempo. Afinal, porém, ela concordou. Na noite em que me. disse
que já tinha a certeza de amar-me e de querer casar comigo, passei
o resto da noite num trem sacolejante e sujo para voltar às aulas,
mas pouco me importei. Sentia-me no sétimo céu, caminhando sobre
nuvens. “Ela me ama! Ela me ama!” Foi uma experiência maravi­
lhosa, que nunca esqueci.
29

Seguiram-se ainda vinte e dois meses de separação antes de
podermos casar, e a nossa correspondência foi volumosa. - (Hoje teria
sido feita através de chamadas telefônicas.) Tive a sorte de arrumar
um negócio nos meus dois últimos anos de escola, que me trouxe uma
quantidade surpreendente de dinheiro, o suficiente para poder casar
antes de iniciar o curso de pós-graduação.
Nossos pais aprovavam o namoro, mas não aprovavam o casa­
mento. Casar antes de formar-me? Como faria eu para sustentá-la?
Onde já se viu uma coisa dessas? Não obstante, nós nos casamos
(aos vinte e dois anos de idade) e partimos juntos para o curso de
pós-graduação. Quando pensamos nisso agora, chegamos à conclu­
são de que esta foi uma das mais sábias decisões que tomamos em
nossa ;yida. '
Sexualmente, éramos ambos inexperientes, extremamente ingê­
nuos (conquanto nos julgássemos muito sofisticados); durante meses,
porém, vivemos envoltos numa jubilosa bruma .romântica, pois es­
távamos a mil e seiscentos quilômetros de distância das nossas famí­
lias (uma grande idéia!), tínhamos encontrado o menor apartamento
do mundo em Nova Iorque, que havíamos mobiliado ao nosso gosto,
e nos amávamos imensamente.
Porque tínhamos decidido ir juntos para Nova Iorque, pude­
mos crescer juntos. Helen seguiu alguns cursos que eu estava fazen­
do. Aprendi muita coisa com o seu trabalho artístico. Discutíamos
os livros e os espetáculos que conseguíamos quase de graça. Modi­
ficamos de maneira incrível nossas atitudes para com a religião, a
política e todas as questões do momento. Ela trabalhava meio pe­
ríodo, eu tinha um emprego firme de fim de semana, mas mesmo
assim ficávamos juntos uma porção de tempo, aprendendo a parti­
lhar idéias, interesses, sentimentos — em todas as áreas, exceto uma.
Tornei-me vagamente cônscio de que, se bem que 0 nosso rela­
cionamento sexual fosse maravilhoso para mim, não era tão mara­
vilhoso para ela. Percebo, no entanto, que eu mal compreendia o
sentido mais profundo das suas frases: “Hoje não!”; “Estou muito
cansada”; “Vamos esperar outro dia.” Não há dúvida de que a si­
tuação poderia ter redundado numa crise.
A essa altura, por mera questão de sorte, surgiu uma oportu­
nidade que, como quase todos os golpes de sorte, também precisou
ser agarrada. Em meu curso de pós-graduação fiquei sabendo que
um psiquiatra, o. Dr. G. V. Hamilton, precisava de mais alguns .ra­
pazes casados para completar uma pesquisa que estava fazendo. É
30

possível que houvesse também alguma referência a pagamento, o que
explica por qué agarrei tão prontamente a oportunidade. (O estudo,
na realidade, era um precursor mais personalizado das pesquisas de
Kinsey, e muito bem feito, conquanto nunca se tomasse muito conhe­
cido.) Fui ao escritório do Dr. Hamilton para submeter-me a duas
ou três longas entrevistas. Ele me interrogou com tanta calma e
tamanha facilidade sobre cada aspecto do meu desenvolvimento e
da minha vida sexual que, poucò a pouco, me vi respondendo com
calma quase igual. Acabei compreendendo que eu nem sabia se
minha mulher já experimentara um orgasmo. Ela parecia, muitas ve­
zes, apreciar as nossas relações e, por isso, eu presumia conhecer a
resposta. Mas o que de mais importante aprendi foi que as coisas
em nossa vida particular que não admitem discussão são as que po­
dem e devem ser discutidas, fácil e livremente.
Surgiu, então, a pergunta: Poderia eu traduzir tudo isso em mi­
nha vida pessoal? Iniciei o processo assustador de falar — falar de
verdade —- com Helen a respeito das nossas relações sexuais. Era
assustador porque cada pergunta e cada resposta nos tomavam, a
nim ou a ela, extremamente vulneráveis — ao ataque^ à crítica, ao
ridículo, à rejeição. Mas nós superamos tudo isso! Cada qual apren­
deu a compreender muito mais profundamente os desejos, tabus e
satisfações do outro, e as insatisfações em nossa vida sexual. E ao
passo que, a princípio, a nova aprendizagem acarretou apenas maior
ternura, maior compreensão e maior aprimoramento, pouco a pouco
proporcionou, além de orgasmos a ela, um pleno, continuado, satis­
fatório e rico relacionamento sexual a nós ambos — em que pude­
mos discutir as novas dificuldades à proporção que iam aparecendo.
Isso foi importantíssimo para nós e poupou-nos sérias desaven­
ças, que poderiam tei-nos separado para sempre. Mas o mais im­
portante de tudo foi havermos compreendido que as coisas que ima­
ginamos não poder, de'maneira alguma, revelar ao outro, na ver­
dade podem ser reveladas, e que o problema que supomos não poder
partilhar com ninguém, na realidade deve ser partilhado. E con­
quanto tenhamos, muitas vezes, esquecido esse ensinamento, ele sem­
pre nos voltou em períodos de crise.
Não tentarei, evidentemente, contar todas as nossas experiências
matrimoniais. Houve períodos de maior alheamento e períodos de
maior intimidade. Tem havido períodos de tensão, dissensões, con­
trariedades e sofrimento — embora não sejamos do tipo que gosta
de brigar — e períodos de. muito amor e muita solidariedade. E sem­
pre continuamos a partilhar. Nenhum de nós chegou a envolver-se
31

de tal modo em sua vida. e suas atividades que não encontrasse
tempo para partilhar com o outro.
Existe um tipo de comportamento irritante em que ambos le­
mos incorrido ocasionalmente, eu muito mais do que Helen. Quan­
do. o marido ou a mulher, numa situação social ou pública, ridi­
culariza, humilha ou embaraça o outro, quase sempre a título de
"brincadeira”, os aborrecimentos começam a fermentar. Há de ser
um sinal do meu instinto de defesa o fato de não poder lembrar-
me de nenhum exemplo especííico do meu próprio comportamento
nesse sentido, de modo que me valerei do que me proporcionou re­
centemente outro casal, em minha casa. Estávamos falando em
bebidas quando o marido disse, “chistosamente” : “Minha mulher, é
claro, bebe demais”. A esposa enfezou, porque a afirmativa não era
verdadeira e, além disso, ela não gostava de ser criticada em pú­
blico. “Ora, eu estava só brincando!” justificou-se ele. Esse é o tipo
de comportamento em que também tenho incorrido, mas Helen me
chama sistematicamente a atenção quando voltamos para casa. E!
acabei encarando essas coisas como o que realmente são — uma;
agressão covarde. Quando nutro um sentimento negativo qualquer;
por alguma coisa que ela fez, prefiro interpelá-la ao ficarmos sós,;
a alfinetá-la “de brincadeira” numa situação social. £ uma atitude
bem mais corajosa. Da mesma maneira aprendi, logo no princípio
do nosso casamento, que o sarcasmo, tão freqüente na vida de minha
família, pois vivíamos arremessando farpas verbais uns contra os
outros, a feria profundamente e ela não o tolerava. Aprendi muitò
com ela (e ela comigo).
Um ponto sobre o qual nunca chegamos a um acordo defini^
tivo é saber se há ou não um elemento de posse num bom casa-
mento. Eu digo que não. Ela diz que sim. Cheguei a afeiçoar-me
de verdade a outra mulher, uma afeição que, em meu espírito, não
excluía Helen, mas se acrescentava ao meu amor a ela. Helen,. po­
rém, não viu as coisas do mesmo modo e ficou muito perturbada.
Não era tanto o ciúme quanto uma profunda raiva de mim, que ela
interiorizou, achando que fora “posta de lado” e não prestava mais
para nada. Aqui devo sentir-me agradecido porque nossa filha, já
adulta, ajudou-a a reconhecer o que realmente sentia e a restabelecer
a comunicação entre nós. Quando pudemos novamente partilhar os
nossos verdadeiros sentimentos, tornou-se possível uma decisão, e
tanto Helen quanto eu continuamos a ser bons amigos da mulher
que representara tão grande ameaça para ela. A propósito, cada um
de nós, numa série de ocasiões importantes, encontrou grande ajuda
em nosso filho ou em nossa filha, e esta experiência é inestimável.
32

Gceio que ambos nos apoiamos em períodos de sofrimento in­
dividual. Eu gostaria de dar dois exemplos da solidariedade dela e
outro em que‘sei que ela sentia o? meu apoio.1*.
Mencionarei' primeiro um período de quase um ano, quando
eu já; completara*'quarenta anos, em que não senti absolutamente
nenhum desejo sexual — por ninguém. Não se encontrou nenhuma
causa médica. Confiando em que os meus impulsos normais volta­
riam, Helen simplesmente me amparou nessa situação. £ muito fácil
pensar em possíveis causas psicológicas, mas nenhuma delas se ajus­
ta ao meu caso, que, até hoje, é um mistério para mim. Mas o seu
amor tranqüilo e constante me foi importantíssimo e, provavelmente,
representou o melhor tratamento que eu poderia ter tido. O certo
é que, pouco a pouCò, voltei a ser sexualmente normal.
Uma crise máis séria formou-se em torno de um relacionamento
terapêutico incrivelmente demorado e mal orientado que tive com uma
moça esquizofrênica. A história é muito comprida, mas basta dizer
que, em parte por estar eu tão determinado a ajudá-la, cheguei a ponto
de não poder separar o meu “eu” dp dela. Perdi literalmente o meu
“eu”, perdi os limites de mim mesmo. De nada valeram os esforços
dos colegas para auxiliar-me e eu me persuadi (talvez com alguma
razão) de que estava ficando louco.
. Certa manhã, depois de passar mais ou menos uma horà no
consultório, senti-me tomado de pânico. Voltei para casa e disse a
Helen: “Preciso sair daqui! Ir para longe!” Ela, naturalmente, sabia
alguma coisa do que eu estava passando, mas a sua resposta foi um
bálsamo para a minha alma. “Está bem, vamos agora mesmo” , pro­
pôs incontinenti. Depois de telefonar a alguns colegas para pedir-
lhes que se encarregassem dos meus casos, arrumamos à pressa as
nossas malas, tomamos o carro e partimos. Não se haviam passado
duas horas. t E só regressamos seis semanas mais tarde. Tive os meus
altos e baixos e, quando voltei, iniciei um tratamento com um co­
lega, que muito me ajudou. Mas o que faço questão de frisar é que,
durante todo o tempo, . Helen nunca deixou de acreditar que esse
estado de espírito passaria, que eu não estava louco, e mostrou, de
todas as maneiras, o quanto me queria. Puxa! Essa é a única forma
que tenho de exprimir a minha gratidão. £ isso o que quero dizer
quando afirmo que ela me apoiou nos momentos críticos. E pro­
curei fazer o mesmo quando a via às voltas com uma ou outra es­
pécie de aflição.
A mãe de Helen sofreu várias crises à medida que ia ficando
velha. Essas crises tinham o efeito infeliz (embora comum) de al­
33

terar-lhe acentuadamente a personalidade. Depois de ter sido uma
pessoa cheia de calor humano e bondade, com vigorosos interesses
intelectuais, passou a ser uma criatura que vivia cnticando os outros,
desconfiada de todo o mundo e, às vezes, maldosamente empenháda
em magoar os que a rodeavam. Isso era duríssimo para as filhas,
mas sobretudo para Helen, a quem feriam terrivelmente os murros
psicológicos desferidos pela mãe, da qual sempre fora muito amiga.
A vida com a mãe tornou-se impossível e a velha não podia viver
sozinha. Surgiu, então, a necessidade de tomar decisões difíceis: tirá-
la do apartamento; interná-la numa casa de saúde (as melhores das
quais são lugares desolados); e capacitar-se de que ela jã não era
a pessoa que havia sido. Helen sentia-se terrivelmente culpada pelo
que estava fazendo a sua mãe, e esta conservava astúcia suficiente k
para saber como exacerbar-lhe o sentimento de culpa. Durante seis
longos e penosíssimos anos estive ao lado de Helen. Ela não podia
deixar de sentir-se ferida, culpada e transtornada nas visitas que fazia
à mãe duas vezes por semana. Eu não podia impedir que ela tivesse
esses sentimentos, mas fi-la saber que achava as acusações falsas e
as decisões corretas, e acreditava que ninguém poderia agir melhor j
numa situação tão aflitiva e tão complexa. Sei que ela se sentiu for- j
talecida e amparada pela minha solidariedade. O nosso filho médico
também a ajudou muito a compreender a deterioração física e psico- ^
lógica de sua mãe, mostrando-lhe que era preciso dar o devido des-
conto às lamúrias da velha.
Quando faço um retrospecto dos muitos anos que vivemos jun­
tos, alguns elementos me parecem importantes, embora, naturalmente,
eu não possa ser objetivo. • I 1, •I
Viemos da mesma comunidade, com antecedentes e valores se­
melhantes.
Nós nos completamos. Alguém insinuou que, dentre os muitos
tipos de casamento, existem dois nas extremidades opostas de um con­
tínuo. Um deles é o casamento “ajustado”, em que os cônjuges provêm
às deficiências recíprocas e se engrenam confortavelmente, às vezes
com demasiada placidez. O outro é o casamento conflitual, em que
o êxito da união depende dos esforços do casal para resolver cons­
trutivamente os muitos conflitos que, de outro modo, o destruiriam.
O nosso se acha em algum ponto desse contínuo, mas um pouquinho
mais próximo do casamento “ajustado”/ Eu propendo a ser um tí- I
mido solitário; Helen é mais natural e confortavelmente sociável. Pro­
pendo a perseverar no que estou fazendo; é sempre ela quem pro­
põe: “Por que não fazemos isto ou aquilo?” “Por que não damos um
passeio?” Acedo com relutância mas, depois que saímos, o mais aven-
34

turoso e infantil sou eu, e ela, a mais firme. Tenho sido um tera­
peuta, interessado pela pesquisa, ela tem sido uma artista e, durante
a vida toda, trabalhou no movimento da paternidade planejada. Cada
um dê nós teve a oportunidade de aprender muita coisa com os cam­
pos de interesse do outro. Fomos capazes também de lidar constru­
tivamente com a maioria dos nossos conflitos e diferenças.
Conseqüentemente, cada um de nós sempre teve uma vida e
um interesse separados, além da nossa vida em comum. De modo
que nunca entramos em competição direta. Sempre que chegamos
mais perto disso, a situação revelou-se inçonfortáveL Quando come­
cei a pintar e fiz um ou dois quadros sofríveis, ela se mostrou apre­
ensiva. Quando a vejo ser mais útil do que eu a uma pessoa qual­
quer, confesso que exclamo intimamente: “Oh meu Deus! Ela é me­
lhor. do que eu!” Mas essas invejas e veleidades de concorrênda ra­
ras vezes- têm sido importantes.
Em outra área nos revelamos surpreendentemente não compe­
titivos: a área do gosto. Desde os primeiros anos do nosso casa­
mento descobrimos que, ao escolher uma peça de mobília, um auto­
móvel, um presente ou mesmo um artigo de vestuário, tendemos a
escolher a mesma coisa. Às vezes digo: “Está bem, já me decidi;
diga-me quando você tiver feito a sua escolha”. E quando ela me
conta o que escolheu, verifico, com pasmosa freqüência, que as nos­
sas preferências coincidem. Não explico isso. Limito-me a consta-
tá-lo.
Ela foi mãe. excelente quando as crianças eram pequenas. Eu
me qualificaria apenaá de pai razoável nessa ocasião — é curioso,
mas naquele tempo eu me preocupava mais com os transtornos que
eles me causavam do que ém saber se o que estavam fazendo con­
tribuiria para promoVer-lhes o próprio crescimento. À medida que
os nossos dois filhos ficaram mais velhos consegui comunicar-me com
eles tão bem e às vezes melhor do que ela.
Isso talvez seja suficiente para indicar algumas das muitas ma­
neiras com que nos completávamos. Mas esses equilíbrios se alte­
ram: onde eu costumava, ser o mais bem informado dos dois, re­
centemente, à medida que foi aumentando a soma de solicitações
ao meu tempo, ela se tem mostrado mais bem informada e eu me fio
dela para inteirar-me de muita coisa que está acontecendo.
Passamos por períodos de doenças e operações, mas nunca- ao
mesmo tempo, de modo que cada um de nós pôde assistir o outro
durante esses momentos difíceis. De um modo geral, se bem os acha?
ques da velhice de vez em quando nos* salteiem, temos vivido, funda­
mentalmente, em boas condições de saúde.
35

David Frost deu uma definição do amor na TV mais ou menos
parecida com isto: “H á amor quando cada pessoa se preocupa mais
com o outro do que consigo mesma” . Creio que a descrição se
ajusta aos melhores momentos do nosso casamento. Compreendo que
ela também pode ser uma desastrosa definição do amor, quando sig­
nifica que um ou o outro renuncia ao seu eu por consideração pelo
outro. Isso não aconteceu conosco.
Creio que a constatação mais profunda que eu poderia fazer
acerca do nosso casamento — e não posso explicá-la adequadamente
— é que cada um de nós sempre ansiou por que o outro crescesse.
Nós crescemos como indivíduos e, nesse processo, crescemos juntos.
Um parágrafo final sobre o nosso estado atusftfVisto que arin-
gimos os “setenta anos” bíblicos. Partilhamos tanto a nossa exis­
tência, os nossos sofrimentos, as nossas lutas e alegrias, que também
respondemos à definição do amor de Truman Capote: “Há amor
quando não precisamos completar a sentença”. No meio de algum
acontecimento ou de alguma cena, Helen me pergunta: “Você se
lembra quando nós. w ?” e eu atalho: “Naturalmente”. E ambos de­
satamos a rir, porque sabemos estar pensando na mesma experiên­
cia. E conquanto a nossa Vida sexual já nao seja a mesma dos tem­
pos em que tínhamos vinte ou trinta anos, a nossa proximidade, a
nossa intimidade física e as nossas relações sexuais são como que
um belo acorde, belo não somente por si mesmo, mas também por
seus muitos e muitos sobretons, que o enriquecem sobremodo. Em
suma, somos incrivelmente bem sorteados, posto que, em certas oca­
siões, tivéssemos de lutar muito para preservar esta sorte.
Para que o leitor não imagine que isso torna tudo cor-de-rosa,
devo acrescentar que nossos dois filhos tiveram a sua quota de di­
ficuldades conjugais. De modo que o fato de havermos crescido
juntos até chegar a uma união satisfatória para nós não constituiu
garantia alguma para nossos filhos.
ALGUMAS OBSERVAÇÕES FINAIS
Portanto, que é o que concluímos da experiência de Joan, de
Jay e Jennifer, de Peg e Bill, de Cari e Helen? Acredito que o leitor
terá de formular as suas próprias conclusões.
Procurei mostrar que, seja o que for agora, o casamento, cóm
toda a certeza, será diferente no futuro.
Procurei escolher exemplos que mostram alguns dos elementos
capazes de interferir no êxito ou no malogro do casamento; e, da
36

mesma forma, alguns dos elementos que podem restaurar ou reno­
var um casamento ou fazê-lo “funcionar”.
Espero que tenha ficado claro que o sonho de um casamento
“feito no céu” foge totalmente à realidade e que toda união conti­
nuada entre um homem e uma mulher precisa ser trabalhada, cons­
truída, reconstruída e constantemente revigorada pelo crescimento
dos dois cônjuges.
Nos capítulos seguintes veremos muitas outras facetas desse fe­
nômeno masculino-feminino, tão importantes para a vida de quase
todas as pessoas.

U M C A S A L " C A S A D O - S O L T E IR O "
2
Conheço u m jo v e m casal que se conheceu quando ela tinha de­
zoito anos é ele, dezenove. Eu não ignorava que tinham vivido jun­
tos vários anos. Fiquei surpreso ao saber que se haviam casado,
numa cerimônia perfeitamente convencional — vestido branco para
a noiva, smoking para. o noivo, e tudo o mais. Imaginei que, se
quisessem falar abertamente sobre as várias fases da sua ligação, as
suas palavras poderiam ser proveitosas para muitos jovens. Uns seis
meses depois, do casamento, eles se abriram francamente comigo
acerca das suas relações passadas e presentes, e eu gostaria de apre­
sentar alguns trechos extensos (porém condensados) das gravações
que fiz das nossas conversas. Chamá-los-ei Dick e Gail.
A LIGAÇAO ANTERIOR
Eles me contaram como se conheceram e, logo depois, surgiu
um exemplo divertido de lapso de memória:
Dick — Bem, lembro-me de achar que gostava multo de Gail.
Naquele tempo fiz um pouco mais de força por Gail do que pelas
outras pequenas. Creio que essa é a única impressão vigorosa de
que posso recordar-me. Se não me engano, durante um longo pe­
ríodo de tempo não tivemos quaisquer relações sexuais. Acho que
isso foi significativo. Acho que foi provavelm ente...
Gail — Uma semana .|j.
Dick — Uma semana? Não, foi mais do que iSso, G a il...
Ga i l—.Uma semana e dois dias depois:que nos conhecemos.
Dick — Verdade?
38

G ail — Sim. Eu não acho que foi tão comprido assim. Você
\ não se lembra da primeira v e z ...?
\ :■ Dick — Foi ótimo. Foi na praia, mas eu pensava que tivesse
levado mais de uma semana.
i O namoro dos dois decorreu tempestuoso, e Gail descreve-o
assim: . ; ,
Gail — Bem, eu vi Dick primeiro. Gostei dele primeiro. Vi-o
no primeiro dia de escola. Achei-ò bonitão, mas -achei também que
ele era antipático. Usava esses óculos escuros dentro de casa: Des­
cobri màis tarde que ele quebrara os óculos de verdade, e não en­
xergava sem eles, mas o certo é que dava a impressão de ser muito
arrogante. [ . . . ] Eu não o suportava. Entretanto, o seu compor
nheiro de quarto me disse que ele, de fato, não era antipático, e
nós começamos a encontrar-nos. Gostei dele quase imediatamente,
depois de pensar que não passava de um fedelho. Desde o princípio
fui muito intensa. A certa altura, creio que ele tanto falou que me
convenceu a dar liberdade aos meus sentimentos e a não faier força
para não me apaixonar. Ainda me lembro de ter tomado a minha
decisão e dito: “Por que não? Isso não vai machucar ninguém!" E
creio que houve, realmente, muitas temporadas difíceis, porque eu
estava disposta a levar as coisas muito a sério, mas Dick era dife­
rente, começou a recuar.
Eu -— Os tempos difíceis vieram de fato, antes que vocês co­
meçassem a viver juntos, quando ainda estavam subindo e descendo
em seu relacionamento?
Dick — Sim, subindo e descendo. Houve um momento em
que eu estava ingerindo muita droga. Mas fui para São Francisco
nas férias de Natal e ali passei por algumas experiências horríveis,
e cheguei à conclusão de que não era aquilo que eu queria fázer. E
durante todo o tempo em que estive em São Francisco, que prova­
velmente não passou de dois meses — pareceram séculos — o fato
de estar longe de Gail de certo modo reforçou os meus sentimentos.
Era mais fácil decidir o que eu sentia por ela quando Gail não estava
por perto.
Comentário: por que deturpamos seletivamente as coisas em
nossa memória? Por uma necessidade qualquer. Dick tem agota ne­
cessidade de pensar que demorou muitó para aceitâr devéras essa
ligação. Naquela ocasião, provavelmente lhe pareceu que os dois
39

levaram muito tempo para manter relações sexuais, porque as suas )
necessidades eram mais fortes que as de Gail, embota mais tarde /
venhamos a presenciar uma mudança nesse estado de coisas.
A insuficiência das primeiras impressões está bem ilustrada. De
posse de alguns indícios, Gail chega à conclusão de que Dick é anti­
pático. Mais tarde, chega à conclusão oposta.
Quase todas as relações têm provavelmente um tipo de dese­
quilíbrio semelhante ao que se verificou entre Dick e Gail. Esta não
tarda a descobrir que está pronta para deixar-se envolver intensa­
mente. Dick não está. Envolve-se, depois recua, torna a envolver-se
e a recuar (no decorrer da entrevista entrevemos uma razão para o
seu comportamento).
Vemos alguns fatores que influem nas opções num relaciona­
mento. Quando Dick se afasta de Gail, passa a enxergá-la de maneira
mais significativa, compreende o seu comportamento e torna-se mais
positivo em suas atitudes. “A 'ausência inflama o coração!” £ tam- ,
bém provável que a sua experiência tão pouco satisfatória com as
drogas o levasse a pender para uma ligação pessoal em lugar de pro­
curar satisfação em substâncias químicas.
VIVENDO JUNTOS
Eles falam em mudar-se para Boston e em mudar-se para o
mesmo apartamento..
Eu — O fato de viverem juntos melhorou ou piorou alguma
coisa?
Gail — Vivendo juntos, não poderíamos largar tudo com a
mesma facilidade. Dick não poderia sair, desaparecer e ficar fora
um mês inteiro. Ele fez isso antes, quando não morávamos juntos.
Mas se o fizesse depois, teria de achar outra pessoa que o alimen­
tasse. E isso me obrigou a falar sobre o assunto um pouco mais,
e até hoje continuo falando. Pôs-nos contra a parede, por assim
dizer, e a grande mudança, na minha opinião, foi .pôr a teoria em
prática. Quando a fente está namorando, pode dizer: “Bem* serei
assim, ou isso acontecerá quando estivermos vivendo juntos”, mas
quando passamos a viver juntos as coisas acontecem e não se pode
mais teorizar.
Dick — Nunca mencionamos o amor em nossas relações. Pelo
menos durante três anos. Só nos comprometemos a amar-nos um
ao outro no meio do quarto ano, embora eu não saiba por quê.
40

\ Perguntávamos se gostávamos um do outro, e dávamos muita im-
\ portância a isso, mas com o mesmo cuidado evitávamos a palavra
\ “amor”, e a única coisa de que me lembro no tocante à primeira vez
M em. que fizemos menção do amor foi que se tratava de uma espécie
djemjauma.
% G ail I— Pois eu me lembro de tudo. Creio que estávamos dis­
cutindo a nosso respeito. E Dick tentava dizer-me, sem me dizer,
que ia deixar-me. Explicando que havia um problema, que o nosso
<W°já estava ficando velho.. . e assim por diante. E eu já me dis-
punha a mudar, para resolver o assunto, quando ele pareceu frus-
trado, e disse: “Mas eu a amo ë realmente gosto de você’. Logo
depois, saiu. Não consegui compreender. Dizer-me que me amava,
sair de casa e me deixart Isso é uma loucura!” pensei. Para mim,
era a coisa mais biruta que eu já tinha ouvido em minha vida. “Será
que ele se sente culpado por me magoar e por isso disse que me
amavá?” imaginei. Pois se estivesse tão apaixonado por mim, não
sairia de casa para ir ao encontro de outrá pessoa! E ele não me
disse; aliás nunca me dfsse, que tinha outra namorada. Foi isso que
me deixou meus chateada, porque ele poderia, ao menos, ter-me con­
tado. E precisei passar pelo vexame de investigar e descobrir, quando
me disseram que tinham visto-Dick com a tal lourinha. E pensei:
"Se for verdade, ele deve estar em casa dela”. Fui até lá, encontrei
os dois e Dick ficou passado. Eu estava louca da vida e não quis
sair. Fiquei sentada, no maior papo furado — e gozei cada minuto
" que passei ali. Por isso, na realidade, não acreditei. .
E u — Você quer dizer que não acreditou quando ele disse que
a amava? [■&•]
Gail — Isso mesmo. Mas, não sei por que, acho que, no fundo,
eu sabia que voltaríamos juntos.
m w' D ick —> Depois de pouco tempo, eu já me sentia insatisfeito
com essa outra moça, o que é interessante, porque ela, exteriormente,
parecia ter tudo. Eu poderia fazer conscientemente uma lista de
tudo o que eu queria e que ela possuía, mas isso não bastava. Uma
còisa que muito me impressionou foi que ao comparar as duas, aquela
não parecia ter vida própria independente. Dava a impressão de estar
pmarrada à pessoa que estivesse com ela. Quando falávamos com
os outros, ela repetia as minhas opiniões, e Gail nunca fez isso. Tem
opiniões próprias e as defende sempre. E descobri que isso tira real­
mente um grande fardo das minhas costas num relacionamento. E
não preciso andar carregando a estabilidade emocional nem as opi­
niões de duas pessoas. Ë o mesmo que sentirmos um fardo retirado
E
u
I

dos ombros quando não estamos vivendo com a nossa própria ima­
gem e sim com outra pessoa. Nesse ponto compreendi que Gail, para
mim, era outro indivíduo de quem eu gostava.
Mais adiante, Dick fala sobre outra questão.
Dick — Aqui está um problema que ainda tios aflige, creio eu,
e isso talvez venha de mim. Eu n ão.. . eu não sei como essas coisas
aparecem. Mas acho que ainda me atrapalho com o que devia ser
e o que é. De repente, parece que atitijo um ponto em que Gail se
comporta de maneira que considero intolerável. Penso que as coisas
deviam ser diferentes. E fic o:furioso. Acredito que a amo porque
ela é ela mesma e, todavia por ser ela mesma, existem coisas que me
'parecem imutáveis.
Gail — Eu, francamente, não posso ficar tão furiosa como
Dick. Tenho medo. Tenho medo de que ele me bata, de que me
mate, de que faça qualquer coisa assim, e ele fica furioso mesmo,
furioso de verdade, e eu morro de medo e não quero fazer nada
que possa deixá-lo mais louco airidá.
Comentário: diante dessas declarações, alguns leitores julgarão
Dick e Gail um casal ainda muito imaturo. £ possível que esse juízo
seja objetivamente verdadeiro, mas nos é de escassa ajuda para com­
preender-lhes a situação, uma vez que todos nós temos de mudar,
pouco a pouco, passando da imaturidade para um comportamento
mais amadurecido e as diferenças residem tão-somente no ritmo.
Permitam-me enumerar algumas coisas que parecem ser passos len­
tos, gradativos e difíceis para um relacionamento mais adulto, tais
como foram descritos nesta seção.
EÍes foram obrigados a enfrentar-se como pessoas e resolver as
coisas em lugar de fügir delas.
Foram obrigados a arrostar a dificuldade de comportar-se de
maneira diferente numa ligação da vida real.
Tomaram-se, pelo menos parcialmente, cônscios do seu medo
profundo de um compromissõ verdadeiro que suporia uma frase como
“Eu te amo’’. O fato de dizerem que gostavam um do outro ou até,
às vezes, que desgostavam um do outro era muito menos ameaçador.
A confusão real de Dick diante de um compromisso é vigoro­
samente enfatizada quando ele diz “Eu a amo” no preciso momento
em que está saindo paia ir procurar outra garota.
42

Dick, evidentemente, aprendeu muita coisa sobré .relações pes­
soais não intelectuais. Ele agora sabe que, embora a sua nova ami-
guinha loura satisfaça a um número maior de itens da sua lista inte­
lectual de exigências, não lhe é tão satisfatória quanto Gail. Respeita
a independência de àção e pensamento manifestada por Gail..
Ou será isto um grande respeito por Gail? Parte dele, sem dú­
vida, é o seu medo profundo (e natural) de ser responsável por ou­
tra pessoa e do seu desagrado pelo fato de outra pessoa depender
dèle. -
As dificuldades de Dick cercam a palavra “deveria”. Gail de­
veria proceder de certo modo e quando ela, posidva e claramente, não
•procede assim, Dick não se conforma e fica furioso. As suas ex­
plosões são tão violentas que infundem pavor em Gail. Mas a dife­
rença entre a sua expectativa do que Gàil deveria ser e a sua raiva
contra o qüe ela é cria conflitos em seu íntimo, pois ele reconhece
que a independência dela e o fato de que ela não fará o que ele
acha que ela deveria fazer é que a tornam desejável. Tudo isso me pa­
rece parte do crescimento, não importando que comece mais cedo
ou mais tarde.
AS MUDANÇAS
ACARRETADAS PELO CASAMENTO
Gail —• Quando nos casamos houve uma mudança mais dra­
mática do que quando começamos a viver juntos. Pelos menos para
mim.
E u — Em que sentido? Por quê?
Gail —- Bem, não sei de onde vieram todas as minhas idéias
mas, quándo me casei, tive a impressão, de repente, de que a minha
vida se acabara. Aquilo era o fim. Eu nãó tinha nada para fazer.
Poderia perfeitamente deitar-me e morrer. Não havia lugar nenhum
aonde pudesse ir, não havia nada para fazer. Eu deixara de ser uma
pessoa. Já não poderia ser uma criatura humana independente, nem
fazer o que queria, muito embora, quando pensava no assunto, não
soubesse dizer por que haveria uma diferença entre quando estáva­
mos casados e quando estávamos vivendo juntos. [ .» .]
E u— Você se sentiu muito menos como pessoa depois que se
casou?
Gail — Sim. E ã estava realmente deprimida, e ainda agora
estou procurando reaprumar-me sozinha. [ . . -íj
43

Dick — Também não sei de onde vieram j as minhas idéias.
Quando olhei, estavam lá. Pensei, naturalmente, que eu não gostaria
do casamento, que ficaria amarrado, que não poderia ir embora. Mi­
nha experiência seria como Gcúl a descreve. Na realidade, porém,
não foi assim. Tenho a impressão de que as coisas estão começando
agora, e isto é uma surpresa para mim, uma verdadeira surpresa, e
não posso explicá-lo. Acho apenas que grande parte da minha aten­
ção para com outras mulheres como possíveis oportunidades se aca­
bou. Já não preciso sair para caçar. Creio que o compromisso tirou
uma grande pressão de cima de mim e m e deixou mais livre para
começar realmente a viver a minha vida.
E u (para Ga il) — Quais eram as suas expectativas antes de
castor? *"
Gail — Acreditei que eu devia ser muito romântica e pensei
que o casamento seria ótimo; depois, em outros momentos, achava
que não queria amarrar-me p, ninguém, e outras vezes ainda, falando
comigo mesma, dizia: "Afinal de contas, não há diferença nenhuma
entre viver junto e casar — a única coisa que muda é o nome e a
sociedade, que nos aceita?’. E esse tipo de coisas. Mas isso também
significa maior estabilidade.
Eu — Por que foi que você se casou?
Gail — Bem, eu havia insistido com Dick, algumas vezes, para
casarmos. Eu dizia que ele nunca se casaria comigo, que eu nunca
teria filhos, e tal e coisa, mas a verdade é que eu não falava tão
sério como parecia. Nisso, uma noite, fomos à casa de uns amigos
e eu me portei muito mal. Estava enfezada naquele dia. Dick ficou
fulo da vida e foi ficando cada vez mais furioso. Brigamos durante
todo o trajeto da casa deles à nossa casa. E olhe que era um bom
pedaço. Já estávamos prontos para deitar-nos e continuávamos dis­
cutindo e brigando. A í, então, Dick me mandou embora. E disse:
“Arrume a trouxa e desinfete”. Mas eu não queria sair e respondi:
“Nada disso. Moro aqui e não sairei daqui. Não quero sair daqui”.
Dali a um momento, ele falou: “Está bem. Quer dizer que você quer
casar?” E eu respondi: “Está bem”. Foi quase como se ele dissesse:
“Ou nos casamos ou você dá o foraf’. E eu não queria dar o fora.
Por isso concordei. Depois me senti feliz. Era gostoso assumir esse
compromisso. - ’I M H B
D ick — O ar pareceu clarear. Era obviamente a Solução de
uma crise. O casamento pareceu resolver o que quer que houvesse
causado o incidente. Ê claro que a proposta de casamento, naquela
ocasião, firmava um compromisso de um modo ou de outro — ou
44

1
dissolvendo a nossa união Ou solidificafido-a. Outro fator importante
foi que todo o mundo ficou feliz. Percebi logo que isso aliviaria a
tensão de nossos pais, dos dois lados, entende? £ ^ ^ E r a uma
coisa legal e uma espécie dé compromisso público com o que já es­
tava comprometido particularmente, e sempre pensei que isso era o
que devia ser. 'E talvez, em circunstâncias ideais, é isso ó que deve
ser. Mas alguns aspectos se inverteram.
Eu (para Gail) — Há outras coisas d é que você se lembra em
relação à sua vida depois do casamento?
Gail Descobri que eu também tinha uma porção de idéias
engraçadas a respeito d o . casamento. Uma delas, que não sei de
onde me veio, era pensar que a gente não precisa mais estar, apai­
xonada depois que casa. E que eu já não precisava preocupar-me
com Dick e poderia não ligar para mais nada e começar a divertir-
me. Mas nada disso deu certo. Não posso deixar . de ligar para
Dick e ainda gosto dele, o que foi.outro choque para mim. Quando
a gente espera não se preocupar com alguma coisa e se preocupa com
ela, acaba tendo um trabalhãoWa
Comentário: pata mim, esta seção ilustra que, quando uma
pessoa introjeta um valor ou um papel social de outros, sem testá-los
com a própria experiência, recebe um impacto incrível em sua vida
e em seu comportamento.- Gail, evidentemente, introjetara— sem
ter consciência disso — a idéia de que a esposa é um ninguém, uma
pessoa dependente, incapaz de fazer o que quer, sem futuro. Muito
naturalmente, quando se sentiu presa a esse papel introjetado —
porque, sem dúvida, não lhe fora imposto por Dick simplesmente
achou que a sua vida se acabara. Na parte final desta seção sur­
giram outras idéias introjetadas, que parecem insólitas. Seria inte­
ressante conhecer melhor oá antecedentes de Gail, saber como lhe
passou pela cabeça a idéia de que depois do casamento o amor é
dispensável. Como também a .crença de que, depois de casada, a
esposa não precisa mais “preocupar-se” com o marido. Ela está dando
agora atenção maior à própria experiência e menor a essas introjeções;
descobriu, além disso, que gosta de Dick, que ainda não se livrou da
necessidade de “preocupar-se” com o marido € que não é fácil manter
a união -entre eles. .
De certo modo, um efeito que essa revelação me causou foi dei­
xar-me realmente muito irritado com o nosso sistema educacional.
Ainda que se admitisse a inépcia da maior parte dos ensinamentos
e aprendizagens que prevalecem em nossas escolas, até o tipo mais
m

grosseiro de educação no terreno das relações pessoais teria poupado
a Gail algumas dessas experiências. Ela teria aprendido que a Vida
de uma mulher, mesmo no casamento, é, em grande parte, o que a
mulher faz dela. Teria aprendido que o amor faz parte do casamento.
Teria descoberto que ninguém se casa para viver num; eterno mar
de rosas: é preciso lutar, trabalhar e construir para con3éguir um
relacionamento satisfatório. Parece incrível que ela tenha comple­
tado vinte e um anos de idade sem nunca ter tido a oportunidade
de aprendê-lo.
Depois há a imagem do casamento introjetada por Dick — que
o deixaria amarrado e o faria infeliz. Ele também está .aprendendo,
por experiência própria, que não é esse o caso. Sente-se aliviado
por não precisar sair “à caça” de uma futura esposa, e isso lhe pro­
porcionou maior grau de liberdade.
Esta seção também contém duas razões para o casamento que
torna duvidoso o seu prognóstico. A primeira é casar para agradar aos
pais. Conquanto seja verdade que o fato agrada às mães e aos pais,
não tem a menor importância para duas pessoas que estão pergun­
tando a si mesmas se podem assumir o compromisso dé uma união
permanente. A segunda razão poderia ser desastrosamente infundada,
a saber, casar para resolver uma crise nas relações entre ambos.' Era
evidente que eliss estavam dizendo um ao outro: “Ou nos casamos
ou .nos'separamos”. A razão por que isto me parece uma solução
duvidosa é que nem os verdadeiros problemas do casamento nem as
questões difíceis do prosseguimento das suas relações foram enfren­
tados abertamente. Em vez disso, o que aconteceu foi, basicamente,
um apelo à mágica — à crença de que a decisão de casar resolveria
as coisas, operaria um milagre. A comunicação entre eles erá muito
limitada.
“UMA DIFERENÇA NO MODUS OPERAfJDF
Gail — Quando ele me diz que preciso mudar ou ser assim ou
assado, acredito. Acredito que ele queira que eu'seja inteiramente di­
ferente, e então me vejo encálacrada diante de um marido infeliz ou
de um eu infeliz. Quero que ele mude também, mas faço as coisas de
outro jeito. Não deixo que os motivos de queixa se acumulem para
depois explodir. Quando ele faz'alguma coisa de que não gosto,’ge­
ralmente falo na hora. Falo uma vez com você, Dick, e depois
amuo.
46

E u (para Dick) — Como é que ela mostra que está zangada ou
infeliz com o que você está fazendo?
Dick — Bem, eu o percebo assim que a vefo amuada. Quando
ela me fala, é como se o que.me diz entrasse por um duvido e saísse
pelo outrO, pois nunca consigo lembrar-me do que aconteceu pri­
meiro: a bronca ou o amuo. Para mim, parecé que tudo acontece ao
mesmo tempo. Não digo que aconteça, mas é como se fosse.
Isso, naturalmente, me deixa louco da vida. Não sei por que, talvez
seja apenas uma diferença no modus operandi. Prefiro acumular,
não por algum motivo. moral; é que sou assim. E penso, pronto,
lá está ela embezerrada outra vez e, como isso vai acontecendo aos
pouquinhos, parece-me que ela está sempre assim. Veja bem, eu
me esqueço dos momentos em que Gail não está desse jeito. E, por
dentro, pergunto a mim mesmo: “Sérá que tenho de viver com essa
tromba?” E creio que isso exptícà por que lhe peço que mude
(Para G áil). Do meu ponto de vista, o seu mau humor, é como
uma parede que não consigo atravessar. Primeiro me diz o que está
sentindo e depois amua. m Para mim, é um verdadeiro inferna. Sei
que minha mãe é meio parecida e sempre tive a mesma dificuldade
com ela, e por isso pròçuro pôr as cartas na mesa, derrubar a pa­
rede...
Comentário: st fpr observador, o leitor já deve ter percebido
que esse 6 o tipo de relação entre crianças de cinco ou seis anos
de idade. Uma pede que a outra se comporte de maneira Hifeiynte
e faz um carnaval quando não é atendida. A outra emburra. Não
admira que se encontre “uma diferença no modus operandi”. En-
contrá-la-íamos em quase todos os relacionamentos. Mas encontrá-
la nesse nível significa que existe uma necessidade muito grande de
crescimento e comunicação pessoal para. construir um sólido relacio­
namento.
ALGUNS PROBLEMAS NO RELACIONAMENTO
Dick —O que temos dito se relaciona com o casamento e não
com a vida em comum. A vida ém comum foi unia transição muito
suave. Gail conheceu-me em Boston e nós, imediatamente, nos ati­
ramos à tarefa de tentar existir, embora tivéssemos conflitos e coi­
sas assim [ . . . ] Um exemplo, Gail, foi quando você relutou em
deixar que eu segurasse a sua mão de vez. em quando.
47

Eu — Pois isso me deixa curioso. Quando você não queria,
Gail, que ele segurasse a sua mão, era porque não gostava do as­
pecto físico, ou estava apenas transmitindo a ele uma espécie de men­
sagem temporária, como, por exemplo: “Ainda não vou muito com
a sua cara?"
Gail—Bem, foi mais do que isso. Creio que foi a tal história
do compromisso. De certo modo, segurar a mão me parecia mais
pessoal do que qualquer outra coisa. Mas pessoal ainda do que
fazer o amor, entende? Nunca fui capaz de assumir um compromisso
sem tentar sair dele assim que ficasse provado que havia um çom-
promisso. E essa, provavelmente, é uma das razões por que me
sinto tão perturbada por estar casada.
Dick — Casar, para mim, ou era uma solução ou não era. [ .?&]
Prefiro sempre que as coisas se resolvam imediatamente e sem a in­
terferência do tempo, talvez uma simples decisão. [ . . . ] (Pausa me­
ditativa) Pode ser que o casamento só expresse a intenção de resol­
ver essas coisas e não seja uma solução real por si mesmo. Isto é,
a intenção de dizer que ele valerá a pena se nós dois chegarntos a
compreender-nos e vivermos juntos nessa base. E possível que este
seja um modo mais realístico de encarar a coisa. Agora me ocorre
que eu talvez pudesse viver com essa atitude um pouco melhor.. Uma
intenção não é nada, é alguma coisa e, no entanto, admite livremente
que o que se está procurando não se encontre já, imediatamente, mas
seja um produto de algo mais, talvez de trabalho e de tempo.
Eu — Quando vocês olham para o passado, acham que hoje
conseguem resolver os problemas do seu relacionamento melhor do
que os resolviam no começo, ou é tudo a mesma coisa?
G a il — Bem, eu diria que, em certos sentidos, é muito melhor.\
Mas. .. em primeiro lugar, creio que levamos algum tempo para re­
conhecer que os outros são pessoas. Isso precisa entrar na cabeça
da gente como aprender a falar, ou coisa parecida. Porque não há
razão para pensarmos que os outros são tão humanos quanto nós,
a não ser que resolvamos fazê-lo. [ . . .] Depois que comecei a ver
em Dick outra pessoa, com sentimentos tão válidos quanto os meus,
foi realmente mais fácil para mim pensar neles e não o imaginar como
um ideali mas levar em conta a pessoa que ele é.
Comentário: a esta altura, várias coisas me acodem. Atente­
mos, por exemplo, para a declaração de Gail de que ficar de mãos
dadas representa um compromisso mais pessoal do que fazer o amor.
Isso realça o quanto cada um de nós vive em seu próprio mundo
48

particular de significados perceptivos, os quais para a pessoa são a
realidade. O que ela diz pode parecer uma sem-razão para o mundo
em geral, mas é a verdade para ela, e a única maneira que tenho
de compreendê-la e compreender o mundo em que ela vive, não
aquele que eu habito.
O reconhecimento da sua propensão para livrar-se de todo e
qualquer compromisso é significativo. Uma pessoa que teve a sorte
de crescer psicologicamente não assumirá um compromisso sem con-
siderar-lhe as conseqüências. £ pouco provável que assuma o com­
promisso para toda a vida, pois sabe que não pode predizer o que
fará ou deixará de fazer durante tanto tempo. Mas depois de haver
analisado cabalmente determinada situação, está em condições de
assumir e cumprir um compromisso realístico. Gail é incapaz de fa­
zer uma coisa dessas, O elemento promissor em tudo isso é que ela
tem discernimento suficiente para admitir a própria tendência a fu­
gir de qualquer compromisso e compreende que o casamento a de­
primiu porque não existe um melo fácil de escapar dele.
Uma fascinante amostra de discernimento é- a constatação, que
principiou a despontar no espírito de Dick, de que a solução de um
conflito não é uma coisa mágica e instantânea. Ele está principian­
do a compreender que talvez precise de “trabalho e tempo” para con­
seguir um relacionamento melhor, uma vida em comum mais har­
moniosa. Aqui está um homem de vinte e quatro anos, que estudou
matemática, história e literatura inglesa e possui um conhecimento
ainda incipiente de relações pessoais. Até que ponto pode chegar a
impertinência da nossa educação?
O mesmo comentário se aplica ao fato de Gail haver aprendido
que “os outros” sãó pessoas. Foi para ela -um grande feito chegar
à conclusão de que “Dick é realmente outra pessoa com sentimen­
tos . . . tão válidos quanto os meus”, mas é trágico que esse conhe­
cimento não tenha surgido aos dez ou doze anos, senão aos vinte é
três.
AS PRESSÕES DA SOCIEDADE .
Dick — Posso fazer uma digressãozinha? A respeito dos efei­
tos do casamento. [ . . . ] De um momento para outro compreendi
que é preciso pagar um preço por esse aspecto social, por fazer toda
a gente feliz. Compreendi o papel que se esperava que eu, como
homem, representasse, e dele tenho sido lembrado, em termos muito
claros, por sogros, cunhados e por meus pais. [ . . . ] Quando Gail
e . eu. vivíamos juntos, éramos parceiros em igualdade de condições
49

na luta pela vida e, quando estávamos quebrados, não se incrimi­
nava ninguém por isso; mas, quando nos mudamos e fomos morar
tão perto dos nossos respectivos parentes afins, a culpa, de uma hora
para• outra, passou a ser minha quando não tínhamos dinheiro, e eu
era o vagabundo que não procurava trabalho ou não me esforçava
o suficiente. . .
Gail — Sei o que Dick está dizendo Também se esperavam
coisas de mim como se esperavam dele. A gente acaba assumindo
um papel, mesmo que não queira, e isso é horrível! Pára os outros,
o marido tem de . ser de um jeito, e a mulher de outro, e acho que
por isso, em parte, imaginei que minha vida se acabara. '[■ ...] £
pouco provável que Dick venha a ser algum dia o tipo do marido
capaz de sustentar a família e é pouco provável que eú venha a que­
rer ficar em casa bancando a faxineira. E acabei metida num bruto
conflito, porque vivo pensando: “Bem, preciso ser assim, porque estou
casada e porque todos esperam que eu faça isso. .
Qualquer comentário é totalmente desnecessário, pois está cla­
ríssimo que o comportamento estabelecido pela sociedade para o ho­
mem e a mulher, pára o marido e a esposa, constitui um fardo pe­
sado para o indivíduo. O fenômeno é aqui particularmente interes­
sante, pois é evidente que eles não impõem essès papéis um ao outrò.
Estes lhes são impostos pela nossa cultura.
UMA DISCUSSÃO
Eles estavam discutindo as pressões exercidas sobre Dick pelos
pais de ambos e sobre Gail pela irmã de Dick, vizinha deles em
Boston. O que se segue é um clássico exemplo de briga matrimonial.
Dick — Mas, por maior que seja a pressão que minha irmã
exerce sobre você, você sabe.
Gail — Você não aceita o fato de que eu possa ser pressio-
nadawL ; ' ’ ~ '
Dick — Aceito. .S S
Gail — Ou que isso seja intolerável para m im ...
Dick — Bem, mas você nunca me disse que era. E eu a de­
fendi contra minha irmã. . .
Gail — Mas hão na minha frente.
50

Dick — Defendi, sim, senhora. Como defendi atrás de você.
E eu também
Ga i l — Pois eu o defendi alrás de você, e foi. disso que você
se queixou. ..
Dic k — Eu lhe perguntei e você disse que não.
Gail — O'quê? Què eu o tinha defendido?
jj: ''pjjcjgE' É:., I
Gaíl — Pois^defendi. E muito até.
Diçk — Isso é novidade para mim.
Ga i l — Novidade coisa nenhuma. Eu disse a você....
Dic k — È novidade, sim. De qualquer maneira, se eu não
ganhar dinheiro, e não der uni jeito na vida, e não encontrar em­
prego. ..
Ga i l — Mas eu também estou tentando achar emprego, Dick..
Desejo encontrar emprego tanto quanto desejava, antes.*.:
Dic k — Sim, mas ninguém espera que você faça isso, além de
mim. Nisso discordo de você. Creio que a pressão incide sobre mim
para que eu arranje um emprego e comece a sustentar a família.
Você sabe que o divórcio acontece por causa dessas coisas: "Ele é
um péssimo marido", "A única coisa que faz é andar por aí, vadian­
do, sem fazer nada. ..”
Eu — Parece-me, por estas últimas frases, que cada um de
vocês está dizendo: "Eu sou mais pressionado do que você”. “Não.
Eu sou mais pressionada do que você”.
Ga i l — Acho que iisó ê verdade. £ por isso que nunca po­
demos falar sobre 6 assunto.. Porque -acaba sempre assim: “A minha
situação é pior do que a sua”; “Njâó, à minha situação é pior do que
a sua”. E pouco .importa o que se aiz Qu deixa de dizer r. ..
Eu — Há um reparo que eu gos/aria de fazer: quando vocês
estão tentando dizer um ao otitro o que é verdade a respeito do outro,
á tensão aumenta. Quando, você diz que sente uma pressão, nin­
guém pode duvidar disso, porque é você quem a sente. Mas quando
diz que as suas pressões são maiores que as de Gail, eu pergunto:
quem vai decidir isso? Ela também se sente pressionada, mas de ma­
neira diferente, e não posso senão achar que, quanto mais vocês agi­
rem em função dos próprios sentimentos, tanto mais possível será
chegar a„ um entendimento qualquer.
Ga i l — E por issõ que fico tão furiosa com Dick. Quando es­
tamos conversando, ele me diz como me sinto, e quando digo que
não, que não me sinto assim, ele não actedita. E eu não tenho modo
de falar com ele [ . . . ] . Nesse ponto, quando você grita comigo e
diz que sou. isso, e mais aquilo, e mais não sei o quê, só respondo
51

que pode ser, pode ser. Mas talvez haja um pouquinho de verdade
no que estou dizendo, Dick, e você não quer ouvir-me.
Dick — Pois eu acho, Gail, que a minha frustração vem da di­
ficuldade que encontro para conversar com você. Em primeiro ^lu­
gar, a coisa mais difícil do mundo é arrancar uma resposta sua e,
mesmo quando responde, o que você diz não me dá margem para
dialogar. Eu gostaria muito de poder sentar-me ao seu lado e dizer:
"Estou-me sentindo assim. Como é que você se sente? Diga-me", e
depois perguntarmos um ao outro o que podemos fazer■ para ajudar-
nos. Você parece que se antecipa com os seus amuos e, de uma
forma ou de outra, existe um obstáculo entre nós.
Eu — Veja, você agora também está dizendo a ela que tipo de
obstáculo é esse. Qualquer coisa que existe nela. Se você pudesse
dizer, como disse há pouco: “Tentei realmente prestar atenção ao
que você está dizendo, mas é difícil, porque não consigo entender o
que você está sentindo", não creio que houvesse nessa frase muita
coisa capaz de ferir.
Dick —- Tem razão. Ê verdade.
Comentário: existem vários tipos de discussões estéreis, mas
esse é dos mais comuns. A sua característica mais notável, até o
ponto em que intervim, é que nenhum dos dois está disposto a atentar
para o que diz o outro. Num relacionamento desse tipo, como assi­
nala Gail, “pouco importa o que a gente diz ou deixa de dizer”. A
incapacidade de se comunicarem I quase com pleta.^
Teria sido interessante interromper a discussão em algum ponto
qualquer e pedir a Dick e a Gail, individualmente, que reproduzis­
sem as intenções e os sentimentos expressos pelo outro. É quase
certo que não teriam podido fazê-lo. Ao invés disso, cada qual está
à espera de uma oportunidade para cortar a fala do interlocutor e.
alfinetá-lo, de modo que nem as sentenças se completam. Não obs­
tante, as mensagens são simplíssimas. Dick está dizendo: “A pressão
exercida sobre mim para que eu sustente a família é maior do que
a pressão que minha irmã exerce sobre você”. E Gail está dizendo:
“Você não acredita que eu possa ser pressionada. Pois eu não o pres­
siono. Estou tentando encontrar emprego também”. Apenas o úl­
timo enunciado é cooperativo e isento de hostilidade.
Talvez valha a pena analisar as mensagens acima e o próprio
diálogo mais detalhadamente. Como começou a discussão? Começou
quando Gàil disse a Dick, em tom de crítica, qual era a crença ou
o sentimento dele (“Você não, aceita o fato.. J |) . Esse tipo de de­
claração, em que o interlocutor tenta dizer ao outro exteriormente
52

a verdade que julga discernir-lhe no íntimo, e interiormente se sente
judicativo, sempre redunda em situações difíceis. Ela diz: “Você não
aceita”. E Dick responde: “Aceito”. Quem poderá julgar quais são
as verdadeiras atitudes de Dick? É evidente que só Dick pode res­
ponder a isso, e não é provável que ele dê uma resposta sincera
quando está sendo atacado. Essa é outra característica desse tipo
de intercâmbio — geralmente traz consigo uma acusação, um juízo
negativo e, portanto, propende a fornecer uma imagem falseada.
Repare-se agora em como uma ligeira variação do mesmo gê­
nero de resposta produz uma grande diferença. Não estou emocio­
nalmente envolvido na discussão e desejo realmente compreender
o que está acontecendo nessa, interação, de modo que entro com
uma declaração do que, a meu ver, eles estão sentindo. Mas a minha
declaração é empática, não é uma acusação; tentativa e não judi-
cante; e expressa uni genuíno désejo de compreensão. Isso parece
diferir muito pouco do que eles estiveram, fazendo, mas a diferença
de atitude é profunda. Se um deles, ou ambos, tivesse dito: “Não, não
é isso o que estou dizendo”, eu teria aceito incontinenti qualquer
correção, que. me fizessem.
Isso altera o tom do diálogo. Quando percebem que alguém
compreende, mesmo que seja uma terceira pessoa, os dois se sentem
mais capazes de pesquisar com maior profundidade e coerência a
natureza das súas divergências. Será difícil dizer se a minha se­
gunda resposta, mais ou menos didática, foi de alguma utilidade,
mas simplesmente não suportei o espetáculo dos dois discutindo de
maneira tão estéril.
Nos dois enunciados seguintes de cada um' não é difícil vislum­
brar as sementes de nova discussão, ainda que o tom de voz fosse
muito menos acusador. Diz Gail: “Você não está disposto a ouvir”,
quando a única declaração verídica que ela poderia ter feito era:
“Acho que você, na realidade, nunca me ouve”. Esta última seria
uma base de diálogo, mas não de briga. A declaração de Dick é
muito mais conciliatória do que antes, mas a sua mensagem essen­
cial é a seguinte: “Nos seus amuos está a barreira que existe entre
nós”. E aí, mais uma vez, se revela a tentativa de dizer a Gail qual­
quer coisa a respeito dela mesma.
O RELACIONAMENTO SEXUAL
Eu — Outra pergunta que eu gostaria de fazer é esta: qual o
papel que a satisfação ou a insatisfação sexual têm desempenhado
53

em tudo isso? Tem sido uma parte muito satisfatória da vida de
vocês ou também tem seus altos e baixos, como os outros aspectos?
Dick — Tentarei responder. Creio que é importante. Na mi­
nha sincera opinião, tentos tido muito pouca atividade sexual Rg? não
é tão freqüente quanto. Gail gostaria que fosse e, de certo modo,
há uma frustração, uma ferida, em que nenhum de nós consegue pôr
o dedo. Tenho veias varicosas que reclamam e doèm de verdade. ■
E um excesso de atividade sexual ou uma atividade muito intensa
provocam dor, e a dor me ficou gravada no espírito. No início,
quando começamos a fazer o amor, tive alguns casos d e .. . d e . !*!
impotência — não fui capaz de dar no couro. Mas isso acabou
se resolvendo...Não sei o que era.. [ :'} .] Creio que havia muitas
dúvidas e muitos temores diferentes, com certeza temores de homos­
sexualismo, porque eu era um adolescente. Aliás, as próprias drogas
talvez tivessem alguma relação com o fato. Ê difícil dizer, mas o
certo é que, depois de algum tempo, essa parte deixou de ser pro­
blema.
Gail — Não sei exatamente o que é. Há ocasiões em que não.
tenho orgasmo, se bem isso agora seja pouco freqüente. Não. me
satisfaço com muita facilidade e, quando não consigo satisfazer-me,
não ê por nada que Dick faça ou deixe de fazer. È uma coisa que
está em mim, e que ainda não identifiquei. E acontece também, niui-
tas vezes, que tenho medo de engravidar. Por causa de problemas
médicos especiais, não posso usar a pílula, nem um dispositivo intra-
uterino e, portanto, tenho de apelar para o diafragma, que não é
totalmente seguro. Ora, como, não quero ter filhos agora, isso é
um-problema. Talvez exista algum probleminha evasivo, com o qual
realmente não consigo atinar. Só sei que não se trata de nada muitó
simples, como essas coisas que se lêem por ai. . .
Dick — Parece que Gail precisa e deseja maior atividade se­
xual do que eu. Você não concorda em que, aparentemente, é isso
mesmo? (Ela assente com uma inclinação da cabeça.) Quando Gail
não consegue satisfazer-se, tenho muita pena dela, porque me lem­
bro do tempo em que eu não podia dar no couro e não sinto nenhuma
hostilidade contra ela.
Gail — Não gosto de falar nisso a respeito de Dick, mas um
par de vezes já tive a impressão de que ele pensa que as mulheres
se aproveitam dele sexualmente. Que es'tá sendo explorado, que es-,
peram que ele dê no couro. E isso me faz hesitar um pouco porque,
às vezes, se ele pensa assim, não quero aproximar-me, porque não
quero qué me considere uma mulher má, que está querendo roubar-

lhe a virtude ou alguma outra coisa. Antigamente eu me sentia ma­
goada quando tomava a iniciàtiva e ele não respondia, mas isso agora,
já não me magoa tanto assim.
Dick — O que você diz me esclarecç algumas coisas. Creio
que tem razão nesse ponto»^
E u — A vida sexual de vocês, evidentemente, não tem sido
idèal. Existe essa qualquer coisa esquiva, que não se descobre o que
é, mas 'tudo indica que se irata de um terreno que não provoca
brigas entre vocês. Os dois parecem perfeitamente compreensivos e
compassivos em relação um ao outro.
Dick —- S in to ... realmente procuro empatizar. Creio que os
problemas sexuais. . . já os tive e, você sabe, é uma questão de ter. . .
Eu não os desejaria para ninguém.
Eu '— O que poderia ter sido uma questão de “Você quer de­
mais", ou qualquer coisa nesse estilo, não parece capaz de surgir
desse tipo de situação.
Gail — Mas surgiu. Uma vez. Lembra-se de quando você
ficou furioso comigo e disse que eu era pervertida?
Dick — - Eu disse?
Gail — Disse, sim, e isso me deixou realmente transtornada.
Comentário; é fascinante comparar este último diálogo com a
discussão anterior, cheia de acusações. Cada qual assume toda a
responsabilidade dos próprios sentimentos em sua vida sexual, e ne­
nhum revela a menor tendência para julgar o outro. Embora encon­
trem dificuldades desconcertantes, mostram-se mutuamente compre­
ensivos diante delàs. Dick alude ao seu sofrimento, à impotência an­
terior e ao vago sentido atual de frustração como sendo, todos eles,
elementos existentes em seu íntimo. E Gail tem o cuidado de dizer:
“Não é por nada que Dick faça ou deixe de fazer. £ uma coisa que
está em mim”, quando se refere ao seu “problema evasivo”.
Observe-se depois que ela volta a dizer como Dick se sente,
mas com um resultado muitíssimo diferente. Aqui procura, muito
tentativamente, revelar uma compreensão significativa dos sentimen­
tos mais profundos do marido a respeito da exploração sexual de
que ele se julga vítima, e Dick não somente se mostra sensível à
observação dela como também aprende algumas coisas com ela.
Por que são eles empáticos e comunicativos nesse ponto e tão
agressivos em outros? Poderíamos formular uma série de hipóteses
mas, francamente, não sei. Entretanto, a diferença de suas atitudes
recíprocas na área do sexo modifica-lhes o relacionamento, porém
55

melhorando-o. Eu quisera apenas que a atitude de compreensão se
difundisse por outras áreas.
Ê interessante pensar na facilidade com que essa porção da. vida
também poderia transformar-se em campo de batalha. Podemòs até
entrever os elementos da discussão. Aquif está um diálogo imagi­
nário:
Dick Você quer atividade sexual demais.
G ail ■— Nada disso. Você é que não é muito masculina. .
Dick — Eu sou masculino. Acontece que você é deformada e
pervertida.
Gail — Não sou, você é que é fraco.
(Et doetera,
et coetera ad infinitum.
A devastação que teriam produzido ataques dessa natureza é
claramente demonstrada pela afirmação de Gail de que uma tenta­
tiva de Dick de diagnosticá-la e acusá-la sexualmente foi realmente
perturbadora. Imagine-se o que teria acontecido ao relacionamento
entre ambos se isto fosse uma parte constante da vida deles.
Dick (a Ga il) — Depois que nos casamos eu a vejo expres­
sar-se de maneiras diferentes. E m lugar de mostrar-se apenas de
um jeito, isto é, deprimida, você se mostra hostil ou, quando se
sente feliz, é realmente mais feliz, entende? Essas ejoisas me dão es­
peranças, embora eu sàiba que isso pode tomar qualquer direção,
mas sinto-me otimista a seu respeito e a respeito dos seus senti-
wentési.' w S É B
Gail — A gente acaba cansando, depois de fazer força durante
algum tempo para não se sentir deprimida ou para sentir alguma
coisa diferente. Isso é muito fatigante. E como exercitar músculos
que nunca foram usados.
Comentário: “Isso pode tomar qualquer direção”. É claro que
pode! Aqui está um casamento que tem muita coisa contra si e em
que somente esforços heróicos, tanto da parte de Dick quanto de
Gail, poderão criar um relacionamento permanente. Creio que o peso
dos fatores negativos a incapacidade de se comunicarem na maio­
UM BREVE OLHAR PARA O FUTURO
56

ria das áreas, a imaturidade nos processos de tomada de decisão (as
dificuldades rio tocante à assunção de compromissos), as expectati­
vas introjetadas do papel do marido e da esposa, as tempestuosas
relagõès que mantiveram até agora — tudo prediria um possível
malogro.
Vejo, porém, três elementos positivos, que proporcionam uin
raio de esperança. Em suas atitudes para com a vida sexual, um dos
aspectos mais importantes do casamento, eles são mutuamente com­
preensivos e ternos. Se pudessem partir daí, isso lhes favoreceria
indubitavelmente o casamento.
O segundo elemento promissor reside nas declarações que aca­
bam de ser citadas. Se Gail e Dick exprimem com maior exatidão
Os respectivos sentimentos no momento em que estes ocorrem, a. sua
franqueza, como diz Dick, pode dar margem ao otimismo. Parte
desse elemento está na afirmativa de Gail de que um relacionamento
que a si mesmo se enaltece, cheio de ternura, exige um esforço inte­
ligente e concentrado. Na medida em que eles puderem progredir
no sentido de uma comunicação significativa dos sentimentos com­
plexos que existem no presente — tanto os temos e amorosos quan­
to os hostis e pungentes — estarão aumentando, as probabilidades
de Viver e crescei juntòs.
Com o terceiro elemento atinei apenas por acaso. Terminada
a entrevista, eles foram à casa de um amigo comum, e este me
contou que pareciam quase extáticos com a experiência. Alguém lhes
dera atenção e eles achavam ter lucrado muitíssimo com ela.' Receio
que a primeira coisa que isso demonstra é que muito poucà gente
acredita ter sido ouvida alguma vez na vida, pois.a entrevista se des­
tinava apenas à coleta de informações e não tinha nenhuma finali­
dade terapêutica (se bem que, em várias ocasiões, eu não resistisse
à tentação de ajudar )P Mas mostra também o quanto eles lucra­
riam com o aconselhamento, matrimonial se este fosse gratuito (pois
não têm dinheiro), se o conselheiro, receptivo e compreensivo, não
quisesse julgá-los — e se eles pudessem ter essa experiência agora,
antes que o seu relacionamento se deteriore. Receio que a nossa cul­
tura não ofereça esse tipo de serviço, e que apenas uma minoria
de conselheiros teria as atitudes que poderiam aproveitar a Dick e
a Gail. Só nos resta, portanto, desejar-lhes boa sorte em seu prc-
caríssimo casamento, o qual, por curioso que pareça, talvez tenha
menores probabilidades de ser permànente do que a sua descompro­
metida existência em comum.
57

/
U M C A S A M E N T O “M O D E R N O ” j J
3
Existe u m j o v e m casal, Rpy e Sylvia, de trinta e. poucos anos,
que conheci intermitentemente 'nos últimos dez anos e que, num de­
terminado período, há coisa de sete anos, conheci muito bem. 'Fi­
quei assombrado com o que me pareceu ser a tentativa realmente
moderna dos dois para fazer de todas as relações pessoais, incluindo
o casamento, uma experiência crescente e criativa. Durante esse pe­
ríodo, Roy se embeiçou por Emily, a jovem esposa, um tanto in­
fantil, dè outro homem, o que perturbou profundamente Sylvia. Mas
em lugar de divórcio ou de um amargo ciúme, eles conversaram fran­
camente sobre os seus sentimentos e chegaram a um novo entendi­
mento (que nunca fiquei conhecendo). O marido da “outra mu­
lher” ficou muito zangado — com a esposa, e principalmente com
Roy. Este chegou a planejar um encontro dos quatro — dos dois
casais — em que pudessem conversar, sobre os seus sentimentos.
Infelizmente, a tentativa de comunicação a quatro nunca se con­
cretizou. •.? ■ v -!“ '*'■
Pelas conversas travadas entre Roy, Sylvia e Emily, todos com­
preenderam que Roy sentia um profundo carinho por Emily, mas
que isso não era motivo pára que se desfizessem os dois casamentos.
Parecia natural que, às vezes, um homem ou uma mulher amassem
profundamente mais de uma pessoa.. Pouco tempo depois Roy e Sylvia
se mudaram, de modo que não temos uma prova cabal de que essç
complexo relacionamento suportaria o teste do tempo.
Creio que o leitor talvez compreenda por que, quando comecei
a pensar nas relações entre homens e mulheres, escrevi a Roy e Syl­
via, do outro lado do continente, na esperança de que pudessem ofe­
recer-me a contribuição da sua experiência. Eles decidiram escre-
58

ver-me somente sobre as suas relações atuais, mas isso para mim
tem muito valor e espero que também tenha para o leitor.
Uma razão por que desejo incluir esse material é que Roy e Syl-
via, por volta do terceiro ano do seu casamento, atingiram uma
franca participação e uma força de expressão quase desconhecidas;
Sei que Roy tivera experiência de encounter groups e um ano de
psicoterapia com um psicólogo competente e compreensivo. Esses
fatores talvez ajudem a explicar a inusitada franqueza do seu re­
lacionamento. Não sei. Nem posso predizer se o matrimônio deles
será finalmente “bem sucedido”. Mas a verdade é que estão lutando
para dar à sua união uma riqueza inconcebível há cinqüenta anos.
Estão tentando ser francos, manter-se próximos dos próprios senti­
mentos, partilhando, aprimorando ò relacionamento, em lugar de ape­
nas justificá-lo defensivamente. A meu ver, a extensão em que o
partilham é quase inacreditável. O fato é que estão fazendo pio-
neirismo num novo território do casamento, importantíssimo para to­
dos nós. Não posso dizer se o leitor julgará ideal o relacionamento
deles ou se o repelirá, enojado. Creio que ninguém pode deixar de
aprender com a experiência desse casal. Daqui por diante, deixarei
que falem por si mesmos, intercalando apenas um oú outro comen­
tário. . I
O RELACIONAMENTO
Aqui estão algumas notas de Roy, escritas amiúde numa espé- .
cie de taquigrafia, mas muito reveladoras.
Sempre houve movimento e desenvolvimento em nosso casa­
mento, mas nunca como nos últimos dois anos — a mudança de umà
cidadezinha para uma cidade grande, as duas crianças na escola, a
libertação das mulheres, a libertação sexual na cultura da juventude
— tudo isso teve um impacto profundo. À medida que as crianças
foram crescendo, Sylvia começou a procurar a própria identidade.
E eu a apoiei, pois desejava um relacionamento estimulante de iguais.
Passamos a conversar cada vez mais — estudando os nossoS desejos
— enquanto eu a ouvia e animava a pensar em si mesma e no que
ela queria tornar-se. Isso funciona. Agora é ela quem faz o mesmo
por mim. Ê maravilhoso termos alguém que nos ajude a estudar a
nossa própria mente.
59

Usamos palavras para aproximar-nos um do outro. Sabemos
que cada qual se esforça por ser absolutamente franco — na rea­
lidade, tanto partilhar o que não quero partilhar, porque isso cos­
tuma atrapalhar a nossa verdadeira aproximação e o nosso desen­
volvimento. Como quando estou zangado ou enciumado ou quando
m e sinto m uito atraído por outra m ulher — se eu não lhe contar
o que tenho e isso não m e sair da cabeça, nós nos sentiremos cada
vez mais separados. V ejo que, ao afastar certas coisas, começo a
construir um m uro — não posso interromper o fluxo de algumas
coisas — sem bloquear m uitas outras. . .
Pontos altos e pontos baixos — eles parecem chegar juntos em
épocas de m udança em nosso relacionamento. Os tempos baixos
são os m edos íntim os — m edo de ser ridicularizado, medo de ser cha­
mado de im potente, ou de infantil, ou de chato, por ela ou pelos
amigos ( ligado a imagens de m eu pai —■ do seu medo e da sua in­
segurança constantes). Esse m edo é particularmente forte quando
m e sinto separado dela — isolado — um a perda de afeição espon­
tânea — e sei que ela está ampliando o seu mundo em contato com
outros homens. Tais m edos podem ser intensos numa hora, ou
num dia, e desaparecer logo depois, quando a barreira se rompe e
nós nos aproxim am os um do outro — partilhando do m eu medo —
das suas m ínim as nuanças — controlando a realidade — como são,
na realidade, os outros relacionamentos dela? Serei excepcional?
Como? Os outros são excepcionais? Como? Desvelar todos os es­
caninhos do m eu pensam ento — arriscando tudo — tem sido essen­
cial para m im . Sobretudo a partilha e o estudo de todos os meus
temores, por m ais “infantis” e “imaturos” que eu os considere. Di­
zendo um a porção de vezes, primeiro para m im mesmo e depois para
ela — este sou eu — agora — estes sentimentos talvez nunca m u­
dem. Se você m e quiser, precisa querer estes temores. Sou vulne­
rável. Sinto-m e ameaçado pelas suas relações íntimas com outros
homens. E u diria que levei quase um ano para poder exprimir esses
medos ao senti-los. A princípio, precisei fazer um esforço conscien­
te, depois de “conversar comigo m esm o", para compartilhá-los —
para ser por fora tão vulnerável e assustado quanto m e sentia por
dentro.
Sylvia inicia as suas notas com uma declaração curta, porém
significativa:
Creio que estive esperando poder escrever, “e vivem os felizes
para sempre". Isso jamais acontecerá. A prendi algumas coisas. Le­
vei muito tempo para encontrar as palavras. Para m im , entretanto,
foi bom escrever tudo isso.

E aqui está um pouco da qualidade do relacionamento visto
através dos olhos de Sylvia num determinado incidente:
Passamos juntos um fim de semana na praia antes de Roy au­
sentar-se por oito dias. A viagem envolvia uma grande responsabi­
lidade para ele e não foram poucas as suas preocupações nesse fim
de semana. Escrevi isto para ele na segunda-feira de manhã, depois
que ele partiu:
Penso no nosso fim de semana na praia
havia algumas coisas gostosas
aquele fantástico lugar que visitaremos
algum dia
mas na maior parte das vezes estivemos sós ali
eu estava sozinha
você estava, sozinho
■e nós estávamos solitários —
Você estava esperando por mim
eu estava esperando por você
[SjB
eu estava esperando sentir vontade de agarrá-lo
e o tempo se escoou
o' tempo se escóou
__
Agora você se foi
eu poderia tê-lo feito sentir-se forte
eu poderia tê-lo am ado,
que bela maneira de passar a sua semana
mas eu esperei até sentir vontade
çVo tempo sé escoou.
O último comentário dela dirigido a ele sobre o poema:
Eu estava com ciúme da sua viagem, do seu emprego estimu­
lante. Queria aparecer em algum lugar, queria um pouco dessa emo­
ção para mim. Poderia procurá-lo, dar para você — zangada como
estava? Não.
Você se sentia culpado porque não conseguia tirar da cabeça
a idéia da semana seguinte — você não estava realmente livre para
ficar comigo. Havia muita responsabilidade pesando sobre os seus
ombros. E como é que uma pessoa pode dar para outra quando
61

está amarrada pelo sentimento de culpa e cheia de ansiedade por
uma responsabilidade iminente?
Poderíamos ter falado sobre isso na ocasião, mas não compre­
endemos, então, o que estava acontecetido. Ainda assim, valia a
pena falar sobre o caso mais tárde.
/ 1
REAÇÕES À LIBERTAÇÃO SEXUAL
Eles estão fazendo experiências com a concessão de plena li­
berdade sexual um ao outro. Isso causou tensões, o que não é para
admirar. Sylvia conta como começou.
R oy e eu estávamos casados havia d ei anos — e acreditávamos
conhecer-nos. E u nunca tivera um orgasmo — e pensava que era
“assim mesmo”. R o y também pensava; mas nunca fálamos muito
sobre o assunto. Conversávamos sobre tudo, exceto sexo. Então me
senti realinente interessada por outro homem e tive vontade de fazer
o amór com ele — embora nem semprè sentisse vontade de fazer
o amor com Róy. E u não acreditava que pudesse dizê-lo a Roy.
Receava qüe ele ficasse muito magoado e que, de tudo o que eu
dissesseI s ó óüvisse isto: “Você não me satisfaz”. Mas acabamos
falando. A princípio foi horrível — ele se sentiu machucado e fraco.
E para mim foi penoso — muito penoso — saber que eu era á cau­
sadora do seu sofrimento. M as ele gostou da nova vida que se de­
senvolvia em mim. Isso deve ser uma boa coisa! Eu a queria para
mim e para nós. Ele também. Foi-me importante perceber que eu
não era “assim mesmo”, e emocionante para R oy ver sua mulher de
novas maneiras. R o y disse: “Se você fizer o amor com ele, quero
que me conte — precisamos saber onde estamos”.
Um belo dia, deixei que isso acontecesse — e contei a ele.
Arrisquei-me. Arrisquei-me. Arrisquei-me a nunca me sentir assim
com R oy — a sentir-me sempre insatisfeita e a acabar estragando o
nosso casamento. Isso teria sido trágico. R oy e eu somos basica­
mente uma boa coisa -— temos dois filhos — gostámos de viver jun­
tos — amamo-nos. Mas, de certo modo, era como se eu tivesse de
jazê-lo. Eu precisava trazer à vida essa parte minha — depois de
perceber que ela estava ali. Dir-se-ia que, se essa parte, tão íntima,
se libertasse, se abrisse, eu poderia partilhá-la com R oy — o homem
62

mais importante para mim. Isso, agora, acontece. A s vezçs, Roy e
eu partilhamos nossos corpos como nunca julgamos possível para
nós. Eu sempre imaginara que tudo deveria "simplesmente aconte­
cer” entre duas pessoas. Se não aconteçesse, eu não me esforçaria
para consegui-lo — o esforço não tinha sentido. De mais à meus,
eu andava zangada. Porque me esforçaria por ser sexualmente livre
com Roy se me sentia sexualmente livre com outra pessoat- A per­
gunta era pertinente. E compreendi que a resposta seriS: “Porque
quero estar casada com meu marido — e quero ter isso com ele”.
Este foi um momento decisivo.
E aqui estão algumas notasde Roy sobre o mesmo assunto:
Provavelmente a mudança mais difícil para mim 'foi precisar
acostumar-me aos amigos de Sylvia — cotejando-os comigo, recean­
do per dê-la.
Vendo-a fisicamente despertdda e afirmada por outro — e eu
me achando menos capaz de despertá-la sexualmente. Sentia-me
assustado e vulnerável, e ela estava zangada por se ver. presa a dois
filhos, por ter sido sexualmente reprimida pelos pais, por não ter
sido sexualmente libertada por mim, senão esporadicamente. Faz
agora um ano e meio que ela exigiu uma nova liberdade e passou
a usá-la — e o que ela me disse há uns seis meses de fato procede.
Disse que se sentia realmente afirmada por outros homens porque
eles não tinham obrigação nenhuma de afirmá-la — tinham a li­
berdade de querer ou não estar com ela — ao passo que, tendó eU
grande interesse em salvar o nosso casamento, era mais difícil acre­
ditar no meu apoio. Descobri que eu também pensava assim. Ò fato
de haver ela travado novas amizades masculinas, dè haver dèsco-
berto o que apreciava e o que não apreciava nos novos amigos
abriu-lhe os olhos para o que apreciava em mim e ela come­
çou a afirmar-me — a descobrir'o qíie eu tinha de único — e come­
cei a acreditar nisso, porque se Baseava numa experiência ver­
dadeira e numa escolha.
Minhas inibições em relação a outras mulheres — utilizando-as
— necessitando delas para dar liberdadé a Sylvia — para compre­
ender-lhe a necessidade de outras relações aõ Experimentar eu mes­
mo o desejo de outras relações. Compreendêndõ a minha singulari­
dade para ela áú pôr à prova a singularidade déltt para mim —• atrar
vés de relações com outras mulheres. Relacionando 0 meu medo de
que ela se destruísse fazendo o amor com outro homem (que é mais
63

;ntenso quando não há liberdade no nosso convívio sexual) ao meu
medo de que éu Viesse a ser destruído por outra mulher e de que
isso ameaçasse o nosso casamento.
Não posso permitir que ela alimente, sentimentos por outros ho­
mens e teste os limites do que podemos manejar — sem que eu
me liberte com outras mulheres e teste o significado do nosso casa­
mento, não através de restrições inibidoras, mas escolhendo-a no con­
texto de uma variedade de relações.
Já não me fazem mossa as suas relações íntimas com outros ho­
mens — há um ano essa idéia me deixava maluco. Na realidade,
é uma libertação. Já não preciso ser tudo pára ela. Posso envol­
ver-me com outras pessoas sem me sentir culpado por ela estar sor
zinha.
Estou convencido, com efeito, de que nos desenvolveremos a
ponto de podermos fazer o amor com outras pessoas sem nos amea­
çarmos mutuamente. A chave parece ser a força que temos um,
com o outro. Quando ela faz o amor com outro homem, minhas
reações' têm variado desde a extrema ansiedade e a dúvida de mim
mesmo até uma raiva passageira. Se pudermos construir uma sólida
lembrança dos belos momentos em que fizemos juntos o amor, creio
que seremos capazes de lidar com a liberdade sexual fora de casa.
Outro dia eu disse a ela: .‘Estou tão cansado de me sentir en­
ciumado e ansioso, de imaginar o que você está fazendo hoje com
ele, que só desejo livrar-me desses sentimentos e poder dizer: "Diabo,
quando estivermos juntos, ótimo! Construiremos, cresceremos e par­
tilharemos — quando não estivermos, teremos liberdade para delei­
tar-nos com quem estiver conosco”.
O RELACIONAM ENTO SEXUAL
Creio que a natureza e o caráter da sua vida sexual se depre­
endera de algumas breves notas escritas por eles.
Roy: '
Estamos casados há pouco mais de dez anos e o nosso relacio­
namento sexual está começando a ir muito bem. Sempre fomos mais
francos verbalmente do que fisicamente. Viemos ambos de famílias
que nunca se sentiram à vontade em fnatéria de sexo. Temos tido
64

alguns bons momentos no decorrer desses anos, mas só mesmo aos
poucos conseguimos libertar-nos e gozar de jato dos nossos corpos.
Ultimamente temos tido jantásticas conversas sobre sexo quando saí­
mos para almoçar — num barzinho mal iluminado — falando de
tudo o que sentimos ao fazer o amor na noite anterior — e isso tem
sido formidável para nós.
A aproximação por meio de palavras é uma beleza mas as
palavras, às vezes, atrapalham. Na outra manhã — fazia algum tem­
po que não nos excitávamos um ao outro — estávamos conversando
quando parei de falar, cheguei-me a ela e olhei dentro dos seus
olhos — explorei-lhe o rosto com os meus olhos. Foi difícil a prin­
cipio — isso realmente cortou as palavras — não falar, só olhar e
tocar. Começamos simplesmente a tocar-nos, sentindo o toque e
abrindo-nos de um modo que as palavras jamais o conseguirão.
Estarmos sensualmente próximos — tocando, cheirando, acari­
ciando, olhando, explorando com os olhos e com as mãos, da cabeça
aos pés — sem exigir que aconteça alguma coisa — apenas nos
acarinhando mutuamente — concordo com Masters e Johnson em
que isso é fundamental para a resposta sexual.
A descrição feita por Sylvia da. mesma manhã:
Certa manhã Roy não foi trabalhar e nós tomamos café na sala-
de-estar. As crianças estavam na escola. Ele olhou dentro dos meus
olhos. Não disse nada. Ficou apenas olhando para mim. Foi uma
coisa muito poderosa. Uma coisa nova. Isso até me deixou um pouco
constrangida — mas eu gostei. Depois ele me tocou a mão com um
(ledo só e começou a fazer um desenho, levemente. Eu o senti. Era
quase como se ele nunca me tivesse tocado antes.
E Sylvia fala ainda mais sobre os fatos novos para ela :
Começamos a ler livros sobre sexo. Lemos o segundo livro de
Masters e Johnson e gostamos dele. Cheguei até a comprar Mulher
Sensual. Foi uma coisa diferente que fiz. Não sei quem meus apre­
ciou o livro — se Roy ou se eu — mas ele realmente gostou-de
que eu o tivesse comprado. Foi um novo dia — uma nova Sylvia
— um novo casal. Fomos assistir a um filme erótico e a experiência
nos agradou — pudemos desfrutá-la juntos.
Principiei a falar mais sobre minha família durante a minha in­
fância — especificamente meu pai — e descobri quanta raiva eu
tivera daquele velho grisalho e bom por não me haver mostrado o
65

que significava para mim começar a ser mulher. M eus pais não se
sentiam à vontade com a sua sexualidade — não me foi difícil com­
preendê-lo, e acho que ainda estava com raiva por causa disso.
(Compreendo, todavia, que as pessoas só podem ensinar e mostrar
alguma coisa que conheçam por experiência própria.)
De qualquer maneira — na noite em que desabafei toda essa
raiva aconteceu uma coisa fantástica. Quando R o y e eu estávamos
fazendo o amor, ondas começaram a invadir-me o corpo — e não
tentei resistir-lhes — pela primeira vez. Abandonei-me — e nunca
serei a mesma. Que coisa poderosa! o orgasmo parecia durar para
sempre. Eu não tinha controle sobre o que estava acontecendo.
Renunciei ao controle e a experiência avassaladora tomou conta do
meu corpo. Eu quisera poder deixar que isso acontecesse todos os
dias — mas não posso. Creio que levarei algum tempo para incor­
porar ao que sou essas novas maneiras de ser. Só sei que isso pode
acontecer com R oy e comigo — e quero alimentá-lo — quero fazer
tudo o que puder para deixar que aconteça.
Aqui está uma nota de Sylvia para Roy sobre um momento
difícil:
Estou pensando na ocasião em que você queria fazer o amor
e eu não queria — isso, geralmente, é uma Cena Feia. Estou fe­
chada — tensa — e sinto-me péssima. Como poderia eu dar alguma
coisa sentindo-me assim? Depois, um dia, entrevi algo novo —- eu
não sentia vontade de fazer o amor, mas gostava de você — queria
fazê-lo sentir-se bem. A cendi algumas velas e pus na vitrola um
disco de que ambos gostamos. E u disse: "virese” e dei-lhe uma fan­
tástica esfregadela nas costas — batendo, acariciando, deixando que
os meus cabelos compridos se arrastassem sobre as suas costas nuas.
Encostei o rosto na sua carne — o nariz, o ouvido, os lábios. Esfre­
guei os músculos contraídos na base do seu pescoço. Fiz ali um
desenho. Que maravilha não deixar que o sentimento de culpa —
porque eu estava recusando uma coisa —— m e gelasse, m e deixasse
fria, de modo que eu não pudesse dar nadai Parece sensato imaginar
que você preferiria uma esfregadela nas costas feita livre e alegre­
mente a fazer o amor com um corpo cuja alma estivesse ausente.
Devo admitir que uma xícara de chá quente (até com mel e limão)
nem sempre satisfaz a um homem que quer lazer o amor. Mas
acontece, às vezes, uma coisa engraçada quando tenho liberdade de
dar o que desejo dar no momento — isso me abre, faz-me sentir
66

novamente como um ser humano — e quem sabe então o que pode
acorítecér?
UM “MOMENTO DIFÍCIL”
Roy incluiu, entre as coisas que me mandou, uma nota que
escreveu a Sylvia um ano antes do outro material aqui apresentado.
Ela indica claramente que um casamento desse tipo nunca é “está­
vel”, a não ser como processo continuo de mudança.
Sinto-me no ponto de quebrar. Estamos ambos forçando Ü>p
exigindo a satisfação das nossas necessidades.- A minha necessidade
de ser vulnerável, de aceitar e avaliar esse eu, parece alimentar a
sua raiva da impotência — isso, para você, é pura fraqueza. Terá
alguma relação com a fraqueza de seu pai, com o que fui no pas­
sado? Ê um desvio erótico.
Poderíamos separar-nos agora e dizer — bem, temos algumas
coisas muito boas mas, quando se trata de sensualidade —*■ de sexo
— de erotismo •— os nossos padrões anteriores, as nossas associações
e privações infantis, tudo isso é demais — o melhor é aproveitar o
que agora sabemos e começar de novo com outra pessoa.
Ou podemos tentar construir novos significados — novas asso­
ciações (pode o lar ser erótico? Com os diabos, uma mãe que ama­
menta pode ser erótica), e encontrar uma terceira pessoa que nos
ajude a fazê-lo. Creio que demoraremos muito para fazê-lo nós
mesmos.
Mudamos muitas vezes, sexualmente e de outros modos — e,
no entanto, num breve colapso, quando se trata de um momento
difícil para um de nós ou para ambos, prestamos uma atenção exa­
gerada aos sinais em função do passado — esperamos o pior —
prestamos uma atenção exagerada aos sinais. Esperamos o mau pas­
sado e, muitas vezes, deixamos de verificar os nossos sinais.
Alguns meses depois Roy expressa alguns dos seus sentimentos
num breve poema:
Quando fora do toque amante
Não me sinto à vontade aqui
minha base está distorcida
toda ela se foi
67

ALGUMAS METAS
E ALGUNS PENSAMENTOS PROFUNDOS
Em todo o correr das notas de Roy há expressões significativas
que visam ao futuro do relacionamento.
O fato de termos vivido juntos durante dez anos ê importante
— o bom e o mau no mesmo pacote. A s duas expectativas mais res­
tritivas — vendo-nos um ao outro com velhas imagens — imagens
de nossos pais — ligando as possibilidades do momento a imagens
simplistas do passado — a fantástica e positiva exploração^das nos­
sas sutis interdependências — histórias que se entrelaçam — por que
fomos atrtádos um pelo outro — quais são as partes do corpo do
outro de que cada um de nós gosta ou não gosta — em que somos
iguais aos nossos pais e em que diferimos deles — um milhão de
ricas perguntas que examinamos enquanto tentamos desenvolver-nos,
libertar-nos um ao outro e estabelecer um novo relacionamento mútuo
— isso não acaba nunca.
A mesmice cada vez maior é tediosa e o tédio se tolera menos.
A mudança está-se tornando antes a regra do que a exceção. De
fato, fazer continuamente coisas novas juntos é tão estimulante que
os velhos padrões se tornam cacetes. Descobrimos, por exemplo, que
o fato de mudarmos o tempo e o lugar de estarmos juntos, de en-
contrar-nos em situações dijerentes, acrescenta dimensões às nossas
percepções recíprocas — diabo — isso é demasiado abstrato — mu­
damos a mobília — mudamos o quarto — passamos algum tempo
juntos de manhã — almoçamos juntos — o jato é que a uniformi­
dade passa a ser pano de fundo. Se estivermos sempre juntos ao mes­
mo tempo no mesmo lugar as percepções e reações tenderão a jixar-se.
A falta de mudança e variedade mata o sexo — o tédio não ê
sensual nem erótico. Nunca mais nos satisfaremos com menos do
que um relacionamento vital entre nós, que impregne toda a família.
As nossas expectativas estão crescendo.
Parece não haver substitutos para o tempo que passamos juntos
— descontraídos — livres para nos definirmos no momento — sem
a pressão das agendas de trabalho — para compartilhar dos mesmos
acontecimentos, como, por exemplo, a música, um filme, uma dança.
68

para libertarmos nossos corpos — explorarmos de parte a parte nossos
sentimentos, desejos e fantasias.
O desenvolvimento comum, uma visão atraente que partilhamos
e que continuamente se expande é essencial à mudança positiva e
satisfatória. Uma visão da família que queremos ser, a casa que
criamos para nós. Um fluir e refluir de nossos desejos por nós
mesmos, individualmente e juntos. Quero que sejamos duas pzssoas
vitais criatuio o mundo que desejamos, tirado da experiência, capaz
de dizer-nos o que realmente vaiemos, o que é a afirmação da vida na
sociedade — a mútua análise dos nossos valores, necessidades, de­
sejos, individual e conjuntamente — enquanto tentamos representar
trechos dessa visão. Quero que sejamos duas pessoas vivas, cada
qual com 'mundos separados, identificados um com o outro e que
basicamente se juntam por causa dessa identidade, e não por causa
das restrições legais que nos dificultam a separação. Sinto-me real­
mente afirmado quando sei que ela se sente livre para ser como
quiser com qualquer um e ela prefere ser assim comigo.
O reverso da medalha é que a identidade exige trabalho. Não
posso escolher sempre com' quem estar por um sentimento momen­
tâneo, quando a corrente está alta. Nenhuma partilha verdadeira e
nenhum verdadeiro sentimento, de profundidade emocional vem da
simples passagem de um relacionamento para outro — do que nos
agrada para o que nos agrada. A profundidade vem do compromisso
de trabalhar até o fim inclusive os sentimentos mais penosos — os
que desejo evilarMÊ
Sylvia exprime atitudes muito semelhantes, à sua maneira:
A mim me parece que uma parte importante da nossa história
é c fato de Roy e eu tentarmos criar uma estrutura dentro da qual
nos moveremos, e procurarmos'ser sinceros. Confiamos um no ou­
tro. Gostamos um do outro e tentamos proporcionar a cada um o
que cada um necessita. Queremos deixar que o outro se desenvolva
— e, no entanto, somos apenas humanos. Temos limitações. Preci­
samos dizer-nos quais são essas limitações — ou tentar descobrir o
que são.
Visto que desejamos continuar casados, que é que podemos fa­
zer em função da liberdade de cada indivíduo para desertvolverse?
Cada qual deve manter-se em contato consigo mesmo e com o outro
para que isso funcione.
69

A QUALIDADE MUDÁVEL DO RELACIONAMENTO
Ambos, em vários pontos, deixam claro que se trata de um ca­
samento sempre mudável, nunca estático.Sylvia, porém, torna esse
caráter sumamente específico, mostrando a importância que eles atri­
buem a uma existência rica. Na minha opinião$úma afirmativa é
clássica: “Afinal de contas, casamos para viver juntos, e não porque
queríamos pagar contas juntos e consertar juntos torneiras que va­
zam!” Não admira que o casamento deles ainda dure.
Sylvia continua:
Há uns três anos —- quando completei trinta — algumas coisas
novas principiaram a acontecer em nosso casamento. Começamos a
compreender como é importante divertir-nos juntos. Roy jogava gol­
fe — eu não — mas ambos decidimos experimentar o tênisX' E real­
mente nos esforçamos — quatro ou cinco dias por semana, durante
algum tempo. Eu detestava ser uma principiante aos trinta anos —
mas Roy foi paciente e, afinal, valeu a pena. Temos agora, às vezes,
uma boa série de bolas baixas, fortes — e isso é ótimo. Sentimo-
nos vivos. «
Compramos bicicletas e apetrechos de camping e começamos
realmente a explorar os arredores, ora a. família inteira, ora só nós
dois. Descobrimos que é importantíssimo passar algum tempo juntos
sem as crianças'. -Ê ótimo ficar uma manhã em casa — nossos dois
filhos estão na escola — e talvez sair para tomar um café reforçado.
Às vezes, vou à cidade e encontro-me com Roy depois do tram­
bolho para bebermos qualquer coisa. Por que não? E, às vezes, saí­
mos na quarta-feira e ficamos sábado em casa. Ou jantamos tarde,
com velas, Vinho e uma comida especial que preparo. À s vezes fa­
zemos uma pizza ou experimentamos juntos uma nova receita. Ou­
tras, saímos para uma caminhada, à noite — e isso é gostoso. Ou
escrevo uma carta a ele — quando estou em casa. Recentemente,
um dos nossos melhores momentos ocorreti quando fomos assistir a
um filme- erótico. Foi delicioso podermos compartilhar dele.
Como gostamos de música, compramos discos e os ouvimos.
Música, luz de velas e massagens são ingredientes de uma grande
noitada. Gastamos cerca de 5% do nosso orçamento em diverti­
mentos e recreação. Eu costumava achar que era demais — mas
quando esse dinheiro nos proporciona pessoas que tomam conta das
crianças à noite e experiências que nos ajudam a manter-nos em
contato, creio que é bem empregado. De tempos em tempos tenta-
70

mos reduzir esses gastos — vamos a uma matinée, comemos numa
lanchonete, compramos um pão e um pouco de queijo cheiroso...
Comentário: quando eu era criança gostava de ler histórias so­
bre os primeiros homens da fronteira, os caçadores, os exploradores
que calçavam mocassinos e se aventuravam ao “ínvio sertão”, cru­
zavam os montes Allegheny, arriscando a vida, enfrentando aberta­
mente o perigo, muito à frente dos cabaneiros que seguiriam depois
na sua esteira. Sinto a mesma emoção ao ler as sinceras declarações
de Roy è Sylvia sobre o seu casamentoljEles são igualmente pionei­
ros, que' exploram òs últimos confins do relacionamento entre o ho­
mem e a mulher. Os riscos que assumem são tão reais quanto os
riscos assumidos por Daniel Boone. Vivem na incerteza e, às vezes,
entre medos e dúvidas. Também têm um alvo, igualmente vago e
definido ao mesmo tempo. E assim como o homem da fronteira
continua a avançar, tentando desbravar um território desconhecido,
assim esses dois exploram a terra incógnita que jaz à frente de um
casamento modernq. Não sei se os seus esforços os conduzirão ao
sucesso — quem o poderia saber? — mas eles fazem jus ao meu
respeito mais profundo à proporção que abrem novos caminhos atra­
vés da selva das relações humanas. Romperam muitas normas con­
vencionais sobre “o que deveria ser o casamento”, e estão tentando,
com genuína dedicação, construir um novo modelo de relacionamento
permanente entre o homem e a .mulher. Esse novo modelo se baseia
num conhecimento próprio cada vez maior, numa partilha completa
até dos sentimentos pessoais mais penosos e degradantes, na per­
missão concedida a cada um pára desenvolver-se, juntos ou separa­
damente, num compromisso real, porém flutuante, numa união mu­
dável, fluente, que não oferece garantia de nada, senão, de novas mu­
danças.
Parece-me sumamente significativo cotejar esse casamento com
o de Dick e Gail. Estes últimos são dez anos mais moços e têm
seis anos menos de vida em comum. Existe, contudo, certo número
de questões que foram enfrentadas nos dois relacionamentos, e as
descrições das suas diferentes reações podem revelar-se instrutivas.
DIFICULDADES NAS RELAÇÕES SEXUAIS
Cada casal deparou com alguns problemas no esforço por con­
seguir um relacionamento sexual satisfatório. Dick, às vezes, se re-

vela impotente. Gail quer maior atividade sexual do que a que ele
lhe proporciona, e nem sempre atiiige o orgasmo. Ambos sentem
que há qualquer coisa vagamente errada na sua experiência sexual.
Roy sentiu-se inferior e sexualmente insuficiente, e Sylvia julgou-se
incapaz de orgasmo.
Nesse sentido os casais apresentam vários paralelos« Sylvia não
pode falar muito sobre a sua incapacidade de chegar a um clímax.
Dick menciona escassamente a sua incapacidade ocasional “de dar
no couro”. A principal diferença é que, agora, Roy e Sylvia estão
assumindo o risco de falar, aberta e livremente, de todos os por­
menores das suas sensações sexuais — das suas insatisfações e sa­
tisfações. Para Dick e Gail esse tipo de comunicação é ainda muito
difícil. Em ambos os casamentos, porém, cada esposo procura mos­
trar-se compreensivo e compassivo para com o outro.
O SEXO COM OUTRO
Tanto Dick, em séu relacionamento com Gail, quanto Sylvia,
em seu casamento, desejaram e experimentaram relações sexuais e
pessoais com uma terceira pessoa. Mas as suas maneiras de encarar
essa experiência, potencialmente, penosa, foram muito diferentes.
Dick menciona algumas reações negativas confusas tocantes às
suas relações com Gail, depois diz “Mas eu a amo”, e sai de casa
para ir viver, durante algumas semanas, com a sua amiguinha loura.
Até o ponto em que podemos penetrar-lhe os sentimentos naquela
ocasião, uma autêntica expressão deles assumiria, mais ou menos.
esta forma: “Sinto uma série de insatisfações em nosso relaciona­
mento. Chego a duvidar que ele dure, embora goste muito de você. E
se bem isto possa ser penoso para você (e talvez para mim), ten­
tarei um relacionamento com outra moça para ver se este pode ser
melhor.”
Sylvia, por outro lado, compartilha abertamente com o marido
os seus sentimentos por haver sido despertada pelo outro homem e
o seu desejo de manter relações sexuais com ele. Procede, porém,
com muito cuidado e muito carinho, pois compreende que as suas
expressões poderiam ser facilmente interpretadas como uma acusa­
ção: "Sexualmente, você é um fracasso”. Só depois de assumir esse
grande risco e de compartir dos difíceis sentimentos que se seguem
72

é que ela se vale da liberdade que Roy tcmerosamente lhe concedeu
e descobre que é mais mulher com o outro homem. Embora emo­
cionante, isso traz consigo a assustadora possibilidade de que ela
venha a destruir o séu casamento.
Em ámbos os casais o resultado é semelhante — descobrem que
o convívio dos primeiros parceiros é muito mais satisfatório, e re-
cons troem o relacionamento, tendo aprendido muita coisa com o fato
de haverem amado outra pessoa. £ evidente que não existe nenhuma
garantia de que o resultado seja sempre este.
DUAS CONCEPÇÕES DO CASAMENTO
Em parte alguma talvez seja mais nítida a diferença entre os
dois casais do que nas • suas concepções do casamento. Tentemos
resumi-las em duas sentenças: para Dick e Gail, o casamento é uma
caixa; para Roy e Sylvia, é um rio que flui.
Deixem-me desenvolver essas idéias. Todas as imagens que
Dick e Gail têm do estado conjugal são estáticas; essas imagens mu­
dam, às vezes drasticamente, mas a nova imagem também é estática.
Para Gail, o casamento é uma caixa romântica, em que a gente tem
filhos e vive feliz para o resto da vida; depois, é um caixão horri­
velmente enclausurante, em que se extingue a personalidade do in­
divíduo; é também uma armadilha em que somos apanhados pelo
compromisso; uma estrutura em que somos escravizados e condena­
dos a arrumar a casa e a criar filhos; uma espécie de cercado se­
guro, dentro do qual uma mulher pode residir, sem precisar gostar
do marido nem “preocupar-se com ele”; e, talvez, o que é ainda mais
importante, sempre uma forma construída por outros.
Para Dick os recintos são diferentes, mas não deixam de ser
um cercado já construído. O casamento é uma sebe densa, que li­
mita a liberdade; uma caixa espaçosa e confortável, que lhe dá maior
liberdade do que ele esperava; uma caixa mágica, que resolve as
dificuldades do seu relacionamento; uma caixa com paredes que se
encolhem, comprimindo-o: “Por que não arranja um .emprego?” “Por
que não ganha dinheiro?” “Por que não sustenta sua mulher?” Para
Dick, as caixas também são construídas por outrós.
Apenas muito fugazmente acode ao espírito desses dois que eles
talvez sejam os construtores da estrutura, e somente através da ex­
periência poderão vislumbrar o futuro do seu relacionamento. Gail
parece surpreendida aó dizer: “É um trabalhão”. Dick diz, essen­
cialmente: “Talvez o casamento seja apenas uma intenção que exige
tempo e esforço para se realizar’*.
73-

Para Roy e Sylvia, durante certo número de anos, o casamento
fluiu como*parte de uma complexa corrente de experiências. Quando
Roy s.é apaixonou por Emily, a cultura disse claramente: “Você ama
outra'mulher; portanto não ama sua esposa”. Mas ele disse, através
do seu comportamento: “Não é isso o que me diz a minha expe­
riência'. Amò as duas, de maneiras diferentes, e por motivós dife­
rentes. Quêro que isto seja uma parte aberta e partilhada da minha
vida”. E quando Sylvia desejou relações sexuais com outro homem,
disse a cultura: “Isso quer dizer que você é uma esposa infiel”. Syl­
via, porém, resolveu o problema de modo muito diferente, partilhando
sentimentos muito difíceis de expressar e que podem ferir. Em re­
lação a outros aspectos do seu casamento, não posso falar por eles
separadamente. “Nós” é o único termo que se pode usar< Esquema­
tizando: “Queremos que o nosso relacionamento seja tal que cada
um de nós tenha liberdade e estímulo parâ desenvolver plenamente
o seu potencial”. “Queremos que o nosso casamento seja uma emo­
cionante exploração de novos caminhos”. “Queremos compartilhar
tão profundamente que até os nossos sentimentos proibidos, vergonho­
sos, de ciúme e de raiva, sejam tão cabalmente expressos e aceitos
quanto os sentimentos de ternura e amor”. “Queremos que as nossas
decisões sejam mútuas, baseadas nessa profunda partilha”. “Quere­
mos que o nosso casamento seja pleno de surpresas, de novidade, de
experiências ricamente mudáveis^ e queremos ser imaginativos na
criação dessa novidade”. “Queremos ser a complexidade dos nossos
sentimento, que nem sempre são simples e claros”. E, assim, Sylvia
pode dizer: “Não quero ter relações sexuais com você agora, mas
sinto uma grande ternura por você e vou mostrá-la”. E Roy pode
dizer: “Sinto-me assustado, em perigo e insuficiente porque você ama
outro homem, mas também me sinto ousado e bom dando-lhe essa
liberdade”
UM ADENDO FINAL D E ÚLTIM A HORA
Este livro já estava no prelo quando recebi uma carta inespe­
rada de Roy que demonstra, mais claramente, do que tudo o que eu
possa dizer, que quando se inicia, num indivíduo ou num casamento,
o processo de mudança tende a continuar em direções crescentes.
Aqui' estão os temas principais da sua carta.
74

Me u c a r o Ca r l,
Em certos sentidos eu quisera estar lhe escrevendo agora sobre
mim e sobre o meu casamento',- em lugar de tê-lo feito, há quase um
ano. Este foi um período em que fiz grandes descobrimentos a meu
respeito [ . . . ] Adquiri maior confiança em mim e estou menos teme­
roso. Em primeiro lugar, descobri que eu jamais confiara em minha
mente e tampouco acreditara em minhas capacidades. E faltava-me a
diversa experiência da vida para que meus pensamentos pudessem apro­
fundar-se. Recentemente verifiquei, péla primeira vez, que posso sen­
tar-me durante uma semana para pensar e escrever e meus pensa­
mentos se aprimoram, tornam-se mais essenciais, menos superficiais,
mais consentâneos com a experiência.
Parte da assunção do risco é autoconfiança. Mas parte é tam­
bém confiança no que se diz — fundá-lo na experiência e iesiáAo
com eld.' ;;
Sylvia e eu poderíamos escrever mais agora, quando a nossa
experiência mudou e se desenvolveu. Não deixamos de mudar como
pessoas, mas estamos mais seguros em relação um ao outro. A nossa
vida sexual estabilizou-se no sentido de que temos tido bons momen­
tos, que deixaram de ser apenas lembrança para serem também ex­
pectativa. Fizemos ainda um considerável serviço de "desprega-
mento" das nossas imagens e expectativas recíprocas das dos nossos
pais e, desse modo, somos no presente mais capazes de estabelecer
contato entre nós.
Estamos aprendendo a lutar pela comunicação e pela autode­
terminação sem toda a sobrecarga destrutiva dos juízos paternos.
Tenho a impressão de que a minha vida tem sido um conúnuo
progredir da preocupação com o que os outros estão pensando de
mim para a segurança de sentir-me bem.
■. Viva okprogresso! ,
75

O C A S A M E N T O O U T R O R A
4
Este será u m capítulo muito curto, cujo objetivo difere comple­
tamente do de qualquer outro deste livro. Tenho-o na conta de
um interlúdio, mas talvez o. leitor o considere uma interrupção. Se
ele o perturbar ou entediar, pule-o, pois não estará perdendo ne­
nhuma descrição de casamento moderno. Mas eu gostaria de explicar
por que o estou escrevendo.
Verifico que eu — e a maioria das pessoas — tendemos a
pensar no presente como se este durasse, tal como está, há séculos.
Intelectualmente sabemos que não é assim: sabemos que muitas mu­
danças ocorreram. Num nível mais profundo, no entanto, sentimos
— em quase todos os terrenos — que as coisas sempre foram desse
jeito. Faz-se necessária uma sacudidela de vez em quando para
ajudar-nos a compreender que não é assim. Daí que a finalidade
desta digressãozinha seja colocar o casamento pelo menos numa pers­
pectiva histórica, a fim de mostrar que a mudança não somente
ocorre hoje, mas também faz parte da história.
Darei três pequenos exemplos de mudança, o primeiro tirado
da política racial, o segundo das leis que regem o casamento e o
terceiro da história da família. A seguir, descreverei um pouco mais
circunstanciadamente o casamento, não como ele se verificava, há sé­
culos, em algum país distante, mas apenas há algumas décadas em
nosso vizinho do sul, o México. É possível que esses poucos exem­
plos específicos sirvam ao meu escopo muito melhor do que uma
visão mundial mais ampla, tediosa em suas abstrações.
Em 1934, o Presidente Franklin Roosevelt mostrou-se favo­
rável a uma lei contra o linchamento, proposta no Congresso. Al­
gumas pessoas se sentiam horrorizadas com os vinte e oito lincha­
mentos (vinte e quatro negros) registrados em 1933. Sua esposa,
76

Eleanor, instou vigorosamente com ele que apoiasse a lei, que daria,
pelo menos, um resquício primitivo e fracionário de justiça aos ne­
gros. Ele recusou-se, porque tinha a certeza de que isso significaria
o fim das muitas leis de que precisava para reerguer a economia.
Dessa maneira, sem o seu apoio, a lei nunca foi votada e os lincha­
mentos, levados a cabo por multidões desatinadas, continuaram sen­
do possíveis sem qualquer interferência federal (Lash, pp. 515 e se­
guintes). Agora, em 1972 conquanto ainda existam muita discrimi­
nação e muita injustiça, oitocentos negros foram eleitos para cargos
públicos nos Estados do Sul, e alguns condados têm governos muni­
cipais em que os funcionários negros constituem maioria. Existem
xerifes negros e muitós auxiliares negros da justiça. A perfeição ain­
da está longe, mas a mudança que sè operou em menos de cinqüenta
anos é quase inacreditável.
Deixem-me, porém, pôr outro exemplo, este mais próximò do
nosso interesse pelo casamento. Durante gerações, em Connecticut,
uma lei, que proibia o emprego de métodos ou produtos anticoncep­
cionais, aplicava-se até a pessoas casadas, na intimidade do próprio
lar (se bem, nesse sentido, só muito raramente fosse posta em vigor).
Essa lei foi abolida há poucos anos, em 1965. Agora, em compen­
sação, o governo federal está destinando uma verba de quase 100
milhões de dólares anuais ao amparo do planejamento familial, à
limitação da nataüdade e à pesquisa nesses campos. Em muitos Es­
tados é legal proporcionar informações anticoncepcionais a moças
menores, sem que para isso seja necessário o consentimento dos
pais. Esses atos do governo ignoram até as promulgações do Papa
— mas não os desejos da maioria da população católica. Mais uma
vez, portanto, grandes mudanças sobrevieram numa década, e não
cm séculos. ' **
Oü tomemos uma questão que interessa muito de perto ao nosso
tema. A maioria das pessoas considera a família conjugal — pai,
mãe e vários filhos — como a unidade de toda a civilização, visto
que persistiu desde a aurora da história. Ora, nada pode estar mais
longe da verdade. Não faz mais de cinqüenta ou sessenta anos que
a família conjugal começou a existir, como que à força, em decor­
rência da mobilidade cada vez maior da população. Antes disso,
os parentes, a “família extensa”, a vizinhança, o clã, o grupo étnico
constituíram outras tantas unidades de carinho e apoio para o in­
divíduo, como sua mãe e seu pai. A família conjugal é um de­
senvolvimento recentissimo — e está funcionando cada vez menos
bem. Nasceu de mudanças não planejadas e está se desintegrando em

circunstâncias igualmente não planejadas — tudo isso no transcurso
de muito menos de um século. Assim sendo, vainos dar uma olhada
em outro pedacinho de história.
Permitam-me descrever o casamento em Tepoztlán em 1940.
Por que escolhi uma aldeia mexicana de nome arrevesado? Porque
ela foi muito bem estudada por eminentes antropólogos, cujos tra­
balhos nos merecem toda a confiança. Robert Redfield, antropó­
logo da Universidade de Chicago, viveu em Tepõztlán e estudou-a
durante o período de 1926-27. O falecido Oscar Lewis, da Univer­
sidade de Illinois, que por muito tempo se dedicou ao estudo da
cultura mexicana, reestudou a vida na aldeia de 1943 a 1948 e,
novamente, em 1956-57, gastando nisso, ao todo, quase três anos.
Na medida em que é típica, a minha aldeia mexicana se parece com
Tepoztlán. A descrição que apresento refere-se, de um modo geral,
ao período da década de 1940. Entretanto, tendo estado duas vezes
em Tepozüán como visitante, posso atestar, pelo que se vê no mer­
cado, nas ruas e nos lares, que as mudanças não são grandes e
custam a chegar.
Tentarei, portanto, escrever sobre o casamento de um modo que
permita ao leitor imaginar-se nessa situação e tentar sentir as rea­
ções dos indivíduos, homens e mulheres, tão diferentes das que hoje
percebe à sua volta ou das que encontra neste livro.
Comecemos com o desposório. A moça se casava, entre quinze
e dezessete anos, com um rapaz dois anos mais velho. O namoro
havia sido muito discreto, freqüentemente por meio de cartas, escon­
didas para serem apanhadas pelo interessado ou entregues por um
intermediário. Embor^todos esperassem um complicado pedido de
casamento, o mais provável era que os dois fugissem, vivessem juntos
e esperassem que, se os pais de ambos aprovassem, a cerimônia se
realizasse na igreja.
A moça jamais recebia da mãe informações sobre menstruação,
relações sexuais ou gravidez. Esta confiava em que aquela fosse
completamente “inocente” durante todo o decurso da infância e da
meninice. Nem as informações das amigas e colegas de escola (quan­
do tinha a sorte de freqüentar uma escola) primavam pela abun­
dância ou pela exatidão.
A jovem esposa conformava-se aos desejos do marido, era pas­
siva, obediente e submissa às suas exigências sexuais. Tentava não
demonstrar amor nem afeto, nem mesmo qualquer emoção. Não tinha
animação nem calor, mas aceitava, complacente, o domínio do marido.
Como para as outras mulheres da aldeia, o ato sexual para ela era
78

um “abuso do homem”. Esforçava-se por administrar bem a casa,
usando todas as habilidades aprendidas durante os anos em que tra­
balhara ao pé da mãe. Tomava conta dos filhos, ia ao mercado —
ou mandava uma amiga, quando receava que o marido pudesse ficar
desconfiado ao vê-la sair de casa. Pedia licença ao marido antes de
fazer qualquer coisa de alguma importância. Posto que a maior parte
da renda familial fosse em forma de colheitas, quando havia algum
dinheiro em caixa, eía o administrava e tentava poupar, a fim dc
ter o suficiente para dar ao marido quando este fosse à cantina ou
a qualquer outro lugar!
""" Ao casar, renunciava a todas as amigas, pois era possível que
estas a induzissem a portar-se mal. Se fosse particularmente infeliz,
viveria em casa da família do marido, onde passava a ser, primeiro
qué tudo, criada da sogra, que lhe transferia muitas das suas obri*
gaçõesB Forçada a obedecer, a jovem esposa assumia-as, ao passo
que a sogra passava a exercer as funções bem menos pesadas de
“administradora”.
O rapaz casava-se, mais ou menos, aos dezoito anos. Já tinha
tido algumas aventuras passageiras antes do casamento. E esperava
continuar a tê-las depois de casado. Na verdade, isso era considerado
prova de masculinidade. E esperava que a esposa não somente lhe
ignorasse as aventuras, como também não se mostrasse curiosa nem
enciumada por elas.
Visto que todo o seu adestramento até esse instante consistira
em obedecer, sujeitar-se e aprender a trabalhar no campo com o pai,
sentia-se, não raro, intimamente inseguro em relação ao papel de
domínio completo que dele se esperava. Esperava-se que ele susten­
tasse a família, mas que fosse também responsável pelo procedimento
decoroso da esposa e dos filhos. Era uma soma assustadora de res­
ponsabilidades para um rapaz que nunca tivera encargos tão pesa­
dos. Daí que, de vez em quando, precisasse tomar uns goles na
cantina a fim de reunir a coragem suficiente para surrar a mulher
por algum mau procedimento verdadeiro ou suspeito ou por algum
erro cometido.
Nas relações sexuais, fazia o possível para não excitar a esposa,
pois o despertar da sexualidade nela poderia levá-la à infidelidade.
Se ela parecesse apaixonada ou sexualmente exigente, ele saberia que
tivera o azar de casar com uma moça loca. De qualquer maneira
tentava mantê-la grávida o maior espaço possível de tempo, pois a
infidelidade seria assim menos provável. As prcezas sexuais e os ga­
lanteios reservava-os às mulheres que pretendia seduzir.
79

À medida que o casamento continuava, a vida caía no ramerrão
de todos os dias. O marido ia cedo para o campo trabalhar, e raro
voltava antes do anoitecer. Evitava a intimidade com a esposa e
com -os filhos, mantendo-se distante a fim de ter a certeza de ser
considerado chefe da família. Esperava ser respeitado, obedecido e
servido. Só de' vez em quando, nos momentos em que estava meio
alto e “sem juízo”, segurava as crianças no colo, demonstrava-lhes
afeição abertamente ou as acariciava.
Por curioso que pareça, o fato de estar tão separado das pes­
soas que lhe cumpria supostamente controlar muitas vezes lhes dava
a liberdade que teoricamente não tinham. Elas podiam fazer coisas
— e faziam-nas — à sua revelia. Quando eram descobertas, a esposa
via-se em apuros. Esperava-se que obedecesse ao marido e manti­
vesse os filhos submissos aos desejos dele. Freqüentemente, porém,
tentava interceder por eles, a fim de amenizar o castigo. Tornava-se
uma espécie .de mediadorapilsso amiúde o enfurecia. E como a sua
segurança estava associada à manutenção do seu papel autoritário,
o marido procurava, não raro, fazer que toda a família tivesse medo
dele, das suas surras e das suas cóleras.
Nessa atmosfera, as crianças eram educadas para ser discretas,
obedientes e submissas enquanto vivessem sob o teto paterno. Eram
muitas vezes severamente castigadas, sobretudo entre os cinco e os
doze anos, e mantidas na linha por histórias aterradoras de cria­
turas que saíam da noite para comer pirralhos mal-comportados.
Crescendo um pouco mais, as crianças passavam a ser úteis. O
menino ajudava o pai na lavoura, e o pai se convertia em criterioso
mestre de habilidades. Mas na relação entre os dois o pai conser­
vava ainda a sua autoridade e a sua posição de respeito^ Em casa.
mãe e filha se tomavam mais chegadas, visto que partilhavam de
todas as tarefas caseiras. Mas essa proximidade não mudava a pu-
dibundaria existente. Não se respondia a nenhuma pergunta sobre as­
suntos sexuais todo esse terreno era tabu.
Padrinhos e parentes ajudavam a aliviar a rudeza do modelo
familial Se bem o seu maior relacionamento fosse com os pais, tam­
bém proporcionavam segurança aos filhos. O mesmo se poderia di­
zer dos outros parentes, embora as relações com eles não fossem
cultivadas.
Como se poderia esperar de um rígido padrão de expectativas
dessa natureza, havia uma quantidade de exceções. Esposas e ma­
ridos estabeleciam associações que levavam em alguma conta as in­
dividualidades separadas. Em muitas famílias também se chegava a
80

uma espécie de acordo tácito para evitar o conflito contínuo. En­
contrava-se uma espécie de curso médio. O marido não abria mão
do seu domínio tradicional, mas procurava não ser ditatorial. A
esposa nunca lhe desafiava a autoridade absoluta, mas descobria uma
série de.maneiras de esquivar-se um pouco dela. E os filhos, natu­
ralmente, encontravam inúmeras formas de enganar os mais velhos
sem dar na vista.
Dessarte, sem excessiva dificuldade, podemos imaginar algumas
famílias e alguns lares razoavelmente contentes. Comunicativos? De
modo nenhum! As mentiras e o logro passaram a ser parte absolu­
tamente necessária da vida de quem desejasse preservar pelo menos
um vestígio de individualidade. Felizes? Desconfio que a felicidade
seria impossível, mesmo como sonho, a não ser talvez para a mãe
que acalentasse, o filhinho recém-nascido, ou durante uma comemo­
ração ocasional. A felicidade, ou o seu equivalente, era reservada
para as grandes fiestas, as comemorações jocosas, tumultuosas, em
que o número de bêbedos aumentava cada vez mais e que reunia toda
a aldeia numa curiosa mistura das velhas danças astecas e “pagãs”,
espetáculos e fogos, com uma capa de elementos "cristãos”. Aqui
estava a grande oportunidade para divertir-se, mesmo que acabasse
em ressaca, no gasto de todo o dinheiro da família e em discussões
acrimoniosas sobre o comportamento durante a fiesta.
Espero que esta descrição do casamento e da vida familial em
Tepoztlán ajude a projetar nova luz sobre as uniões que temos visto
e ainda veremos neste livro. Se, por um acaso qualquer, os casais
que agora se revelam diante de nós tivessem vivido algumas centenas
de quilômetros mais para o sul uns trinta anos atrás, teriam levado
essa mesma vida. Com efeito, não precisaríamos sequer atravessar
a fronteira para perceber a profundidade e o poder de penetração
da mudança em todos o$ aspectos das relações entre homens e mu­
lheres nos Estados Unidos contemporâneos. O minúsculo esboço
de um casamento de aldeia no México pouco difere de um sem-nú­
mero de casamentos rurais neste país h á ' algumas gerações.
Talvez possamos concluir com o título de um artigo recente,
dirigido às mulheres, mas que se aplica igualmente aos homens:
“Você percorreu um longo caminho, menina!” Percorremos, com
efeito, um longuíssimo caminho, e as uniões que estamos exami­
nando agora se encontram a uma distância muito grande dos casa­
mentos que se realizavam, há trinta anos, no México, ou há pouco
mais de sessenta em nossa terra. Estamos agora num território in­
teiramente novo, e talvez este breve capítulo nos ajude a compre­
endê-lo, à proporção que insistimos em nosso propósito de tentar per­
81

suadir pessoas de verdade, pessoas modernas, a revelar-se em suas
tacteantes tentativas de estabelecer um novo gênero de enlace. Quan­
do, do ponto de vista histórico, chegamos tão longe em tão pouco
tempo, alguns tropeções, alguns períodos em que as pessoas se sen­
tem perdidas, e uns poucos becos sem saída não constituem matéria
de surpresa.
Podemos tentar resumir tudo isto numa simples sentença: se
compreendermos claramente que o casamento de Roy e Sylvia existe
apenas trinta anos mais tarde e a mil e seiscentos quilômetros de
distância do casamento de Tepoztlán que acabamos de descrever,
teremos de reconhecer que a diferença entre eles não é uma dife­
rença de graus, mas uma diferença de anos-luz! Estamos explodindo
no espaço desconhecido.

T R Ê S C A S A M E N T O S E
U M A P E S S O A Q U E E S T Á C R E S C E N D O
5
Através de vários contatos sociais, vim a sabei da existên­
cia de um çasal com diversos filhos, que vive em outra parte do
Estado. Minha mulher e eu ficamos impressionados com o mani­
festo acordo de sentimentos e humor do casal e com o relaciona­
mento aberto e espontâneo que mantinha entre si e com os filhos.
Dava a impressão de ser um casamento genuinamente feliz — coisa
que não se encontra com muita freqüência nos dias que correm. Por
isso mesmo, fiquei surpreso ao saber, através de uns poucos reparos
casuais da parte da esposa, que este era o seu terceiro casamento,
e que os dois primeiros não tinham sido felizes.
Quando comecei a escrever os capítulos deste livro, ocorreu-
me que, se conseguisse uma entrevista com essa mulher, talvez obti­
vesse alguns elementos esclarecedores. Uma das razões que me le­
vou a pensar nela foi a impressão que me deu de ser uma pessoa
muito franca e sincera, uma espécie de criativa saudavelmente terre­
na, que talvez estivesse disposta a falar sem reservas das suas ex­
periências.
Quando lhe escrevi, ela respondeu-me que concordava em ser
entrevistada, em que a entrevista fosse gravada e em que se apro­
veitassem trechos da gravação para este livro.
Após a entrevista, enquanto a ouvia, a gravação me pareceu
tão cheia de ensinamentos fascinantes — acerca do casamento, d83
relações em geral, da satisfação sexual, dos elementos que podem
mudar uma vida — que simplesmente não pude resumi-la. Achei
que ela deveria ser reproduzida na íntegra, alterando-se unicamente
os pormenores de identificação. De modo que aqui está o relato,
feito por ela, dos seus casamentos. Acredito que valha a pena lê-lo
e relê-lo. No fim, comentarei alguns ensinamentos psicológicos que
83

me propiciou, mas' isso não lhe esgota, de maneira alguma, todos os
elementos significativos nem as lições que pode proporcionar ao
leitoç.
Como se verá, falei apenas uma vez. Daí por diante, só se lerá
a história de Irene.
E u — Conte-me o que quiser a respeito dos seus três casa­
mentos, sobretudo dos elementos que, na sua opinião, podem in­
teressar aos jovens e ser de utilidade para eles. Quando tiver dú­
vidas sobre a conveniência de incluir ou não alguma coisa, use
seguinte critério: se pensar “Puxa! como eu gostaria de ter conhe­
cido um d experiência parecida quando era mais moça”, faça o favor
de incluí-la. Não estará falando com eles — estará falando consigo
mesma.
E inclua os erros, as boas decisões e as boas coisas que fez,
os sentimentos que experimentou em cada situação, e as mudanças
que ela pode ter provocado em seu íntimo. Estas são algumas das
coisas em que pensei e sobre as quais esperei que pudesse falar-me.
Além disso, rabisquei meia dúzia de notas, sobre as quais, se não
forem mencionadas no seu relató, lhe farei provavelmente algumas
perguntas no fim. (Isso revelou-se desnecessário.)
Ir en e — Pensei nesta entrevista hoje cedo, enquanto estava
deitada na banheira. (Pausa) Muito bem, comecemos então pela
pessoa que eu era e pelas razões que me levaram ao meu primeiro
casamento.
A nossa família, realmente, não se caracterizava pela amizade.
Nós nos divertíamos muito, tínhamos uma porção de problemas, mas
não éramos muito amigos, não éramos muito reais um com o outro.
Pouco sabíamos a esse respeito. Havia um grande conflito entrè
meu pai e minha mãe e esse conflito, de certo modo, se difundia.
Nenhum de nós tratava os outros com grande simpatia. Não dávamos
uns aos outros espaço para sermos diferentes, ou mesmo para sermos.
Não vivíamos num lar confortável em que gostássemos de estar e
quase todos nós — éramos sete — só almejávamos sair dali. Essa
era a verdade. E eu só .conhecia uma maneira de fazê-lo: casando.
Não havia dinheiro para cursos superiores nem para nada parecido.
Depois que saímos do ginásio, fomos trabalhar. Pelo menos, foi essa
a minha história. Eu fui. E ansiava por casar, queria casar, cons­
tituir família, estabelecer-me e viver feliz para sempre — como acon­
tece nos livros de histórias.
Creio que o sexo desempenhou um papel importante em tudo
isso, até quando eu era muito jovem. Eu não sabia, era ingênua,
84

mas o sexo foi um fator importante. Nunca se falou em sexo na
minha família. Lembro-me de haver dito, uma vez, que uma moça
estava grávida e mandaram-me embora da sala por haver empregado
essa palavra. Por isso o sexo se tornou uma coisa muito interessante
e muito suja.
Ê provável, ou melhor, é certo que me casei por todos os mo­
tivos errados. Principalmente para sair de casa. E não somente não
conhecia bem o homem que desposei, como também não sabia quem
eu era. N a verdade, portanto, nenhum de nós fez um favor ao outro.
Ele tampouco se conhecia e recebera uma educação muito diferente,
numa família muito diferente. Sempre fora muito amado e muito
protegido, e sempre tivera segurança financeira, que nós não tinha-
mos. Essas coisas também eram importantes para mim. E eu pen­
sei: "Oba, aqui está um cara que tem dinheiro e uma família for­
midável. .
Eu tinha vinte e um anos, idade suficiente para entender me­
lhor as coisas mas, na realidade, era como se tivesse catorze em
matéria de compreensão do mundo e de mim mesma. Muito ingê­
nua. nunca tivera relações sexuais com ninguém — sempre me
sentira, ao mesmo tempo, aterrorizada e fascinada por isso.
Outra coisa a respeito de meu primeiro marido é que ele já
fora casado uma vez — este é um fator importante — divorciara-se
e tinha uma filha, que não podia ver mais. A menina estava com
quatro anos nessa ocasião, e isso, de fato, o arrasara, muito mais
do que eu podia supor. A esposa ameaçara matar a filha se ele um
dia a visitasse, de m odo ique ele não pretendia casar com a possi­
bilidade de ter mais filhos.
Eu me sentia completamente alheia à sua situação, ao que ele
era e ao que lhe estava acontecendo. O desastre do casamento an­
terior fora um trauma terrível para ele — parece que amava a esposa
e amava a filha. E ela dormia com todos os amigos dele. 0 ma­
rido foi o último a saber e divorciou-se. Mas sofreu muito, sentiu-se
logrado, ludibriado e perdeu a confiança nos outros. Supus que isso
não se aplicaria a mim, que eu não seria comparada. Eu era di­
ferente. Mas, naturalmente, fui comparada. E ele não confiava em
mim. Eu presumira uma confiança que não existia. Ele não queria
ter mais filhos, porque não queria perdê-los também. Mas logo en­
gravidei e nós, em realidade, nunca enfrentamos esse fato. Sei que
ele se sentiu infelicíssimo com isso, mas nunca procuramos discutir
realmente o assunto.
85

Na verdade, nunca dei atenção ao que ele dizia, nem aos as­
pectos seus que ele me revelava e que não se enquadrassem numa
espécie de estereótipo que eu arranjara para "meu marido", entende?
“Meu marido" seria forte, capaz, bom pai, gostaria de crianças, me
sustentaria e me satisfaria sexualmente — o tipo do negócio tirado de
livros. Ele, naturalmente, acabou se revelando um ser humano e
não uma máquina, e não pôde ser o que eu esperava que fosse.
Está certo, eu não tinha nenhuma experiência sexual, isso cons- l
titula um grande problema para nós. Ele também era muito inex­
periente e, como não tivera problemas com a primeira mulher, ima­
ginou que não os teria comigo; se algum problema surgisse a culpa
teria de ser minha. Presumi que deveria ser assim mesmo. Eu nun­
ca tivera um orgasmo. Atribuí a culpa a ele. Achava-o culpado
por não m e satisfazer sexualmente. Eu desejava sempre a intimi­
dade sexual, mas esta sempre m e deixava insatisfeita.
Efetivamente, eu não tinha idéia alguma do que fosse o casa­
mento. Não tinha a menor idéia, e àtirei-me a ele como quem
participa de uma brincadeira —- brincando de casinha. A h, outro
fator importante, que me esqueci de mencionar. Sendo um homem
divorciado, minha mãe automaticamente achou que ele não servia, e
esse foi um grande fator que m e empurrou para os seus braços. Ela
gostara dele quando o conhecera, gostara do seu trabalho, da sua
idade, da sua aparência, de todas essas coisas, mas assim que sou| 1
bera do divórcio, ele passara a ser, de repente, imprestável','^ ordi- 3
nário, mau, inconveniente, e isso m e envenenou. Casar com ele, ,
para mim, era outra espécie de desafio. Jurei por Déus que casaria ;
— e casei, para minha desgraça.
Como eu já disse, tínhamos sérios problemas sexuais, e eu não 1
sabia resolvê-los. Falávamos sobre eles agressivamente, em lugar de
discuti-los como gente. E u sentia vergonha da minha incapacidade l
de ter um orgasmo. Isso m e assustava, pois constituía um sinal, para 1
mim, de que eu não era mulher. Censurei-o enquanto pude. Depois, |
intetiorizei as minhas aciãações.
Eu nunca me sentira amada por minha família nem por minha
mãe. Nunca recebera amor verdadeiro de ninguém. Minha mãe che- j
gou a dizer-me, quando eu tinha trinta e dois anos: “Nunca a amei
e nunca poderei amá-la. Não a compreendo, mas respeito-af‘. Per-_ ,
cebi que ela estava tentando fazer-me uma espécie de cumprimento, j
mas a minha reação foi trancar-me no banheiro e vomitar, vomitar,
vomitar. Foi uma experiência terrivelmente perturbadora para mim

não só constatar que eu sentira p seu desamor mas ela mesma con­
fessar que nunca me amara.
Eu não me sentia digna de ser amada, senão completamente de-
samável. E o desajuste sexual entre mim e meu marido apenas
servia \para validar esses sentimentos. E u não era digna, eu não
seria capaz de experimentar a satisfação sexual. Mas era uma coisa
terrivelmente frustrante. Na verdade, deixei que a imperfeição se­
xual me dominasse e me roesse e utilizei-a como arma contra mim
e, naturalmente, contra ele também.
Acontece que.meu marido não era um homem muito forte. Ar­
tista, um tanto ou quanto efeminado e muito sensível, fora, como
eu já disse, muito protegido e sofrera terrivelmente com o primeiro
casamento. Mas não levei nada disso em conta. Eu esperava que
ele fosse uo que não era e nem poderia ser, ainda que o quisesse. Por
isso eu o machuquei, fiz tudo o que não devia fazer, procurando rea­
lizar a minha idéia do que deveria ser b casamento. Isso não tinha
a menor relação com a tentativa de duas pessoas de viverem juntas,
pois eu nem sequer lhe compreendia o significado. E e le ... bem, ele
começava um projeto qualquer, gastava um dinheiro que não tinha-
mos, e não terminava coisa alguma. Tentei apoiá-lo, ou pelo menos
assim imaginei, como uma boa esposa que apóia o marido: "Meu
bem, se é isso o que você quer fazier, por que não o termina?” Sem
compreender que ele pertencia ao tipo da pessoa que não termina
coisa alguma e para quem essa pressão era insuportável.
E também não era um cara muito voltado para o sexo. A s suas
necessidades sexuais, pequenas — um orgasmo ocasional e mais
nada — resumiam-se numa simples ejaculação. Podeda até mastutr
bar-se — e tenho a certeza de que isso lhe seria igualmente sa­
tisfatório. Não gostava do meu corpo, não gostava de ver-me des­
pida, o que me proporcionava ensejo de puni-lo. Quando as coisas
iam mal ou eu eslava com muita raiva dele, bastava-me aparecer
inteiramente nua para o café da manhã! Ele refugava os seus ovos,
nauseado, e saía para o trabalho. Como essa, fiz muitas coisas cruéis.
Eu ó provocava. Não o ajudei — não o ajudei em nada. Apenas
o empurrei cada vez mais para o fundo do seu inferninho particular.
E, no entanto, tudo o que eu fazia a ele me machucava. Agora
o compreendo, mas eu tinha tão pouca consciência dos meus sen­
timentos que, na verdade, nem me dei conta disso na ocasião.
Apresentávamos uma bela imagem do casamento aos nòssos ami­
gos, lá fora. A s pessoas pensavam: “Puxa, como eles são maravilho­
sos! Como se dão bem! E que grande vida devem levar!” E era
87

um jogo — um jogo terrível que jogávamos, e creio que muita gente
faz o mesmo. E nós, realmente, conseguíamos enganar a maioria
dos amigos, porque eles não queriam saber mais do que fyso. A
nossa companhia era divertida. A nossa casa, um lugar agradável
para visitar mas, assim que as portas se fechavam, começáv/amos a
nossa Virgínia Woolf particular. E, não obstante, éramos duas pes­
soas agradáveis. Creio que talvez tivéssemos dado cónta do recado
se eu soubesse então tudo o que sei hoje.
Os filhos não ajudaram. Eu estava grávida o tempo todo, tive
quatro filhos e perdi dois, embora usasse preservativos, e essa era
uma responsabilidade com que ele não podia arcar — emocional e
financeira ao mesmo tempo. Ele abominava a idéia de que eu es­
tivesse esperando um filho. Não queria filhos. Mas não recebeu
nenhuma ajuda minha nesse sentido,'porque toda a gente supõe que
os maridos devem ser pais, que devem gostar de crianças,, e todas
essas baboseiras. E o nosso convívio sexual era medonho, e fói fi-
cando cada vez DÍO&." ^ -rfr-tiir *: ■
O casamento durou oito anos e, no seu transcurso, acabei con-.
vencida de que havia mesmo qualquer coisa fisicamente errada em
mim. Quando digo fisicamente não m e refiro a algo que pude.sse
ser corrigido pela cirurgia, ou coisa parecida — mas quero dizer que,
de certo modo, quando nasci, faltava qualquer èoisa em mim. Eu
eslava começando a acreditar que nunca poderia ser-amada'. E essa
idéia me átormentava. Eu tinha muitos amigos mas, de certo modo,
me protegia, não deixando que as pessoas se aproximassem demasiado
de mim.
Surpreendi-me até tratando com reserva meus próprios filhos.
Eu não me sentiria à vontade se eles quisessem de fato segurar-me
ou apegar-se profundamente a mim. Não queria saber disso porque
tinha a certeza de que, se viesse a amá-los e a ser amada por meus
filhos, eles acabariam descobrindo qualquer coisa em mim que não
seriam capazes de amar. E eu os perderia. E, portanto, era melhor
não os amar do que amá-los e perdê-los. E isso, naturalmente, tam­
bém não facilitou o meu relacionamento com ás crianças, sobretudo
quando pequenas.
Toda a atmosfera da casa era igualmente abominável. Imagi­
nei que poderia viver com ela —• ser a mártir. Creio que fui a
maior de todas as mártires que já viveram. E consegui viver assim
durante oito anos, castigando e consolando. Eu o arrasava, depois,
bancava a mãe dele, depois o criticava por usar-me como sua mãe.
Era realmente terrível! E nenhum de nós tinha inteligência suficiente
para saber como sair de tudo aquilo. Nenhum de nós, com efeito,
88

sabia da existência de outro estilo de vida, e continuamos juntos
principalmente em virtude das pressões da família e da sociedade.
E jogdmos até o fim esse jogo idiota, não querendo que ninguém sou­
besse. Isso era importantíssimo.
Finalmente, como parte do remate sexual de tudo — não sei
se isso lhe interessa ou não — mas quero falar-lhe do momento em
que me senti mais degradada, mais baixa, em nosso relacionamento.
Sempre desejei uma grande atividade sexual, porque nunca me sentia
satisfeita. Eu precisava de mais e mais, e nunca tirava nadà daquilo,
t>, o acabei deixando quase maluco porque, para começar, isso pouco
lhe interessava. E ele, afinal, me acabou confessando que eu era chata
e desinteressante e não poderia excitá-lo; mas, se ele tivesse uma
aventura com outra mulher, isso talvez estimulasse o nosso relacio­
namento. E eu concordei! Ele não queria ter nem a responsabilidade
de escolher a garota, de modo que precisei fazer isso também. E eu,
evidentemente, não poderia castigá-lo por uma coisa que eu mesmo
arranjara. Foi algo repugnante, feio, que fizemos. Hoje me lembro
disso com certo horror.
Creio que esse foi um momentozinho crítico. De qualquer ma­
neira, olhei bem para mim e para o que estava fazendo a mim mesma.
E com que finalidade! Era uma loucura! Eu pensara poder viver com
isso, mas não pude.
E a crueldade dele para cóm meus filhos — quero dizer, meu
marido, na verdade, não podia ferir-me, não podia atacar-me, porque
eu estava m uiw bem encouraçada. Mas ele voltou-se contra as crian­
ças, e eu aproveitei esse fato — foi a razão que- aleguei para requerer
o divórcio: a crueldade dele com as crianças. Pronto. E tive nisso o
apoio do mundo• inteiro.
Eu me sentia inteiramente justificada com o divórcio. Ele não
era o que um marido deve ser. Sentenciei-o, condenei-o -e achei que
tinha carradas de razões para fazê-lo. Eu era forte e ele era menos
forte do que eu. Eu estava certa e ele não passava de- um bastardo.
Depois do divórcio imaginei estar em excelente situação. Já não
tinha aquele verme agarrado ao meu pescoço, poderia arranjar um
emprego e tomar conta de tudo da melhor maneira possível. Mas
havia uma porção de surpresas à minha espera. Eu não sabia dirigir,
precisei aprender a guiar automóvel. Consegui emprego, um emprego
terrivelmente cacete — trabalho de escritório numa fábrica, no turno
da noite. Compreendi, de um momento para outro, o que significa
estar só. Tinha dois filhos para criar e não estava bem fisicamente,
pois ainda convalescia de uma histerectomia. Isso foi outra coisa: ao
tomar a decisão de solicitar o divórcio, eu não poderia ter escolhido
89

momento pior. Achava-me, provavelmente, nas piores condições para
tomar sozinha uma decisão importante. Emocional e fisicamente, eu
me encontrava muito longe da melhor forma.
Precisei arranjar' uma mulher para tomar conta das crianças, que
estavam crescendo sem nenhum controle. Meu menino mais velho
começava a experimentar graves problemas emocionais por minha
causa, por causa do pai, por causa do nosso casamento e de tudo o
mais. E eu não sabia como enfrentar tanta coisa ao mesmo tempo.
Se eu era, de fato, incapaz de dirigir-me, como lidaria com outras
responsabilidades — as crianças, a casa, e o restoP
Creio que, a essa altura, pensei poder manter relações sexuais
satisfatórias com qualquer pessoa, e sentia grande necessidade disso.
Daí que me visse, durante algum tempo, trocando de camas. Mas,
para meu completo assombro, sempre dava na mesma. Pouco impor­
tava a pessoa com quem eu dormisse — eu continuava incapaz de
gozar. Ia até certo ponto e empacava. E estava tão certa da minha'
indignidade e da minha incapacidade de ser amada que, por exemplo,
nunca deixei que homem nenhum percebesse que eu não gozava. Re­
presentava muito bem. A excitação sexual era verdadeira, eu me
excitava sexualmente — mas também fingia muito bem estar atingindo
o orgasmo, só para ele sentir-se melhor. Eu não passava de um fra­
casso total. Aquilo já era quase uma obsessão — se eu conseguisse
ter um orgasmo, seria uma mulher. Que estupidez! Sei que uma
coisa não tem nada com a outra, mas era assim e eu não estava à
altura das circunstâncias. ^ v
O trabalho foi uma boa coisa. €onheci algumas pessoas e co­
mecei a experimentar, pelo menos, algum sentido de realização, por
mais idiota que josse o serviço. Obtive logo uma promoção, comecei
a superintender o trabalho dos outros e me sentia bem. Mas isso
me tomava muito tempos^*
Tive algumas dificuldadezinhas com os vizinhos. Vivíamos num
loteamento novo, tínhamos mudado para lá ao mesmo tempo, e supus
que toda aquela gente fosse realmente minha amiga. Mas assim que
me divorciei, descobri que já não era bem recebida em casa de nin­
guém — e isso joi para mim um problema difícil. Eu representava
uma ameaça para todas as mulheres, andava atrás de todos os homens
— o que absolutamente não era verdade, pois tinha um rigoroso có­
digo moral. Uma mulher divorciada está sujeita a toda a espécie de
coisas que a gente nem sequer imagina enquanto não se vê em si­
tuação semelhante. Ê como se levássemos tatuadas na testa estas pa­
lavras: "Maridos, cuidado!”
90

Vi-me depois envolvida com um homem peara o qual trabalhava,
um dos meus patrões. Foi o meu segundo marido. Doze imos mais
velho do que eu, já possuía um diploma e estava tentando tirar outro,
porque pretendia modificar todo o seu estilo de vida. Voltara à fa­
culdade para estudar psicologia. E empregava tudo o que aprendera
em .m im :, ' que era, naturalmente, uma presa fácil. "Puxa! como ele
é maravilhoso!" Bem apessoado, estável, de fala pausada, delicado
(ao que parecia), bfilhante, interessava-se por mim, é isso me deixava
boquiaberta. Afinal, que tinha eu para despertar o interesse de uma
criatura tão fabulosa? 'E fui tão boba que imaginei ser a causa de tudo
isso. Não era. Tratava-se tão-somente de uma atração sexual. E como
eu não dava nenhum valor aos meus atrativos sexuais, para mim não
poderia ser isso, tinha de ser outra coisa. E, assim, o nosso'relacio­
namento partiu, mais uma vez, de duas suposições diferentes. Limi­
tei-me a supor que devia ser outra coisa além do sexo, e ele supôs que
eu soubesse que era o sexo —- uma perfeita tolice.
Além disso, ele também era casado, de modo que me assaltavam .
terríveis sentimentos de culpa por causa do tempo que passávamos
juntos. Finalmente, ele se divorciou da esposa e nós nos casamos.
Tudo isso parece muito simples, mas foi um processo cômplicadíssimo.
Na realidade, eu não queria saber dele, mas não resisti às atenções
que me dispensava. Sentiarme atraída por elas. E u precisava de al­
guém que tomasse conta de mim. Precisava desesperadamente disso,
muito embnra me acreditasse capaz de arranjar-me sozinha. E iludia-
me a mim mesma de mil e uma formas, racionalizando a situação,
por causa das atenções dele.
Tentei acabar com as nossas relações uma porção de vezes, mas
não o consegui. Cheguei até a pedir-lhe: “Meu Deus do céu, por que
não vai embora e me deixa em paz?” Mas quanto mais o repelia,
mais atraente lhe parecia.
Ele era formidável com as crianças pelo menos aparentemente, e
isso era muito importante para mim. Entretanto, jamais conseguiu
tapear meus filhos, porque eles me disserain, desde o princípio: “Ele
é medonho, mamãe, não queira saber dele”. Mas eu, com a supe­
rioridade dos meus conhecimentos e dos meus anos, de MÃE, com
maiúsculas e tudo, fiz ouvidos moucos ao que me diziam e declarei-
lhes, alto e bom som, que era eu quem tomava as decisões na família
e, de qualquer m aneira.. .
Supus que eu houvesse destruído o seu lar e sentia-me como a
última das mulheres. Mas, que diabo!, ele se divorciaria de qualquer
maneira. Se não tivesse sido eu, teria sido uma garotinha qualquer
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que houvesse aparecido. Acabei por compreendê-lo depois de algum-
tempo, e já não me sinto tão mal por causa disso.
Naquela época eu não era ninguém. Deixava-me emprenhar pelos
ouvidos, qualquer um poderia convencer-me do que quisesse. Eu não
sabia quem eu era, a não ser que não era ninguém. E a única coisa de
que me lembro e que ainda me perturba realmente é que, antes mes- :
mo de casar com ele, depois do seu divórcio, eu disse a uma grande 1
amiga minha: "O único jeito que terei de livrar-me dele será casar e
divorçiar-me’\ *v's«V •• ■ c.
Isso fíiostra várias coisas. Sentindo que ele não poderia estar in-r
teressado em mim e que, mais dia menos dia, descobriria que eu
não prestava, embarquei-me nessa aventura com muito cinismo: é
isso o que ele quer, não é? Pois bem, ele tem dinheiro, será um pai para
as crianças e não precisarei trabalhar. Eu estava muito cansada, fisi­
camente exausta, e só queria ficar em casa. Outra coisa é que ele
parecia gostar de meu filho mais velho, e as crianças, naturalmente,
estavam precisando mesmo de um pai. E foi esse um dos seus ar­
gumentos para persuadir-me a desposá-lo — que seria um bom pai
para John, meu filho mais velho.
Pois bem, nosso casamento durou um ano e foi um desastre.
A verdade é que ele não tinha um tostão, não sabia lidar com di­
nheiro, estava endividado, terrivelmente encalacrado; acabei perdendo
quase tudo o que eu tinha pagando as contas dele; perdi o carro —
tudo o que eu possuía de algum valor material, e o fato é que eu
possuía pouca coisa. Foi terrível! E ele só queria sexo, sexo, sexo.
Se isso me proporcionasse alguma satisfação, é bem provável que tudo
acabasse dando certo, mas acontece que não me proporcionava ne­
nhuma. E não tardou que ele se transformasse, para mim, apenas num
velho sujo. Foi liorríveL
Na verdade, a situação de todos melhorou quando isso terminou.
Ê estranho também, porque essa é a parte da minha vida de que me­
nos me lembro. Quando alguém me pergunta: "Há quanto tempo você
e Joe estão casados?” — Joe é o meu marido atual — respondo que
estamos casados há seis anosÊO ra, meu filho mais velho já fez de­
zoito, de modo que a pessoa não deixa de perguntar: “Quer dizer que
você se divorciou?" E só penso em dois maridos. Nunca me lembro
do pobre Ken, ensanduichado no meio dos outros dois. Nunca me
lembro mesmo.
De uma forma ou de outra, consegui sobreviver, mas o impor­
tante é que, mais uma vez, casei pelos motivos errados: casei para
poder largar o trabalho e ficar em casa com meus filhos. Casei para
conseguir uma segurança financeira, que não existia, e uma segurança
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emocional — o homem era mais velho, parecia muito capaz, mas
não era. Era apenas mais uma pessoa como todas as outras que eu
conhecia, que trouxe para o casamento os seus problemas e limitações,
e eu não tinha mais espaço para nada disso. Mais uma vez enfiei
na cabeça a idéia estapafúrdia de que, assim que nos casássemos, a
minha concepção do casamento se realizaria. Naturalmente, não se
realizou.
O casamento era a única coisa que eu realmente desejava e, tendo
fracassado duas vezes, é de forma tão completa, fiquei abaladíssima.
A essa altura, eu estava absolutamente convencida de que havia em
mim qualquer coisa desamável, que eu já não poderia continuar ne­
gando. O sofrimento de tentar amar alguém e tentar ser amada era
tamanho que eu não teria a coragem de tentar outra vez.
Decidi trabalhar, criar meus filhos, ficar com eles e fazer todas
essas coisas maravilhosas que os mártires fazem. Depois me mataria.
Eu já tinha o plano todo arquitetado — assim seria. E isso pôs como
que um fim à minha desdita. Eu sabia que, afinal, era o que ia acon­
tecer. Pois eu não estava disposta a sofrer mais trinta anos de terrível
solidão.
A solidão me acabaria roendo. Mais a convicção de que havia
algo errado em mim e de que eu jamais seria capaz de manter uma
ligação por muito tempo — toda ligação seria efêmera. E eu diligen­
ciaria para que as coisas fossem assim. Ninguém jamais tornaria a
conhecer-me. E eu não mostraria nada de mim mesma ou, se mos­
trasse, seria muitò pouco. Apenas o estritamente necessário. E apren­
deria a viver sem sexo. Aprenderia a resolver os meus problemas.
Masturbar-me-ia e depois daria um jeito no sentimento de culpa —
faria uma pilha de tudo, poria uma coisa em cima da outra. Sentia-me
culpada pelo que fizera a meus filhos, pelo que fizera a dois homens,
pelo que fizera a mim mesma, e conhecia-dois jeitos de lidar com
isso: atribuir a culpa a minha mãe — pobre mamãe -— ou atribuí-la
à falta que eu tinha de alguma coisa, o que não era minha culpa,
ou ainda à escolha de dois homens peculiares, o que também não era
minha culpa. De modo que eu levava a metade do tempo seguindo
esse caminho e a outra metade me castigando por segui-lo.
Pergunto-me às vezes como meu terceiro marido, qué conheci
numa festa e com o qual depois conversei em nosso primeiro encontro,
conseguiu chegar até mim através de todas essas coisas. Em certo
sentido, é uma espécie de milagre.
Passaram-se, mais ou menos, uns três anos entre o primeiro e o
segundo casamento, e talvez um ano e meio ou dois entre o segundo
e o terceiro. Ora, nesse período, comecei realmente a pôr de lado

as minhas "obrigações”, a pôr de lado ou analisar, reconhecer e acei­
tar alguns sentimentos de culpa, olhando para o passado e compre­
endendo: “Isso já passou e não posso jazer mais nada para conser­
tá-lo. Acabarei realmente estragando o meu futuro se começar a en­
redar-me no passado”.
Por isso, primeiro que tudo, quis tentar cõnhecer-me, saber quem
sou e que são certas coisas que m e fazem proceder como procedo —
tentei entrar em contato com alguns dos meus sentimentos, que eram
coisas novas para mim. N ão imaginava que pudessem interessar a
alguém. Eles tinham sido sempre meus — e imagino que fossem al­
gumas das coisas que eii supunha inaceitáveis. Se me sentia com
vontade de suicidar-me, ou deprimida, ou desamável, ou se experi­
mentava alguns sentimentos negativos que costumava ter a respeito
de mim mesma, não devia’ deixar que ninguém visse nem soubesse
disso. Levei m uito tempo pára compreender que essas são as coisas
a que as pessoas dão valor e pelas quais se interessam. Eu quisera
poder lembrar-me claramente de alguns dos processos envolvidos, mas
é duro. Não sirvo m uito para esse tipo de lembranças. Joe teve nisso
uma grande responsabilidade.
Joe entrou em m inha vida. Ê um homem que sempre foi amado,
sabe-o e aceita-o sem discutir. A inda não me refiz do assombro. Ele
não ignora que tem valor — o que, aliás, nunca foi posto em dúvida
— e, no entanto, foi capaz de olhar para mim, cuja opinião a meu
respeito era quase que exatamente oposta, sem se preocuvar com isso,
sem se sentir alienado por isso, e sem tampouco estimulá-lo. Ele nun­
ca levou a sério a minha "doença", nem os meus sentimentos negati­
vos a respeito de m im mesma. Ouvia-os, aceitava-os e depois, à sua
maneira, dizia que eram uma besteira. “Compreendo que se sinta
assim, mas não é assim que você é."
E comecei a olhar para m im mesma. Era como se fosse possível
que a maneira como ele m e vê estivesse mais próxima do que sou do
que a maneira como eu me vejo, e comecei a esforçar-me um pouco
nesse sentido. Interessante! Descobri que era muito mais fácil para
mim degradar-me porque, nesse caso, eu não precisava representar.
Não precisava estar à altura de coisa alguma. E u era desvalida, mal­
tratada, desamável e inaceitável, e assim não precisava primar pelo
comportamento. Eu tinha uma boa desculpa para não lutar, para não
me dar valor, ou para qualquer coisa desse gênero.
Se a minha história de horror houvesse fascinado Joe, creio que
eu teria continuado a vivê-la por mais tempo. M as ele não se deixou
fascinar. Ouviu-a, achou-a tristíssima, porém não quis ouvi-la outra
vez, e isso foi meio duro para m im , porque eu usava essa história como

uma espécie de passe — as .pessoas deixam-se fascinar por tudo
o que é feio e a minha história as assustava. Mas nunca assustei Joe.
Eu ficava, às vezes, tão deprimida que,^de certò modo, experimentava
uma cena de suicídio. N o momento, a coisa me parecia extremamente
real, mas ele não lhe dava a mínima atenção. Olhava para mim coniò
se aquilo não existisse e só me dizia: “Bem, espero que isso já tenha
passado”. Ou então: “Se faz questão , de chafurdar nessas coisas, é
melhor eu sair e voltar quando você se sentir melhor. Posso fazer
alguma coisa para ajudá-la? Não quero ouvir essa história outra vez.
E se quiser flagelar-se o resto da vida com o passado, o problema é
seu. M as não conte comigo”.
Muita ctíisa que ele me disse parecia cruel mas, na realidade,
me libertou. E u poderia seguir um ou dois caminhos. Ele gostava
da pessoa que eu era. Entretanto, não dava um figo podre pela peçsoa
que eu havia sido. Era, de fato, uma parte de mim, mas apenas uma
parte. Não era toda eu. E quanto mais eu m e via através dos olhos
dele, tanto melhor me sentia.
Uma coisa interessante, porém, é que eu não tinha a certeza de
querer-me como ele me queria. Não sei se eu realmente queria ser
sadia, pois há muita responsabilidade nisso — uma enorme respon­
sabilidade. Eu já não poderia pensar em ser mártir, morrer dali a
dez anos e acabar com toda aquela agonia.
E muitas vezes eu ficava com raiva dele, porque ainda pensava:
Está certo, meu chapa, você gosta mesmo de mim, mas isso é o que
você vê. Eu não o deixo ver esta bolinha preta, podre e feia que é a
verdadeira Irene, desamável e inaceitável. E, com efeito, nesse ponto
da minha vida, eu me sentia inclinada a tentar — mais uma vez —
essa troca de amor, esse dar e receber amor.
Eu poderia manter o meu status quo, ter pena de mim mesma,
degradar-me, ser uma mártir dè meio período e sentir-me segura, por­
que era um estado que eu já conhecia e sabia que nele poderia so­
breviver. Não seria uma grande vida, mas eu estaria viva. Ou po­
deria tentar, mais uma vez, abrir-me diante dele, mostrar-me e arris-
car-me à possibilidade de que a bolinha preta dentro de mim fosse
de fato tão feia que ele me deixasse. E era um risco terrível para
mim. Pois se eu tornasse a tentar e tornasse a fracassar — e olhe que
não estou falando em casamento, estou falando num relacionamento
de verdade com outro ser humano — acabaria ficando louca, aca­
baria realmente perdendo o juízo.
Não valia a pena arriscar. Mas, passado muito tempo, compre­
endi que, para mim, o maior risco. . . o maior risco era não me arris­
car e nunca saber realmente se poderia ser amada e poderia amar.
95

Eu precisava chegar a esse ponto. Mantive Joe a distância. Ten­
tei fechar-lhe a minha porta de todas as maneiras que conhecia. Joe
era franco, não arredava pé, vivia muito no presente e encontrei ma­
neiras de criticá-lo por isso. Ele era tão real que me assustava, me
fascinava. Eu gostava daquilo, e gostava dele, mas achava que só
eu poderia gostar, e mais ninguém. Eu poderia amar; pois eu sabia
fazê-lo, mas ninguém seria capaz de amar-me de verdade; voltariam
a repetir-se os momentos terríveis.
Entretanto, o interesse dele por mim continuou e as nossas re-
. lações continuaram. Começamos a dormir juntos e cheguei cada vez
mais perto do orgasmo. Joe nunca tinha pressa. Para mim, o ato
sexual sempre fora muito rápido. Uma ejaculação do homem, e pron­
to: aquilo me deixava tão frustrada que, às vezes, eu saía para ir bater
a cabeça na parede. Depois me masturbava, e me sentia terrivelmente
culpada, achando que a masturbação talvez fosse a razão por que eu
não conseguia gozar. De modo que todo o ato sexual sempre fora
péssimo para mim.
Mas Joe nunca tinha pressa, e queria saber o que eu de fato
sentira ou deixara de sentir. Qual fora a parte do nosso contato fí­
sico que me proporcionara prazer? E foi para mim dificílimo falar
sobre o assunto. Eu não estava acostumada a esse tipo de interçsse
e compaixão. A meu ver, ninguém poderia sentir compaixão por
outra pessoa. Mas à proporção que falávamos sobre isso e começamos
a aproximar-nos cada vez mais um do outro, acredite, comecei a ter
orgasmos. E isso tornou o nosso relacionamento muito mais signi­
ficativo.
Mas eu tinha a certeza de que ele me deixaria, como os outros.
Acabaria enojado de mim, e descobriria o quanto eu era desamável.']
E assim, durante algiim tempo, brinquei de ser atraente. Eu faria,
qualquer coisa para agradar-lhe. Nunca o contrariava, nunca expres-
sava sentimentos negativos em relação ao que ele fazia, porque não
queria perdê-lo. Se ele, um dia, me conhecer, me deixará, por isso
preciso representar o papel da mulher atraente. A única coisa que eu
não compreendia era que não o estava enganando!
Mas como não é possível representar sempre esse tipo de papel,
acabei tomando uma decisão, não muito consciente, mas gradativa: í
se ele realmente vai deixar-me, talvez seja melhor deixar-me agora,
para eu ficar sabendo. Por isso, entrava dentro de mim, descascava,
uma camada da minha feia bola preta, colocava-a sobre a mesa e pen­
sava: "Isto vai afastá-lo de mim, e é melhor que aconteça agora,
antes que eu me envolva muito profundamente”.

E isso nunca lhe fez mossa, fosse lá o que fosse. Ele talvez o
reconhecesse, ou o ignorasse, ou o jogasse no chão, ou fizesse qual­
quer óutra coisa, mas nunca se levantou para sair. Ã s vezes ficava
muito zangado, às vezes chorava, às vezes ria-se, o certo é que reagia.
Tudo o que eu fizesse provocava nele uma reação, mas ele não saía.
E eu não chegava a compreendê-lo, porque não conhecera outra coisa.
E tentava descascar outra camada, para colocar em cima da primeira.
Recebia uma verdadeira reação dele, ora boa, ora menos boa, mas
o caso é que ele ficava e isso era importante.
Depois de vários meses, foram as crianças que o levaram para
casa! E durante algum tempo, de manhã, ele saltava da cama e ia
dormir nó sofá, ou scúa e voltava para a casa dele às quatro ou cinco
horas da madrugada — estacionando o carro um ou dois quarteirões
mais adiante, e coisas assim. E quanto mais forte e verdadeiro se
tornava o nosso relacionamento, tanto maior coragem tínhamos para
deixar que o mundo nos visse vivendo juntos. Importava muito me­
nos o juízo que jaziam de nós que d maneira como nós nos sentíamos.
Veio’, em seguida, um ponto realmente decisivo, uma estranha ex­
periência. Estávamos juntos havia quase um ano, o que me parecia ina­
creditável. Como foi que isso funcionou naquela vizinhança eu não sei,
mas sei que funcionou. E muita coisa se deveu à maneira como eu me
sentia a respeito de mim mesma. E à maneira como nós nos sentíamos
a respeito de nós mesmos. O certo é que Joe saíra da cidade —- ele
viajara a negócio e eu ficara em casa — as crianças estàvam dor­
mindo e eu, fia sala de estar, via televisão. O aparelho estava diante
de mim, do outro lado da sala, e perto dele havia uma janela, uma
janela grande, de correr. Normalmente, eu mantinha as cortinas cer­
radas mas, naquela noite, não as fechara, de modo que, aò olhar para
a TV, vi o meu reflexo na janela. E tive uma espécie de conversa co­
migo mesma, uma conversa muito importante para mim. Não sei
se você pode ouvir o que estou dizendo, mas foi niais ou menos assim:
“Alô! A í está você, com trinta e quatro anos de idade, levando uma
vida muito diferente daquela que esperava”. Eu sempre tivera da
vida uma imagem muito irreal. Queria casar, instalar-me, ter seis fi­
lhos, Deus me livre!, criá-los e viver feliz para sempre. Parecia um
sonho simples e perfeitamente razoável. Na realidade, porém, as coi­
sas tinham sido bem diversas. Eu conhecera um homem, e pensava
tê-lo amado;% pensava ter sido correta, franca e sincera, e a coisa, na
verdade, não funcionara. Houvera tanta infelicidade! Eu tivera muitas
doenças, uma porção de problemas com meus filhos, não fora capaz
de enfrentar a vida. Eu ignorava tudo a respeito dela e essa igno­
rância, sem dúvida, fora devastadora. Â vida, para mim, se parecera
muito còm um inferno.
97

Conversei comigo mesma e fiz u m a lista de todas as coisas que
tinham desandado. Depois comecei a pensar em algumas coisas que
talvez estivessem certas. E uma das perguntas que surgiu — você sabe,
perguntas feitas de mim para m im — foi esta: "Mas,- afinal, que é o
que você quer mesmo? Que é o que está procurando?” E a resposta
não foi o casamento, nem os seis filhos, nem a vida feliz para sem­
pre. Eu queria aprender a amar alguém, uma pessoa sâ, ser amada
por ela, e mais nada. N ão precisava da casa, não precisava de coisa
alguma, apenas de saber como consegui-lo. Como experimentá-lo —
dos dois niodos.
E o meu reflexo no espelho respondeu: “Pòis então, sua burra,
que é o que você acha que tem agora?” E fiquei ali sentada, pensando:
"Bem, é verdade que tenho um homem que estou aprendendo a amar.
■Se ò meu objetivo é amar e ser amada, já o alcancei. Joe me ama,,
eu o amo, ele ama as crianças. Que é o que eu quero e não tenho?”
A té aquele m om ento eu encarara com reservas as nossas rela­
ções, porque Joe não dava a impressão de querer casar comigo. O
pedaço de papel, a maldita certidão de casamento, mais uma vez, era
a minha maneira de medir-lhe o amor, o que não deixa de ser uma
estupidez. Ele estava vivendo comigo, eu estava participando da sua
vida, ele era maravilhoso com mejis filhos, muito real com todos nós.
Ele me aceitava como eu era, com todas as minhas cretinices, eu Unha
exatamente o que queria, e estava negando tudo isso porque me fal-.
tava um pedacinho de papeL Tive o cinismo suficiente para dizer:
"Bem, Joe talvez esteja me enganando, e o que temos não é real
sem um pedaço de papel”. M as compreendi o quanto estava errada'
pensando assim m E um a coisa grande aconteceu Comigo, dentro de
mim. Depois dessa longa conversa comigo mesma, experimentei uma
sensação de paz que nunca experimentara em toda a minha vida. ^
È provável que eu tenha chorado, não me lembrò? mas isso tam4
bém não importa. Mas também senti alegria. Duas coisas completa­
mente desconhecidas para mim. Refiro-me ao relacionamento comi-i
go mesma. Eu nunca sentira paz e nUnca sentira alegria. Fora essa a
primeira vez, e eu o conseguira sozinha. Não precisara de Joe. NãO'
precisara de ninguém para fazer isso por mim ou para mim. Uma
experiência íntima, pessoal, maravilhosa. Nunca insistirei demais na
importância da conversação com a minha imagem na janela. Foi, de
fato, um ponto decisivo.
E quando Joe voltou dc viagem, não senti a necessidade de re­
parti-la com ele, pois não era uma grande coisa que precisasse ser
explicada. Era minha, particular, e era saudável, bela, e com ela me
98

veio uma grande responsabilidade que, dessa vez não me assustou
— não penséi em suicídio nem em nada parecido,
E, aparentemente, tirei to e e eu temos* cOnversadó frHfttò
sobre isso — ■ aparentemente tirei de cima de J'oé todos os tipo&de..
pressão para casarij^Eu não disse nada, mas a minha atitude mudou.
De repente, do ponto de vista dete, pela primeira vez em minha vidá\
eu fui toda sua, sexual e totalmente, j A paz interior que eu sentia e
os bons sentimentos que fhe envolviam e envolviam a minha íntima
alegria eram tão manifestos que se transmitiram a ele. Aparentemente,
era o que ele estava esperando. Não foi muito cognitivo o processo
por que ele passou, mas eu lhe parecia muito presente, e duas sema­
nas depois estávamos casados, o que foi efetivamente assombroso! De
repente, Joe se mostrou absolutamente convencido de que precisáva­
mos — repare que uso o termo no bom sentido '—*• precisávamos
casar; de que o que tínhamos procurado eslava funcionando. E tinha
todas as probabilidades, em nossa opinião, de continuar funcionando
cada vez melhor.
E eu não estava certa de querer casar. Era gozado, porque, ex­
perimentando coisas boas, eu não queria estragá-las, nemr precisava
do casamento. Digo-o com a maior convicção. E u teria visitado os
pais dele, meus pais, todas as pessoas que me haviam infundido tanto
medo em seu juízo anterior a meu respeito — de repente, senti qae
poderia visitá-los, sem casamento, com muito orgulho. Mas nós nos
casamos. ?
E tem sido uma maravilha, uma verdadeira maravilha. Uma coi­
sa que muda todos os dias, que muda constantemente. Em realidade
não sei .se compartilhei dos últimos restos da bolinha preta que trago
dentro de mim. Mas já não tenho medo de fazê-lo e isso dcontece
mais ou menos naturalmente. Não atingi m eta alguma, nem o fim
de nada, mas estou em vias de atingUlo. E isso, para mim, é apenas
ser, o que não é m uito fácil. Muitas vezes me seria menos difícil não
repartir algumas coisas que acontecem dentro de mim. E penso: “Oh,
meu Deus, isto vai deflagrar aquilo, que, por sua vez, deflagrará aquilo
lá, e eu me verei em apuros e o nosso relacionamento estará em di­
ficuldades". Preciso lembrar-me sempre de partilhar o que sou agora,
e isso é ser, e este é o processo. E funciona, e é a única coisa que
descobri que funciona. E tem-me dado alegria. Ã s vezes vendo-me
ao espelho, penso de fato que sou bonita, e isso é movimento!
Parece uma pena esperar que eu chegue aos quarenta, depois de
uma porção de anos horrorosos .mas, na realidade, não deploro nada
que já me aconteceu. Não me castigo mais. Compreendo tudo, lamen­
to ter feito muitas coisas, como lamento não ter feito muitas outras,

e lamento ter sido o que fui mas, na realidade, não me castigo mais.
Estou aprendendo a viver o momento que passa e começando a
entender o que isso significa. O nosso convívio sexual é fantástico;
Vejo que estou ficando sexualmente corajosa, o que é maravilhoso.
Joe me acha finda. Na maior parte das vezes penso que ele deve
ser cego, mas isso também está certo. Tenho um bom relacionamento
com meus filhos, e eles também se dão muito bem. A coisa é como
uma bola de neve, vai de um para o outro e para os nossos amigos.
Joe é sincero, eu sou sincera, nós somos sinceros. Nada de truques>
nada de tapeações, e é maravilhoso poder viver — ser exatamente
quem sou o tempo todo, ou quase, e ver que tudo está certo. Não
preciso esconder nada. Não preciso estar imaginando o que os outros
querem, nem tentando dar-lhes ó que imagino que querem, a fim de
conquistar amigos o u.,... é ótimo! Sei que não sou assim vinte e qua­
tro horai por dia, nem muito menos, mas a coisa está se construindo,
está aumentando, e é limpa. E sinto-me feliz por estar viva. Não há
garantias, mas sinto-me feliz "por estar viva.
E sabe de uma coisã? J>escobri que a bolinha preta que existe
em mim é o que possuo de mais amável. A parte de mim mesma que
eu supunha mais feia é a mais bonita, porque aprendi a compartilhá-la.
OS SIGNIFICADOS QUE ENCONTRO
Todo um livro sobre a dinâmica da personalidade poderia ba­
sear-se num estudo da vida de Irene, tal como ela a descreve. Dela
se podem tirar ensinamentos sobre o desenvolvimento infantil, as re­
lações entre pais e filhos, o conceito que as pessoas fazem de si mes­
mas, os elementos dos bons e maus relacionamentos, os fatores que
explicam as mudanças pessoais, a partilha de si mesmo, o ajustamento
sexual (bom ou mau)'r a racionalização, e assim por diante. A prin­
cípio, pensei em classificar alguns significados que encontro na ex­
periência de Irene sob essas epígrafes. Mas acabei chegando à con­
clusão de que talvez fosse melhor limitar-me a enumerar alguns en­
sinamentos que colhi rapidamente, na ordem em que aparecem na
entrevista. Dessa maneira, o leitor poderá reexaminar o documento e
verificar se concorda ou não comigo, e se ele lhe sugere outros ele­
mentos. Portanto, aqui está uma lista parcial.
O efeito das relações familiais destrutivas sobre a criança e so­
bre o jovem (p. 84)V

A influência das primeiras inibições em relação ao sexo (p. 85).
O abismo incrível que ocorre num relacionamento baseado em
rígidas expectativas no tocante ao outro, e não na compreensão
(p. 85).
O efeito desastroso que pode ter sobre o casamento a incapa­
cidade de lograr um relacionamento sexual satisfatório (p. 86).
A duradoura influência da severa rejeição paterna (p. 86).
Alguns elementos que concorrem para a elaboração de um con­
ceito negativo de si mesmo; a rejeição materna (pp. 86-87); a insufi­
ciência sexual* (p. 87); o fracasso em dois relacionamentos (p. 87); a
aversão do marido pelo corpo dela (p. 87); etc. Alguns desses ele­
mentos ocorrem principalmente em outros, como “Eu nunca a amei”.
Outros são experimentados: “Nunca tive um orgasmo”. Mas quando
a pessoa introjeta as percepções negativas de outros e avalia as pró­
prias experiências em função das expectativas alheias (“Nunca tive
um orgasmo, por isso não sou mulher”), a concepção de si mesma
pode tomar-Se, com efeito, muito negativa.
A espiral ascendente de crueldade, num relacionamento baseado
primeiro em . expectativas de comportamento do outro e, segundo, em
acusações por não haver conseguido justificar tais expectativas (p.
87).
A tensão provocada pelo esforço por manter em público uma
máscara totalmente diversa da realidade privada (pp. 87-88).
O medo de relacionamentos baseado na crença de que no mais
profundo do seu ser existe alguma coisa indizivelmente horrorosa, que
nunca deve ser revelada aos outros (p. 88).
Como a ausência completa do conhecimento da vida, através da
experiência, num relacionamento com outra pessoa, separada, pode
destruir um casamento (pp. 88-89).
Os estranhos comportamentos que podem provir gradativamente
de uma frustração cada vez maior (como, por exemplo, o de arranjar
outra mulher para o marido, p. 89).
A facilidade com que adotamos racionalizações confortadoras:
“foi essa a minha razão para o divórcio, ele era cruel com as crian­
ças” (p. 89)"|3
A dificuldade de enfrentar o mundo verdadeiro, dificuldade só
percebida depois de experimentada (pp. 89-90).
A delicada complexidade de relações sexuais satisfatórias entre
um homem e uma mulher (inúmeras referências, mas especialmente
as que se encontram à p. 91).
A necessidade de atençõçs e de amor, a qual, quando suficien­
temente forte, desfigura as percepções (p. 91).
101

O sentimento de culpa por haver destruído lares, que agravou o
péssimo conceito que ela fazia de si mesma (p. 91)^jv
A fraqueza que decorre dá ausência de uma imagem firmemente
estabelecida, positiva, de si mesma — o efeito de se considerar “nin-
gugnà ^ -
Um catálogo de motivos dúbios para o-casamento: exaustão, dis­
posição para ficar em casa, segurança financeira, segurança emocio­
nal, um marido bem parecido, a probabilidade de conseguir um pai
para os filhos, a atração sexual;í(da parte do marido). E também a
rebelião contra a mãe, o desejo de ter um lar e de ter filhos (p. 92) e
também (p. 93);.*
A maneira com que suprimimos lembranças desagradáveis (pa
% © modo pelo qual a vida pode tornar-se tão insuportável e o
modo pelo qual a pessoa pode parecer a si mesma tão medonha que
o suicídio e a autodestruição parecem desejáveis (p. 9 3 )M
O primeiro alvorecer da sanidade psicológica -H a psssoa olha
para si mesma (pi 94).
A ambivalência que todos sentimos ibm relação ao crescimento
e à saúde. Estes envolvem riscos e responsabilidades. É muito mais
fácil ser mártir ou suicida, (pp. 94-95).
A tensão' que se pode eliminar de um relacionamento quando a
pessoa está sendo verdadeira (pp. 96-97).
A nenhuma importância das expectativas e dos juízos sociais quan­
do o relacionamento é verdadeiro - (p. 97) SP
O significado da vida e dos relacionamentos como processo de
vida, em lugar de simples séries de expectativas' de comportamentos
(pp. 97-98), comparado com tudo o que se refere aos dois primei­
ros casamentos.
O enorme valor — e o enorme perigo — da franqueza num reg
(acionamento (p. 97).
A importância transcendental do. conceito que a pessoa faz de
si mesma como guia para o seu comportamento. Compare-se o com­
portamento franco, participante, de uma criatura simpática, sexual­
mente ajustada, sem sentimentos de cu!pa e “bonita”; intimamente
bela (pp. 97-99), com o comportamento de uma criatura desamável,
sexualmente desajustada, cheia de temores, sem amor, basicamente
defensiva e feia (pp. 91-93). Claro está que muitas influências aju-,
dam a explicar a mudança gradativa de Irene em süa percepção de
si mesma, mas só quando ela de fato, pouco a pouco, se vê diferente^,
e tem uma imagem distinta de si mesma, que ela aceita, é que o seu
comportamento realmente se modifica.
102

Estes são alguns dos significados que encontro na experiência de
Irene. Parecem pálidos diante da entrevista propriamente dita, mas
talvez ajudem o leitor a pensar. Espero que a sua história tenha fa­
lado ao leitor de muitas maneiras pessoais, proporcionando-lhe tema
para reflexões sobre princípios psicológicos mais amplos.

P R E T O E B R A N C O
Hal é um h o m em p r e t o que conheci quando participamos ambos de
um grande seminário no Meio-Oeste. Fizemos boa camaradagem, e
fiquei muito interessado ao saber que ele casara — e depois se divor­
ciara — com uma moça de cor, da qual tivera dois filhos, e- que
estava prestes a casar com uma mulher branca. Eu também soubera
que ele havia passado a infância num gueto urbano. Conseqüente­
mente, muitos meses depois lhe escrevi perguntando se, enquanto eu
fazia uma viagem ao Meio-Oeste, poderia entrevistá-lo a respeito dos
seus casamentos e gravar a entrevista. Ele prontamente me respon­
deu, aquiescendo.
Hal é franzino, de constituição quase frágil. Fala suavemente e
tem modos muito corteses. Conseguiu diplomar-se numa das ciências
sociais. Agora está lecionando e também organizou uma clínica gra­
tuita para pessoas que necessitam de conselhos e orientação.
Na entrevista, falou com toda a liberdade, mas acredito que não
pertença ao tipo de pessoas que revelam muito facilmente os seus sen­
timentos, de modo que, às vezes, precisamos “ler nas entrelinhas” para
apreender o pleno sentido da sua experiência.
Era minha intenção dedicar quase todo este capítulo ao seu-novo
e .recente casamento com a esposa branca, mas cheguei à conclusão
de que Hal não pode ser facilmente compreendido sem uma escrupu­
losa apresentação dos seus insólitos antecedentes e do seu primeiro
casamento. Grande parte do material é apresentado em excertos, mas
o conteúdo não foi modificado.

AS SUAS RELAÇÕES GOM A MAE
Bem, nasci e cresci em Chicago. Minha mãe trabalhava muito,
e tínhamos dinheiro suficiente para eu viver bem. Mas como a nossa
fosse uma comunidade segregada, vivíamos entre italianos, negros e
alguns poloneses. A maioria, porém, se compunha de negros e lá
se viam todos os níveis sócio-econômicos. Havia pessoas paupérrimas
e havia também, do outro lado da rua, pessoas ricas. Nunca me faltou
nada. Sempre tive tudo o que desejava — quatro bicicletas ao mesmo
tempo e, praticamente, uma roupa nova todos os dias em que minha
mãe. recebia o pagamento. Minha mãe nunca comprou nada para si.
Era sempre para mim — uma verdadeira supercompensação.
Creio que os primeiros problemas reais de que me lembro nas­
ceram do fato de eu ter sidó sempre muito demonstrativo, muito pre­
cisado de carinhos, e a verdade é que nunca os conheci quando crian­
ça. Nunca tive ninguém que me amasse e gostasse de mim, mas minha
mãe sempre trabalhou para me dar roupas e dinheiro suficiente. Sen­
do filho único, e não conhecendo meu pai, uma porção de tios e tias
como que lhe tomou o lugar.
Não conheci meu pai. Mas nunca fizemos disso um problema,
porque eu sempre tinha as coisas de que precisava. Ninguém falava
sobre isso, e nunca tive motivos para fazer perguntas a esse respeito.
Nunca senti o que certas pessoas subentendem ao dizer: "Bem, você
não teve. família, não teve pai que o levasse a uma partida de beisebol,
e coisas assim”. Eu ia com tanta gente que nunca me passou pela
cabeça que é preciso ter um pai para ter essas coisas, de modo que
isso nunca foi problema para mim. Nunca desejei ter um pai.
Não me lembro de minha mãe lendo para mim ou lendo comigo.
Na verdade, créio que só a beijei duas vezes. Tínhamos um relacio­
namento como de irmãos. Quando eu saía de manhã — eu me levan­
tava e passava minha camisa a ferro, e minha mãe ficava dormindo,
porque só voltava do correio às duas da madrugada. Ao chegar, de
vez em quando, ela me acordava ou me levava qualquer coisa, que
eu comia, e tornava a dormir. Ninguém cozinhava para mim. Eu
mesmo cozinhava a minha comida, ou ela me deixava dois dólares
para eu comprar qualquer coisa. Assim sendo, só comíamos juntos
no fim da semana, quando ela voltava da igreja para casa. Além
disso, ela freqüentava uma igreja diferente — era batista e eu, me­
todista — de modo que nunca fazíamos nada juntos. A única ocasião
em que tivemos um relacionamento mais íntimo foi quando ela se
casou com meu padrasto.
105

‘ E u
__O que me espanta é saber que você só se lembra de haver
Beijado sua mãe duas vezes. Ela não demonstrava afeição de outras
maneiras? Não o abraçava, não punha os braços em torno de você?
Nada disso?
H a l — Não me recordo de ter sido abraçado por minha mãe. Eu
a abraço agora, e ponho os braços em torno dela. Sei, porém, que
ela sempre se preocupou comigo, porque sempre me dava as c.oisas
de que eu precisava. E era muito severa. Eu não tinha medo dela,
mas sabia que, se ela dissesse alguma coisa, falava sério, e- me teria
dado umas palmadas ou uma surra se eu não lhe obedecessè. [... ]
Lembro-me de que, certa vez, minha mãe me escreveu uma carta
quando eu estava no ginásio, em que me dizia o quanto se orgulhava
de mim, o quanto trabalhara por mim, e iodas essas coisas, e o quanto
se agradava de ver que eu parecia feliz e estava progredindo na vida.
Essa carta foi muito importante para mim — não sei o que aconteceu
— mas impressionou-me realmente. Ela demonstrava muito carinho.
Mamãe sempre me tratou como a um nenezinhò, Cari. Esse foi um
problema qué tivemos em nosso casam entono meu primeiro casa­
mento, pois ela me mandava roupas, mesmo depois de casado. E
ainda fica muito magoada quando lhe digo, por exemplo, que não vou
fazer certa coisa. Ou como no caso da criação dos garotos. Vivo
dizendo a ela: “Mamãe, não trate as crianças assim. Eu gostaria de
tratá-las de outra maneira". Ela então me lembra que me criou.
Mas mesmo assim tenho de passar por casa todas as semanas. Se o
não fizer, ela fica preocupada e vem saber como estamos.
OS ANTECEDENTES E A VIZINHANÇA
A atmosfera e o comportamento fora de casa, com efeito, eram
muito diferentes dos modos indulgentes e bem comportados dentro
de casa.
Comecei a beber quando tinha, mais ou menos, sete anos* de
idade. Furtava bebidas. Depois, na escola primária, bebíamos o, tem­
po todo. Saíamos e comprávamos garrafas de vinho. íamos também
às mercearias e, como eu era o menor, os outros chutavam a garrafa-
106

de vinho até perto da porta, onde eu a pegava e saía disparado, de­
saparecendo na primeira esquina. Costumávamos fazer isso e ir beber
o vinho sentados no quintal. Depois, antes de irmos a uma festa,
mandávamos alguém à vizinhança para comprar meio litro de uísque
Hill and Hill. O fato é que estávamos sempre tomando alguma coisa.
Os garotos do bairro começavam a tomar drogas desde muito
cedo. Na escola primária já engoliam pílulas e fumavam maconha.
E quase todos tomavam heroina desde pequenos. E a prostituição
campeava na comunidade.
Havia também muitas lulas de bandos. Costumávamos ter de
pagúr taxas de proteção a bandos adolescentes só para poder sair de
casa. Se a gente não o fizesse, apanhava pra burro e não podia ir
à escola [ . G / E eu, como era um dos mais velozes d a . turma e
sabia lutar boxe, recebia sempre a incumbência de coletar o dinheiro.
Meu companheiro era um sujeito apelidado “João Sério”, a pior cria­
tura do nosso bairro. Por isso, a responsabilidade eira minha: se o
cara dissesse “Não lenho dinheiro”, João Sério diria: “Acerte-o, Hall.”
Eu o acertava, depois pulava para trás e a turma caía em cima dele
e tirava-lhe o dinheiro. Eu tinha de fazer isso pois, do contrário, não
poderia sair de casa. Para não ser tido por covarde, eu precisava
andar com eles. Mas nunca briguei, assim, de engalfinhar-me, com
ninguém.
Aprendendo a beber desde cedo e tendo, desde cedo, conhecido
narcóticos — quando minha mãe tornou a casar, meu padrasto, que
era ministro, disse-lhe que eu era um dissoluto. Porque, no dia do
casamento, não compareci â cerimônia. Seriam umas onze hòras. Eles
não sabiam onde eu estava. Eu havia ido a um lugar qualquer.
Nunca fui criança. Nunca soube o que -é ser criança. Aos sete
anos já limpava a casa. Uma casa grande,'dè vinte e dois cômodos.
Alugamos toda a parte de cima. E todo..o porão era meu. Eu ti*
n h a ... minha mãe me comprou uma cama para pôr lá embaixo, um
equipamento de halterojilismo, um pinball e uma boa mesa de sinuca.
Tive tudo isso quando ainda era garoto.
Ele conta que gostava de teatro e de representar, ia a concertos,
e possuía boa cultura. “... mas quando eu deixaya esse tipo de coi­
sas, voltava à comunidade em que vivia e assumia de. novo o papel
de arruaceiro. Era preciso fazer isso, porque se a gente não o fizesse,
seria posto no ostracismo, e ostracismo significava briga todos os
dias!”
107

ESCOLA
Não aprendi nada na escola primária. Lembro-me de que a pro­
fessora me mandava à venda para fazer as suas compras — ou à
cidade para comprar as meias dela, e coisas assim. Sempre fui um
menino bonzinho, porque fora treinado por minha mãe para comprar
meias e fazer compras. Passava a ferro as minhas camisas, limpava
a casa. Eu fazia tudo isso. Sabia arranjar-me. Por isso me achavam
bonzinho quando, na verdade, devia estar na escola aprendendo com
os outros garotos. E só comecei a aprender alguma coisa depois
que entrei para o ginásio. E precisei recomeçar e reaprender tudo o
que devia ter aprendido na escola primária.
O PRIM EIRO CASAMENTO
Hai reflete sobre os motivos que o levaram a casar com a
primeira esposa:
Créio que o primeiro e o mais importante dos motivos foi este:
casei porque me sentia só, pois, criado como filho único, não estabe­
lecera relacionamentos íntimos com os outros, nem tivera muitas na­
moradas. Fiz o serviço militar depois de passar dois anos na escola
secundária, onde conheci minha mulher.
A respeito do nosso relctcionamènto lembro-me de todos dizerem
que ela seria uma boa menina para mim. Era uma criatura muito
quieta, que freqüentava a igreja. A sua família não bebia nem fu­
mava, e ela era muito cristã. Mas os nossos estilos de vida divergiam
totalmente.' •
Todos diziam, porém, que ela seria uma boa namorada para
mim e, além disso, fui muito animado por um amigo meu — um
sujeito que eu respeitava muito — que insistia em que ela me seria
uma ótima companheira.
Depois de um período de namoro, Hal ausentou-se para servir
na Marinha, e nem sequer escreveu a ela. Entretanto, uma circuns­
tância fortuita deu início à correspondência e, pouco antes de Hal
108

receber baixa, casaram. Ele tinha vinte e três anos. Eram um casal
muito inexperiente, em todos os sentidos, “sem nenhuma experiência
d a , vida”.
Eu ainda estava pensando que não era o melhor aluno da escola e
achava que o fato de ier uma esposa como ela, capaz de valer-me quan­
do eu fraquejasse, me seria de grande auxílio, pois ela poderia aju­
dar-me a preparar a tempo os meus trabalhos, e coisas assim. Mas
depois de algum tempo descobri que ela não estava disposta a ajudar-
me, ou não era capaz de fazê-lo. Por exemplo: quando eu escrevia
um trabalho qualquer, pedia-lhe que datilografasse logo em seguida
o que eu tinha escrito, porque não gostava de deixar para o último
dia: Sempre gostei de entregar com antecedência as minhas tarefas.
Pois muitas vezes ela esperava até o dia marcado para a entrega do
trabalho, e isso me deixava transtornado, com raiva e nervoso.
No entender de Hal, as grandes diferenças no tipo de antece­
dentes e no estilo de vida, o fato de que ela não se sentia à vontade
com os amigos dele, sobretudo os que ele conhecia em conseqüência
das suas atividades profissionais, foram outras tantas razões para se
afastarem cada vez mais um do outro. Mas havia outros fatores
também.
Creio que uma das coisas que realmente me magoaram foi con­
seqüência da minha sede de carinho, da minha precisão de amor e
de cuidados — embora nunca me passasse pela cabeça que eu nSo
os tivera durante a infância e que tinha necessidade deles. Certa vez,
quando me adiantei para beijá-la, ela se afastou de mim. Nunca me
esqueci desse gesto. De qualquer maneira, era muito* ^difícil para
mim demonstrar afeto. Sempre receei que as pessoas me rejeitassem
por causa da minha estatura — eu era baixinho e nunca supus que
alguém pudesse gostar mesmo de mim, a não ser pelo meu dinheiro.
Como se eu precisasse comprar a amizade dos outros. Depois, quando
alguérji com quem julguei poder, afinal, estabelecer um relaciona­
mento qualquer se afastou e me repeliu, eu me senti desarvorado.
Completei o curso apesar da falta .de esforço e de interesse de
minha mulher. E não posso garantir que houvesse uma espécie de
ciúme, ou coisa que o valha, mas o caso é que me fica a impressão de
que, quanto mais eu subia, mais tessentida ela ficava. Na verdade, ela
nunca expressou nenhum ressentimento, mas traía-se no modo de
fazer as coisas. Por exemplo, eu saía para a escola de manhã e, às
vezes, quando voltava, à tarde, ainda a encontrava na cama. Como
também me lembro de que os colegas costumavam pegar no meu pé
109

porque eu precisava lavar minha roupa e limpar a casa àõs domingos.
E estas foram algumas das coisas que começaram a irritar-me.
Depois de algum tempo, a vida sexual também deixou de ser boa.
Efetivamente, não me agradava. E tive vontade de ir embora várias
vezes. Lembro-me de que, de uma feita, cheguei a sair para voltar
depois... Estive fora durante um dia inteiro. Depois pensei: "Mas '
esse não é o jeito". Fomos para a cama e choramos, porque tudo
era muito triste, e ambos compartilhamos daquele momento;. Senti-me
melhor, mas acho que, no íntimo, eu sabia que aquilo não duraria.
Eu — Você disse que as relações sexuais foram ficando cada J
vez menós satisfatórias à medidá que o casamento piòrou. Mas já j
tinham sido satisfatórias para você, e especialmente, já tinham sido
satisfatórias para ela?
H a l — Creio que sim. Várias vezes. Eu lhe perguntava se ela j
atingira um clímax, sè gozara, e ela respondia afirmativamente. Mas
outras vezes. . . lembro-me até’ das ocasiões em que a surpreendi
masturbando-se. De acordo com os meus padrões sexuais, eu me sentia
muito melhor de manhã e preferia ter relações de manhã. E ela gostava
de tê-las à noite. Ã s vezes, isso, me era possívelfyiOutras, porém,, eih 1
me sentia arrebentado, fisicamente exausto. Exausto, Havia dias em
que eu trabalhav.a..de. dezesseis d dezoito horas e, quando chegava em
casa, estava cansado demais. Só me apetecia tomar uma laia de cerve­
ja e dormir. Esses tempos foram duros para mim e eu tentava fazê-la
compreender, f ... ] Não me lembro de ter tido muitas experiências
sexuais agradáveis Com ela. Houve momentos de libertação física,
mas sempre tive a preocupação de satisfazer à, mulher, sempre me
esforcei por isso, por que ela se satisfizesse, e procurava não ser egoís­
ta nessas ocasiões$
Ele compreendeu que ela preferia ver ó marido exercendo ati­
vidades comerciais em lugar das suas atividades profissionais. Pór
isso mesmo, ele se meteu numa série de empreendimentos comer- \
ciais ao mesmo tempo, que o deixavam derreado, como ele mesmo j
disse.
Com todas as suas habilidades e' talentos, pensei que ela dese- j
jaria, sem dúvida, ajudar-me nessas coisas, mas acabei fazendo tudólÊ
sozinho. E ficava fora de• casa muito tempo, tentàndb dirigir os
negócios e mantê-los em boa situação, a fim de t&inós dinhe^ò^bas^^M
tante para fazer todas as coisas que desejávamos jazer.
A essa altura, eles já tinham dois filhos, de modo que!o*problema
de sustentar a família tornou-se real.
110

O ESGOTAMENTO E O ROMPIMENTO
O' elemento' que finalmente provocou a separação foi muito dife­
rente de tudo o que se mencionou até agora, um elemento cujos sinais
admonitórios efê não percebeu.
Minha mulher tinha o hábíío de levantar-se tarde da noite e
sair de automóvel, para ir até o lago. Quando ela começou a fazer
isso, não me senti aborrecido. Percebi que ela precisava sair. Mas
fiquei preocupado — ela saía, às vezés; muito tarde — e eu não
compreertSi& aquilo. •
Além disso>, de vez em quando; 'ela saía e rumava para a casa
dos pais em outra cidade sem que eu o soubesse. Uma vez, ela me
deixou. Levei os garotos para passear de automóvel e, quando voltei,
não a encontrei. Ficou vários dias fora de casa. Eu não sabia onde
ela estava. Telefonei para a casa dos pais e lá a descobri. Zanguei-me
e disse-lhe que os garotos tinham adoecido e precisavam dela.
Depois, mais tarde, ela teve um . |sf esgotamento nervoso, suponho
que foi isso. Dessa vez fiquei preocupado, porque ela procurou um
amigo, e esse amigo me telefonou dizendo que ela eslava no sofá com
alucinações... gritando que ia morrer e que sentia muito medo. Foi
quando ela começou a escrever notas na máquina de escrever, que
descobri depois — incoerentes. Não entendi direito essa história.
Lembro-me de que, às vezes, ela dizia querer falar comigo, mas
nunca imaginei que a coisa fosse tão séria e às vezes me parecia
não haver muito sobre o que falar. Eu, então, planejava alguns dias
voltar para casa, ser muito bom para ela e fazer coisas, de que, a meu
ver, uma esposa gostaria, como mandar^ flores e levar presentes. Isso
deu certo durante algum tempo, mas parecia haver qualquer coisa em
nossa comunicação, ' não falávamos^ o suficiente e estávamos sempre
à espera de que sobreviesse uma crise.
Finalmente, ela precisou ser hospitalizada, e um grande trauma
se associou a isso. Pouco depois que a mulher saiu do hospital e vol­
tou para casa, Hal recebeu umâ boa oferta de trabalho em outra ci­
dade e a família mudou-se para lá. Â irmã dela veio visitá-los.
Saí para o trabalho naquele dia e, quando voltei à noite para
casa, ela se mudara completamente. Toda a mobília, tudo, fora le­
vado embora. Só ficaram uma cama de dobrar, as minhas roupas e
o rádio-relógio, Os homens da mudança tinham levado tudo, tudo. O
111

espetáculo era meio doloroso e meio triste mas, ao mesmo tempo, \
senti um grande alívio. Porque eu não precisaria tomar a decisãõ, á
já que ela a tomara. Mas foi muito maior o meu sofrimento por j
causa dos garotos do que a minha pena por vê-la assim.
Eu — Você comentou há pouco o que deve ter sido a sensação
de medo dela. Quais foram os sèus sentimentos por ocasião do esgo­
tamento nervoso de sua mulher?
H a l — Bem, meus sentimentos foram.... eu estava muito ma-
goado. Perguntei a mim, mesmo se não teria sido eu a causa do j
seu esgotamento e qual o papel, que eu representara nele. Fiquei meio 4
transtornado por não haver dado a ela um pouco de tempo para ouvi-la,
sem saber que a coisa era tão séria. Senti-me mal porque, traba- I
lhando fora, não vi nenhum indício de que ela .estava doente. Eu M
sabia que as enxaquecas a martirizavam o tempo todo. Eu sabia. E
sabia que ela estava. . . bem, que parecia deprimida. De modo que, 1
refletindo em tudo isso, me senti muito mal, ignorando qual havia sido ]
o meu papel na doença dela.
Mas, d meu ver, o que realmente me ajudou a não me seniir ']
tão responsável pelo estado dela joi o psiquiatra me contar que não 1
me julgava culpado, pois ela era esquizofrênica e provavelmente fi- I
caria assim de qualquer maneira; aquilo era apenas uma dessas coisas I
que acontecem, de que não me cabia culpa nenhuma■ E ele acres- ]
centou que essas coisas já deviam estar nela há muito tempo. O que
também me ajudou foram os comentários de alguns membros da
família dela, que se confessaram admirados por haver o casamento 1
durado tanto. Eles sempre tinham desconfiado de que houvesse qual- j
quer coisa errada eom a irmã, que freqüentemente se trancava no quar- 9
to e ali ficava uma semana, sem querer ou sem poder sair. E ela ]
sempre tivera as tais enxaquecas, e coisas assim. Disseram também 1
que ela parecia viver num mundo de fantasia, até quando criança. |J
Essas coisas não me tinham ocorrido e, de certo modô, me ajudaram j
■a sentir-me melhor.
Eu — Ela alguma vez lhe falou sobre as razões por que saiu ■
de casa?
Hal — Não. Nunca■ N a realidade nunca tocamos np assunto,
f . .. I Era como se ela simplesmente estivesse contente por estar longe |
e livre das tensões. E creio que eu, de certo modo, me sentia tão a
feliz com a ausência dela e com a libertação da pressão, que nem me I
passou pela cabeça perguntar-lhe.
Depois da separação, ao participar de um seminário, telefonei J
para os meus garotos a fim de saber como iam passando, e ela me m
pediu que fosse buscá-los. Por isso pensei que fosse m eio. .. bem, |
112

fiquei chateado ouvindo a mãe dizer: “Venha buscar os meninos.
Quero que fique com eles”. Mas não dei muita importância ao fato
e fui buscar os pequenos, que viveram comigo durante um ano e
meio antes que eu tornasse a casar. Isso quer dizer que fui pai e
mãe pára eles. Eu linha de preparar o desjejum, paSivr-lhes a roupa
a ferro e, como meu filho mais velho fosse asmático, precisava man­
ter-lhe o quarto rigorosamente limpo. Ele não podia tomar leite nem
comer nada que tivesse chocolate, e tudo isso foi muito cansativo para
mim, pois eu continuava freqüentando a escola para tirar o diploma.
Comentário: Os meus comentários sobre o primeiro casamento
de Hal são breves, porque as causas da sua desintegração se desta­
cam com extrema clareza. Em primeiro lugar, houve uma falta de
verdadeiro conhecimento recíproco antes do casamento — alguns en­
contros, longo tempo sem nenhuma correspondência durante o pri­
meiro período na Marinha, depois a correspondência, depois o casa­
mento antes que ele saísse da Marinha. N ão’tiveram, realmente, opor­
tunidade alguma de se conhecerem.
As razões que ele dá para o casamento são a solidão, o fato de
ser ela uma moça quieta, religiosa e, talvez a mais importante, os con-r
selhos do seu melhor amigo e dc outros. Nenhuma representa uma
base muito sólida para união.
Depois, há a ausência quase completa de qualquer partilha ver­
dadeira durante o casamento. Ele desconfiava de que ela sentia ciúme,
dos seus triunfos acadêmicos e outros, mas o casal nunca se. apro­
fundou nisso. Ele acha que ela ficou ressentida, mas os ressenti­
mentos nunca foram expressos. Ele deve ter tido reações por ter de
lavar a roupa e fazer o serviço de casa, mas nunca as manifestou.
Ele não “se aborreceu” quando ela começou a dar os estranhos pas­
seios noturnos, mas ficou “preocupado” quando ela começou a ter
alucinações e a mostrar sinais óbvios de perturbação. Só muito mais
tarde, no entanto, veio a saber que ó estranho comportamento dela
tinha uma origem muito distante^ pois provinha do mundo fantástico
da sua infância. Ele resume tudo isso quando diz: “Parecia haver
qualquer coisa em nossa comunicação, não falávamos o suficiente”,
A altura da barreira que se interpusera entre ambos revela-se no fato
de nunca haverem discutido a saída dela de casa, origem da separação
definitiva do casal.
Durante o período da separação e do divórcio, Hal trabalhava por
tirar o seu diploma e empenhava-se mais e mais em experiências de
encounter groups e outros grupos.' Percebo uma verdadeira diferença
113

em seu relacionamento com a primeira e a segunda esposa, provavel­
mente decorrente, em grande parte, desse tipo de experiência e trei­
namento.
O PERÍODO ENTRE OS CASAMENTOS
Durante o ano e meio que decorreu entre os casamentos, Hal
procurou ativamente uma nova companheira.
. . . concluí.. . depois da separação e do divórcio... que não
fui feito para viver sozinho. Não acho graça nenhuma em ser sol­
teiro. Gosto da vida em família e gosto de estar casado. Eu já es­
tava namorando várias moças quando achei que devia iniciar um pro-
cesso.de eliminação. . (rindo-se) e descobrir quem eu gostaria de
levar, Ta sério.
■ Ele se viu abarbado com vários problemas. “Um dos problemas
que encontrei, Cari, era a extrema insegurança de algumas moças de
cor que eu namorava”. Percebeu que elas se sentiam contrafeitas
diante.dos seus amigos, quase todos profissionais liberais, e se julga­
vam inferiores, embora não o fossem.
Elas, realmente, não tinham motivo algum para sentir-se inse­
guras diante dos meus amigos. E isso' aconteceu não só com as moças
que eu conhecia e que exerciam atividades profissionais e semiprofis-
sionais, mas também com todas as moças que eu namorava e com as
quais-saía. Elas não se sentiam à vontade. Algumas diziam que eu
era atnbicioso demais, ou queriam que eu passasse mais tempp com
elas;‘'Queriam que eu lhes dedicasse todo o meu tempo — que lhes
prestasse contas do meu tempo — e não me deixavam respirar. [...]
AlénH1 disso, descobri que muitas eram tão inseguras que eu teria de
largar,;o meu trabalho para dirigi-las, e assim não era possível desen­
volver o amor nem o entendimento. Algumas não tinham sido ca­
pazes de identificar-se com os próprios pais, graças a uma situação
de divórcio; ou estavam tentajido criar os irmãos e as irmãs o u ...
havia uma porção de coisas que aconteciam e que não davam azo a um
relacíbnamento bom, cordial, afetuoso. Depois, uma moça, com a
114

qual eu teria realmente casado se ela tivesse querido casar comigo na
ocasião, não soube tratar meus filhos como devia. Pretendia, por exem­
plo, discipliná-los antes de mostrar-lhes amor. E eu entendo que não
se disciplinam crianças enquanto elas não se souberem amadas tam­
bém. De modo que tivemos alguns conflitos desse gênero.
Creio que as coisas que me levaram a casar com Becky foram. . .
Conheci-a em Kentucky, Onde fui participar de um seminário sobre
problemas de integração escolar e... acontece que Becky fazia parte
do seminário. Nessa ocasião ela estava casada e procurava divorciar-
se dó marido. Na realidade, não lhe dei muita atenção, além de
observar que era uma das moças mais bonitas do grupo. Mas, de
fato, não reparei muito nisso. O que realmente me interessava era
liderar o grupo. Como fôssemos a uma festa, ela me perguntou se
eu tinha condução, e eu respondi: “Bem, não sei. Acho que não".
Ela me ofereceu carona, embora parecesse hesitante, pensando talvez
que duas das mulheres de cor. também quisessem levar-me e se sen­
tissem confrangidas ou não a vissem com bons olhos se ela me ofe­
recesse condução — já estava começando a apontar uma dessas com­
plicações raciais e culturais. Aceitei, portanto, o convite dela, fo­
mos à festa, dançamos, papeamos e nos divertimos. E assim nos co­
nhecemos. Depois conversamos ao voltar, e ela mencionou alguns
problemas que enfrentava por estar separada, e esse tipo de coisas,
e a possibilidade de obter o divórcio. Em seguida nos achegamos
muito um do outro, nos abraçamos e... Eu ia embora no dia se­
guinte, sem saber que ela me queria desse jeito, embora nos tivés­
semos sentido sexualmente muito atraídos um'pelo outro. Voltei para
casa e, passado algum tempo, ela me telefonou dizendo: “Aqui é
Becky, já se esqueceu de mim?" Eu disse que não, que não me havia
esquecido, e ela começou a falar e perguntou-me se eu estava livre e
se ela poderia vir visitar-me no verão.
Becky apareceu e passou um fim de semana com ele. Deu-lhe
maiores detalhes sobre os seus problemas conjugais de momento,
mas Hal confessou: “Èu não queria envolver-me em nenhum pro­
cesso de divórcio, mas èla me assegurou que isso já tinha acontecido,
que o divórcio já ia em meio, que o marido passava fora de casa
a metade do tempo, e uma porção de coisas assim. Entramos, então,
a corresponder-nos com freqüência”.
Durante o fim de semana Becky contou a história de uma boa
amiga sua, que se divorciara e decidira tentar uma vida nova. Mas
quando se sentira preparada para o casamento, o homem que ela
queria já não estava disponível. “E Becky me contou que essa mu­
lher a aconselhara: se você quiser alguma coisa, corra atrás dela.”
115

O CASAMENTO COM BECKY
Depois de se haverem correspondido durante algum tempo,
Hal começou a refletir nos sentimentos que ela lhe inspirava.
Havia uma porção de atributos que, depois de algum tempo,
comecei a apreciar nela. Becky possuía as qualidades que eu dese­
java numa mulher. Era muito afetuosa, muito maternal com os ga­
rotos, e estes lhe queriam muito bem. Gostei do filho dela e yi como
o tratava. Ela, de fato, me completava. O fato de ter sido criada
numa fazenda, por exemplo, fazia-a mais voltada para a terra. En­
carava as coisas com maior realismo. Trabalhava muito. Gostava
de cozinhar. Gostava de tomar conta da casa. Vòcê sabe, todas
as coisas que eu gosto que façam para mim e comigo. E revelavq
uma grande compaixão e uma grande compreensão, não querendo
que eu renunciasse a coisa alguma por sua causa. Gostava da vida
de que eu gosto, e era agressiva, entende? Dizia: “Está cfirto, você
agora vai seguir o seu programa de doutorado e depois farei ò meii
curso. No fim, também voltarei à escola para tirar o meu diploma”.
Ela estava, de^ fato, propiciando é ambiente intelectual de que eu
precisava, além de proporcionar-me afeto e carinho como pessoa.
Achei que, de certo modo, nós nos completávamos'. Ela tam­
bém costura muito. E quando volto para casa, qualquer coisa que
eu tenha deixado quebrada ao sair já está consertada. Ela não es­
pera que eu chegue —#■ conserta sozinha o que precisa de conserto.
E me explicou que o outro marido se recusava a fazer essas coisas,
de modo que ela teve de aprender a fazê-las, e esperava que eu
não ficasse aborrecido se ela fizesse o que, na sua opinião, era serviço
de homem. Respondi que isso não constituía nenhum problema, e
que as pessoas fazem, o que sabem fazer melhor.
Casaram-se na presença de amigos negros e brancos. Embora
o casamento não tenha sequer um ano de idade, Hal me confiden­
ciou: “Temos sido felicíssimos e não esbarramos em nenhuma séria
diferença cultural”.
O que me faz. muito feliz é a maneira com que ela se relaciona
não só com os nossos garotos, mas também com os garotos a que le­
ciona. Passa muito tempo com eles. Vai para casa e certifica-se de
que a mãe está sabendo por que o filho ficou retido na escola ou
116

por que não está indo à aula, e esse tipo de coisas, justamente o
que a nossa comunidade não tem tido. Além disso, tos nossos dois
garotos gostam muito dela. Chamam-na de mãe. Os três chegaram
a esse entendimento porque acabaram se conhecendo melhorf.. E, a
meu ver, o que nos ajudou foi o verão em que tiramos quatro se­
manas de férias. Vivendo juntos com tanta intimidade na barraca,
com as crianças, chegamos a conhecer-nos muito bem. Pescamos com
os garotos, demos longos passeios, apanhamos morangos e fizemos
coisas que eu também nunca fizera até aquele momento. Foi uma
nova experiência para mim. Como, por exemplo, cavar a tetra à
procura de minhocas para pescar. De modo que estou começando
a fazer as coisas que nunca tinha feito. A compra da barraca foi
uma tentativa, de minha parte, para sair de casa e ver um pouco
mais do mundo. O de que mais gosto nisso, em confronto com meus
amigos e suas esposas, é que, no dizer deles, sempre parecemos ter
um relacionamento melhor. Conversamos. Quando ela fica pertur­
bada, ajudo-a a desembuchar. O único problema que tivemos du­
rante algum tempo foi o seu garoto não estar conosco. Intentamos
agora um processo para ficar com o menino. O ex-marido não faz
questão de tê-lo consigo, mas também não quer que ele fique conosco,,
por causa do casamento inter-racial. E essa tem sido uma das pio­
res provações que ela já enfrentou.
Sexualmente, ela é muito mais livre do que algumas moças que
vivem na cidade. Não tem, por exemplo, preconceitos sexuais. Já
viu vacas, e já viu bezerros e potrinhos nascerem. Toda a sua ati­
tude é mais sadia que a da maioria das pessoas. E isso nos ajuda
a relacionar-nos melhor, porque ela é mais livre. Não se deixa en­
volver pelo tipo de coisas tão comuns na cidade, como a questão
das roupas, por exemplo. Prefere fazê-las a gastar dinheiro em com­
prá-las. Assim, quando estamos juntos, partilhamos dos meus an­
tecedentes e da maneira com que respondemos diferentemente às
coisas. E acho que isso ajuda. Mas há um detalhe: nós falamos
sobre tudo.
Outra coisa que eu talvez possa acrescentar é que ela não está
tentando fazer-me branco, nem eu estou tentando fazê-la preta. Não
impomos nossos valores um ao outro.*,Limitamo-nos a sabê-lo e re­
conhecê-lo, e deixamos que tudo siga o seu curso. Quando surge
um conflito, enfrentamo-lo na hora, sem tentar dizer: "Você precisa
fazer isso do meu jeito”, nem “Ê assim que isso deve ser feito”.
Entre nós há muito dar e tomar.
1,17

Eu — Há uma coisa em que fiquei pensando enquanto você
me falava a respeito. Em certo sentido, vocês dois dão muita im­
portância à carreira, não dão?
H a l— Damosf*'
Eu — Freqüentemente, quando o marido e a esposa dão tanto
valor à carreira, a questão de saber quem está progredindo mais de­
pressa ou quem ganha o maior salário pode causar dificuldades. Vócê
tem algum comentário a fazer sobre isso?
H a l — Temos conversado sobre o assunto. Queremos, por
exemplo, ter alguns filhos e, portanto, teremos um ou dois. Depois
que as crianças nascerem, Becky quer voltar a trabalhar, se puder.
Mas não dá tanta importância à carreira que precise fazer isso. Diz
apenas que gostaria de fazê-lo, se houver tempo disponível para
nós. E eu digo que está bem. Se é isso o que ela quer Jazer, fi­
carei muito contente se o fizer. Não queremos sufocar-nos mutua­
mente. Não queremos reprimir o crescimento um dó outro. Por­
que é o que acontece, com muita freqüência, num relacionamento
matrimonial. De mais a mais, o nôsso casamento me dá liberdade
e dá liberdade a ela para que cada um desenvolva a sua vid a ... para
que ambos desenvolvamos nossos próprios interesses e cresçamos.
E assim discutimos o assunto, e chegamos à conclusão de que não
há inconveniente algum em que ela continue a trabalhar na escola.
AS DIFICULDADES NUM CASAMENTO INTER-RACIAL
Até esse ponto, Hal mencionara poucas dificuldades oriundas
do fato de serem um casal inter-racial. Pòr isso mesmo ventilei o
problema.
Eu — Do seu ponto de vista, ao que parece, ó aspecto interà
racial da questão não produziu nenhuma diferença especial. Mas
que me diz você da sua vida entre os outros na comunidade? Você
tem sido muito ou pouco bombardeado por causa disso, ou o quê?
H a l — Bem, às vèzes levo uns trancos. Em nossa clínica...
temos trabalhadores voluntários. E, primeiro que tudo, alguns ainda
não se conformaram com o fato de que ali trabalha um casal inter-
118
■ ■ ■ ■

racial. E paris disso se deve a coisas co m o ... bem algumas mu­
lheres negras ainda acham que os homens negros devem ser delas.
E que eu não devo ser parte de Becky. De mais a mais, não acredi­
tavam que ela estivesse, de fato, tão ativamente interessada pela co­
munidade quanto dizia estar. Ora, em parte, isso é pura inveja e
puro ciúme. Chegamos lá. Iniciamos a nossa clínica da comunidade.
Não pedimos auxílio a ninguém. Todo o dinheiro saiu dos nossos
bolsosO pessoal está acostumado a ver os outros chegarem, pe­
direm donativos e angariarem dinheiro. Nós, não. Dissemos que,
quando decidíssemos fazê-lo, daríamos início à clínica, sem contar
com ninguém '*
Depois, algumas pessoas que conheci passaram a admirar-nos,
a admirar o nosso jeito.. 'Viram que, no curto período de tempo em
que estamos casados, já realizamos um bocado. Como, por exemplo,
investir em propriedades, poupar dinheiro e fazer muitas coisas jun­
tos. Trabalhamos no quintal. Becky corta a grama, pinta a casa,
faz uma porção de serviços. A s outras mulheres, agora, estão ten­
tando mexer-se e fazer mais, porque os maridos lhes dizem: "Por
que você não faz o que Becky faz?”
Às vezes, as pessoas ficam olhando. Algumas, na universidade,
se escandaliza/n quando aparecemos, pois não sabem que ela é bran­
ca, entende? Na realidade, porém, não tivemos dificuldades. Houve
um momento em que pensamos que as crianças poderiam tê-las,
mas. . . até agora não voltaram com nenhum problema para casa.
Durante algum tempo, Jerry, meu filho.mais moço, não sabia como
dizer às pessoas que Becky era sua ‘madrasta. E, certa vez, mor­
tificou-a. Ela o ouviu responder a uma menina, que lhe perguntara:
“Aquela é sua mãe?” “Não, é minha babá.” E isso, de certo modo,
a magoou. Mas os dois agora a chamam de "Mamãe”. Porque pre­
cisavam de amor, atenções e carinho, e ela lhes dá tudo isso. Você
sabe, ela os surra, disciplina, e eles o aceitam. Eu já não os tra­
taria assim. Como ontem, quando Becky precisou bater em Martin;
como eu não batesse, ela bateu e, quando tudo acabou, lá estava ele
abraçando de novo a sua mamãe.
Outro dia, entrei na classe dela para dizer-lhe que tinha de
ir a algum lugar antes de voltar para casa, e um dos garotos da
classe, um dos garotos pretos, perguntou: "Dona Becky, esse é seu
marido?” E eles começaram a falar — você sabe como as crianças
falam — e a maioria pareceu chocada ao descobrir que eu era preto
e que ela casara com um homem preto. Há muita dinâmica na co-,
munidade. ..
119

Algumas pessoas estão' espreitando para ver como reagimos. .
o que vamos fazer e como fazemos as co isa s.. . mas não creio que n
ela se deixe impressionar muito por essas coisas. Diz elá qttel algu­
mas ■ mulheres negras olham para hós e que não pode deixar de
sentir-se enciumada. Fica com ciúme quando as outras se aproximam
muito de mim, porque as acha mais <bonitas do que ela. E por
isso precisamos discutir também esse tipo de coisas. À s vezes assumo
uma atitude superprotetora em relação a Becky, porque ela não co­
nhece a comunidade e porque a comunidade é useira e vezeira em
pregar peças. E quando não as conhecemos, essas peças podem con­
fundir-nos. Eles dizem coisas que nem sémpre sentem, provocam a
gente e ficam de atalaia, para ver se somos sinceros ou não. Por
isso mesmo, estou tentando familiarizá-la com a subcultura, a fim v
de que ela saiba onde está pisando.
E u — Você não m e disse se tem tido algum problenta quando
lida com grupos brancos. Que me diz da situação entre esses grupos?
H a l — Bem, eu observo os homens brandos, particularmente
a maneira com que eles nos põem à prova. *Qutro dia estávamos
numa festa e um sujeito, assim que entrou, aproximou-se de nósx
agarrou a mão de B ecky, beijou-lha e continuou em atitude incon­
veniente . . . ainda não tínham os!sido apresentados a ele. Finalmente,
conseguiu achar um jeito de perguntar-lhe por que me amava. Você
sabe, o que vira em mim para decidir-se a casar comigo. A gente
vê esse tipo de coisas e sente que a tensão persiste, porque e la s .. .
sorriem como se gostassem de n ó s .. . mas ainda têm todas aquelas
preocupações na ca b eça .. . a respeito das diferenças.. . e querem
saber. Não creio que seja necessariamente hipocrisia nem racismo.
Parte disso é apenas curiosidade. M as algumas pessoas ainda se
sentem muito constrangidas. Somos, por exemplo, membros da igre­
ja e, em certas ocasiões, tomamos parte em atividades sociais, por­
que as crianças trabalham m uito na igreja, e nós também, e percebe­
mos a tensão. Vamos a alguns piqueniques e as esposas não sabem
o que dizer. Elas... começam a falar. Em regra geral os homens
se aproximam de mim e falam conosco, depois vem o ministro e
também nos dirige a palavra, m as as mulheres raramente se acer­
cam de nós. Já o notei. Não tenho falado muito com Becky a esse
respeito, mas já o notei. Não obstante, continuamos a participar das
atividades e, como gosta muito de sair, Becky está sempre atare­
fada, encontrando-se com as amigas, misturando-se com elas, sem

se dar conta das pessoas, qué-Jicam ali, olhando. Costumo afastar-me
I um poupo para observar.’ E, às vezes, realmente os escanddlmí* per­
guntando-lhes ò que pensam do nosso relacionamento, entende? E
quando perguntam; q u e 'é que você quenadizer?", pergunto, em
resposta: "O que é que ■VQcê acha âounossòr casamento inter-racial?”
E eles, então.. t ficam atrapalhados, m uito sem jeito, e não sabem
o que dizer. E eiÉ ãtgà^tfm íêÉ dêvefèrrãcliado qualquer coisa, rtSo
achou?” B e uma feita, fom os a uma festa e um sujeito ficoU olhando
para nós. InterpelepM di&tidd: “E u preferiria que você não ficasse
olhando para nós dessè’ jeito. H á alguma coisa que gostaria de di-
zer-nos, talvez para deixar-nos mais à : vontade? Você deve ter qual­
quer coisa na cabeça neste momento”. Ele ficou todo ofendido quan­
do lhe fiz essa pergunta, e não quis falar sobre o assunto, entende?
Por isso digo que percebi) essas coisas. Sou muito cuidadoso com
as festas *a que vou. Participo delas para divertir-me e não para
dar espetáculo, nem para bancar o agente de publicidade.
E u — Você tálvez nOte q u e as pessoas se sentem chocadas, ou
ficam olhando, ouç estão enciumadas. . . mas isso, acaso, influi no
seu relacionamento com Becky?
H a l Não* não influi. B e m Ê & fitI ocasiões'.. . A cho que
desconfio dos brancos. Basicamente, sou desconfiado. Quero que nos
aceitem como somos, mas também cheguei à conclusão, dêpois de
pensar muito, de que não me im porto. . . Não perco tempo pre­
ocupando-me, como costumava preocupar-me, quanto a ser ou não
aceito. Por isso continuamos do mesmo jeito, apesar dos olhares
e comentários das pessoas.. . Isto é, eu continuo do mesmo jeito.
Numa partida de futebol ou de beisebol, alguém, se não m e engano,
disse qualquer coisa a nosso respeito e fez algumas observações.
Depois, quando Becky sai com os meninos, vejo que as pessoas olham
para ela quando eles a chamam de “Mamãe”, e coisas desse tipo.
Mas isso, realmente, não nos afeta, porque estamos tão envolvidos
um no outro que nos sentimos seguros em nós mesmos. Pelo menos
é o que eu acho. M as para as pessoas inseguras, e que não têm
tanta coisa para fazer quanto nós, seria um problem a" tremendo.
Você sabe, o casamento inter-raciàl por si só já é uma coisa muito
dura e muito difícil. Aliás, o simples casamento já é uma coisa muito
dura e muito difícil. E quando se acrescenta ao elemento ihter-racial,
embora as pessoas digam que não há problemas, estes aparecem e
crescem, entende?
121

OS PARENTES
Outra coisa que notei foi a maneira pela qual os meus parentes
começaram a aparecer. Hoje eles gostam de Becky de verdade.
Como meu tio, que a chama de sobrinha e diz: "Bem, vamos à casa
de minha sobrinha. Ê a melhor cozinheira do mundo”. Eles a tra­
tam com muito carinho e ela passou a ser um membro da família..
E penso que se sente meio contrariada porque os parentes dela não
me aceitaram da mesma forma, e sei que existiu um problema.
Mas a mãe está começando a aparecer. A princípio, opunha-se
ao casametno, não o entendia, não queria saber de mim. Agora está
dizendo... agora sabe que tudo vai dar certo, está de acordo e
feliz. Mas levou tempo para acreditar que as coisas corressem bem.
Pode ser. até que venha visitar-nos neste verão, e compreende que
o nosso casamento tem bases sólidas e que vamos mesmo muito
bem. Becky leciona, e eu tenho a clínica e leciono também. É, fran-<
camente, não poderia ser melhor.
AS RELAÇÕES NA FAMÍLIA
Eu estava recordando que, quando Becky veio morar conosco,
meu. . . meu filho mais velho. . . precisava tanto de amor que houve
um conflito entre mim e ele pela necessidade de amor, e eu às vezes
me zangava por achar que ele estava tomando .muito tempo dela
quando eu precisava desse tempo todo. E fomos capazes de discutir
o assunto, ou eu fui capaz de chegar a uma conclusão. Comecei
a ver que ele eslava mesmo precisado de amor. Nunca, tivera mãe
que o amasse e cuidasse dele. Eu também não tivera. Por isso era
como se eu também precisasse de uma mãe. E ela me amou, acari­
nhou e cuidou de mim, e o mesmo encontrei nos meus filhos, so­
bretudo no mais velho. Ele necessitava disso tanto quanto eu. O mais
moço retraiu-se um pouco, mas também andava sequioso de atenções.
Foi quando me acudiu a idéia de que em nosso■ relacionamento es­
távamos todos tão famintos de amor e de carinho que precisávamos’,
de certa forma, fazer as coisas devagar e partilhá-las de um modo
diferente. E agora o mais velho já não anseia tanto por atenções.
Recebe-as cada vez mais e de maneiras diferentes, pois as recebe de
122

mim e de Becky e esse talvez seja o modo melhor. E, desde que nos
casamos, acho que ele não teve mais nenhum acesso de asma. Res­
folega, liga-se o vaporizador e logo depois ele começa a melhorar.
Mas antes tinha sempre essas crises — uma por semana talvez — e eu
era obrigado a levá-lo para o hospital, perto da clínica. Por isso me
parece que as suas necessidádes estão sendo satisfeitas, e creio que
todos nós fomos grandemente beneficiados pelo casamento.
Comentário: muitas coisas se destacam, para mim, nesse se­
gundo casamento e.nos acontecimentos que o precederam.
Em primeiro lugar, a seletividade de Hal nas avaliações per-
ceptivas de seus namoros e de Becky. Aqui está uma pessoa muito
mais amadurecida do que o Hal mais jovem que desposou uma
mulher porque o seu melhor amigo achou que ela lhe serviria. Acha-
va-se na difícil situação do hoixem com dois filhos pequenos e
procurou escolher, ao mesmo tempo, uma boa esposa e uma boa
mãe, e foi sensivelmente discriminante no processo.
Becky, sem dúvida, merece um comentário. Um dos bons as­
pectos da crescente libertação das mulheres foi haver ela encontrado
o homem que queria e podido ir atrás dele. O fato de ser negro
parece não ter feito nenhuma diferença para ela. Mas não se faz
necessária muita imaginação para calcular toda a coragem que ela
precisou ter, enfrentando a oposição da sociedade, da iamflia dela
e da família dele, para sair atrás de um possível marido de cor
diferente da sua.
Alguns homens não teriam gostado de ver-se perseguidos. Mas
Hal não reagiu assim, e Becky sabia não somente o que ela queria,
mas também o de que ele precisava. Ele teve a sorte de encontrar
uma mulher disposta a ser sua mãe, de que ele necessitava deses­
peradamente, e disposta a ser sua esposa, companheira não só das
suas atividades mas também dos seus sonhos. Ela é generosa, não
faz exigências, e isto é inestimável para todos os membros da fa­
mília.
Mas Hal aprendeu muita coisa desde o primeiro casamento. O
mais importante foi que aprendeu a comunicar-se. Nesse sentido a
mudança parece incrível. Ele e Becky discutem as coisas, inclusive
assuntos mais espinhosos, como o ciúme que ela sente das mulhe­
res negras que parecem aproximar-se demais do marido. Resolve­
ram, pelo menos por enquanto, as suas possíveis rivalidades educa­
cionais e profissionais. Levaram um mês numa excursão de camping,
123

durante a qual os quatro vieram a conhecer-se de verdade e entre
eles se estabeleceu uma íntima comunicação, que passou a fazer parte
da vida cotidiana de cada um» %
Enquanto ouço a entrevista e leio a transcrição torna-se, com
efeito, difícil para mim acreditar que o Hal do primeiro casamento
é a mesma pessoa do segundo. Parte dessa mudança deve ser cre­
ditada, sem dúvida, a Becky, muito mais extrovertida e comunicativa
do que a primeira esposa. Mas o contato de Hal com vários tipos de
experiências intensivas de grupo demonstra, de forma concludente,
que uma pessoa pode mudar, aprender a comunicar os seus senti­
mentos e dar atenção — dar, efetivamente, uma atenção perceptiVa
— aos sentimentos do companheiro ou da companheira.
Um aspecto que ainda não tínhamos encontrado neste livro é
a mudança operada por Hal no método de trabalhar para o êxito
do casamento. Em sua primeira união ele esperou que o relacio­
namento bem-parado resultasse da sua disposição de fazer coisas —
o trabalho de casa, a lavagem de roupa, os empreendimentos comer­
ciais, os triunfos escolares. Acreditando que, se se esforçasse bas­
tante para fazer tudo isso, o casamento melhoraria, não poupou es­
forços e exauriu-se na tentativa.
No atual casamento ele se dedica, em primeiro lugar, a apri­
morar o processo de relacionamento entre ambos, compartilhando dos
seus sentimentos, das informações importantes sobre a comunidade,
das suas ambições, e tudo se transforma facilmente numa partilha
recíproca. O fato de fazer coisas é secundário, decorre do relacio­
namento e se compõe de esforços conjuntos. Eles melhoram o lar,
poupam dinheiro, animam-se mutuamente a lograr novos êxitos pro­
fissionais, fundam uma clínica gratuita e nela trabalham juntos. Na
verdade, como vim a saber por terceiros, estão realizando uma obra
notável, proporcionando à sua comunidade a satisfação de todas as
necessidades psicológicas, através da clínica.
A meu ver, de certo modo, dois dos sinais mais impressionantes
do sadio processo de relacionamento familial são estes: o franco re­
conhecimento, por parte de Hal, do ciúme que ele tem dos filhos
enquanto competem os três pelo amor de Becky, e a sua maneira
discemente, amadurecida e cooperativa de lidar com o problema; o
pormenor que mais impressiona é o fim dos acessos de asma do-
menino mais velho, indício manifesto de que ele encontrou um clima
familiar em que se pode descontrair num relacionamento carinhoso.
Estou convencido de que isto, em primeiro lugar, é uma união
entre duas pessoas e só secundariamente um casamento inter-racial.
Este último, porém, não pode ser minimizado. Eles estão cercados.
124

de olhares, de expressões escandalizadas, do silêncio e da hostil evi-
tução das mulheres brancas, do ciúme das mulheres negras, de co­
mentários vulgares em acontecimentos esportivos. A profunda sus­
peita de Hal contra os brancos é natural e está claramente presente.
Para as pessoas que convivem com eles, brancas ou negras, cultas
ou analfabetas, em situações profissionais ou nas festas da igreja,
para a família preta dele e para os parentes brancos dela, Hal e
Becky, sem dúvida, são “aberrações”. E, no entanto, continuam, o
que só é possível graças ao fato de que o seu relacionamento, hoje
em dia, é uma fonte de grande segurança para os dois.
Hal resume tudo muito bem ao dizer que qualquer casamento
é duro e difícil e que o casamento inter-racial simplesmente acres­
centa uma nova safra de dificuldades e problemas. Eu não me arris­
caria a fazer previsões, mas admiro a maneira pela qual, até agora,
o casal tem enfrentado os obstáculos que surgem não somente entre
eles mas também entre eles e as suas várias subculturas. Admiro
particularmente o fato de que Hal não está tentando empretecer
Becky, nem ela está procurando branquear o marido. Se puderem
continuar nessa compreensão e aceitação das suas diferenças, tão
reais, assim como das suas forças inusitadamente complementares,
o prognóstico, de fato, é favorável.
125

A S C O M U N A S C O M O E X P E R IÊ N C IA S
D E R E L A Ç Õ E S H U M A N A S E S E X U A IS
7
NÃo se pode escrever um livro sobré o casamentp moderno sem
discutir as comunas, que proporcionam amiúde alternativas para o
casamento convencional. Escrevo este capítulo, no entanto, com um
constrangimento que se funda em vários fatos e reflexões.
* 1) As duas ou três mil comunas e comunidades intencionais
deste país — o número é apenas uma combinação de estimativas
— crescem, mudam, acabam e começam sem cessar, com uma ra­
pidez que toma imediatamente obsoleto tudo o que se escrever sobre
elas.
2) A variedade das comunas é tão imensa que qualquer
enunciado de ordem geral que se possa fazer é simultaneamente ver­
dadeiro para algumas e falso para outras.
3) Vários livros excelentes foram recentemente escritos sobre
as comunas, e parece presunção de nossa parte escrever apenas um
breve capítulo sobre esses grupos tão diversificados.
4) Mais importante ainda é o fato de que nunca vivi numa
comuna e, portanto, careço da básica experiência interior que pude
trazer à elaboração de outros capítulos. A fim de contrabalançar
essa falha, duas pessoas, Natalie R. Fuchs e Robert J. Willis, me
serviram de olhos e ouvidos.
AS RELAÇÕES HUMANAS COMO FOCO
Não farei, naturalmente, tentativa alguma para abarcar todos
os aspectos dos grupos comunais. Existe o problema econômico -—
126

como sobreviver. Existe o quê ideológico — o pioneirismo místico,
comportamental, selvagem, a ênfase dada à liberdade feminina, a
busca de uma consciência mais elevada, de uma revolução sem vio­
lência. Existem vários graus de filosofia organizacional, desde p
hippie mais desenfreado e o anarquismo filosófico até a organização
mais rigorosa. Existe grande variedade de problemas relativos à co­
munidade vizinha, quer viva o grupo numa floresta isolada* quer
more no coração de uma grande cidade. Não tocarei em nada disso,
conquanto as referências contidas na bibliografia sirvam de ajuda aos
que pretenderem aprofundar-se na matéria.
O meu interesse se cingirá, de acordo com a finalidade deste
livro, ao estudo das maneiras de enfrentar relacionamentos conjugais,
sexuais e outros nos grupos comunais. E o farei de modo que não
se possa identificar nenhum indivíduo e nenhum grupo comunal. A
maior parte do que escrevi se baseia em entrevistas gravadas, em
observações de pessoas que conheço ou nas quais confio, ou ainda
em cartas e relatos dos participantes.
ALGUMAS OBSERVAÇÕES GERAIS SOBRE AS COMUNAS
Antes de iniciar a tarefa que me impus, eu gostaria de escla­
recer alguns mal-entendidos que talvez subsistam no espírito do leitor.
Em primeiro lugar, as comunas não são pontos de reunião de
hippies, como esse termo é compreendido pelo público.. Represen­
tam uma tentativa de viver com' um conjunto de valores diferentes
dos que existem na comunidade ordinária, o que amiúde se paten­
teia nos trajos singulares e diferentes. Mas as pessoas mencionadas
neste capítulo provêm de grupos formados de gente assim: um antigo
engenheiro industrial, um assistente social, um executivo de compa­
nhia, um pesquisador científico, um psicologista clínico, um ex-pro­
gramador de computador, um antigo agente da CIA, um perito em
processamento de dados, um carpinteiro, um artista, vários diplo­
mados de Radcliffe, Swarthmore, Harvard e outras escolas superio­
res. Aqui está uma fração da nossa intelligentsia, tentando criar
um revolucionário mundo novo no meio do mundo do “estabeleci*
mento’*. Esse é o prisma por que devem ser encarados.
O segundo comentário que se deve fazer é que a maioria das
comunas atuais — embora não todas £$» propende para certo grau
127

de filosofia anarquista. Ora, como isto, na opinião da maioria das
pessoas, é sinônimo de caos, ilegalidade e terrorismo, cabe aqui uma
palavra sobre o seu vérdade.ro significado filosófico.^: Este se apóia
na autodeterminação. Supõe a rejeição1 de todas as formas coativas
de controle e autoridade, sejam governamentais, sejam religiosas.
Bertrand Russell captou esse espírito quando escreveu, referindo-se
a outra pessoa: “Ele pendia para o anarquismo; detestava o sistema,
a organização e a uniformidade”. Muitos membros de comunas en­
dossariam essas palavras.
Eles se parecem, em inúmeros sentidos, com os primeiros cris­
tãos, descritos nos Atos 2:44-46; “Todos os que creram estavam
juntos, e tinham tudo em comum. Vendiam as suas propriedades e-
bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém
tinha necessidade. . . e tomavam as suas refeições com alegria e
singeleza de coração”. Nem todas as comunas abrem mão da pro­
priedade em tão larga escala, mas muitas vão muito longe na partilha
comunal, outro sinal de que os seus membros voltaram as costas,
definitivamente, à cultura materialística e competitiva em que foram
criados. -
A melhor das definições breves talvez seja a que encontramos
no Merriam-Webster New International Dictionary (edição mais an­
tiga): “Em suas formas mais práticas o anarquismo... [tem] por
ideal a formação de pequenas comunas autônomas, cujos membros
respeitam a independência um do outro, mas que se unem para resis­
tir à agressão. Na melhor das hipóteses bate-se por uma sociedade
mais disciplinada pelas boas maneiras do que pela lei, em que cada
pessoa produz de acordo com as suas capacidades e recebe de acordo
com as suas necessidades”. Acredito que inúmeros membros das co­
munas subscrevessem hoje tudo isso como meta, embora admitissem':;
que ficam freqüentemente muito áquém da meta colimada.
Nesse sentido, as comunas atuais diferem das comunas utópicas,j
do século passado neste país, em que havia geralmente uma ideo­
logia religiosa unificadora, um líder forte e carismático e um grupo
de adeptos cujas vidas eram regulamentadas. Num interessante es­
tudo sobre as mais antigas (Kantor, 1970) se constata que certos j
itens separavam nitidamente as permanentes das transitórias. (É evi- 4
dente que a permanência não é o único critério pelo qual podem i
ter sido julgadas.)
A principal diferença entre umas e outras era que as perma- ‘
nentes praticavam o amor livre ou o celibato, ao passo que as tran-
■ sitórias, não. Em outras palavras, nas comunas permanentes o com- ;
portamento sexual era claramente decidido pelos membros ou im-
128

posto a eles. As demais características dessas comunas eram a não
remuneração pelo trabalho comunal, o trabalho Comunal como ro­
tina diária, as reuniões diárias do grupo, e a comemoração de oca­
siões especiais da comunidade. Seria interessante termos tudo isso
em mente ao examinarmos as comunas de hoje.
NOVE EXEMPLOS RÁPIDOS
Eu gostaria de apresentar ao leitor um pouco da variedade
existente. Tentarei dar uma idéia da grande diversidade dos gru­
pos classificados como&comunas descrevendo alguns deles em rápi­
dos parágrafos. Omiti. propositadamente os nomes dos grupos de
modo que, em, lugar de classificá-los de pronto, o leitor se incline
a imaginar como seria a vida num grupo assim. Todas são comu­
nas verdadeiras, que existem ou existiram até há muito pouco tempo.
1) Existe uma comuna rural de onze adultos e seis crianças
que funciona de maneira muito semelhante a uma família. Realiza-
se o trabalho e os objetiyos são colimados sem nenhuma organiza­
ção especial, exatamente como numa família comum. A comuna não
é auto-suficiente, de sorte que alguns membros trabalham durante
curtos períodos na cidade para ajudar a equilibrar o orçamento.
Usam-se também cartões de alimentos. Não há chefe. As crianças
são tratadas sem nenhum método, mas têm as vantagens da família
extensa. Os adultos são quase todos acasalados, mas não se proíbem
as relações sexuais fora dos casais. As dificuldades se resolvem (ge­
ralmente) por entendimentos muito francos no seio do grupo ou
entre as partes interessadas.
2) Uma “família” comunal se compõe de uns doze homens
e mulheres que exercem profissões liberais (è uma criança) e que
vivem numa casa da cidade. Estão remodelando a casa para dar
a cada pessoa maior intimidade. Todos — com exceção do homem
que está remodelando a casa — têm empregos na cidade. Compar­
tilham do trabalho comunal. Os adultos estão acasalados, mas exis­
tem experiências fora do acasalamento, com o conhecimento do gru­
po. Usam-se, não raro, processos de encounter group para aliviar
tensões. Quase todos já tiveram alguma experiência nesses grupos.
Os vizinhos, a princípio desconfiados, tornaram-se muito mais re­
ceptivos.
129

3) Abriu-se uma comuna semi-rural para quem desejasse in­
gressar nela ou ficar. Os indivíduos- poderiam fazer o que bem en-
íendessem em matéria de trabalho, ou não fazer nada. O uso de
drogas era grande. Como as condições existenciais e sanitárias se
tornassem impossíveis, a comuna foi finalmente fechada como ameaça
à saúde pública. A comunidade ficou furiosa.
4) Existe, há oito anos, uma casa de moças e rapazes perto
de uma escola superior, cujos moradores são quase todos estudantes.
Estipulou-se que os membros procurarão seus companheiros sexuais
fora de casa. O trabalho é- pBrtilhado, como a cozinha, etc., sem
embargo do sexo. Os relacicfnamentos são semelhantes aos que exis­
tem entre irmãos e irmãs1.' finalidade é aprender a viver juntos
como seres humanos. P ô f 'serem estudantes, muita gente entra e
sai, mas estabeleceu-se um a1 grande lealdade entre oi moradores:«
Realizou-se inúmeras corflemorações ocasionais ou “rituais”, que pa­
recem promover intimidade entre eles.
5) Um grupo urbano está fazendo a experiência do casamento
em grupo, com três homens e três mulheres. A casa é dirigida
com eficiência. Alguns trabalham na cidade. Todos provêm de
ambientes cultos, pois são, na maioria, membros da classe média
dominante norte-americana. As atividades sexuais do grupo acar­
retaram problemas, e eles acabaram elaborando um programa que
determina os homens e as mulheres que dormem juntos cada noi­
te. (O fato de dormir nem sempre supõe o comércio sexual.) Há
uma noite “livre” por semana. Por uma razão qualquer, as inte- 1
rações pessoais, se bem projetadas para terem um sabor de encontro
casual, são amiúde cáusticas e cínicas e visam aos pontos fracos da
outra pessoa. Está longe de ser um “casamento” harmonioso.
6) Um grande grupo de comunas relacionadas entre si, com
uma história que remonta há mais de quatrocentos anos, é formado
de comunidades rurais, que se compõem de cinqüenta a cento e trinta
membros cada uma. A regra categórica é a monogamia. O paci-^
fismo arraigou-se como norma de ação durante o passar dos anos.,i
A religião atua como força unificadora. Despreza-se a educação su­
perior. Há dois líderes em cada comuna, o pregador e o chefe do
trabalho. Ambos são eleitos. Tenho a certeza de que ficariam es­
candalizados se se vissem incluídos nesta lista, mas são positivamente
ccmunais, pois fazem juntos as suas refeições e repartem entre si
todos os seus bens. Têm casas ou apartamentos separados. Possuem
uma crença enraizada em sua permanência, robustecida pelo fato de
haverem subsistido, embora fossem expulsos de um país depois do
130

outro (inclusive dos Estados Unidos por algum tempo) em virtude
de se recusarem a servir nas forças armadas.
7) Outra comuna, limpa, ordenada, altamente organizada, to­
taliza trinta homens e mulheres (e apenas duas crianças). Cada
um dos seus membros precisa ganhar certo número de pontos de
trabalho por dia. A fim de que todo o trabalho seja executado,
fazem jus a mais pontos as tarefas que as pessoas tendem a evitar.
Alguns membros também trabalham fora, durante períodos de dois
meses, mas geralmente não gostam disso. A finalidade deles é cons­
truir uma • alternativa viável do capitalismo (finalidade que levam
muito a sério) e alterar como bem entendem o seu comportamento
pessoal. A princípio, três planificadores tomaram todas as decisões
importantes mas, pouco a pouco, o grupo vai caminhando para
operar por consenso geral. Começou com um número pequeno de in­
divíduos (dez) com padrões conjugais convencionais. Agora quase
todos os membros têm um companheiro de quarto do sexo oposto.
Uma preocupação importante do grupo é a liberdáde sexual. A boa
ordem caracteriza a comuna.
jÊSande número de comunas, quase todas urbanas, espa­
lhadas pelòkpaís,, está ligado por três fortes elementos: um líder al­
tamente carismático; sessões freqüentes de grupo, de base ideoló­
gica, cujo propósito é atacar as defesas de cada pessoa; e o fato de
terem sido todos os membros viciados em entorpecentes. A organi­
zação é positivamente hierárquica e as regras são severas. Os mem­
bros são promovidos a postos de maior responsabilidade quando, no
entender do grupo e dos seus funcionários, fazem jus à promoção.
9) Uma comuna rural, limitada a vinte e cinco membros,
acha-se ligada por uma combinação de crenças místicas orientais.
À diferença da maioria das comunas, focaliza muito mais o indiví­
duo do que o grupo. Pratica-se muito a meditação e a contempla­
ção silenciosa, conquanto se realizem, todas as semanas, danças ri­
tuais extáticas. O trabalho é dividido entre eles, e cada membro se
inscreve para fazer seis “tarefas”. Os indivíduos vivem meio afas­
tados um do outro e todos os problemas são resolvidos individual­
mente. Alguns membros são casados, outros, não. Costumam re­
correr a certo número de gurus, mas não dependem de nenhum.
Todos os anos importam alguns desses líderes, a fim de absorver-lhes
os ensinamentos em sessões de duas semanas.*
* Para os que precisam conhecer as fontes destas descrições, aqui estão
elas: (1) High Ridge Farm, descrita por Houriet no Livro II; (2) uma co-
131

PROBLEMAS PESSOAIS
Naturalmente, nenhum grupo de seres humanos vive junto sem
que surjam divergências, atritos, ciúmes, raivas e todos os distúrbios
emocionais que transtornam a vida em comum. E quando o grupo
se compõe de homens e mulheres, tudo isso se agrava. Talvez valha
a pena verificar como se resolveram tais problemas em casos espe­
cíficos, reconhecendo, porém, que não passam disso — são casos
específicos, que não se devem generalizar com muita cautela. Co­
meçarei com algumas questões que envolvem pessoas, sem focaliza-
ção especial do sexo.
Um dos problemas enfrentados por muitas comunas é o do nú­
mero de membros. Qualquer pessoa pode chegar — e ficar? O nú­
mero de membros é limitado? Em caso afirmativo, em que se funda
a limitação? Robert Hourièt (Livro IV ) descreve a maneira com
que uma comuna resolveu esse problema.
Era uma comuna rural, qUe tirava do solo um magro sustento.
Mas o número de visitantes não cessava de aumentar. E eles ficavam.
Alguns causavam problemas na comuna, outros criavam problemas
com os vizinhos. No entanto, como todos os membros tivessem sido
inicialmente visitantes, não havia “veteranos” no grupo para resoll
ver a questão. Aos poucos, à proporção que o grupo aumentava,
chegado a cinqüenta, os escassos recursos começaram a esgotar-se,
até que o único resultado possível parecia ser o fracasso completo.
Havia, contudo, uma facção cujos pontos de vista filosóficos sustenl
tavam que quem quisesse vir séria aceito e poderia ficar.. ^
O caso foi resolvido de maneira dramática. Um homenzarrão;;
Big David, convocou uma reunião ,— o que era permitido. Muita
gente, visitantes e alguns mais antigos foram praticamente arranca­
dos dos seus quartos para assistir à reunião. Quando esta foi abertav
o homenzarrão falou:
Ouçam, sou um homem desesperadom Há um problema ciqui.
Gente demais. Este lugar comporta, no máximo, vinte e^cinco pes­
soas. Poucos dentre nós fizemos alguma coisa para construí-lo. Pes-
muna na Costa Oriental, visitada por Natalia Fuchs, que forneceu as inforf
mações; (3) Morningstar, agora extinta, descrita por Gustaitis, capítulo 8;
(4) no Noroeste, visitada por Robert J. Willis, que forneceu as informações;
(5) Harrad West, tirada de Houriet, Livro VI; (6) os Huteritas, descritos
por Allard; (7) Twin Oaks, calcada em Walden II de Skinner, tirada de
Houriet, Livro VII; (8) Synanon, talvez melhor descrita por Yablonsky; (9)
Lama, tirada de Houriet, Livro VIII.
132

soas como eu, que chegamos no outono passado, e ajudamos na
colheita, não queremos mandar ninguém embora. Esta é a cena que
deixamos. Vocês são todos irmãos e irmãs. Mas não podemos vi­
ver todos aqui. E vocês têm tanto direito quanto eu. Acontece, po­
rém, que não há comida bastante, nem espaço bastante. Nessas
condições, que decidimos? Andei de um lado para outro a vida in­
teira. Nunca tive um lar. Tenho vivido pelas esquinas, dormindo
cada noite num lugar diferente. Este foi o primeiro lugar que de­
sejei chamar de lar. E vejo agora que ele está sendo destruído.
Minha velha e eu temos errado pelas estradas e sabemos o que é isso.
Vamos ter um filho e não quero precisar sair. Mas a não ser que
alguns de vocês vão embora, seremos obrigados a voltar para a es­
trada. E por isso que sou um homem desesperado. (Houriet, pp.
159-160.)
Depois de muita discussão, a favoc e contra, em que muita
gente propôs que se diminuísse o número, Big David voltou a falar:
"Quem vai embora?” Lentamente, para surpresa de todos, umas
vinte pessoas se levantaram, deixando outras vinte sentadas. Dali a
dois dias, trinta haviam saído, incluindo o anarquista filósofo que
queria aceitar todo o mundo. Big David colocou uma tabuleta no
portão, em que se lia: “Não se admitem visitantes, exceto a negó­
cios”. Dessa maneira singular, a comuna resolveu a questão e vol­
tou a ser um grupo auto-suficiente, conquanto dvesse de alterar a
sua filosofia.
Em outra comuna surgiu um problema que envolvia as rela­
ções com a comunidade vizinha. Peter estava preocupado com a
questão, mas ele expôs as suas preocupações de forma abstrata, em­
pregando frases como estas:
Pe t e r — “Talvez conviesse entrar em contato com um porta-
voz da comunidade convencional"; e ele empregou frases como
"antecipando-lhes as objeções", “nomeando uma comissão que abar­
casse um espectro da sociedade1’, etc. [... ] A sua escolha de pa­
lavras irritou Claudia e Elaine.
Claudia gritou: “Não é o que você diz, é o modo como o diz
que me deixa louca da vida".
Depois Elaine se- encarregou de continuar. Dir-se-ia que esti­
vesse descascando uma cebola. “Desde que o conheço tenho a im­
pressão de que você vive tentando esconder coisas de n ó s... como
se fôssemos crianças e você quisesse poupar-nos o desgosto de co­
nhecer as preocupações que pesam sobre os seus ombros. [...]
133

Isso é uma espécie de paternalismo insidioso, e você é o chefe. Não
dormiu no ponto e comprou a terra quando todo o mundo hesitava.
Mas agora tenta influenciar-nos só com o tom da sua vàz?' [. .. ]
Elaine fez uma pausa. Silêncio.
“Continue”, disse Peter.
Claudia — Por que não desabafa e não diz como se sente,
em ve£ de usar todas essas formalidades idiotas? Muito, mas muito
raramente mesmo, eu o tenho visto expressar o seu verdadeiro eu.
Na outra noite, com o toca-discos, aconteceu. Você estavà apaixo­
nado, zangado, frustrado. Mas era você.
Peter (com suavidade) — Esta foi uma conversação muito
proveitosa.
Claudia — Pronto! A í vem você outra vez. Pelo próprio tom das
palavras posso dizer que não são sinceras.
Bill (que estivçra lendo um manual de criação de minhocas)
*— Do que é que vocês todos estão falando?
Peter (finalmente zangado) — Por que você não desenterra a
cabeça da areia? Por que nunca diz nada?
Claudia e Elaine — Agora, sim.
E lain e (para P e t e r ) ? ^ Desde que o conheço me parece que
você está sempre se julgando e julgando os outros. Todas as vezes
que fazemos música juntos (ela toca guitarra, ele maneja o gravador)
sinto-o criticando. [. .. ] Isso estraga tudo para mim. Faz-me sen­
tir muito infeliz. Por que não joga fora os relatórios que vive guar­
dando? Tire umas férias da escola e desse seu sujo ar professoral.
Um dia entrei na cozinha enquanto você e Claudia conversavam.
Não me lembro quando foi nem sobre o que era, mas lembro-me do
tom. . . foi o mesmo que ouvir uma entrevista entre um assistente
social e a sua cliente. . .
Peter &£Bem!&.. muito obrigado.
Ele tentou dizer mais alguma coisa, mas Elaine fê-lo calar-se
cbm um beijo e Claudia abraçou-o (Houriet, pp 65-66).
Eis aí um excelente exemplo da espécie de retroação e de ex­
pressão decidida de sentimentos verdadeiros que, para muitas comu­
nas, assim como para outros grupos, parece constituir o melhor meio
de expor e resolver efervescentes reações pessoais negativas, Pode­
ria tratar-se, naturalmente, de um diálogo tirado de um encounter
group, com uma diferença apenas: não é uma sessão organizada ar­
tificialmente, e os seus membros continuarão a estar juntos dia após

dUfc' Quando os sentimentos são realmente expressos, como parece
ter acontecido aqui, o resultado é a transmutação de sentimentés ne-
giftivos em seritimentos positivos( igualmente reais, simbolizados nestè
caso pelo beijo de Elaine e pelo abraço de Claudia.
Nem todos os problemas pessoais envolvem toda a comuna.
Muitos não passam de simples atritos, que sempre ocorrem quan­
do as pessoas vivem em íntima relação umas com as outras. Táivez
um pequenino exeftiplo, tirado de outra comuna e extraído dé jima
entrevista gravada, ííusírb jy*que quero dizer."
Sa l l y ^Quando eu vivia em meu apartamento, gostava de
ligar bem altq o toca-discos ao jazer a limpeza da casa ou qualquer
coisa desse gênero. E sou dessas pessoas que gostam de tocar bem
alto quando estou jazendo algum trabalho de arte. E no cômodo
vizinho está Ned. Ô quarto dele jica ao lado da minha sala de
trabalho e, como ele é esótijor, quer silêncio. Por isso, quando toco
alto e ele exige que eu diminua o volume, considero a sua exigência
uma violação da minha intimidade, porque gosto da música alta.
Não é fácil, não. Tudo depende de ondt está a cabeça da gente,
porque ele e eu podemos, resolver tudo muito bem, mas sem con­
vencionar uma regra pelà qual só ligaremos o toca-discos em deter­
minados momentos. Em vez disso, digo: "Puxa, é realmente im­
portante para mim ouvir hoje esse troço bem alto”. E como sou im­
portante para ele, ele me apóia, ou vice-versa.
Eles aqui se ajustam simplesmente ao estado de espírito do
outro, não em virtude de regras ou princípios, nem em reSposta à
autoridade, mas numa consideração altamente existencial pelas ne­
cessidades recíprocas do momento.
Entretanto, nem todos os problemas se solucionam com a mesma
facilidade. Aqui está Sally dé novo:
Entrevistador — Como é que vocês resolvem coisas como o
ciúme?^
Sally — Existem diferentes espécies de ciúme. Existe, por
txemplo, o ciúme da minha posição central aqui em casa. Embora
eu não assuma nenhum papel de liderança, tenho aqui um relacio­
namento central. E provável que eu hie relacione mais intimamente
com maior número de pessoas — não pôr. saber fazê-lo melhor do que
135

os outros, mas por ser isso mais importante para mim do que para os
outros. Alguns gastam mais tempo nessas atividades, resolvendo coisast
falando com as pessoas, ou apreciando as pessoas. Para mim, essa é a
principal atividade. Gosto mais dela que de qualquer outra coisa, ou
quase. E sei que os outros se sentem enciumados ou ressentidos com a
minha centralidade. E isso é duro, muito duro, para mim porque sinto
que não preciso mudar. Mas esse sempre foi um problema em minha
vida; não me sinto bem quando há alguém por perto com inveja de
mim. Nessa hora, inverto a minha posição e mostro todas as minhas fa­
lhas, o que não melhora nada, . . só piòra as coisas. E depois há
esse negócio de ter sido líder de grupo. Quando alguém aqui tem
um problema, geralmente me procura, para que eu o resolva. E
duas pessoas já me perguntaram: “Por que os outros a procuram?
Por que estão sempre atrás de Sally? Eu gostaria que me procuras­
sem também”. E tudo isso é muito chato para mimWq
Este, evidentemente, é um problema não solucionado, que nem
ela nem os outros chegaram a expor ou discutir entre si. Espera-
se que venha a ser, um dia, o tema de uma reunião capaz de resol­
ver alguns sentimentos.
Até na casa das estudantes (N? 4, dos nove exemplos iniciais)
surgem naturalmente atritos pessoais. Elas buscaram solucionar os
problemas do sexo estatuindo que cada membro procure o seu par­
ceiro sexual fora de casa. Mas isso não impede que todos os outros
problemas existam, e a queixa principal é de que os moradores da
casa não ficam juntos o tempo suficiente para falar sobre coisas im-j
pcrtantes. A comunicação profundà parece ser evitada, e tudo faz
crer que reine certo superficialismo na intimidade delas. Não obsg
tante, os membros do grupo são muito leais uns aos outros e fazem
declarações como estas: “Boas vibrações em torno da mesa do jan­
tar”; “Eu pude confiar nas pessoas e eonhecê-las” ;l|“Isso me ajuda
a defender-me em relação ao mundo?i\ E uma mulher acrescenta
“Uso o sexo como complemento para os rapazes de modo sensível”.
É interessante notar que, à semelhança de algumas comunas do
século passado, essa resolveu o problema sexual estabelecendo uma
regra que o exclui da comuna como tema difícil. Talvez por isso
temos a impressão de que se trata mais de uma “família feliz” do que
de uma comunidade “normal”, mas a que faltam talvez a profundai
intimidade, a confrontação ou a comunicação.
136

RELACIONAMENTOS
QUE ENVOLVEM PARCEIROS SEXUAIS
Visto que muitas comunas se estão afastando decisivamente das
normas da sociedade na área das relações sexuais, não é para admirar
que surjam alguns problemas muito perturbadores em relação a par­
cerias, trincas e outros arranjos, momentâneos ou duradouros.
Poderíamos dar inúmeros exemplos de diferentes indivíduos com
diferentes problemas dessa natureza. Entretanto, há tanta coisa na
entrevista feita com Lois, membro de um grupo comunal da cidade,
que acredito seja mais proveitoso ver diversas facetas dessas ques­
tões através dos olhos dela, que as experimentou em suas relações.
Note-se que, a despeito de todas as suas experiências, ela se consi­
dere perfeitamente “normal”. Nas páginas seguintes deixarei que
Lois fale por si mesma, sem interrompê-la, a não ser para incluir
epígrafes, que indicarão os tópicos abordados.
Lois tem, mais ou menos, trinta anos de idade, uma profissão
liberal, e procede de um ambiente de classe média. Foi casada, di-
vorciou-se e tem um filho pequeno. Participou de encounter groups
e dirigiu-os. Fez parte de um grupo comunitário de verão, que ser­
viu de preparação para a sua vida na comuna. Depois do divórcio,
viu-se ameaçada por sérios encargos e, embora se sentisse muito che­
gada a Boris, um homem extremamente afeiçoado a ela, não quis
comprometer-se. Mas ingressaram juntos na comuna, onde viveram
durante um ano com cerca de quinze pessoas. O entrevistador per­
guntou-lhe se o ciúme constituíra problema alguma vez, e a sua ne­
gativa inicial conduziu a um estudo profundo dos muitos aspectos
do relacionamento entre o homem e a mulfier e outros tipos de
relações comunais.
CIÜME DOS “CASOS” DOS PARCEIROS
Lois — *Ciúme entre o homem e a mulher? Não creio que isso
constitua um problema aqui. Estou tentando pensar... Ê claro que
sinto ciúme quando Boris faz o amor com outra pessoa. Sou real­
mente perversa nesse sentido; pois quero saber e quero saber tudo
a respeito, inclusive os detalhes e, de- certo modo, isso faz que eu me

sinta melhor, pelo menos se acabar convencida de que ele me quer
mais do que a outra e prefere fazer o amor comigo. Quando fico sa­
bendo, sinto-me mais tranqüila; e é engraçado, ele ê exatamente o
contrário. Mas essas coisas aqui são inteiramente francas.
Entrevistador — Faz parte das normas do grupo a franqueza
quando acontece alguma mudança nas relações entre ps homens s
as mulheres dentro de casa?
Lois — Bem, acontece que pertencemos à classe média. Não
somos hippies. Estamos muito mais próximos d°s casais mPnógamos,
mas que vivem se enganando, dos subúrbios, Há um ou dois meses,
por exemplo, Boris e eu chegamos à conclusão de que tínhamos sido
monógamos durante muito tempo, que isso estava ficando meio des­
trutivo, que nós estávamos começando a abusar um do outro e a
sentir-nos amarrados um ao outro, e decidimos pôr fim, pelo me­
nos provisoriamente, à monogamia das nossas relações. Falamos so­
bre isso na reunião de grupo. Sobretudo por que ele estava querendo
distrair-se com algumas garotas, e tencionava procurá-las, encontrá-
las e divertir-se com elas, embora não fosse essa a minha idéia. Pre­
firo fazer o amor com uma pessoa mais chegada, de modo que era
muito mais provável que eu viesse a fazê-lo aqui dentro de casa, en­
tende? Por isso falamos sobre o assunto em nossa reunião de grupo,
e logo surgiu a principal pergunta: “Como é, vai dar a louca em
você?" E Enrico disse: “Bem, vou fazer o amor com Lois e é me­
lhor que sinta o mesmo por mim”. Como vê, não foi como se a
porta se abrisse e todo o mundo se precipitasse e atacasse ao mesmo,
tempóg
O SOFRIMENTO CAUSADO
PELA MUDANÇA DE PARCEIROS
Somos inteiramente normais. Existe uma norma segundo a
qual a genle pode dormir com quem quiser aqui na casa. De fato,
não me lembro de ninguém que, pelo menos intelectualmente falan­
do, não concorde com ela, mas o que me faz rir é as pessoas acharem
que isso não lhes trará problemas. * Que se pode aceitar intelectual­
mente uma norma como essa e dizer: “Sim, sim, é isso mesmo o que
fazemos". Todas as vezes surge um problema. Alguém se sente fe­
138

rido, ou ameaçado, ou menos importante. Mas nunca me pareceu
que esse tipo de coisa, alguma vez, tivesse produzido um vagabundo
ou tivesse separado muito as pessoas.
Entrevistador — De um modo ou de outro, vocês têm sem­
pre conseguido resolver essas situações...?
Lois — Sim. De mais a mais, não são tão freqüentes assim.
Quase todas as pessoas aqui, quando mantêm uma relação, perma­
necem nela ou, quando são sozinhas, fazem isso com todo o mundo
ou com qualquer um. Não é como se, depois do jantar... Você
sabe, creio que, às vezes, as pessoas imaginam que, depois do jantar,
passamos os olhos pelos que estão sentados à mesa e dizemos: “Bem,
esta noite vou dormir com julano ou fulana", e vamos correndo para
a cama. Não é nada disso.
A POSSIBILIDADE DE UMA ORGIA
Sempre falamos em planejar uma orgia, entende?, um negócio
grande, de grupo. Até agora não o fizemos. Mas vamos jazê-lo,
não se impressione. Temos jeito coisas parecidas, porém nunca ti­
vemos um grande grupo em que lodo o mundo trepa com todo o
mundo. Mas vamos tê-lo, porque todos pensam muito nisso e acho
que seria gozado. Especialmente para uma moça. Creio que seria
realmente formidável — a noite inteira, entende? (abafando uma
risada).
AMOR ENTRE MULHERES E CIÜME
Bem, vou contar-lhe uma coisa diferente, que se relaciona com
a única vez em que senti ciúme de verdade, desde que moro nesta
casa. Uma questão de intimidade. Isso è importante. A gente vai
ficando cada vez mais chegada às pessoas e é cada vez mais natural
fazer o amor com elas, expressar fisicamente o amor. Senti-o com
139

mulheres aqui em casa, particularmente com uma — somos muito}
íntimas — por duas vezes fiz o amor com ela e com outro sujeito
— uma vez porque estava meio bêbeda e outra porque realmente
queria fazer isso com B o ris.. . Isto é, ele não tinha a menor idéia
do que ia acontecer. Mas nós duas decidimos ir juntas para a cama
e fomos para a cama de Boris. Essa, provavelmente, foi a mais nova
e excitante experiência sexual que já tive aqui, quando senti uma enor- ,
me vontade de expressar-me fisicamente em relação a outra mulher. B
assombrosa a experiência de acariciar outro corpo igual ao seu. Não é
uma sensação violenta, mas me emociona um poucoífm
Nessa noite descobri muita coisa. Eu sabia que Jan queria dor­
mir comigo. Tranquei-me no banheiro, pois não conseguia chegar
a nenhuma conclusão sobre se isso era ou não seguro para mim.
E assumi um papel muito passivo, de que não gosto de lembrar-me.i
Foi, de fato, interessante — acabei descobrindo que era còmo uma
relação entre o homem e a mulher. Depois, em outras ocasiões, fui
mais agressiva e ela, mais passiva. Uma experiência deveras curiosa,
que acaba gerando o ciúme. Como certa vez em que pensei que ela
tivesse dormido com outra moça e cheguei a sofrer. Verifiquei de­
pois que ela não o fizera mas, mesmo assim, foi uma sensação en~
graçada para mim.
CIÜM E DA INTIM IDADE
A outra coisa é Boris. Ele tem algumas idéias interessantes so^
bre o assunto, como o fato de sentir-se realmente excitado por isso
e apreciar a excitação. Uma espécie de fantasia masturbatória, pois
ele não tem ciúme da sexualidade entre mim e Jan, mas da nossa
intimidade, e disso se ressente. O ciúme tem sido também uma di­
ficuldade nesse sentido, porque ele muitas vezes se enciumou dasí
minhas relações com outra pessoa. Ê meio possessivo, e fica enciu­
mado pela intimidade dos outros também, quando passo algum tem­
po com estranhos, em lugar de passar todo o tempo com ele. iM a s
temos resolvido esses casos muito bem. M uito bem mesmo, na mi­
nha opinião.

MANEIRAS DE LIDAR COM TAIS PROBLEMAS
En t r e v is t a d o r — Vocês resolveram esses problemas entre os
os dois, ou no grupo. . . ?
Lois — Bem, prefiro resolvê-los entre nós dois. Aliás, que al­
guém nesta casa compreenda meu relacionamento com Boris. Duvido
mesmo. Tenho a impressão de que os outros não o conhecem di­
reito, e que ele é o tipo da pessoa que está aqui só por minha causa,
porque gosta muito de mim. E, tendo concentrado em mim todà
a sua atenção e toda a sua energia, não pôde conhecer os outros
com a mesma intimidade. Dai que os outros também não tenham
podido conhecê-lo direito.
Creio que as pessoas interpretam muito mal o nosso relacio­
namento. Brigamos muito, estapeamo-nos, berramos e depois faze­
m os as pazes, entende? Isso é muito bom para mim, mas não
acontece com mais ninguém aqui. Para mim é uma espécie de de­
sabafo, depois do qual me sinto bem e amorosa. Mas acho que, de
Jato, assusto um pouco os- outros. Eles não compreendem essas
coisas e não sabem o que está acontecendo em nosso relacionamento.
Acho preferível resolvermos nós mesmos os problemas, ou pedir a
outro casal ou a pessoas mais chegadas- que venham ajudar-nos a re­
solvê-los. 4
Não me parece que o grupo, de fato, nos seja muito útiL Acho-o
até destrutivo para nós, pois existem pessoas que prefeririam que não
houvesse casais firmes aqui. A título de ajudar-nos, fazem o possí­
vel para criar desavenças entre nós. Acredito que isso seja verdade,
por mais triste que possa parecer. E foi verdade principalmente du­
rante algum tempo, quando outras pessoas me julgavam uma espé­
cie de propriedade sua. Pelo menos duas ou três teriam preferido
ver-nos separados, porque se abespinhavam quando Boris me pro­
curava e dizia: “Venha, Ldis>, quero estar com você agora”, e eu
m e levantava para segui-lo e elas armavam encrencas. Como Robin,
que me contava Or, que Boris tinha dito a Tommy., meu filho. Eu,
naturalmente, ficava louca da' vida, e brigava com Boris. A s vezes
ela tinha razão, e repetia exatamente o que acontecera. Mas não
Sei por que havia de fazer uma coisa dessas.
A M ULHER LIBERTADA
Entrevistador — H á ... u n s ... uns três casais na casa?
Lois — Há um casal casado, Robin e Ben, que mudou muito,
depois que veio para cá. Foram completamente manógamos durante
141

sete anos, desde que se casaram e, na ocasião em que os conheci,
há uns três anos, Ben andava querendo meter-se com algumas ga­
rotas e Robin sentiu-se terrivelmente ameaçada e transtornada. Quan­
do nos conhecemos, ela teve medo de que Ben se enrabichasse por
mim. Não gostou de mim e achou-me horrível. . . embora eu não
tivesse o menor interesse por Ben. Mas isso é apenas um exemplo
de como essa história toda a deixou completamente amalucada.
Depois, no verão passado, ele teve mesmo uma aventura, ela
ficou agitadíssima e passamos juntas um bocado de tempo nesse
dia. E engraçado. Não me senti ameaçada pela situaçãoix Isto é,
alguém teve de fazer o mesmo por mim quando Boris andava de amo­
res com outra pessoa. Passei o dia com ela, por assim dizer. A fi­
nal de contas, que pretendia ela? Era como se dispusesse de um es­
paço vazio em que pudesse pintar um bonito quadro, ou concen­
trar-se exclusivamente no caso, mostrar-se ressentida e deprimida, e
acabar perdendo o que mais queria. Resultado: o casamento deles
azedou de uma vez, talvez até mais que o de qualquer outro casal.
Robin agora tem casos, namoros e aventuras, e passa muito pouco
tempo em casa. Faz essas coisas muito mais que qualquer outra
pessoa daqui, inclusive os solteiros. E não sei direito o que penso
de tudo isso, mas acho que não é o tipo de relacionamento que eu
gostaria de ter — sei que não é o tipo de relacionamento que eu de­
sejaria. Entretanto, parece que isso, agora, a faz feliz. E eu talvez
me sinta ressentida porque ela quase não fica em casa e está sem­
pre na rua. M as também me preocupo porque Ben pode estar
muito só.
E ainda me sinto inquieta pensando em que não é isso, provar
veímente, o que Robin gostaria de fazer. Você sabe, ela talvez ache
que deve fazê-lo, porque esse agora é o novo código social. Mas eu,
francamente, não estou convencida. Ela fala muito em ter um filho.
São duas coisas diferentes. Uma é andar por tú o tempo todo e
outra, estar amarrada a uma criança. São. coisas muito diferentes.
M INHAS REAÇÕES
Existem algumas coisas que me impressionam no relato de Lois.
Há, por exemplo, a completa aceitação intelectual da franca experi­
mentação sexual, se bem isso não seja, em muitos casos, amparado

pela aceitarão experimental correspondente. Boris e Lois, Ben e
Robin, podem querer tentar, durante algum tempo, um tipo de vida
polígamo&iOs membros descasalados podem experimentar vários re--
lacionamentos numa base temporária. ou mais duradoura. Lois e
Jan podem procurar um relacionamento homossexual sem nenhum
sentimento de culpa. Lois encara até com alegria a possibilidade de
uma- orgia sexual na casa; Em suma, um dos fatos elementares no ’
tocante a muitas comunas é o serem elas laboratórios experimentais
errf que — 5 .sem sentimento de culpa, sem o conhecimento público
foíà' do grupo, sem nenhum compromisso com qualquer tipo de com­
portamento — pode ser tentada uma variedade dè ‘uniões sexuais.
O que, para muita gente, é uma fantástica variedade de experiências
sexuais está aqui, viva, na realidade.*
Mas toda essa experimentação tem um preço: /Os sentimentos
de perda, mágoa, ciúme, autocomiseração, raiva, desejo de revide são
experimentados, periodicamente, pelas pessoas nela envolvidas. Por
mais “moderno” que seja o ponto de vista da pessoa, ou o seu com­
promisso intelectual, alguém se fere de um jeito ou de outro, como
Lois deixa bem claro, todas as vezes em que há mudança de par­
ceiros. E o ciúme não se relaciona necessária e unicamente com o
comportamento sexual, mas também com outras coisas, como a
perda da intimidade, como a que Boris experimenta no tocante ao
relacionamento entre Lois e Jan, muito embora também lhe pareça
excitante.
Mas o laboratório Itemigualmente os seus elementos curativos,
para aliviar essas mágoas. Lois ajuda Robin em seus momentos de
ciúme e de dor, como alguém a ajudara em situação semelhante. E
a impressão, colhida das suas palavras e de outrás experiências, é
que muito freqüentemente essas jnágoas são também momentos de
crescimento potencial. £ impressionante a convicção de Lois de que a
experimentação nunca “produziu um vagabundo” nem “separou mui­
to as pessoas”. Trata-se, evidentemente, de uma generalização, mas
dizer que uma pessoa está sofrendo não é dizer que ela ficou preju­
dicada para sem pre.^
* Importa notar que, pelo que sei, as relações entre homem e homem são
muito menos comuns nas comunas do que entre mulher e mulher. Não
consegui obter um relato íntimo de uma união dessa natureza, embora saiba
que elas existem ocasionalmente como parte da experimentação nas comunas.
De certo modo, o homossexualismo masculino parece mais ameaçador a mui­
tas pessoas do que o contato homossexual feminino.
143

Outro elemento que precisa ser assinalado é que o grupo tanto
tem possibilidades construtivas quanto destrutivas. Isto foi mencio­
nado no breve relato anterior do acrimonioso casamento de grupo.
Lois torna-o mais específico, acentuando a falta de compreensão,
por parte do grupo, do seu tempestuoso mas vital relacionamento
com Boris. E, como em todo grupo, há os que são perfeitamente
capazes de provocar dissabores fornecendo informações intempesti­
vas, sejam elas exatas ou inexatas.
Como em tantas outras situações, temos aqui o conhecimento
que melhoraria tais situações, mas não conseguimos utilizá-lo ade­
quadamente. Um a pessoa disposta a ajudar, se estiver no lugar certo
à hora certa, contribuirá para dissipar mágoas, ciúmes e maledicên­
cias. M as nós estamos longe dessa idade de ouro Ba
Uma nota que me impressiona no relato de Lois é a necessidade
vital de conhecer e aceitar os próprios sentimentos e confiar neles.
Será Robin, de fato, bem-aventuradamente feliz em sua desregrada
vida sexual? Lois não acredita nisso, nem eu. O comportamento dela
soa muito como represália, o que, por seu turno, é disfarce para a
mágoa. Aqui, mais uma vez, ela precisa de ajuda para descobrir,
debaixo das suas defesas, os seus verdadeiros sentimentos. Depois,
poderá agir como pessoa integrada e real. Agora, se ela deseja uma
assistência dessa natureza, ou virá a encontrá-la, não se s a b e fl
Outro elemento que parece ressaltar claramente da exposição
de Lois e de muitos outros dados é que a maioria das pessoas tem
continuada necessidade de um relacionamento seguro. Quando assi­
nala que a experimentação “não é assim tão freqüente”, e que as
pessoas, quando estão envolvidas num relacionamento, dão valor a
ele, Lois está'expressando? alguma coisa que, a meu ver, é imensa
e profundamente verdadeira.
OUTRO EX EM PLO D E RELAÇÕES EXPERIM ENTAIS
Sam tem trinta e oito ànos, já se divorciou e agora está casado
com Rita. Há dois grupos de filhos. O casal mudou-se de um su=»
búrbio para uma comuna urbana porque, como diz Rita:
Eu estava muito isolada. Quando Sam saía para trabalhar, a
não ser que tivesse alguma coisa especial para jazer ou algüm lugar
144

para ir, eu me sentia muito isolada, numa casa muito separada das
pessoas do oiitro lado da rua x>u- dos vizinhos. E aqui todos vivem
entrando e saindo — é um mtíndo por si mesmo.
Mais adiante Rita descreve as relações -entre homens jè '-inu-
lheres^il
Não achamos que* ,devemos' ter welações sexuais com iodas as
pessoas da casa. Nãik somos monógamos porque encaramos natural­
mente a possibilidade de manter relações com outras pessoas mas,
se houvesse gente nesta casa convencida de que é monógama e acre­
ditasse nisso; prováVélmenm, poderia sê-lo. . .
Sam — . .. Essa mulher, outro dia, expressou-o desta maneira,
dizendo:'“ Não estou pensando em entrar para uma comuna com a ex­
pectativa de manter relações sexuais com outros moradores da casa
mas, se acontecesse alguma coisa nesse gênero, não seria nada mau”.
E eu não quis animá-la nem desanimá-la. . .
Rita e Doug, outro morador da casa, mantêm um .relacionamento
sexual que não tem sido fácil para Sam. Sente-se atenção no seu re­
lacionamento com Rita:
Entrevistador — Como é que vocês lidam com o ciúme e os
sentimentos? Ou já conseguiram libertar-se d ele s...?
Sam — Não. Ainda estamos lutando. Numa reunião, certa
noite, a presidenta pediu: “Se alguém tem tido relações não monó-
gamas e resolveu ò seu problema, faça a favor de contarTnos”. E
Doug, que mora na casafdnterveio: “Alguém já resolveu todos os
seus problemas?" De modõ que ainda estamos trabalhando. E, do
meu põnm de vistáno. que se refere a Rita, a Doug e a mim, uma
das coisas que facilita tudo é que Doug procura ser meu amigo,
assim como amigo de Rita, e nós nos consideramos amigos. E as
suas relações com Rita não visam a humilhar-me nem a me pôr de
lado, nem a ferir-me, mas têm validade própria, Preciso repeti-lo
constantemente a mim mesmo, sobretudo nos momentos em que eles
talvez estejam no auge das suas relações e eu me sinto mais ou menos
sozinho.
Entrevistador ■— A s suas palavras dão a impressão de que o
caso, às vezes, é muito difícil de enfrentar .Mjgj
Sa m — E é mesmo. Depois de anos e anos de condiciona­
mento . . . uma espécie de complexo românticos, a gente aprende
que não deve brincar com certas coisas. Mas o reverso da medalha
145

é que nunca encontrei ninguém que não perdesse algum témpo fan­
tasiando um relacionamento com uma pessoa que não fosse o marido
ou a mulher. Por isso, a meu ver, economizamos muita energia em
fantasias desse gênero e resolvemos o assunto em nossas relações
reais; além disso, é tudo muito franco, o que ifie parece mais sau­
dável, melhor do que disfarçar e fingir que não temos ligação com
ninguém quando, de fato, a temos. Em certos sentidos, creio que
isso melhorou o meu relacionamento com R ita ...- Ela me parece
melhor em todos os sentidos. De mais a mais, a ligação que ela
arranjou fora do nosso casamento também ajudou. Ajudou-a a sen­
tir-se mais digna como pessoa e, por curioso que pareça, também
me ajudou a considerá-la mais digna.
Entrevistador — O que ele disse é verdade?
Rita — Não penso assim. ,
Rita não explica a contradição entre eles, mas começa a falar
sobre alguns aspectos da paftilha, o que leva Sam a desenvolver èstc
tópico:
Sam — Simwk Não gosto muito de andar. Mas Rita gosta, e
Doug também. Algumas pessoas gostam de andar. Ótimo. Assim,
os que gostam de andar talvez precisem andar um pouco. E os que
gostam de ficar sentados não precisam levantar-se.
Entrevistador — O que, naturalmente, alivia a pressão cau­
sada pela necessidade de ser tudo para uma pessoa..
MtlTÀ^— E. .d-
Sam — E. Mantenho relações com outra mulher qiie não vive
na comuna. Não se trata de um relacionamento excelente, e também
não se trata de unia pessoa que eu tenha escolhido com o neces­
sário cuidado, mas acontece que me meti nisso numa ocãsião em
que me sentia meio solitário depois de começarem as relações entre'
Rita e Doug. Mas é muito bom. Creio que sinto um pouco de in­
veja por não me haver ligado a alguém que more nesta casa. Por­
que é chato prà burro manter tèlações assim, que são poucô mais
que um simples encontro sexual fortuito. Quando passo réalmertte
muito tempo com ela, acho que Rita, seja ou não explícita a respeito,
sabe por quê. E fácil passar algum tempo com unia pessoa que
se quer bem e que mora na mesma casa, sem precisar sair dos seus
cômodos.
Mais adiante, ao falar nas relações fora da união estabelecidà:
“A gente se arrisca quando faz uma coisa dessas. Mas também se
arrisca quando casa”.
146

Se há algum reparo a ser feito sobre Rita e Doug, Sam e a sua
amiguinha que não mora na casa, é apenas este: há sempre um preço
que tem de ser pago pela experimentação na formação de relações
sexuais fora da união estabelecida. Mas, como Sam acentua sabia­
mente, há risco também no casamento. E a ligação com outra pes­
soa liberta ambos õs cônjuges da necessidade de tentar ser tudo, isto
é, de procurar satisfazer a todas as necessidades do marido ou da
mulher.H
UMA TRINCA EM FORMAÇÃO
Aqui está um relato sobre uma trinca que ainda anda às apal­
padelas, Clyde, Libby e Myra, e que termina numa temporária tríade
sexual. A história é contada com grande franqueza por Clyde numa
carta confidencial. Agradeço-lhe a permissão para transcrever al­
guns trechos.
As circunstâncias iniciais foram insólitas, visto que a sua co­
muna convidara um segundo grupo para passar uma semana em sua
casa como visitantes. A partir desse ponto, as passagens transcritas
da carta contam o resto da história.
Aqui está a minha família atual: George —- artista, agri­
cultor, metafísica; Libby — esposa legal de George, a mulher de
cuja cama partilho, tecelã, jardineira, mãe; Minna — companheira
de cama de George, também tecelã, jardineira e, principalmente, pa­
deira; Gregory — meu filho de 10 anos, um meninò que gosta
de tocar em outras pessoas e de ser tocado por elas; Ruthy —- filha
de George e Libby, de 9 anos, linda criatura e uma das mais fortes
razões que conheço para estar onde estou. E agora entra Myra,
muito aberta para novas experiências, quente e extremamente "sen­
sível", bissexual ou que talvez.se descrevesse melhor como pansexual.
Estamos vivendo no campo. A neve está espessa. Ruthy cha­
pinhou, saltou e andou como se estivesse cavando um túnel para che­
gar à caixa do correio, Exceto um ou dois incidentes, todos eram
constantemente amparados pelo grupo — seria difícil resistir à sen­
sação de estar sendo amparado — e os indivíduos, inclusive os mui­
tos visitantes, se sentiram aceitos como alguns nunca se tinham sen­
tido em toda a sua vida. Libby e Minna fizeram milagres para dar
almoço e jantar a 2 1' pessoas naquela semana, e a comida estava
estupenda!
147

Myra e eu nos sentimos imediatamente atraídos um para o ou­
tro, tendo um pouco daquele “entendimento prévio" que sempre me
parece existir quando conheço alguém com quem eu fkóderin teç
uma ligação profunda e significativa. Além dissttfi hãviéMêM tamr
bém algo escuro, que atraía a minha escuridão; isto é, o desejà sempre
presente de possuir e ser possuído.
Conta Clyde que ele e vários outros saíram para dar umãca-
minhada e que, “por acaso”, ele e Myra ficaram sozinhos. Fizeram
o amor, embora não muito satisfatoriamente.
. . . Quando voltamos, encontrei Libby na estrada, chorando,
Senti-me acabrunhado pelo remorso e pelo sentimento de culpa. Pre­
cisei contar-lhe, ali mesmo, o que aconteceram Foi um -momento
duro, muito duro, tornado mais duro ainda pela fluidez e pela força
de todos os sentimentos que flutuavam no ar naquela semana. Ela
se sentira muito deprimida, em virtude do. excesso de trabalho, por
não haver participado das atividades do grupo e por não termos tido
tempo sufiçiente para ficar juntos. Agora, como ela disse, aquilo
era a cobertura do seu bolo, e ela não precisava dissó! Fomos para
a cama, conversamos durante algum tempo e adormécérrtos — de
exaustão, creio eu!
Myra e os outros partiram mas, dali a pouco, Myra voltou para
uma visita de vários dias.
. . . Uns dois dias antes da chegada de Myra, Libby isolou-se.
Separou-se de mim e de nós, em todos os sentidos, exceto o físico.
Sentia ciúme, possessividade, desconfiança de .Myra é odiava-se a
si mesma por se achar num esfadô âtyJ desamtfrM [ i/V&çí csíà
foi um período de extrema clareza para mim, e fiquei ao seulado»
fato que ela reconheceu, até nos momentos do mais profundo isola­
mento. Eu me sentia calmo, amor.oso e completamertí^çõm ela.
Quando Myra chegou, nós três passamos horas juntos-^ Libbm
achou que Myra representava uma'ameaça muito real à nossa vida
aqui e disse não compreender por que eu não ia viver com ela. E
mostrou-se tão ambivalente no tocante a essa sugestão que lhe foi di­
fícil ouvir-me declarar que eu não queria sair dali para ir viver com
Myra. Segundo ela, Myra não estava interessada em ninguém,, ex­
ceto em mim, e pretendia separar-nos. Myra objetou dizendo que?
pelo que sabia de si mesma, queria conhecer-nos a todos, especial­
mente Libby, por quem se sentira atraída.
148

. . . Nesse ponto nos separamos, porque era a hora do reco­
lhimento. Libby e eu ficamos no jardim, andando e conversando.
Myra entrou. Terminada a hora do recolhimento, nós nos dirigimos
para casa e Myra veio correndo, ao nosso enconmr, dizendo: “Vocês
têm'razão! Descobri que eu Queria separá-los porque não Wonsigo co­
nhecer nenhum d&s ddià dessê ’j f l ^ é O que êfà^sem dúm&$*vèr-
dadeiro, mas uma báse de comunicação pessoal entre Myra e mim
seria uml “errov para todós tiósf; pois pèrturbaria o padrão aparente­
mente estável de Libby-Êlpâkfíab stídiõ% tão benéfica. Só que não
é, nem pode ser, estável.
Naquèla noite Libby e eU ~fpmôs fardè para a cama, -exaustos,
mas sem sõno.' Recomeçamos sfcfâlatpfè eit disse: “Eu gostaria que
Myra estivesse aqui, porque estamos falando de coisas que interes­
sam a todós nós”. “Acho que eu também queria”, disse Libby. Sen­
ti-me derreter por dentro e p'edNhe que se decidisse. Êla topou e
fui acordar Myra., Esta v i w $ passamos o resto da noite na cama,
falandoiXe fazendo o amofrí Foram poucos os momentos em que
senti que estávamos os três realmente juntos. Descobri que tenhó
limites definidos quanto à possibilidade de ficar com duas outras
pessoas tão íntima e intensamente. Creio que iodos reagimos de ma­
neira semelhante. À experiência não foi orgíaca, nem profunda­
mente enriquecedora — nem negativa. Todos aprendemos que o
comércio sexual de três pessoas ao mesmo tempo não é uma expe­
riência profundamente satisfatória. Ótimo.
Mau tarde seguinte, M,yr.a partiu
A partida de Myra, naturalmente, não resolveu o problema.
Clyde ésteve à beira da “fossa”, e começou a sentir pena de si
mesmo, frustrado e furioso, porque geralmente, quando Libby quer
alguma coisa resolvida, ele consegue resolvê-la. Desta vez, porém,
não o conseguiu. Depois que a raiva de si mesmo seguiu o próprio
curso, foi Libby« quem se compadeceu dele e tiveram uma dramá­
tica reconciliaçãotí' Fim da . história — por enquanto! Clyde ainda
se carteia, com Myra# i
ALGUNS ELEMENTOS SIGNIFICATIVOS
Já fiz alguns comentários sobre o sofrimento e o ciúme pro­
vocados por qualquer mudança ou até por qualquer possibilidade de
149

mudança em uniões estabelecidas, de 'modo que novos reparos me
parecem desnecessários, a não ser talvez para mostrar como isso
agitou vigorosamente Libby.
O que me impressiona é a capacidade de ajuda, de cada indi­
víduo. Durante as horas mais negras de Libby, Clyde ficou “comple­
tamente com ela”, da maneira mais reconfortante, mais restauradora
possível. Não a tentou tranqüilizar nem consplar.^ Limitou-se a ficar
intimamente, ao lado dela em seu isolamento, em seu ciúme, em seu
ódio de si mesma. Pouco importa que ela tenha ou não respondido,
O caso é que “reconheceu” o profundo companheirismo dele em seu
acantoamentp. Sei por experiência própria, como terapeuta, que esta
é a atitude mais benéfica que ele poderia ter tido, Onde a apren­
deu? Como o soube? Isto apenas confirma a minha crença de que
muita gente tem a capacidade intuitiva de ajudar —■ capacidade que
§e emparelha com a do mais adestrado terapeuta .*-*■> e pode exercê-la
numa atmosfera em que se sente livre para agir espontaneamente. O
mesmo ocorre no fim, quando Libby se mostrou compadecida, com­
preensiva e coadjuvante. Não pode haver dúvida de que a liberdade
da' comuna lhès permitiu libertar a pessoa favorecedora que existe
dentro deles.
O segundo elemento que vejo nessa situação tem implicações
ainda mais profundas. Vimo-lo — e vimos a sua ausência — em outros
eapítulos. £ à tácita determinação de viver abertamente a vida dos
próprios sentimentos — de expor o seu verdadeiro eu, as suas ver­
dadeiras atitudes tão completamente quanto possível. Revela-se de
muitas maneiras neste incidente. Clyde diz à chorosa Libby que
acaba de fazer o amor com Myra. Depois disso, sente-se mais livre,
mais franco e mais útil para pensar a ferida dolorosa. Revela-se nas
horas que os três passaram juntos, conversando, em que Libby não
faz segredo da ameaça que, para ela, representa a presença de Myra.
Clyde é franco em relação aos sentimentos que nutre por Myra e
ao seu desejo de viver com Libby, e Myra, “pelo que sabia de si
mesma”, manifesta a sua atração pelos dois, e não o desejo de se­
pará-los.
Uma hora depois, Myra já analisou com ma‘.or exatidão os pró­
prios sentimentos. Quer separá-los, pelo menos o bastante para po­
der cònhecer cada um mais intimamente. Clyde reconhece com
franqueza que o seu relacionamento com Libby é benéfico, mas que
não pode ser estável.
Finalmente, a franqueza de sentimentos na discussão noturna
e a sinceridade na declaração de Clyde de que as relações sexuais
150

simultâneas .dos três não foram mujto satisfatórias./ Em cada uma
dessas sjtuações todos aprendem alguma coisa. Há dor' há angústia,
há choque, há surpresa, há carinho, há amor c há desespero. Ma;s
nada disso é final,- nem as experiências estão terminadas•; Fazem
parte do proeessa de viver, amar, aprender — com absoluta fran­
queza. Kj
Tenho-me cstefídidò sobre esse assunto porque, a meu ver, ain­
da não ^ se réèònhi^ê*^ suÏMentt íque se trata d& um estilo quase
totalmente novo de Vida. A partilha dos bons e maus sentimentos,
do sofrimento e do amor, da introspecção para descobrir o que*a pes­
soa está experiftientãhdé dè jato e; literalmente- um novo caminho.
Esses jovens iíacr-o- encontraram nos pais,' nas escolas, nos antepas­
sados. Não õ^encontrariam nas culturas orientais, onde “guardar as
aparência^’ é tão1 importante. Não o encontrariam igualmente na
tradição européia^-ondè, sobretudo em questões de amor, o engano
regra.
Não, jovens e ovftrôs^estão hoje tentando encontrar um estilo
autenticamente nov§ de Vida. Pára mim, isso é reconfortante e pro­
missor. ErifretântÕ, não sou ’profeta para afirmar que a nossa cul­
tura seguirá amanhã o mesmo’rumo. Só posso dizer que a partilha
franca de iodo o eu de uma pessoa redunda quase sempre, pelo que
sei por experiência, em crescimento pessoal. Digo mais: acredito
que só muito raramente uma pessoa que conheça essa maneira de viver
prefere voltar à fachada, à armadura, à “freute” ilusória que ca­
racteriza a grande maioria das pessoas. Por isso não podemos saber
o que o futuro reserva para Clyde, Libby c Myra, a não ser que
todos, provavelmente, crescerão como pesseas.
QUE SIGNIFICA A COMUNA PARA AS CRIANÇAS?
Poucas comunas, por enquanto, incluem muitas crianças em
idade escolar. Daí que alguns dos seus problemas mais difíceis ain­
da não tenham surgido.
No que concerne à. criança, esta se comporta como normalfticn-
te o faz em qualquer lar, divertindo-se às vezes, ferindo-se às vezes,
brigando com outras crianças, testando limites. Nas comunas tais
experiências têm sabor diferente. Já não existe apenas uma pessoa
— a mãe — que resolve todas as “crises”, qu; é importante para

a criança ainda que o não seja para é adulto. Em compensação,
existe certo número de mães <e pais que ajudam ou propositada­
mente ignoram tais situações. A criança pode ser ralhada por um
deles e temporariamente amimalhada por outro. £ verdade que não
recebe um tratamento uniforme, mas vive num mundo de adultos
reais, a cujas idiossincrasias precisa ajustar-se enquanto procura es-'
paço psicológico para si, para os seus desejos e atividades.
Um aspecto naturalíssimo parecerá surpreendente a inúmeros
leitores: as crianças pequenas aceitam prontamente o fato de seus
pais poderem, em certas ocasiões, dormir com pessoas diferentes.
As crianças aceitam o mundo como ele é, sobretudo se esse mundó'
for aceitável para os outros que as cercam. Por outro lado, um
adolescente que passou a maior parte da vida numa comunidade
comum e lhe absorveu as normas, poderá sentir-se muito perturbado
o i cheio de conflitos pelo "mau” procedimento dos pais.
Nas comunas rurais, há duas outras coisas que se podem di­
zei a respeito dos jovens. As crianças têm mais espaço para explo­
rar e brincar livremente, sem os perigos dos acidentes de tráfego,
da superabundância de brinquedos ou das intimidações de algum
bando organizado. As realidades que têm de enfrentar são* quase
sempre, as duras realidades da própria natureza.
Além disso, na comuna rural, a criança tem um lugar na vida
do grupo. Assim que adquire a força física necessária — aos cinco
ou seis anos de idade participa das intérminas tarefas da exis­
tência do campo. Sente-se útil, experiência tão rara que quase não
existe na vida da criança suburbana ou urbana da cultura dos nossos
dias.
Mas que farão elas no tocante à escola? Já estão sendo reali­
zadas experiências nesse sentido. A profundidade da: oposição ao “Es-j
tabelecimento” revela-se no fato de que, em certas comunas, não
se registram os nascimentos. Daí que essas crianças “não existam’^
para o Estado. Os pais estão experimentando educar os filhos de
maneiras muito diferentes das que se praticam nas escolas públicas!
É possível que uma indicação das tendências nesse sentido seja
a seguinte: nos dias em que Haight-Ashbury era sinônimo de “Crian­
ças em Flor” (e não de tráfico de drogas, assassínios, Máfia e coisas
desse naipe), ali se fundou uma “escola livre”*hoje, segundo se
propala, existem sessenta escolas assim na Área da Baía. Isso i í3
presenta uma percentagem muito pequena das crianças mas é, ine­
gavelmente, uma grande força.
Esta parece ser uma das muitas provas da verdade da afirma­
ção de um dos antigos habitantes de Haight-Ashbury, que hoje vive
152

numa comuna: “Posso mudar o'inundo mudando-me. Não posso mu­
dai os outros”. A instalação dê uma “escola livre” foi a maneira
que eles encontraram de prover às suas necessidades e às dos filhos.
Não foi uma tentativa para produzir impacto sobre o sistema es­
colar vigente. Entretanto, poucos anos depois, outros começaram a
fazer o mesmo. A pessoa que vive os próprios valores produz um
impacto. Como disse, há muitos séculos, o filósofo chinês Lao-Tse,
“O que se impõe tem a força pequena, manifesta; o que não se im­
põe tem a grande força, a forçai secreta”. Acredito que multa coisa
da vida dos membros das comunas realça a verdade desse antigo
d i f M
A “FAMÍLIA MANSON”
Se considerarmos as comunas como experiências, é inevitável
que muitas falhem. A mais conhecida hoje em dia, sem dúvida, é
a . que representa o mais pavoroso e horrível fracasso. A “família
Manson” recebeu centenas de páginas de sinistra publicidade, ao
passo que as demais experiências comunais têm recebido pouca ou
nenhuma. Dessa maneira, a imagem pública tende a ser grosseira­
mente deturpada. Daí a necessidade de alguns comentários.
Não sei, a respeito desse grupo notório, mais do que qualquer
leitor de jornal razoavelmente bem informado, de modo que as mi­
nhas notas não provêm da experiência direta. Mas eu gostaria de
sublinhar alguns fatos óbvios. É curioso que o grupo apresentasse
duas características, encontradas por Kantor (1970), que contribuí­
ram para a permanência das comunas no século passado: a existên­
cia de um líder carismático — não se pode duvidar disso — e de
uma ideologia, por mais pervertida e deturpada que fosse. O com­
portamento sexual também era regulamentado pelo líder, tendo os
membros pouca ou nenhuma escolha nesse' sentido. As moças —
com ou sem a sua aquiescência ^ se achavam à disposição de Man­
son ou de qualquer um dos homens do grupo para contatos sexuais.
Talvez sejam estes alguns , dos elementos que explicam a tena­
cidade e a lealdade pasmosas do grupo durante os longuíssimos pro­
cessos judiciais. Descobrimos também, para nosso pesar, que um
carisma se desenvolveu nas cadeias e prisões e que as mais degra­
dantes instituições inventadas pela nossa sociedade podem conduzir
153

a o assassínio sem sentido, ao comportamento estapafúrdio ou sadisEtà
e incrível à violência. E descobrimos ainda que o uso excessivo das
drogas de todos os gêneros pode combinar-se com essa liderança ta -
rismática — alguns dizem hipnótica — para embotar a sensibilidade,
a delicadeza e os sentimentos sociais mais comuns. Foi, sem dú­
vida, uma história horrível, pavorosa, e quanto mais detalhes sé re­
velavam, tanto mais hedionda se tornava. Particularmente confrange*
dor para mim é o fato de — ao contrário: do que diziam as nótítias
— algumas dessas moças crescerem em ambientes zelosos e inteligentes
da classe média.
Importa, contudo, que não nos iludamos. Existem milhares de
grupos comunais que conquistaram o respeito das suas comunida­
des. Eles estão fazendo experiências com um novo estilo de vida,
mas a sua existência em grupo é caracterizada pelo idealismo — e
não por assassínios sadistas, sem sentido. As suas maneiras de pro­
ceder podem chocar muita gente acostumada aos estilos tradicionais,
mas eles não fião anti-sociais, embora sejam contra o “Estabeleci­
mento”. É lamentável que o' pior dos grupos tenha ocupado as pri­
meiras- páginas dos nossos jornais durante semanas a fio.
ALGUMAS COISAS QUE APRENDI
Seja-me permitido rematar este capítulo indicando alguns dos
modos por que fui beneficiado. Aprendi muita coisa em meus con­
tatos com os membros futuros, presentes e passados de comunas, c
sobretudo com o estudo diligente, necessário à elaboração deste ca­
pítulo. Estou convencido de que essas . estranhas ramificações da
nossa cultura terão grandíssima influência sobre os aspectos eco­
nômicos, ecológicos, educacionais, tecnológicos e políticos do nósso
tempo e do futuro. Sinto-me tentado a desenvolver essa afirmação,
mas não o faço por dois motivos. Em primeiro lugar, por não se
coadunar com o propósito deste livro. Em segundo lugar, por acre­
ditar que essas implicações deveriam ser — e estão sendo — de­
cifradas pelos que se acham muito mais intimamente envolvidos nes­
ses fatos e muito mais bem informados do que eu. Mas ainda há
um grande número de ensinamentos pessoais que eu gostaria de expor.
O primeiro é que só posso compreender o crescimento das co­
munas e o interesse por elas, em pleno desenvolvimento, como parte
154

de uma verdadeira revolução. Aqui, numa cultura profundamente
empenhada (e, à primeira7 vista, com a máxima sinceridade)' em
aprimorar toda e qualquer tecnologia; aferrada ao materialismo é'§ò
“sucesso”; acreditando na força violenta — miBtàiÇ policial ou i |||g
m inai.— como solução definitiva de todos ps problemas; compfcci-
metida com a autoridade dos grandes, dos fortes e influentes sobré
os fracos e pequenos; determinada a negar a dignidade humana em
tudo, desde as escolas até os sistemas previdenciais; defensora do
casamento permanente e da família conjugal; e especialmente ape­
gada à crença de que não podemos errar, promovendo assim enor­
mes “claros de credibilidade” e hipocrisia em toda a parte — está-se
verificando uma incruenta revolução.
Aqui estão grupos de pessoas que não recorrem à violência,
usam pouquíssimas palavras, não lutam pelo poder, rejeitam por in­
teiro todos os valores que mencionei, e estão tentando criar uma so­
ciedade-totalmente nova no meio da velha. Com poucas exceções,
como alguns dos grupos religiosos, não procuram fazer proselitismo
nem pretendem “vender-nos” coisa alguma. Pensando bem, aban­
donaram de todo o sistema político, que reputam corrupto. Não se
apresentam como reformadores, nem tencionam beneficiar-nos.
Em compensação, estão tentando fazer alguma coisa muito mais
difícil:- viver uma nova cultura, ser um novo conjunto de valores,
o que explica o tremendo fascínio exercido sobre os jovens* desen­
ganados de uma sociedade que diz uma coisa e faz outra, inteira­
mente diferente, e não só diferente senão pavorosamente destrutiva
para as pessoas, o ambiente, a dignidade humana, os relacionamen­
tos sinceros. De modo que os jovens se interessam pelos que for­
maram laboratórios próprios, que fazem experiências de viver hu­
mano, em que se cometem muitos, muitos erros, mas em que ocorrem
também algumas coisas belas e promissoras.
Afigura-se-me que o movimento comunal tem suas próprias ten­
dências, sobre as qúais, apesar da' minha experiência e conhecimento
limitados, eu gostaria de tecer algumas, considerações.
Acredito que exista uma tendência para a inconstância e a mu­
dança. Uma comuna começa e fracassa, ou modifica os seus proces­
sos, ou imprime uma estrutura à sua falta de estrutura. Para muitas
pessoas mais velhas isso talvez pareça indicação de grande fraqueza,
confusão, falta de metas claras. Mas é a fraqueza da árvore nova,
não é a fraqueza do tronco morto. Conheço pessoas que deixaram co­
munas, voltaram à comunidade “normal” ou ingressaram em outra,
e tenho a vigorosa impressão de que caminharam para a frente, e
155

não para trás. Até os que voltam à comunidade usual fazem-no de
maneiras inusitadas, continuando a viver os próprios valores. Não
são e, a meu ver, não serão os corretores da Bolsa, os executivos^
das grandes companhias nem os políticos de amanhã. Ou, se che­
garem a assumir um desses cargos, dar-lhe-ão uma forma comple­
tamente nova.
A tendência, sem dúvida, é para viver em pequenos grupos.
Nem as comunas urbanas são uma parte verdadeira da cidade im­
pessoal, da cidade-robô. Nesses pequenos grupos é possível a inti­
midade, o contato com outros, com a natureza, consigo mesmo, com
relacionamentos de todos os tipos, e até com o cosmo.
A tendência — e aqui falo muito tentativamente — parece afas­
tar-se do ativismo radical, da violência, das drogas pesadas. Maco­
nha sim. LSD de vez em quando, mas cada vez mais raramente.
“Speed” (mistura dé morfina e cocaína) e heroína, não. Esses
grupos estão aprendendo a ficar Kaltos” com a natureza, a medita­
ção, o Zen, a ioga, as celebrações rituais, uma transcendente cons­
ciência superior. Estão aprendendo que a vida pode ser rica de mui­
tas maneiras, sem a estimulação das drogas.
POR QUE INGRESSAR NUMA COMUNA?
Por que indivíduos inteligentes, cultos, requintados, tendo à sua
frente todas as oportunidades que a nossa sociedade pode oferecera
lhes, ingressam numa comunaj^i Permitam-me tentar enumerar algunsl
motivos que, no meu entender, são decisivos.
Um deles é o desejo de escapar à alienação e ao isolamento;
individual, cada vez maiores, da nossa sociedade. Eles anseiam pod
fugir da desumanização dos cartões perfurados para um lugar a que
possam pertencer pessoalmente. A fala de Big David é um exemplo!
extremo disso. Ambicionam participar de relações profundas e para
tilhadas, que, como vimos, tanto podem ocorrer em casamentos comca
em comunas.
Outra razão, sem dúvida, é que as comunas oferecem à pessoa
a oportunidade de ser ela mesma de modo total e integrado, oportu- j
nidade raríssima na vida moderna. Todos os atributos do indivíduo*!
tendem a ser valorizados. A força física, as habilidades ocupacio-i
156

nais, as aptidões paternas, as idéias intelectuais, os sentimentos e
emoções, os interesses ideais, religiosos ou míst cos, todos podèm ser
vividos simultaneamente. A vida é muito menos fraciónadà. Isâò
pode acontecer üõ casamento, como já observamos. Pode ocorrer,
•em grau limitado, nos encounter groups. Mas a comuna é outra
maneira — é talvez mais difícil — de tentar chegar à nova expres­
são da totalidade dò eu numa vida unificada.
Uma razão conspÍGüa^muitàs vezes, é encontrar sanção para
todos os tipos de relações sexuais: no casamento, em uniões de du­
ração variável; em todos os tipos de combinações — entre o homem
e a mulher, entre a mulher e a mulher, entre o homem e o homem.
Essa experimentação não é livremente possível na comunidade con­
vencional. Na comuna, porém, encontra, quase sempre, uma atmos­
fera de apoio e pode ser levada a efeito sem sentimento de culpa,
embora, como já vimos, acarrete às vezes algum sofrimento.*
Outro motivo que está sendo gradativamente descoberto é que
o grupo vivo constitui, consciente ou inconscientemente, uma expe­
riência de filosofia de organização (ou desorganização) social. Li­
bertando-se do círculo vicioso, enseja a oportunidade de se construir
um grupo què funciona e onde as coisas são feitas. Assim, da anar­
quia ao behaviorismo controlado, toda uma safra de novas socie­
dades está germinando, cada uma diferente da outra, pois o grupo
enfrenta problemas de sobrevivência, autoridade, distribuição de tra­
balho, manejo das diferenças pessoais e o trato com um mundo
externo muito diferente.
Isso conduz a outra conclusão: a de que não se trata de uma
experiência secreta, senão de uma oportunidade para aprender. Aqui
está a oportunidade de um desenvolvimento pessoal mudável — opor­
tunidade que nem sempre aparece, mas que ora desponta como uma
esperança.
Finalmente, existe grande poder de atração na eliminação dos
comportamentos. No princípio do capítulo mencionei os muitos an­
tecedentes e experiências de trabalho de que essas pessoas provêm.
Numa comuna, todavia, a pessoa não é essencialmente um indivíduo
formado em Radcliffe, nem especialista em computadores, nem psi­
cólogo, nem nada disso. Uma pessoa é uma pessoa. Um homem é um
homem. Uma mulher é uma mulher. Existe uma qualidade básica que
* A experimentação sexual numa comuna é muitíssimo diferente da de um
grupo de hippies. Está provado que estes evitam tudo o que se aproxima
de um envolvimento profundo ou de ligações mais do que casuais.
157

obsoleta movimentos como o da libertação das mulheres, visto que cadv
mulher — e cada homem —- pode conseguir para si o nicho pessoal^
que deseja ter no grupo. (E é curioso observar que as mulheres, muito
freqüentemente, optam por funções “femininas”.)
Todos esses motivos parecem fascinantes«! Não obstante, as
pessoas deixam os grupos, as comunas fracassam, ou se tornam des­
trutivas, ou se desmancham. Por quê?
Acredito que uma das razões principais seja porque elas, na,
maior parte das vezes, têm refletido pouco sobre as maneiras de
enfrentar os conflitos, sofrimentos e mal-entendidos que podem sur­
gir. Vimos também neste capítulo que elas podem excelir numa fun­
ção curativa, mas isso não acontece necessariamente.
O que acontece amiúde é que elas não conseguem resolver o
problema da auto-suficiência. Mas isto foge um pouco ao âmbito
deste capítulo.
O ciúme representa, nao raro, um problema subestimado, ca­
paz de minar um grupo. Com efeito, às vezes pergunto a mim mes­
mo se o ciúme não será algo simplesmente condicionado pela cultura
ou se tem, de fato, um fundamento biológico básico, como a territo­
rialidade?
Relacionada com isto existe, a meu ver, uma subestimação se­
melhante da necessidade que todos sentimos de uma relação segura,
continuada, com outra pessoa e somente cpm èla. Embora pareça
muito profunda, essa necessidade não tém tido a necessária consi­
deração.
Cheguei à conclusão — pelo material que reunia pelas leitura^
que fiz e pelos relatos íntimos do capítulo seguinte — de que é muito!
mais difícil manter um relacionamento saudável e satisfatório num;
trio ou num casamento de grupo do que sustentá-lo num casamento
entre duas pessoas (como se isso já não fosse suficientemente difí-i
cil!). Conseqüentemente, as comunas têm-se desmanchado em virtu-*
de da incapacidade de resolver problemas dè relacionamento alta-r1
mente complexos.
Às vezes não se reconhece a grande precisão de intimidade que
todo indivíduo sente. Esta pode ser proporcionada numa comuna
mas, às vezes, deixa de sê-lo, com resultados muito negativos..
Freqüentemente, no meu entender, não se reconhece que uma
filosofia anarquista, por mais bela que possa parecer, só funciona
com algum sucesso quando o grupo se compõe de pessoas de ele­
vado grau de maturidade psicológica. Daí que a tentativa de viver
158

anarquicamente, quando o grupo é composto de indivíduos muito
deformados pela família e pela sociedade, pode redundar num es­
trondoso desastre.
Não se reconhece, às vezes, que todas as ideologias são grande­
mente modificadas na prática. Dessa maneira, Twin Oaks, mode­
lada segundo as teorias de B. F. Skinner, já não é dirigida por três
planejadores, mas qüase sempre pelo consenso geral. O ambiente
não é mais estabelecido para condicionar certos comportamentos,
mas o indivíduo eseolhe q s comportamentos que deseja mudar e es­
colhe as recompensas qué têm valor para ele. Tudo isso se parece
muito pouco com Walden II, a utopia de Skinner, ,
Dessa maneira, as comunas têm a sua quota plena de problemas
e malogros. Mas são malogros com os quais podemos aprender.
Elas parecem desempenhar um papel importantíssimo em nossa cul­
tura. Com um custo financeiro ou psicológico mínimo para todos
nós, estão realizando experiências de laboratório a fim de determinar
o lugar que poderão ter no futuro o casamento, as uniões de todos
os tipos, as relações pessoais, a tecnologia e a organização social.
M uito, provavelmente, a nossa cultura não poderá continuar como
está. Os defeitos e rachaduras, as injustiças e hipocrisias são gran­
des demais. Em que, então, se transformará ela? Com todos os seus
erros, privações, fracassos e reagrupaméntos, as comunas parecem
estar tenteando o caminho.
UMA TRANSIÇÃO
Pensei em fazer do capítulo sobre os grupos comunais o último
deste livro. Tenho, porém, a robusta impressão de que um grande
número — provavelmente uma vasta maioria —• de jovens, conquanto
se mostre interessado pelas comunas, vê no casamento a sua meta.
Passaremos agora, portanto, à derradeira descrição de um ca­
samento — um casamento fantástico em sua variedade. Nele encon­
traremos todas as questões encontradas nas comunas, assim como ou­
tras, inteiramente novas. Um casamento que desafia o velho ditado,
segundo o qual “Não se pode mudar a natureza humana”. Aqui estão
duas naturezas que se modificaram de tal maneira que as suas persona­
lidades atuais dificilmente parecerão pertencer ao mesmo universo
psicológico a que pertenciam quinze anos antes, quando se casaram.
Espero que a história os fascine tanto quanto me fascinou.
159

Q um zé aTOS d e "iiM r& m M W & m
A e n t r e v is ta com E r ic e D en ise 6 a última deste livro, porque?
inclui todos os elementos problemáticos, alegremente vigorosos, quéi
se poderiam encontrar num relacionamento de três lustros. Casados*
com vinte e um e dezenove anos respectivamente, 'èlèslpViàm presos
a expectativas; depois de cinco anos Denise teVe um “esgotamento ner­
voso” e o relacionamentô; entre eles se tornou extremamente firio e
desproveitoso; o tratamento ajudou afazer de Denise Uma pessòa, que,
pela primeira vez, lutou pela sua união; á maconha transformou Erielj
de um intelectual altamente racional, passou a ser um homem qüé!
apreciava todo o seu e u |H sentimentos é ritmos naturais — e for­
taleceu-lhes o enlace; por outro ladòf õ casamento pareceu chegar.!
inúmeras vezes, à beira da desintegração; ambos os cônjuges fizè*;
ram experiências sexuais fora do matrimônio (e partilharam das resi
pectivas experiências) e, é interessante notá-lov tornaram-se maisi
monógamos no decorrer do processo; estão prestes a iniciar uma vida:
completamente nova em outro,.país, com as apreensões que. se po­
deriam esperar. A simples exposiçjfà! dòsi fatos essenciais da suai
experiência já mostra alguma ;eoisa da tremenda variedade; que casj
racterizou um processo matrimonial sumamente enriquecedor de duas<
pessoas que hoje são altamente independentes.
Eu gostaria de dizer uma palavrinha sobre os, meus contatos com
o casal. Conheci-o socialmente há dez anos, e teria predito,? se mei
tivessem perguntado, que o casamento deles — que nessa época jál
era um fracasso — terminaria logo. (Por aí se vê o' valor que têma
os dons proféticos e diagnosticadores!)
Depois do primeiro contato* encontrei-me algumas vezes com
Eric no exercício da m inha profissão, e chegamos até a trabalhar,?
juntos, aliás muito agradavelmente, na organização de uma pequena*.

conferência. Havia muitas sementes de possível dissensão em nosso
trabalho, mas ele me pareceu brilharifèj sensato, pronto para assumir
compromissos viáveis, enfim, um homem com quem dava prazer
trabalhar.
Mais recentemente, os nossos contatos têm sido sociais e muito
ocasionais, mas fiquei profundamente impressionado com as mudan­
ça! que notei tãnto em Eric quanto em Denise. Quando os nossos
encontros ocorriam com um intervalo de um ano, como acontecia
com’ freqüência, parecia-me que os dois eram pessoas completa­
mente diferentes das que^á# tinha visto no anõ anterior. Esse pro­
cesso de mudança surpreendente — para mim — foi o que me
lêvòu a escrever-lhes perguntando se estavám dispostos a ser entrevis­
tados. Para minha grande* .satisfação, eles concordaram, mas con­
fesso que me abismou a riqueza do material que me forneceram de
maneira tão espontânea e reveladora.
Em outros capítulos fiz, muitas vezes, um intenso trabalho de
montagem — reunindo elementos que deveriam estar reunidos, mas
que não me tinham sido apresentados consecutivamente. Interrompi
também com freqüência a entrevista para intercalar comentários. No
casolde Eric e Denise, entretanto, ó material flui com tamanha na­
turalidade e passa tão prontamentes^de um aspecto da experiência
para outro, que quase não precisei fazer trabalho, algum de monta­
gem, a não ser mudar os detalhes capazes de identificá-los. Limitei-
me a inserir epígrafes para indicar onde mudam os tópicos e, assim,
facilitar ao leitor a tarefa de rememorar e encontrar o material que
lhe interessa. Dessarte, sem maiores introduções, ouçamos Eric e
Denise falarem por si mesmos. Os meus comentários ficàm para
o fim.
A MUDANÇA PIONEIRA
Er ic >4- Acaba de ocorrer-me, Cari, ao voar hoje para cá, que
esta nossa entrevista com você coincide com o décimo quinto ani­
versário de nosso casamento, que será no mês que vem, num mo­
mento em que estamos dissolvendo toda a estrutura da nossa união.
Estamos vendendo- a nossa casa, todas as nossas propriedades, es­
tamos deixando nossos amigos, nossos empregos, nossas situações
profissionais — estamos deixando o país em que casamos e come-
161

çanda num estilo inteinamejile novò^MÓs dois e as crianças, com
alguns objetos essenciais^ de uso pessoal, ^Nessas condições, o que
nte parece ser um dgs^aspeclos cruciais do nosso casamento, 6 a
maneira pela qual se desenvolveu até chegar a este ponto, é . ô *fato4
de não se haver integrado mais. na estrutura de uma área, de pro­
priedades, de amizades de longa data, etc. À ò-invés disso, tomamos
essa estrutura crescente e vamos agora dissolvê-la para começar algo
totalmente novo. 'Jü.'ma completa reviravolta na maneira de rélacio^ ,
nar-nos com o. mundo que nos c,erca.
E u (p a r a De n i s e) -37- -Isso realmente me impressiona, e eu
gostaria de conhecer a sua reação ao que ele disse.
De n is e — E u náo tinha pensado hô assunto desse jeitò\ mas
um dos aspectos assustadores da mudança tem sido 0 fato de que
nós vamos ficar reduzidos à família conjugal mais elementar e de­
pender exclusivamente da nossa interação. Não poderemos ser aju­
dados por amigos íntimos. Nesse sentido, a nossa aventura tem um
quê de pioneirismo. E eu não havia pensado, em relação ao casa­
mento, tão especificamente no quanto ele nos afetou, a nós quatroM
como fam ília— pois o que vamos fazer é dar um salto, sem saber
direito onde cairemos.
E ric — O nosso casamento:*nunca foi plácido. Sempre briga­
mos muito, sempre tivemos muitos conflitos — conflitos intensíssi-
mos — e durante os últimos anos aprendemos a aceitar essas coisas-
como algo positivo, que promove o nosso crescimento, que, em certo
sentido, afugenta o tédio e nos impede de contar cegamente um
com o outro — de modo que o conflito, que costumava ser muito
agudo, assumiu agora um certo senso de humor. Mas uma das ra­
zões por que o assumiu é que sempre soubemos tínhamos muito
mais em nossas vidas do que o simples relacionamento conjugal.
Isto é, se eu ficasse realmente furibso com Denise, sairia de casa
por uma semana e ela faria a mesmã coisa — afastar-se-ia de mim
por uns dias. Visitaríamos amigos e voltaríamos a nossa atenção
para outras coisas.
Nos últimos dois meses, quando olhávamos para isso dizíamos:
“Daqui a dois meses partiremos para o fim do mundo, praticamente
— para um lugar onde ficaremos isolados de tudo o que conhecemos
— e seremos só nós dois e as crianças”. E, então, quando briga­
mos por alguma coisa, ou Denise procede de um modo que me de­
sagrada, e eu me zango com ela, minha reação imediata é pensara
[‘Meu Deus, será que eu quero mesmo partir com essa mulher para
ir viver nos confins do mundo?”,. *
162

Em certo, sentido, a cidade, a vida- urbana, a vida profissional,
a teia de amizades aqui proporcionam uma fuga das pressões do ca­
samento. E quando começamos a compreender que não teremos mais
esse meio de fuga — pelo menos por algum tempo -r— que vamos
para um lugar onde seremos completamente estranhos-, onde não
estaremos aculturadoSf-onde há pouca gente, e uma gente muito di­
versa das pessoas que estamos acostumados a conhecer, temos a im­
pressão de quê q casamento se fecha em torno de ríós.
Po&iÇxemplo. H á duas espécies de brigas, pelo menos entre
riQSi' e desconfM que entre muita gente. Uma delas é aquela em
que jicamggi realmente amargurados e zangados um com o outro e
nos odiamos. E toda a raiva acumulada por uma porção de coisas
começa a jorrar. A outra espécie é aquela em que alguma coisa nos
torna tão vivos e afirmativos — genuínos, autênticos, que sabemos
o que somos, o que desejamos e no que acreditamos —r de modo
que já nãofjoleramos as fachadas, nem as insinceridades, nem a falta
de realização, que se prolongam dia após dia. E dizemos: “Quero
isto mesmo e ^iã o deixarei por menos”.
E é o que está /aomeçando a acontecer agora, quando dizemos:
“Por Deus, isso tem que dar certo, ou será insuportável para nós",
hsta é a nossa úlUma*-Qj?ortunidade — apesar do modo superdramá-
tico de constatá-lo — para decidir se temos, de fato, problemas tão
grandes que não . deveríamos estar vivendo juntos. Porque agora va-
■’>05 realmente viver juntos. Não poderemos brincar com o casa-
mento no$0róxi)#(i{Sí dois ou três anos. Estaremos amarrados um
ao outro como nunca estivemos no passado. Ê o que eu digo.
E u (p ara De n is e) — Qual é a sua reação a tudo isso?
Den ise — Concordo com ele, embora eu mesma não houvesse
pensado nesses termos. Mas isso me soa meio familiar, porque tive­
mos uma briga recente, e ele me disse algumas dessas coisas. Re­
pito, porém, que eu nao navia pensado nesses termos, num tom
assim tão,final,....
Eu,— Explique-se melhor.
De n i s e — Não pensei nisso como n u m ... como ele disse, a
última briga o fez pensar desse jeito. Reagi, mas não o instiguei.
Foi ele quem pensou tudo isso. Previ que seria mais duro, mas não
me ocorreu que poderia enfraquecer os laços do casamento, mais
do que qualquer outra coisa que já nos aconteceu. Essa é ü di­
ferença.!'Não creio que isso tenha mais força para separar-nos do
que outra coisa qualquer. Passa/nos por tantas privações que po­
deriam ter dissolvido os laços, que esta me parece suave.
163

E ric — Bem, a razão por que ê importante para m im —> veja
bem, acho que há uma diferença entre você ir para outró país e eu
ir para outro pais. Você está segura do que quer e está certa de
encontrá-lo aonde vamos. Poderá ter o seu pedaço de chão, poderá
ser oleira, poderá fazer as coisas naturais que tanto sonhou fazer, e
que estão concentradas na família. E sente-se muito bem assim.
M as eu vou sair daqui com sentimentos m uito diferentes. Sem­
pre encontrei grande parte da emoção e do desafio pessoal do dia-
a-dia no convívio dos amigos, excelentes, dos assuntos profissionais,
dos alunos, etc. Sem pre gostei realmente do m eio social em que
nos movemos aqui. E não creio que o encontre lá. Durante algum
tempo, pelo menos, nós nos sentiremos m uito estranhos num novo
país. E u me sentirei m uito solitário, tanto intelectual, quanto pro­
fissional e socialmente. Quero dizer, não creio que as pessoas que
vamos encontrar sejam pessoas com as quais poderei entender-me,
francamente. Será um m odo m uito hesitante, m uito difícil de travar
amizades, entabular relações, lentamente, através de uma ponte muito
ampla. O que significa que m e voltarei cada vez m ais para o lar
— para você e para o s garotos — quando precisar de apoim Penso
nessa possibilidade e digo entre mim: "Puxa! Ê preciso que isso
seja bom. Porque se eu vier a sentir-me zangado, frustrado e não
realizado em casa, será um inferno”. Era o que eu estava dizendoi
Não posso voltar-me para mais ninguém, com o faço aqui.
TR ÊS FASES D O CA SAM ENTO
Outra idéia m e ocorreu enquanto estávamos voando e vou ten­
tar expô-la. Ocorreu-me que o nosso casamento teve ttês fases dis­
tintas.
O Perío d o dos “De v e r e s” So c ia is — Está muito claro para
mim que a primeira parte do nosso casamento foi um a fase em
que quase todo o nosso comportamento, a maioria das nossas ex­
pectativas, o nosso relacionamento m útuo foram determinados por
um conjunto de regras sociais predeterminadas. Isto é, casamos com
idéias preconcebidas sobre com o devíamos agir e sentir-nos em re­
lação um ao outro, sobre com o devíamos proceder sexualmente um
com o outro, sobre quantas vezes devíamos fazer ó amor. Tínha­
mos aprendido, não somente de nossos pais, mas de toda a nossa
164

cultura, que um garanhão precisa trepar muito,, bem como todos os
modos aceitos de relacionamento com estranhos. E viQemos dentro
dessa estrutura de regras sociais, como numa espécie de padrão con­
jugal, durante cinco ou seis anos, até que ele desmoronou comple­
tamente. Isso foi um desastre para nós. Èenise acabou tendo um
esgotamento nervoso e eu me acabei sentindo agoniado e desgraçado.
O Período Sensual — E deliberadamente atiramos fora tudo
isso. Quero dizer, chegou um momento em que nos sentimos sufi­
cientemente curados dessa crise, em que nos sentamos e muito calma­
mente dissemos um ao otitro: "Essa besteira que nos impingiram
como base para o nosso casamento não funciona. Temos de encon­
trar outra maneira de r e la c io n a r -n o s E foi quando conhecemos
coisas como encounter groups; coisas como drogas — maconha,
LSD; coisas como experiências sexuais fora do casamento. Dizendo:
"Sejamos acessíveis a quaisquer relações que possam ocorrer, e vamos
ver se poderemos integrá-las”. E esse foi uma espécie de período
sensual em nosso casamento, período em que nos abrimos para o
que os nossos sentidos, as nossas percepções nos indicavam. como a
maneira certa de viver, em oposição ao padrão social.
Vivendo Segu ndo o s Rit m o s In t e r n o s — E acho que agora
estamos entrando numa fase diferente. O ser sensual ê a espécie de
coisa de que as pessoas costumam falar quando se referem à percep­
ção sensorial e ao aumento da perceptividade — em que aprende­
mos a ir mais devagar, a peneirar mais as coisas. Maior sensibili­
dade. Maior consciência das coisas. Creio que estamos saindo da
fase sensual e entrando numa fase que é de fato uma seqüência
do rtosso comportamento, da maneira com que afeiçoamos nossas
vidas, dos ritmos internos, naturais, dos nossos corpos. Isto é, de
modo que nós. .. até coisas como comer. Agora comemos quando
temos fom e: Não tomamos café, almoçamos e jantamos. À s vezes,
não comemos),nada;*outras, fartamo-nos o dia inteiro. E fazemos
o amor mais por necessidade de uma construção sexual ou para sa­
tisfazer a um desejo sexual do que pela^razão comum: "Ê noite,
estamos sozinhos, vamos trepar” ou então, “Faz três dias que não tre­
pamos, vamos trepar”M E o modo com que nos relacionamos com
nossos filhos é mais autêntico em termos de organismos, do que está
acontecendo dentro de nós. Não sei por que isso aconteceu.
Ben\, é claro que isso aconteceu, em parte, graças à bioener-
gética e à ioga, mas cada vez nos distanciamos mais da mania de
buscar elementos na estrutura social para a nossa estrutura, e já
passamos pelo período caótico de abertura de todos os sentidos. Ago-
165

ra, cada qual busca em seu organismo e no que lhe diz a sua biú-
logia os elementos para estruturar o nosso casamento e ó nosso re­
lacionamentos Acho que essa é a verdade. Você não achá,“ Denise?
D e n is e Acho que sim.
O ESGOTAMENTO DE DENISE
E A SUA FALTA DE PERSON ALIDADS
Eu ( p a r a D e n i s e ) — Não set se você cònsidera válidas as
três divisões dele, mas eu gostaria de fazer alguns comentários sobre
a primeira parle do seu casamento, quando parece que vocês viviam
de acordo com regras.
D e n is e — meu esgotamento aconteceu no quinto aniversá­
rio do nosso casamento. Até aquela altura vivi, durante boa parle
ito tempo, numa espécie ÜV n&voèif’Ô ingênuo. Não compreendia que
Eric pudesse sentir-se infeliz, nem que o nosso casamento não desse
certo, pois eu quase sempre me sentia satisfeita com o sta tu s q u o .
Esses primeiros cinco anos já se foram há tanto tempo que é difícil
trazê-los de volta, mas ainda? me lembro da discrepância enire a
reação dele e a minha quando chegou o grande momento — o mo­
mento do quinto aniversário — e das conversas que tivemos nesse
períòdo. Eu nem sequer imaginara a amargura em que ele vivera.
Porque, para mim, a chegada de um filho — Alan nasceu no segundo
ano do nosso casamento — satisfez grande parte do meu foco e do
ritmo natural do meu dia.
Mas estou de acordo com a história das normas socia!s. Lem­
bro-me de ter lido livros e de háyer tentado... esperando que a
vida seguisse essas normas. O normal e o comum é o que deviam
acontecer. Lembro-me de ter lido Spock antes de ter Alan. Segui
religiosamente os seus conselhos. De modo que o esgotamento foi
uma divisão para mim; e concordo em que, depois do tratamento
e do ingresso na fase seguinte, isso ainda continuou por algum tempo.
Eu — Neste ponto, quero fazer-lhe uma pergunta. Você se
sentia realizada e supunha estar vivendo um casamento normal —
com dificuldades, é claro, mas razoavelmente satisfeita. Como con­
cilia essa declaração com o fato de ler tido um esgotamento?
D en ise (depois de um a p au sa) — Eu me julgava mais ama­
durecida do que realmente era na ocasião. Quanto a isso não* hi
dúvida nenhuma! Quando a gente procura rememorar, não conse-

tine lembrar-se de toda a sua juvenilidade. Quando me casei, eu me
acreditava muito mais madura e capaz de lidar com os problemas
do que efetivamente me revelei nos anos que se seguiram. E isso
\ logo se tornou aparente para m im . . . Eu não era tão adulta quanto
V imaginava. E não fui capaz de resolver as'crises que apareciam
[entre nós. Não fizemos nenhum progresso. Entretanto, não consi-
jgo recordar o que acontecia quando surgia uma crise de verdade
\ nesses primeiros anos. Não consigo lembrar-me — não consigo re­
cordar como foi. Mas estou certa de que deve ter havido alguma
indicação de que estávamos numa entaladela. Porque eu mesma su­
geri, no nosso quinto aniversário: “Se você se sente tão infeliz, tal­
vez fosse melhor divorciar-se de mim". E alguma coisa deve ter-me
levado a isso, mas não p o sso ...
E ric . (atalhando) — Eu disse: “Boa idéia" (rindo)
De n ise (continuando) — Mas não foi só o casamento. Foi
também a religião, a busca religiosa, e o fato de meus pais não po­
derem compreendê-la. Foi isso também, além do casamento. Não
foL só o casamenfo.
E ric — Na realidade, creio que o casamento foi uma causa
secundária do esgotamento. Para mim, este foi deflagrado pelo pro­
blema religioso, e ela focalizou. l : ||í
E u — Você veio de um ambiente muito conservador.
E ric — Fundamentalista. Durante um longo período, Denise
se sentiu muito culpada, porque, influenciada por mim, rejeitou a
sua crença, sem ter nada que pudesse substituí-la. Não acredito que
seja pecado usar batom, e coisas assim. E os pais a interpelavam:
“Afinal, em que é que você acredita? Por que vendeu o seu direito
de primogenilura? Por uma ninharia? Eric não tetn uma filosofia
coerente de vida", etc.
Finalmente ela chegou a um ponto em que começou a ler e
a pensar um pouco e a falar com um pouco mais de inteligêiKia
sobre a natureza das suas crenças. De sorte que, depois de algum
tempo, decidiu: "Agora posso dizer a meus pais, posso chegar a
um acordo com eles, porque já tenho uma coisa minha para repartir
com eles’’. Ê claro que, ao tentar comunicar-se, foi um desastre. Não
havi&vfrádàftX'
E u — Percebo o que você está dizendo sobre o aspecto reli­
gioso, mas o que mais me interessou foi a sua observação diante da
sugestão de Denise: "Talvez fosse melhor divorciar-sé de mim". A í
você respondeu "Boa idéia". Tive a impressão de que atribuía a
isso o desmoronamento.
167

D e n is e — Tudo aconteceu ao mesmo tempo. A conversa com È
meus pais e o aniversário ocorreram num espaço de dois ou três m
dias. Mas eu queria chegar ao ponto em que nós dois concordamos ■
também — que o esgotamento nos salvou o casamento. Porque fez fm
de nós duas pessoas totalmente diversas — foi assombroso. Depois j 9
que me recuperei, dir-se-ia que tínhamos, pela primeira vez, a opor-fm
tunidade de fazer alguma coisa pela nossa união. Antes disso, com d I
eu já disse, não o teríamos conseguido.
E u — Quem era você antes disso? Segundo suas próprias par *-1
lavras, só depois se tornou realmente uma pessoa e surgiu a possi- I
bilidade de construir um casamento. Quem era você antes disso? j
De n i s e (d e p o is d e lo n g a p a u s a ) — Ninguém me fez jamais essa 1
pergunta. Nunca precisei responder a ela com palavras. Eu era, j
sem dúvida, uma criação de meus pais. Isso é certo. Eu me com- J
preendia de muitas maneiras, mas de muitas maneiras m e . .. quero 1
dizer, eu não gostava de mim. Embora me achasse uma boa pessoa. !
E u — E m parte por que se enquadrava no modelo paterno?
De n i s e — Sim, eu era a menina obediente, Quem era eu?M
(D e p o is d e u m a p a u s a , h e s ita n d o ) E difícil saber. Eu concordava 1
com o que as pessoas diziam a meu respeito e por isso é difícil para I
mim responder sob esse aspecto, porque tomei, para minha id en ti- j
d a d e o modelo que eles tinham feito para mim. Primeiro meus pais, J
depois Eric. E quando isso entrou em conflito, cinco anos mais 1
tarde, b em . . . aconteceu.
Er ic — Denise tinha muito pouca identidade, exceto a que as i
outras pessoas lhe haviam imposto. Os pais lhe impuseram uma, ]
eu lhe impus outra, e as duas conflitavam frontalmente, o que a dei- j
xou arrasada. De certo modcf, ela teve uma crise de esquizofrenia, 1
vinda de fora. Algum a coisa tinha de aluir.
O CASAM ENTO SALVO PO R SUAS CRISES
Você sabe que o nosso casamento, Cari, sempre foi salvo por
crises. Se imaginasse as coisas mais destrutivas, mais horríveis, que
poderiam acontecer a um casamento, e as enumerasse, garanto que
elas aconteceram no nosso e foram os pontos em que tivemos as
nossas grandes oportunidades, num nível diferente de união e rela­
cionamento mútuo. E é quase como se as coisas acontecessem nes-
168

ses períodos de çrise, em que ficamos, tão pvos, .tão ativos, tão
desesperados, pelo menos em certo sentido. Durante o resto do
tempo tendemos apenas a prosseguir e ajustar-nos.
E u — H á Ocasiões ém tyue é preciso enfrentá-las.
E ric — Quando ela teve o esgotamento — a velha ordem pas­
sou. E foi preciso começar tudo de novo. A s antigas suposições
não funcionaram, de modo que foi. necessário encontrar novas. De­
pois, quando estávamos no período que já mencionei, quando es­
távamos lidando com outras pessoas, travamos relações com outro
casal, e essas relações se converteram num caso tremendamente dra­
mático e difícil, que também concorreu para a formulação dos nos­
sos novos conceitos sobre nós mesmoss» E também para o estabe­
lecimento de um novo nível de sinceridade para nós.
Eu — E um novo tipo de crise.
Eric — Foi, sem dúvida, uma crise. Uma crise que ameaçou
dar cabo do nosso casamento. Mas disso resultou um nível de sin­
ceridade em nosso convívio, na partilha das nossas fantasias, temo­
res e sonhos a respeito de outras pessoas — casos de amor e coisas
assim — que modificou totalmente a base do nosso relacionamento.
E depois houve outras situações de crise.
De n ise — Creio que a razão por que as crises trabalharam em
nosso favor foi porque queríamos realmente, com força, que elat
trabalhassem — nós nos esforçamos para isso. Agüentamos durante
a parte mais dura — não fugimos. Não nos acovardamos. E teria
sido facílimo fugir. Como ‘Eric, que me confessou ter-se sentido
muito tentado a raspar-se quando tive o esgotamento. E eu também
quase me arranquei umas duas vezes, por causa dos outros casos de
que ele falou. Para escapar ao sofrimento. Mas quando a gente
agüenta no plano da dor o tempo suficiente, acaba recebendo a re­
compensa. Para começar, entretanto, é preciso que haja algo forte
pois, do contrário, ninguém resiste. Ê preciso que haja algo forte
entre os dois. E à gente tem de lutar com a mesma força do amor.
O ELO PROFUNDO — PONTOS DE VISTA DIFERENTES
Eu — O que é que explica,- na opinião de vocês, esse tácito
compromisso de que parecem estar falando? Quando tudo leva a
1 69

breca à superfície — vocês não suporiam mais ou o casametito se
enreda numa crise com outro casal? Por que lhes interessa tanto que
vocês continuam trabalhando para isso? Como você mesma diz, tra­
balhou para isso — foi o que me impressionou, a mim, que estou
de fora — e por quê?
De n is e (rindo-se) — E o ’ carma. Estamos çarmicamente //-I
gados, um ao outro. Não tenho a menor dúvida a respeito. Se havia]
alguma coha capaz de fazer-me acreditar nessas coisas, era isso. Re­
conheço que a resposta é fácil, mas andei recentemente estudando a
reencarnação e cheguei à conclusão de que ela explica muita coisa
por que passamos. Devemos muito um ao outro.
E ric — Creio que uma das razões é sociológica e muito sim­
ples: como nós dois viemos de famílias fundamentalistas, tendemos
a ser o tipo de pessoas comprometidas com as atitudes convencio­
nais. Tanto na infância dela quanto na minha, o divórcio era im­
pensável, totalmente impensável. E' nós' crescemos com essa idéia.
Ora, essas coisas penetram fundo em nosso sistema de valores, de
modo que se estabelece uma espécie, de compromisso
A segunda é^que nós nos entendemos sexualmente. E cada um
de ■ nós teve suficiente experiência sexual com outras pessoas para
saber que isso não é ingenuidade, que existe mesmo uma qualidade
especial, autêntica, em nosso relacionamento sexual.
E outra razão, para mim, que tenho tentado explicar, mas que
é muito difícil expor com clareza, é que passo muito tempo com
pessoas sensacionais — alunos, colegas, etc., e todas me chateiam
de vez em quando. Todas, sem exceçãomCanso-me de estar com
a pessoa e sinto que preferiria estar só. Mas nunca me senti assim
em companhia de Denise. Nunca me senti entediado ao seu lado,
nos quinze anos que estivemos juntos. Tenho-a odiado, tenho ficado
louco da vida com ela, tenho-a achado má e destrutiva.. . mas nun­
ca me senti chateado com ela.
E olhe que não se trata apenas de nunca ter pensado, por exem­
plo: “Andei realmente entediado no ano passado”. Não! Nunca hou­
ve um momento em que eu achasse que estaria melhor longe dela,
só por me sentir chateado. Momentos houve em -que desejei, ‘de
jato, estar em outro lugar, mas porque m e sentia furioso, ou coisa
parecida, nunca por tédio.
Por isso mesmo, a gente começa a juntar as coisav è oraba
descobrindo, em algum nível profundo, que existe um elo verdadeiro
e forte entre nós. Acontece que também acredito no carma, como
170

Denise. Estou convencido de que há mistérios em nossas estrutu­
ras biológicas a cujo respeito sabemos muito poucot E estou con­
vencido de que, quando duas pessoas se ligam âtravés dos filhos, a
ligação é autêntica. Não se trata de uma abstração, de um conceito
social, mas de alguma coisa que realmente acontece às suas biologias.
Pois estamos ligados um ao outro através dessa terceira pessoa, que
é uma combinação dos nossos genes, da nossa biologia e da nossa
produção.
De n isè — Quer dizer que, na sua opinião, somos hoje dife­
rentes do que éramos quando casamos?
Eric — Muito. E para mim, agora, uma nova razão para
estarmos juntos, para qualquer casal com filhos estar junto, é que,
na minha opinião, quem rompe uma união em que há filhos de per­
meio violenta algo terrivelmente profundo.
De modo que essa foi uma das coisas que. . . Na última vez
em que tivemos uma crise aguda, eu estava pronto para dar o fora,
para fugir. Na agonia que senti nessa ocasião, tornou-se mais do
que manifesto que eu acreditava firmemente nessa espécie de vin­
culo e o sentia. Não era uma coisa que eu estivesse disposto a rom­
per pelo que me parecia, num plano consciente, a melhor das razões.
Acho \que nós dois estamos ficando muito máis místicos, embora si­
gamos direções diferentes em nosso misticismo. Eu me encaminho
para uma espécie de misticismo biológico e Denise se dirige para
um misticismo astral.
COMO FOI QUE VOCÊ ADQUIRIU PERSONALIDADE?
Eu — Isto é realmente fascinante. Mas agora eu gostaria de
voltar à outra pergunta que tinha em mente. (P ara De n is e) : Você
mesma me confessou que era uma espécie de pessoa criada por ou­
tras, até o seu colapso. Falou em tratamento. Foi isso que lhe deu
a personalidade separada, ou vocês dois a conseguiram, juntos? Ou
como formou essa personalidade, tão diferente da personalidade
inicial?
De n is e — Para começar, várias formas de tratamento... bem,
essa não é a única resposta, mas é a primeira. Fiz psicoterapia nor­
mal durante vários anos, com dois homens diferentes. Seguiu-se um

ano e meio sem tratamento. Depois fiz bioenergética com o segundo
terapeuta, que começara a dedicar-se à bioenergética e acabou fa--
zendo as duas — foram mais seis meses de tratamento. Esse p e-‘
ríodo de seis meses foi o último. Nele me aprofundei muito mais do
que nos primeiros dois anos e meio, e assim me tornei completamente
eu mesma. A h, e faço questão de acrescentar, lendo o seu livro:
Se não me engano, antes de começar o tratamento com o terapeuta.
On Becoming a Pers.on exerceu profundo efeito sobre mim. Foi a
primeira coisa que m e fez suspeitar que a resposta estava dentro
de mim, e não fora. E que eu podia confiar em mim mesma. Lem­
bro-me de q u e .. . Oh, foi simplesmente fantástico o seu efeito so­
bre o meu espírito. E assim começou a brotar a minha personali­
dade: lendo o livro e compreendendo que podia confiar numa parte
de mim mesma. Depois, a alimentação dessa parte e o seu pleno
florescimento foram obra dos anos que se seguiram, m a s ...
Está claro que, nesse ínterim, o casamento também teve o seu
valor, mas não posso. . . eu costumava atribuir a Eric todos os mé­
ritos. Neste caso não posso atribuir-lhe nenhum, pois todos são
meus. A obra é minha. Comecei o tratamento à revelia dele, umas
duas vezes, e contra a sua vontade — e isso fez uma grande diferença.
Pois então compreendi que eu era capaz de ficar de pé sozinha e não
precisava depender do consentimento dele para fazer alguma coisa.
Foi muito importante para mim. Isso responde à sua perguntai
EiíçSrsr Bem, se você se lembrar de mais alguma coisa, eu gos­
taria de ouvi-la, mas issó responde parcialmente à minha pergunta.
Direi apenas, à guisa de comentário, que, na minha opinião, a mu­
dança de uma pessoa que realmente não era ninguém, modelada pe­
los outros, para uma pessoa dotada de personalidade própria é uma
das coisas mais fascinantes que se podem ver em qualquer lugar.
Er i c — Eu gostaria de fazer um reparo sobre o tratamento de
Denise. Tive a bfipressão de que nos anos em que ela esteve em
tratamento com 0 Dr. G. pela primeira vez. . . o que eles realmente
fizeram foi permitir-lhe enfrentar o mundo, de modo que Denise,
em certo sentido, se ajustou ao mundo. A s coisas, entende?, já não
a assustavam tanto, ela conseguia enfrentá-las. E isso lhe propor­
cionou algum lazer, que lhe permitiu gozar a vida e encontrar um
pouco de felicidade. Começamos a divertir-nos juntos e a fazer
coisas juntos para divertir-nos. A té aquele tempo a maior parte da
sua energia se concentrara na manutenção de uma estrutura de ca­
ráter doentio — não sei de quem é a expressão. A gente utiliza toda
a energia que possui para manter essa defesa, e assim por diante.
172

Mas a segunda fase do tratamento, quando ela começou a. fa­
zer bioenergética e ioga, foi totalmente diversa. Não tinha nada com
ajustamento nem com enfrentamento. Era uma forma de deixar cres­
cer algumas forças dentro dela. Você sabe como é, deixar que surja
à tona o que já está fermentando no íntimo, ansiando por desen­
volver-se. A primeira parte a impediu de ser destruída pelo mundo,
e a segunda foi um processo de desenvolvimento. Um ponto decisivo,
diferente, quando começou a bioenergética.
* 0 EPISÓDI% DE MARGARET
Mas ainda não falamos no episódio de Margaret, que foi uma
parte crucial de tudo o que rios aconteceu.
DenisÓ — Foi quando eu disse o meu primeiro não. Eu já
havia dito muito sim, mas nunca tinha dito não. Isso aconteceu há
três anos. Eu aindá não começara a bioenergética. Participara de
um seminário sobre o assunto, e você também havia participado de
outro. Sabíamos o que era, m as e j i não tin h a ...
Eric apaixonou-se jp 0 essa aluna na escola e o caso já sé pro­
longava por vários meses, sem que eu soubesse. Voltei de uma vi­
sita aos pais dele. Os garotos tinham passado ali um mês inteiro.
Ele me contou tudo quando cheguei, e aquele me pareceu o caso
mais perigoso que ele já tivera — mais do que todos os seus outròs
relacionamentos com mulheres. E aquilo o estava arrasando de tal
maneira que ele precisou. . . bem, você deveria contar a história. Mas
disso proveio,.^ÊÊ
E u — ‘Conte-me a sua parte, como lhe pareceu.
D enise — ■ Fiquei tremendamente chocada. E u não previra nada
disso. Por uma razão qualquer ew tinha escondido... veja bem,
esse era o segundo ou o primeiro ano em que ele lecionava na
escola, fora de casa. Ia de trem, passava três dias na escola e vol­
tava para casa. E eu: me sentia muito orgulhosa de que o meu ho­
mem tivesse essa espécie de liberdade — de que eu pudesse confiar
nele. E assim, quando ele me contou, tive um choque tremendo.
Olhando agora para trás, creio que foi muita estupidez minha
não ter esperado que isso acontecesse, mas uma parte de mim mesma,
na verdade, enfiou a cabeça na areia.
E u — Tenho uma pergunta para fazer porque, evidentemente,
não foi 0 fato das relações com a m o ç a .. . não foi isso que a deixou
chocada. Porque, se a compreendi corretamente, outros casos seme­

lhantes já tinham acontecido. Foi o haver-se ele afeiçoado profunda­
mente a ela f
D enise — Ê verdade. Mas há outra coisa que eu gostaria de
acrescentar.. . outra razão também foi a surpresa, porque, se nÕO
me engano, já fazia dois anos que tínhamos desistido de fazer expe­
riênciasr e estávamos ficando cada vez m ais m onógam os,. . eu, pelei.
menos, estava. E não me passava pela cabeça que ele não estivesse,
pelo menos tanto quanto eu. De modo que esse foi o elemento sur*I
presa. Fazia uns dois anos que não acontecia uma coisa assirim
Tínhamos achado dolorosa demais a experimentação, e concluímos
que ela não compensava a energia emocional que gastávamos . .. esse
estilo de vida era realmente muito difícil, exigia um esforço muito
grande, e nós queríamos descansar um pouco.
De qualquer maneira, em face da crise, procurei assimilar ;a
idéia de que eu estava diante de um relacionamento tríplice. E fui
o mais longe que pude ao concordar com ele. Mas, se bem me lem­
bro, isso não adiantou, porque você se opôs num ponto. Não queria
que fosse uma relação tríplice. E eu não poderia adhiitir que você
tivesse duas vidas diferentes, separando a dela da minha. Juntar
tudo era uma coisa, m as separar. .U você estar em dois lugares'di­
ferentes, com duas mulheres diferentes — parecia-me intolerável.
For isso eu disse não. Ponto final. Esse foi o grande não. E nunca
me senti tão forte em minha vida.
E ric — M as esse arranjo era precisamente o que eu queria.
Uma coisa muitíssimo atraente para m im . Ter minha família e De­
nise, e poder estar fora, três dias por semana, durante vários meses
por ano. E ter outra mulher que eu amava, que me excitava de
maneira completamente diversa, e que se dispunha a aceitar esse,
tipo de vida. Era uma idéia extremamente sedutora para mim. Tãcf
sedutora que insisti no assunto. E u dizia entre mim:™Ê isso m tiúá
vou ter, é a minha natureza, è | | que quero e que posso ter. Póm
que não o terei?“ E ajuntava:0‘H á nissô uma exçvtação, há uma
força nesse tipo de vida que ap recio .. . e que m e estimula".
O “não” de Denise parecia emanar de todas as velhas proibições
sociais e de todos os ciúmes; você sabe como a gente se sente quandd5
está nesse tipo de situação; presumo que saiba. E por isso eu dissé§
"Não abrirei mão da oportunidade de ter esse tipo de excitação )e
beleza na vida, para viver de acordo ccm todas as regras chatas qu'l
abandonamos há tanto tempo, e ceder à impressão de estar sendo
ameaçado”, porque. . . você sabe, eu continuava dizendo a Denise,
e acredito que fosse verdade, que, de certas maneiras, o nosso re­
lacionamento nunca fora melhor do que naquele período. E eu dissê9
174

"Ao que é que você faz objeção? Isso não. passa de ciúme e de amea­
ça, e essas emoções são mesquinhas”.
E que aconteceu? Denise saltou como um leão, violenta, possesr
siva, vigorosa, exigente, a reclamar os seus direitos, a proclamar o
que queria’ e 'o que exigia, é dessas exigências, dessa força que surgiu
nela, veio uma espécie de beleza e de poder que ela nunca tivera.
Uma personalidade, o que eu sem pre.. . a maldição do nosso ca­
samento. E surgiu a pessoa de Denise, a sua identidade. Mais
que um eco, mais que um decalqueQE a relação entre nós tornou-se
tão vigorosa e tão intensa que acabei esquecendo a outra. Quero
dizer, depois de passar três ou quatro dias sem ver Margaret, só com
Denise, tive a oportunidade de ir ver Margaret, mas não quis, pre­
feri ficar com Denise, preferi ficar com a minha nova revelação. Foi
essa espécie de poder que emergiu da crise, porque Denise se viu
encostada na parede. E em vez de desmoronar, como antes, ressur­
giu. .. apareceu com todos ó's seus “aspectos e atributos?’ e apre­
sentou-se coberta de glória.
Está visto que você poderia falar em motivações subconscientes
e coisas parecidas. Sei que durante muitos anos, depois do esgo­
tamento de Denise, e quando este se repetiu uma e duas vezes, eu
costumava ter pesadelos em que Denise parecia prestes a desmante­
lar-se outra vezj em que ela nao era fp r te ... você sabe, em que
eu não deveria fazer nada que pudesse ameaçá-la, e me via preso
na armadilha da sua doença. Isso foi uma espécie de alavanca, en­
tende? Eu não tinha coragem de procurar outra mulher. .. pois isso
a teria assustado e ela perderia o controle. Eu não me atrevia a
ser fraco e irresponsável e dizer: ,cNão sinto vontade de trabalhar,
vou transformar-me num vagabundo”, porque Denise não o supor­
taria. Pode ser que, num plano qualquer, eu estivesse tentando sa­
far-me da armadilha. E aconteceu que, quando tentei safar-me, De­
nise passou por tudo isso e tornou-se evidente que eu já não pre­
cisava ter medo.
De n i s e — Na noite em que eu ia embora — em que fui em­
bora — ele .compreendeu que eu estava curada.
E ric — Não foi tão simples assim.
De n i s e (interrom pendo-o) ■— Eu o teria feito antes.
Er ic — Sim, isso foi diferente, Eu estava pronto para sair e
pata ir viver com Margaret, mas a sua força e a sua beleza, insistindo
no que você queria, no que era e no que pretendia de mim, me
subjugaram. Foi o que aconteceu. Mas esse é outro exemplo do
que quero dizer quando afirmo que todo o crescimento em nosso
casamento proveio dos tipos mais horríveis de crises.
175

“EU POSSO DECIDIR FICAR DOENTE!”
E u — Parte do que você parece estar me dizendo — antes mes­
mo do caso de Margaret — é que o seu comportametUo, de certo
modo, foi controlado pela doença de Denise. E eu gostaria de per­
guntar-lhe, Denise, você esteve doente mesmo?
De n i s e — Bem, tenho tido minhas dúvidas sobre se essa é a
palavra exata para descrever o que tive. Francamente, não sei res­
ponder à sua pergunta. Mas eu queria dizer-lhe uma coisa, Cari.
Na última vez — no fim do episódio de Margaret, quando eu me
preparava para ir embora — tínhamos bebido muito e procurávamos,
amargamente, resolver o problema. Isso foi depois que ele decidiu:
"Está bem, você ganhou. Ficarei, desistirei dela”. Mas ainda con­
tinuávamos no meio da história. E comecei a sentir-me como se es­
tivesse ficando bêbeda nas pontas, insegura acerca do meu ego. To­
dos os tipos de estranhas sensações. E lembro-me de estar sentada
na cadeira de balanço, com o copo na mão, balançando para a frente
e para trás, e dizendo a mim mesma: "Puxa vida! tenho aqui uma
escolha para fazer. Posso realmente deixar as coisas correrem, ali­
mentar essa ‘doença’ e causar uma confusão tremenda. Posso esco­
lher”. Foi a primeira vez em que olhei para trás, para o grande in­
tervalo, e depois para os dois que se lhe seguiram, compreendendo
que parte do meu organismo decidira fazer isso.
E havia também o sentimento de poder que me proporcionava
a consciência de que tanto poderia fazer uma coisa quanto a outra,
e a compreensão de que eu não queria escolher. E dali a um ou dois
dias estava completamente boa. A sensação de bebedeira dissipou-se.
Mas foi um grande descobrimento saber que era uma questão de
escolha. Daí, portanto, que eu tivesse de encarar os meus atos passa­
dos de maneira diferente e compreender que causara muito sofri-,
mento, mas também sofrera m uito por causa disso. Mas creio que
é mais uma fraqueza do organismo — incapaz de reunir forças para
suportar o que lhe está acontecendo. Eu era tão completamente
uma criatura das circunstâncias, isto é, as pessoas conseguiam im­
pressionar-me com tanta facilidade, que hoje sinto pena de mim
mesma ou pena da pessoa que ficou para trás, mas compreendo um
pouco melhor por quê.

ERIC E A “DOENÇA” DE DENISE
E u (para Er i c) — Eu não tencionava dizer isto antes do fim,
mas gostaria sinceramente de ouvir o seu comentário a respeito. A
primeira vez que me lembro de tê-los encontrado foi em casa de
Pete, na praia. Havia uma festa, e vocês dois estavam lá. Falei com
você, Eriç, fiquei muito impressionado com a sua pessoa, e muito
espantado — quando me despedi eu estava positivamente horrori­
zado —J pela maneira com que se referiu a Denise. Sabendo que
eu era um psicologista, você fez questão de revelar-me o diagnóstico
que tinham feito dela, já não sei mais qual, dizendo que ela preci­
sava tomar drogas com muita freqüência, e assim por diante. Mas
não foi o que você me disse, e sim o modo com que o disse '•jr&.era
como se estivesse falando de um objeto fragilimo, que lhe dava muito
que pensar e ao qual precisava dispensar uma cuidadosa atenção.
Embora não fosse totalmente destituído de carinho, era terrivelmente
objetivo e também pouquíssimo parecido com um casamento. Foi
essa a impressão que tive. Eu gostaria que você fizesse um comen­
tário a respeito.
Eric — Estou pensando agora naquele período. Eu me sen­
tia, ao mesmo tempo, muito responsável e muito amargo. Não ama­
va Denise como sei hoje o que é amar. Amara-a antes, quando nos
casamos, porque ela mewjjgçpitava e me inflamava e nós tínhamos
todas aquelas idéias românticas. Mais tarde, logo depois do esgota­
mento, eu já não a amava. Quero dizer, ela era um problema, e não
se ama um problema. Voei Sahfi, não se uma alguém que está cons­
tantemente f a z e n d ^ i ela era um caso, alguém que me enchera a
vida de ameaças, medo, dificuldades, solidão, todas essas coisas. Eu
estava amargurado, com raiva. Não há dúvida alguma sobre isso.
Mas eu também linha uma espécie de integridade básica, que me
fazia desejar desesperadamente que tudo fosse diferente. Eu queria
que ela ficasse bocft não queria mais ter medo. Isso faz parte do
compromisso. Eu tinha, sim, uma espécie de integridade, que nos
impediu de separar-nos algumas vezes, e Denise tinha outra, que nos
impediu de separar-nos outras 'te ze s... Eu talvez ainda diga qual­
quer coisa sobre isso. Nos três ou quatro primeiros anos — o es­
gotamento prolongou-se por quatro anos — e nos outros dois, mais
tarde, era como se eu levasse um maldito peso nas costas, quero dizer,
como se eu carregasse a casa nas costas, incluindo o medo de pre­
cisar viver com crianças pequenàs e unia esposa louca. Sim, talvez
não estivesse no hospício, mas dava no mesmo. Eu conhecia um
177

miniero suficiente de loucos para saber o tipo de inferno em que
tudo aquilo poderia vípàr. E você sabe que fiquei. Não fugi, e con­
fesso que precisei fazer um esforço danado para proceder como devia,
e fiz uma porção de burradas e uma porção de coisas boas, até con­
seguir o tipo certo de ajuda e ífao me deixa r. iludir pela idéia de
que o tratamento seria mágico e {consertaria tudo.
AS CONSEQÜÊNCIAS
Depois, quando se tornou evidente que Denise jicaria boa —
houve um momento em que se evidenciou que ela ia sarar — pouco
depois da história d& WÊ>ert e f'o é, do casal com que for­
mamos uma espécie de aliança quádrupla durante algum tempo —
eu me desmandei. E comecei a beber feito louco, feito louco —
todas as noites eu bebia tanto que acabava estuporado e passava os
dias numa ressaca miserável. Várias vezes tive acessos — o álcool
me permitia tè-los; arrastava-me para baixo da cama, rolava no çhão,
berrava, chorava, enfiava as unhas no tapete e nas coisas, e re­
cusava-me a fazer o que quer que fosse. Nem trabalho, nem res­
ponsabilidade — nada. E Denise agüentou. Assumiu a direção de
tudo e assumiu todas as responsabilidades. Foi nesse ponto que te
revelou a sua integridade.
Den ise — Eu gastaria de acrescentar alguma coisa a isso.
Nesses dois ou três úhimos anos, em que me considero uma pessoa
em pleno funcionamento e independentemente completa, fora do re­
lacionamento de Eric comigo, o fato de eu ser a pessoa adulta pela
primeira vez permitiu que ele fosse a criança. E o caso é que, nos
últimos dois anos, ele foi infantil de muitas maneiras, como nunca
leve a oportunidade de sê-lo. Os papéis se inverteram. Tenho ban­
cado a mãe do fillio dele, até o momento em que ele se cansa e
voltamos ao nosso relacionatnento adulto., Mas é a primeira vez
em nossas relações — nesses m j^nos dòis'du três anos — qué o
fato de eu ter sido capaz de ser o adulto permitiu que ele fosse a
criança, o’i ficasse doente, ou ficasse louco, se quisesse proceder
como louco e irresponsável, de modo que ele se libertou desse pesà,
para sempre, creio eu.
Eric — Eu ainda não tinha pensado nisso, Denise. Isto é, já
nre havia ocorrido que o sucesso na minha carreira me permitia
178

ser infantil. Quero dizer, o meu sucesso financeiro me dá essa liber­
dade — posso brincar, ser irresponsável, desaparecer durante duas
semanas para tirar umas férias, se quiser, jogar tênis em lugar de
trabalhar. Posso comportar-me como criança de muitas maneiras. Mas
nunca pensei em que foi você quem me permitia, ou melhor, quem
me deu liberdade para fazer isso pela primeira vez, e é a pura ver­
dade, joi você mesma. v
De n i s e (rin d o -s e ) — Ora, se fui, seu tolinho!
Eric — Em certos sentidos, você é a mamãe, que governa a
caMV e me deixa bríWe&ft**1
E® — Talvez seja este um bom ponto para pararmos um póuco.
— Feito.
AMANTES FO RA DO CASAMENTO
Eu — A única idéia que me ocorreu durante o intervalo é que
um grande número de jovens está fazendo experiências com relações
livres do- tipo que vocês evidentemente experimentaram — e em­
bora eu não acredite que se trate, no momento, de um assunto
que lhes interesse particularmente, sou de' opinião que seria muito
elucidativo para inúmeros jovens que vocês se dispusessem a falar
um pouco dos problemas que tiveram de enfrentar e dos motivos
por que desistiram disso..
De n i s e — A primeira coisa que me veio à mente partilhár foi
o que o tornou possível para mim, e um dos aspectos mais impor­
tantes dos ingredientes necessários é qúe as três pessoas se amem re­
ciprocamente. Em outras palavras; quando Eric esteve apaixonado
por Pris, ela e eu éramos como irmãs. E esse foi o ingrediente iht-
portante para mim — ser capaz de repartir o amor de Eric. Quàftdo
se tratava de alguém que representava uma ameaça para mim du-
diante da qual eu me sentia inferior, não me era possível tentar —
nem sequer imaginar um relacionamento triplo para nós — e o mes­
mo acontecia com Eric. Ele precisava respeitar e apreciar a pessoa
que eu amava antes de poder Incluí-la na sua realidade cotidiana.
De. modo que foi essa a primeira coisa que me veio à cabeça. A
lembrança continua muito clara em meu espírito. Ainda acho que
a experiência é viável e, no meu entender,. é uma ampliação da nossa
vivência, ou da nossa consciência da vida, mas creio que brincamos
17 9

demais com isso. Descobrimos que o casamento precisa representar
um vínculo bom e forte — e nada pode desandar nele, pelo menos
seriamente. Quando nos relacionamos com o outro casal, o vínculo
do casamento deles era fraco e tudo deu em d ro g a .. . pois o outro
homem não estava preparado. Creio, porém, que pode ser uma bela
experiência. Mas é tão difícil podermos estar seguros das pessoas
com que lidamos, quanto mais de nós mesmos! Por isso, se v o c ê ...
há tantos riscos envolvidos nisso que é justo. . . é um jogo terrível
de jogar. Mas acredito — hoje acredito que somos capazes de fazê-
lo. Melhor do que antes. . . não estou falando só de Eric e de mim...
não estou falando da nossa vida futura. Falo de um modo geral, a
respeito de casamentos.
E u — Parte do que você está dizendo é que uma pessoam .j
bem, que as quatro pessoas têm de ser bem adultas para que seja
possível uma coisa dessas. Deixem-me apenas esclarecer direito os
fatos. A s suas observações diziam respeito a esse outro casal, quando
você se relacionou com o homem e Eric com a mulher? (Assenti­
mentos de cabeça) M uito bem.
De n i s e — A cho"que os quartetos são mais fáceis do que as
trincas. Mas também é mais difícil encontrar duas outras pessoas
cujo casamento seja tão sólido assim. Em certos sentidos, é mais
fácil encontrar uma pessoa sozinha. Nunca chegamos a fazer duas
trincas. Isto é, Eric tinha outra mulher e eu linha outro homem,
mas os dois se teriam fundido em nosso casamento sem que deves­
sem ter necessariamente alguma ligação entre si. Ocasiões houve
em que os nossos casos se im b rica ra m m a s isSo^ na redlidade, nunA
ca deu certo. Concluí que a úniça coisa que não funçipnava em re­
lação à trinca era que a outra pessoa sempre se sentia excluída. E
que, se as duas partes tivessem outra pessoa importante fora do ca­
samento ao mesmo tempo, isso facilitaria tudo.
O SEXO Ê APENAS BRIN CA D EIRA — OU NÃO Ê?
Er i c — Não sei, você diz achar que as pessoas devem ser real­
mente amadurecidas para fazer isso — talvez precisem ser real­
mente imaturas. Conheço algumas, na escola, entre os alunos. .. On­
tem, por exemplo, ouvi falar, com detalhes, sobre uma situação. Há
ali uma moça que encontra suas maiores satisfações em orgias. Você
180

sabe, dois ou três homens e ela, ou duas ou três mulheres e um ho­
mem, e ela anda fazendo proselitismo e;, dizendo que é assim que
se deve aproveitar o sexo, Ê um modo de uma pessoa libertar-se
das suas peias, e assim por diante. Bem, o que quero dizer é que,
se considerarmos o sexo cómo simples brincadeira, ótimó. Mas para
mim e para Denise ele é muito mais do que isso — muito mais que
uma diversão e uma fontè ctè emoções. È uma espécie profunda de
comunicação. E na medida em que é uma comunicação profunda,
degrada-se ao ser diluído^ Creio que essa é a melhor maneira de
dizê-lo. Degrada-se ao ser diluído.
O CIÜME DE ERIC
Deixe-me dizer alguma coisa a respeito das nossas relações
fora do casamento. Sempre tive amantes., Nunca senti o que acre­
ditava ser uma grande necessidade de ter amantes. Não andei por
aí à procura de mulheres, à cata de aventuras mas, durante os quinze
anos do nosso casamento, quase sempre tive uma amante. Geral­
mente era uma pessoa que eu ficava conhecendo, pela qual me apai­
xonava e com a qual eu me entendia. Isso não parece ter tido re­
lação alguma com a situação do meu casamento na ocasião. Parece
não haver correlação entre uma coisa e outra. Se houver, estará cor­
relacionado com o bom andamento da nossa vida conjugal. Porque
esse, geralmente, é o período em que me sinto mais feliz, mais li­
berado, mais cheio de energia, de amor, de vida, e coisas assim. E
os meus casos de amor têm sido,: praticamente sem exceção, uma
boa experiência para mim. Só em dois casos senti que eles preju­
dicaram o meu relacionamento com Denise. Só em dois casos achei
que eles eram a melhor coisa do mundo, como no de Margaret, de
que falamos há pouco.
Mas, que diabo!, não quero que Denise tenha amantes. Isto
é, não quero pensar nela fazendo o amor com outro homem. Sempre
pensei assim. Refiro-me ao ciúme que eu sentia quando imaginava
que ela e Gus ou ela e E d estavam juntos, e que me deixava aluci­
nado. Passamos por isso há pouco tempo e chegamos, a uma espécie
de acordo engraçado, em que dissemos, em função de todos os nos­
sos valores, de tudo aquilo em que nós acreditamos, de todos os nos­
sos enfoques racionais do assunte^ que o fato de eU ter uma amante

ou de Denise ter um amante, se ela quiser, poderá enriquecer o ca­
samento, acentuar o nosso crescimento^ pois não há razão para qUe
isso seja forçosamehiè destrutivo. N&-entanto. não somos orga­
nismos livres, capazes de escolher independentemente. Há respos­
tas que parecem lèstar programadas em nossos corpos, e o ciúme é
uma delas —r o afnargo e horrível ciúmé. Assim, há uns dois anos,
chegamos à seguinte conclusão: se alfcüma coisa acontecer, se nos
apaixonarmos por outra pessoa e o : caso apresentar dificuldades,
manteremos em segredo as dificuldades: Não diremos, por exemplo,
está bem, vamos agora formar unid<¥rinca, ou vamos incorporar mais
alguém ao nosso casamento, ou VhrHos juntar-nos a outro casal. Se
Denise conhecer alguém, ou se eu conhecer alguém e o caso se trans­
formar em aventura, nós a manteremos, secreta e, se hão pudermos
fazê-lo, renunciaremos a ela.
E u (i n t e r r o m p e n d o V o c ê quer dizer, secreta em relação a
vocês mesmos?
E ric ~£r Exatamente. 4' ^ que quer dizer, provavelmente, que
tais aventuras não deverão acontecer, porque nenhum dos dois sa­
bemos guardar segredos um do outro. De mais a mais, quando a
gente diz que o caso terá de ser secreto, está dizendo, automatica­
mente, que em certas ocasiões precisará mentir ou iludir. E acon­
tece que isso, sim, é destrutivo, de modo que o acordo nos deixa
amarrados de pés e mãos. Mas não creio que a solução, como diz
Denise, seja denunciá-lo, pois acho que também não daremos conta
disso. Ê engraçado, Cari, mas o controle que Denise e eu exerce­
mos — um controle muito realístico — sobre a nossa fidelidade con­
jugal, e com o qual temos lutado profundamente, é, na verdade, o
único que exercemos um sobre o outro. A maioria dos casais que
conheço procura, de fato, controlar-se muito — comportamento so­
cial, maneira de vestir, o tipo de trabalho que realiza, o quanto tra­
balha — mas nós não fazemos isso. Denise pode sair durante se­
manas a fio, fazendo o que lhe dá na telha, sem nenhuma sugestão
ou reação de minha parte no sentido de que deve.fazer algo diferente.
E ela me trata da mesma forma. EU posso ser o que quiser, desde o
tipo mais louco de profeta pelado a correr pelas praias, até a espécie
mais disciplinada de cientista social dando aulas aos meus alunos,
que ela aceita. O que eu quiser!
Eu — Pois creio que uma das coisas que conservaram vivo,
realmente vivo até hoje, o meu casamento — muito embora ele te­
nha tido os seus alíos e baixos, como todos os outros — foi não
182

sentirmos nenhuma necessidade de controlar-nos. E isso faz >uma
tremenda diferença. Se eu quiser vagabundear, vagabundeio; E nun­
ca me passaria pela cabeça que Helen pudesse fazer objeções.
O SOFRIMENTO E A POSSESSIVIDADE DE DENISE
Eu (voltando-me para De n is e) — Quero perguntar-lhe utna
coisa: seu marido falou muito franca e sinceramente sobre o que
sentia quando você tinha casos com outros homens; ora, como é
que você se sentia, antes desse último acordo, ao saber que ele tinha
um caso com outra pessoa?
De n i s e — Estou procurando lembrar-me da primeira vez etn
que descobri* £ nãú; consigo.
E‘Ui*(atalhando) — Você ficou sabendo porque ele lhe contou?
De n i s e -£PFoi por seu intermédio, Sim, que acabei descobrindo.
Mas ele só me falou de alguns casos vários anos depois. Descobri
toda a embrulhada através do episódio de Margaret, mas até esse
nWméniM fiu ignorava a existência de muitos deles. Sabia dos mais
importantes-, >porque mexeram com todo o nosso modo de vida. E
esses nos ameaçaram o casamento ou o estilo de vida. A primeira
impressão que tive eu estava muito magoada -— foi que me ha­
viam tirado alguma coisa que ■por direito era minha. Mas isso di­
minuiu. O sofrimento no plano da coragem está lá quando queremos
voltar a experimentá-lo, prová-lo, trazê-lo para fora, senti-lo, etc.
— mas o que tentei fazer, principalmente quando se tratava de al­
guém de que eu também-gostava. . . era, por assim dizer, começar
tudo de novo, fazendo uma experiência com outro homem, e eu co­
nhecia o- que era amar duas pessoas ao mesmo tempo, de maneira to­
talmente tliversa, mas ao mesmo tempo. E assim verifiquei ser pos­
sível, E quando o descobri, descobri também que isso não diminuía
o amor de Eric p w mim',.? Eu^ne estava equiparando a ele, Nem di­
minuía o amor que eu lhe votava, embora amasse Ed. Assim, tentei
airibuí-lo ao relacionamento de Eric, sobretudo quainio era alguém
de quem eu gostava. E isso me ajudava a não dar atenção ao so­
frimento e a tentar provar aquilo em que acreditava, a saber, que
se pode conviver com mais de uma pessoa ao mesmo tempo e amá-
las. O mais difícil de resolver ,é o aspecto sexual. Porque a inti­
183

midade é importante. Nunca fomos os três juntos para a cama. Foi
sempre uma relação entre duas pessoas. Daí a dificuldade de Eric
para resolvê-la com duas das suas mulheres ao mesmo tempo. E
tenho a certeza de que esta é uma das razões por que ele é tão obce­
cado pelo sexo. Mas eu sempre quis a coisa doméstica. A minha
idéia de resolver o problema era trazer a outra mulher para casa.
Teria sido ótimo se ela tivesse filho de Eric. Em dòis casos me
comportei assim — nos de Vera e Pris. Estava disposta a fazê-lo
e sentia-me capaz disso. E talvez acabasse fazendo com Margaret
também, mas Eric não estava num lugar em que se toleraria uma
coisa dessas.
E u — Eu gostaria de fazer unia pergunta — você foi muito
clara em muita coisa, mas não pode definir melhor o gosto e o sa­
bor desse tipo de sofrimento, no instante em que o traz para fora e
olha para ele?
Den ise — Sinto vergonha, pois acho que é uma conseqüência
da possessividade e estou tentando libertar-me dela. Entretanto, pro­
vocou uma verdadeira dicotomia dentro de mim porque, como ele
diz, um dos meus maiores triunfos foi no caso de Margaret, quando
me mostrei mais possessiva e saí tão forte da provação. Daí que uma
parle minha ainda esteja tentando resolvê-lo, embora ainda não fun­
cione de modo satisfatório para mim.
Mas acho que o sofrimento está lá, porque essas coisas são um
golpe para o nosso ego. Como se estivessem tirando de nós alguma
coisa que por direito nos pertence. Quando conseguimos ultrapassar
esse ponto, parece-me que» ..
E u — O que é que está sendo tirado?
Den ise — Bem, é como um preconceito dos códigos anteriores,
segundo o qual o ato sexual entre duas pessoas casadas é sagrado
por si mesmo e, partilhado com outrem, perde a santidade original.
Ainda não consegui descartar-me disso.
Eric — Não creio que seja um código religioso ou coisa pare­
cida. Quando Denise e eu fazemos o amor — às vezes, apenas tre­
pamos e vamos dormir — quando realmente fazemos o amor, há
uma espécie de intimidade, franqueza e ternura totais, e nos fun­
dimos num ser só. De certo modo, não se pode fazer isso com mais de
uma pessoa. Com mais de uma pessoa é diferente. Deixa de ser
autêntico. Como se a profundeza da união sexual inculcasse que se
trata de uma coisa exclusiva entre duas pessoas — não sei por que,
mas é assim. E assim para mim. E quando não se trata de uma coisa
exclusiva, é diferente, o seu caráter modifica-se.
184

v
\
De n i s e — Bem, é exatamente o que estou dizendo, e se você.
\ isso está modificado. O ato real, os acessórios, tudo. Quando ama­
mos duas pessoas diferentes e mantemos relações sexuais com as duas,
e fazemos realmente o amor com elas, na sua opinião tudo se m o­
difica.
O PARADOXO
Er ic — Ê um paradoxo. De um lado, o modo como fizemos
o amor na noite passada e tudo o que penso a esse respeito è que
estou totalmente comprometido e unificado com você, só quero você,
fluímos juntos, eu sou você e você é eu. Quero dizer, esse é o sig­
nificado do ato sexual. Agora imagine que, esta noite, eu vá a algum
lugar e jaça o amor com outra mulher e tenha com ela o mesmo
tipo de sentimentos. É muito estranho. Quero dizer, parece que
não pode ser esse caso. Na realidade, porém, é o caso, pode acon­
tecer. Por isso digo que é um paradoxo. Já experimentei esse tipo
de sentimentos com duas mulheres ao mesmo tempo. Você sabe,
muito juntos, amando muito as duas. E, no entanto, tenho a im­
pressão de que isso deve estar errado. Ou seja, deve haver alguma
coisa que não junciona direito. Mas quero ser mico de circo de
cavalinhos se sei o que é.
Denise — Pois eu não tive. essa experiência de que ele está ja­
tando — o sentimento da união sexual — simultaneamente. Nunca.
Eric — Sim, é uma coisa interessante que talvez deva ser dita,
Cari, nesta discussão sobre as nossas relações extraconjugais. Você
quantas teve? Quatro ou cinco relações íntim as... que, em sua maio­
ria, não foram boas. Não foram felizes. A s minhas, entretanto, fo­
ram quase todas boas. As relações que mantive com outras mu­
lheres foram realmente boas. Acaso? Talvez. Não sei. Só sei que,
num sentido, essas coisas nos impõem atitudes diferentes. Acho que
eu aceitaria perfeitamente a idéia de ter amantes de vez em quando,
se desse certo. Mas não o faço porque Denise não a aceita. Por
outro lado, eu não poderia admitir que ela o fizesse.
185

QUE Ê POSSESSIVIDADE?
Eu — Um termo que você usou — eu gostaria de saber o que á
ele significa para você. Que é o que você'entende por "posseísifi
vidade”?
D e n i s e — Quando você possui alguma coisa, tem-na para siA
£ sua. E süa. Pois bem, possessividade significa que ela é sua.
E u — uComo uma jóia, talvez, que não podemos controlar masm
que, não obstante, é nossa. .. um objeto de ourivesaria que nos per- ]
tence. Ou você se refere à possessividade pensando: é meu, logoi
posso controlá-lo.
Den ise — Bem, durante muito tempo eu quis controlá-lo. Sim, I
a minha propensão é para isso. E uma das minhas metas, é libertar- |
me dela. Não quero controlar. Eric. Pois compreendo que a maior4
felicidade que posso dar-lhe é a liberdade, e nisso reside a minha
singularidade também. Tive a mesma impressão e a mesma reação
depois que outras pessoas souberam o que me aconteceu. £ que
pareço ter a capacidade singular de poder partilhar. Isto é, poder
amar a outra mulher. Muitas vezes as outras mulheres — dema­
siado possessivas — não conseguiam repartir Eric comigo. Não con­
seguiam colocar-se em minha posição, de modo que não podiam
formar uma trinca.
Eric (interrompendo) — ' Quem?
Den ise — Pris. Ela mesma se confessou incapaz.
Er ic — Ela queria muito ter um filho, e achava que nisso '
estariam envolvidos todos os tipos de problemas sociais.
Den ise — Mas também houve qtíem me dissesse: “Se eu es­
tivesse no seu lugar, não poderia fazer o que você está fazendo”.
O LUGAR DAS DROGAS
Eu — Isso é extremamente penetrante e dá muito que pensar.
Há outra pergunta que desejo fazer, embora não queira interrompê-
los. (Pausa) Você mesmo disse que fumou maconha e usou LSD.
Acha que isso teve alguma influência especial sobre o seu casamento?
186

Er i c— Você taly,ez me julgue wm iconoclasta, Cari. Creio que
a erva e o LSD^.tjveram um efeito mais profundo sobre o nosso ca­
samento do que tudo aquilo de que falamos até agora. Em parte
porque, no princípio, um aspecto do problema do nossó casamento,
além dos que já analisamos e que provinham de Deftíse, era um pro­
blema meu, para o qual a erva foi um antídoto efictik. Eu me sentia
entalado. Queria que as coisas fossem feitas do meu jéito. Tinha, como
você sabe, uma mentalidade hiperanalítica, hiper-radonal, briguenta,
polemista — apaixonado pelos processos do intelecto1 e sensualmente
quase morto. Não gozàva o meu corpo, não ouvia música, não sabiá
tocar as coisas nem olhar para elas, e vivia irritado com Denise,
porque ela, nÕo sendo analítica, crítica nem avaliadora, era capaz
de passar o dia inteiro sem fazer nada senão tocar piano, brincar com
as crianças e passear na praia— e eu achava que'teso não era vida
íjuê se
■Pois Jiern, quando comecei a fumar a erva, comecei a dizer:
"Oba! Denise sabe coisas que eu nunca soube!" Até que a erva aca­
bou com essa espécie de facilidade hiperanalítica e permitiu que eu me
tornasse uma pessoa mais sensorial, como Denise, e comecei a res­
peitar a sua maneira de ser, como nunca a respeitara. O LSD é
uma história diferente. Modificou a minha identidade própria de
uma forma realmente complicada e permitiu a construção de novas
estruturas. Mas a erva foi importantíssima em nosso casamento —
foi um aspecto e uma parte terrivelmente importantes. E, veja bem,
Denise nunca mais a fumou. Mas eu fumo muito, em quantidade,
quase todos os dias, E isso é bom: Quando fumo, nós, em certos
sentidos, nos relacionamos melhor . 0^ pois me acontece uma porção
de coisas diferentes. Concentro-me muito mais no que está aconte­
cendo no momento — liberta-se o meu aparelho de comunicação
como o álcool liberta o de algumas pessoas. Sinto-me muito mais dis­
posto a falar sobre todas as coisas, compartilhando de idéias e de
fatos. Sem a erva, propendo a ficar mais quieto. Mais íntimo, mais
introvertido. A erva me deixa muito mais comunicativo.
Denise — Desde aquele tempo, há sete anos, em que ele to­
mou LSD e começou a fumar maconha, as suas formas e padrões
de comportamento se modificaram. Até quando não está fumando.
De modo que já não precisa fumar todos os dias para que o seu
bom relacionamento comigo continue.
Eric — Muitos dos meus gostos, que agora são meus o tempo
todo, desenvolveram-se a partir da erva. Como a música rock, por
exemplo — aprendi a apreciá-la com. a maconha. Eu nunca... não
187

é que eu não a apreciasse, apenas não tomava conhecimento dela,
nunca a ouvia. Era estranha para mim. Agora gosto realmente de
rock. E gosto também de uma porção de coisas assim. Creio que
a erva, de um lado, foi importante para o período sensorial, de que
ialei há pouco, como foi importante a bioenergélica, de outro.:
Eu — Deixe-me fazer uma pergunta, só para ter a certeza de
que o compreendi. Percebo que o LSD é uma história complicada,
em que você prefere não tocar, mas parece que ele se relaciona mais
com você do que com o casamento, ao passo que a maconha trans­
formou o homem voltado apenas para as coisas do intelecto numà
pessoa consciente de todo o seu eu e .dos seus relacionamentos.
Eric — Eu talvez possa traçar um paralelo. Visualize., de unta
parte, o profeta que escala sozinho a montanha — e lá de cima con­
templa o mundo e compreende a estrutura do cosmo. E, de outra?
visualize o estilo dionisíaco de alguém que aprende a dançar, cantar,|
comer e fazer o amor. O LSD, para mim, foi mais o topo da mon­
tanha, onde a gente exclama: "Oh, agora tenho uma visão diferente
do cosmo e de mim mesmo, do que eu significo e do que isto sig­
nifica". A o passo que a erva foi mais festiva, mais para o lado do
canto e da dança. Um jeito de me livrar de muitas estruturas e pa­
drões, que programavam o meu comportamento, e que me franqueou
novas experiências pessoais, intersensoriais.
Den ise — Diferente do álcool, que põe abaixo as barreiras e
nos deixa desinibidos. O álcool amortece, a erva estimula. (Pausa)
A M OCIDADE E “DEPOIS DOS TRINTA”
E u — Isto, sem dúvida, é um desvio, mas quero esta informaçãoà
que idade têm você?
Den ise — Eu tenho trinta e quatro anos.
Eric — E eu tenho trinta e seis.
De n ise — Tínhamos dezenove e meio e vinté e ^um^e meio
quando casamos.
Eric — Outro comentário que talvez valha a pena fazer é oj
seguinte: se me acontecesse conhecer Denise hoje como ela era aos'
dezenove anos, ou se ela me conhecesse hoje como eu era aos vinte<
e um anos, nós nos acharíamos, provavelmente, as pessoas mais de­
senxabidas que se poderiam imaginar! Essa é uma idéia interessante,
188

Cari, sobre a qual já falamos muito. Quando as pessoas pensam
em casamento, costumam dizer que, casando muito jovens, duas cria­
turas se acabam, afastando-uma da outra. Quando se casam mais
velhas, já terão sofrido as mudanças maiores, de sorte que possuem
uma base melhor para o casamento. O que aconteceu foi que nós
dois mudamos de maneiras dramáticas e profundas, mas em dire­
ções paralelas. Como vê, este é um jogo inteiramente novo.
E u
----Ço'mpreendo-o muito bem, porque minha mulherfe eu
já falamos muitas vezes sóbre o mesmo assunto. Se nós, como somos
agora, nos tivéssemos conhecido como éramos aos vinte e dois anos,
não nos teríamos amado. Não nos teríamos sequefr interessado um
pelo outro. Mas; "tivemos a sorte de crescer juntos. E quando Me-
len me diz agora certas coisas, observo: "Que pensariam disso as
pessoas ém sua cidade natal?”
Eric — Temos refletido nesse mesmo tipo de coisa, em cone­
xão com o que porei agora entre aspas, isto é, "o esgotamento
de Denise”. E que se resume nisto: hoje fazemos, todos os dias, vinte
coisas que, há dez anos, teriam provocado a nossa internação num
hospício. Você sabe, coisas que nos teriam parecido malucas. Ago­
ra as aceitamos como parte normal da nossa vida, porque modifica­
mos a nossa definição da vida.
O CASAMENTO COMO PROCESSO
As pessoas referem-se normalmente ao casamento como a uma
instituição, ou pensam que o casamento é uma estrutura. Mas não
é; é um processo. Uma série de processos em que nos empenhamos e
nunca sabemos para onde nos dirigimos. Creio, porém, que se po­
dem definir esses processos. E se pensarmos no casamento em fun­
ção de uma série de processos que decidimos pôr em movimento —
intimidade física, sexual, .provavelmente procriação, partilha da res­
ponsabilidade econômica, e assim por diante, pondo de certo modo
compromissos em paralelo em função do lugar onde vamos viver,
e coisas assim — estes serão processos muito bem definidos. E di­
zemos: "Está certo, o casamento consiste nesses processos, que■ riós
pomos em movimento. E nisso se resume”. Essa atitude difere
frontalmente da de quem diz: "Ê uma instituição”, ou então, "£
uma estrutura de certo gênero'W**1

E u
__Já rtõo tenho perguntas para fazer, mas gostaria que
vocês falassem um pouco mais.
E r í c — Quando falamos sobre o sucesso do nosso casamento
— ficamos um tanto loquazes, pois ele é um sucesso e nós somos real­
mente felizes mas o caso é que tivemos muilà sorte. Tenho
trinta e seis anos, certo? Acabei de completar trinta e seis, ' você
completou trinta e quatro. Somos sadios, brilhantes, muito atraentes,
muito mais bonitos e sexualmente mais atraentes do que quando
' tínhamos dezenove e vinte e um anos. Quero dizer, temos muita
coisa a nosso favor, e não deveríamos ficar aqui sentados falando
sobre as coisas maravilhosas que fizemos para que isto ou aquilo
funcionasse. Vivemos realmente em circunstâncias abençoadas de
muitas maneiras. £ verdade, fizemos uma série de boas opções...
Denise (interrom pendo-o) — Está certo, mfls a razão pela
qual, aos trinta e seis e aos trinta e quatro anos, parecemos o que
parecemos e somos o que somos é porque fizemos que isso funcio­
nasse. Muitas coisas aconteceram porque decidimos fazer com os
nossos corpos o que fizemos. E escolhemos o tratamento ou as for­
mas de experiência de crescimento que escolhemos. E podemos,
portanto, reivindicar para nós o mérito de tudo isso. Eu sou a favor
dessa reivindicação. Poderíamos ter fracassado tantas vezes!
Eu — Concordo com você, Denise, porque você agora poderia
ser uma mulher de rosto contraído e boca apertada, e Eric poderia
ser ainda o intelectual que conheci. Mas vocês mudaram enorme­
mente. Aceite o crédito pela mudança. No tocante à aparência,
acho que ela, em parte, é obra de vocês. N o tocante à saúde, são
uns felizardos. Não nego, portanto, que a sorte também desempe­
nhou a sua parte masm por outro lado, um casamento como o de
vocês precisa ser construído, não, acontece simplesmente, por uma
questão de sorte, ou porque vocês são bem parecidos, ou coisa que
o valha. Vocês se fizeram bem parecidos.
A CONCLUSÃO DE ERIC
Eric — Há uma coisa que eu queria dizer, Cari — a respeito
do nosso casamento. Trata-se de uma avaliação ou de uma análise
qualquer. Nós dois somos anticonvencionais em termos sociais e in­
telectuais, em face do tipo de meio em que operamoSM Não pro-
190

cedemos de maneiras muito padronizadas, E a razão por que temos
a liberdade de ser assim é porque temos muitá força em nosso lar.
O poder, a força, o refúgio do nosso casamento deram-nos uma es­
pécie de substância para operar, que nos permitiu, à ambos, ser
muito independentes em quase todos os termos sociais. E „<*, meu
palpite é que isso é muito mais importante do que a maioria das
pessoas geralmente pensa. O meu palpite é que, por exemplo, quan­
do vemos um homem muito■ convencional, muito assustado, muito
inseguro quanto à direção, que deve tomar e sempre preocupado com
o que pensam dele os seus pares — podemos apostar que o seu ca­
samento não é lá essas coisas. Porque, se 0 fosse, não precisaria
ser nada disso. Encontraria a sua substância, a sua identidade e o
seu ser em qualquer outro lugar. E essas coisas seriam secundárias,
como devem ser.
Eu ^—MCreio que essa idéia raro ou nunca foi expressa, e tenho
para mim que ela encerra uma grande verdade — a saber, quando a
nossa base de operações é sólida, para empregarmos uma expressão
militar, podemos aventurar-nos a todo o gênero de patrulhas doidas
ou doidas aventuras. Mas quando não temos essa base sólida, pre­
cisamos mover-nos còm muita, muita cautela.
E ric — Não me importo de perder o meu emprego. A minha
identidade não está embrulhada em minha posição nem em minhas
publicações. Está embrulhada em minha esposa e em meus filhos.
E isto é muito mais forte do que o resto.
Eu — E é terrivelmente raro. (Pausa) Bem, a conversa foi ma­
ravilhosa, pelo menos no que me diz respeito. ■
COMENTÁRIOS E LIÇOES
Alguns comentários finais de Eric são declarações mag:strais,
que merecem cuidadosa réleitura. Esse casamento único passou por
várias fases difíceis e, ao atravessá-las, os cônjuges parecem ter adqui­
rido uma sabedoria com que todos nós podemos aprender.
Eu gostaria de expor alguns elementos do seu casamento que
mais me impressionaram, embora as reações e o discenrmento do
leitor possam ser multo diferentes. Cada um dos meus enüticiados
será acompanhado da epígrafe da seção ou do número das páginas,
ou de ambos, de modo que o leitor possa reportar-se ao trecho se
quiser ajuizar das minhas reflexões.
191

Eric e Denise construíram, num grau insólito, o próprio mundo
ao redor do seu casamento, em lugar de perguntar ao meio sociall
como deveriam ser e como deveriam proceder. Não estão construin-i
do o seu matrimônio de acordo com as expectativas de uma comu­
nidade, nem sequer de acordo com uma série de amizades antigas.!
Atentos aos ritmos internos dos próprios organismos, por eles proJ
curam determinar o seu comportamento e o seu relacionamento!
Esta é uma forma arrojada de viver (o que eles não deixam de re-l
conhecer plenamente) e muita gente se sentiria demasiado assusa
tada para assumir uma posição assim ou discordaria dela. Eles, pôa
rém, percebem que tanto a comunidade quanto as amizades podemj
ser usadas como escapatória do casamento, e não pretendem utiliji
zar-se dessas escapatórias (A mudança pioneira, pp. 161-164. VivenS
do segundo os ritmos internos, pp. 165-166).
Descobriram em sua própria vida as conseqüências desastro-]
sas da tentativa de viver de acordo com as expectativas dos pais e
da cultura. Ainda que Denise se sentisse “contente” com o casamento,
o lar e um filho durante cinco anos, isso não a impediu de ter umq
“colapso mental” (O período dos “deveres” sociais, pp. 164-165).
O casamento deles ilustra muito bem o fato de que quase
tedos os jovens casais iniciam a vida de casados com uma superestima]
da sua maturidade psicológica e uma subestima das suas qualidades'
infantis e juvenis. Tsso é muito natural. O importante é a maneircn
ccm que enfrentam o despreparo nattiral para um relacionamento^
sério e continuado (p. 167).
O severo conflito que pode ser provocado pelas diferenças dei
valores, sobretudo valores religiosos, está mais do que claro na vidaJ
de Denise. Acresce a isso a genuína impossibilidade de uma comü3
nicação real e franca, quando os pontos de vista religiosos são man-l
tidos rigidamente, como era ò caso dos pais dela (pp. 167-168). |
A compreensão deles de que as crises lhes salvaram amiúda
o casamento representou para mim uma afirmação particularmente!
notável. Observe-se que nunca foi a crise propriamente dita quâ
salvou o casamento, senão o fato de a utilizarem como oportunb
dade de crescimento. Consciente ou inconscientemente,, òt ^certoi é
que nesses períodos críticos eles se tornaram mais francos um corra
o outro, mais diferenciados um do 'outro, adquiriram maior autonoá
mia como seres humanos distintos, e assim foram capazes de movea
se para novos planos de relacionamento e coexistência. A descrffl
ção das duas espécies de lutas em que se empenham mostra asj
claras diferenças entre umá briga como mera expressão de azedume

e uma briga como oportunidade de progresso (pp. 162-163; O casa­
mento salvo por suas crises, pp. 168-169).
Como em tantos outros casamentos qué examinamos, está bém<
ilustrada a importância crucial, quase desesperada, de tornar-se uma
personalidade com um centro interno de avaliação, em que o “acer­
to” ou o "erro” de uma atitude são determinados pela atenção
à experiência própria e não ao juízo dos outros. Isso significa, como
o diz Denise tão bem, adquirir suficiente confiança na própria per­
sonalidade para alimentá-la com amor e fazê-la florescer. Surpreen­
dentemente, ela atingiu o ponto em que conhecia tanto o próprio
eu que sabia quando o estava deixando perder-se na confusão, e onde
poderia escolher entre a sanidade e a “doença” mental (p. 176; Como
foi que você adquiriu personalidade? pp. 171-173; Posso decidir ficar
doente, p. 176).
Um ponto em que tenho a certeza de que os leitores divergirão
entre si aqui está: onde foi que eles adquiriram o desejo de resolver
cada crise sem desistir nem fugir? Educação religiosa? Condiciona­
mento cultural? Energia natural? Ou o quê?
Para mim, as explicações que deram do seu profundo compro­
misso mútuo me parecem fracas e amiúde contraditórias. Para De­
nise, é um carma místico que os liga um ao outro, talvez de uma
encarnação anterior. Para Eric, é o produto de uma determinação
estreita, mas inveterada (desde a infância) de fazer durar o casa­
mento. Mas ele também acha que o desejo de ambos de -resolver
as coisas provém de um fantástico relacionamento sexual. Em outro
ponto o atribui a um elo biológico meio místico, que surge com o
nascimento dos filhos e com a responsabilidade imposta por eles. E
mais adiante ainda lembra o fato de que Denise é a única pessoa
que nunca o entedia — conquanto, em certas ocasiões, chegue até
a enfurecê-lo. Tomadas separadamente ou em conjunto, essas expli­
cações não constituem, no meu entender, uma explanação plena-:
mente satisfatória do fato — claríssimo — que eles quiseram que o
casamento vingasse, mostrando-se dispostos a suportar conflitos, so­
frimentos e discórdias, a fim de permitir que isso se realizasse. (O
elo profundo — pontos de vista diferentes, pp. 169-171).
O processo de mudança em seus relacionamentos sexuais e amo­
rosos fora do casamento é fascinante. Denise descobriu que é possí­
vel amar dois homens simultaneamente. Não obstante, a sua dispo­
sição para aceitar as freqüentes “aventuras” de Eric é inusitada,
como inusitado é o seu desejo de ser cordial e afetuosa com a
outra mulher, com a qual está (temporariamente) partilhando o seu
homem. Mas depois, à medida que foi aumentando a sua indepen-
193

déncia, descobriu que não poderia deixar Eric viver duas vidas se­
paradas, por mais apaixonado que se sentisse, por mais envolvido
• que estivesse com Margatet e com ela mesma. Aqui, no dizer de
Eric, ela se transformou num “leão violento” e, de certo modo, ele
encontrou nessa força, na sua capacidade de dizer “NÃO!’- e na
sua disposição para deixá-lo, se necessário, a espécie de pessoa livre ‘
e independente que sempre quisera que ela foSse — não mais uma !
criatura potencialmente “doente”, senão capaz de ser a companheira
cabal na vida e no amor, e ele optou por ela, abrindo mão da vida
dupla que sobre ele exercera tamanho poder de atração (O episó- 5
dio de Margaret, pp. 173-175; Amantes fora do casamento, pp. 9
«E79-i;80j)'.. ■ ■ .
É digno de nota que a tentativa de levar uma vida sexualmente ^
livre com outro casal lhes pareceu um dispêndio tão exagerado de "
energia psicológica que não valia a pena continuar. Eles ainda acham, I
pelo menos intelectualmente, que um' relacionamento desse tipo — 3
semelhante aos casamentos de grupo de algumas comunas — seria
uma esplêndida meta para alcançar, porém dificílima (Amantes fora .
do casamento, pp. 179-180).
Se- bem cada um deles estivesse “plenamente disposto” a per- J
mitir que o cônjuge tivesse “um outro”;, pouco a pouco- se verifica I
que essa disposição é apenas teórica. Eric experimenta uma boa j
dose de ciúme primitivo ao saber que ela mantém relações sexuais ]
com outro homem. E Denise, embora se envergonhe do que sente, 1
sofre quando ele se envolve sexualmente com outra mulher, sofri- 1
mento que a acomete mesmo que tenha estado envolvida com outros I
homens., Ela sente que o sofrimento não somente lhe tira alguma j
coisa que lhe pertence, mas também diminui -r- e emprega uma i
expressão muito estranha para mulher tão moderna — a sanddade
do amor sexual de que eles compartem. Eric confirma-o, com uma 1
descrição quase lírica da sua. profunda união sexual. Entretanto, 1
vê nisso um paradoxo, porque sabe que pode ter a mesma exps- j
riência com outra mulher (O ciúme de Eric, pp. 181-183; O sofrimento a
e a possessividade de Denise,.pp. 183-185, O paradoxo, p. 185).
Nessas circunstâncias, o casal chegou a uma composição um
tanto peculiar. Se um deles sentir atração pôr outra pessoa e de­
sejar vê-la chegar a um clímax num relacionamento sexual, muito 1
bem. Manterá, porém, o assunto em segredo, sem o revelar ao 1
oütro, porque a franqueza, nesse caso, provoca demasiado sofri- |
mento. Mas como estão acostumados a um grau surpreendente de
franqueza, para eles é muito difícil iludirem-se e tornam-se, por isso 1
mesmo, ainda mais monógamos! (pp. 181-182).

Depois de muita experiência, muitas considerações francas e
mútuas e muita reflexão responsável, eles chegaram agora à cohclu-
são de que só existe um coiltrole que devem exercer um sobre o ou­
tro* “Não teremos casos de amor com outras pessoas”. Das suas
declarações se depreende que assim mesmo o controle é muito frou­
xo, mas é a meta que cólimam. Desconfio de que seriam bs pri­
meiros a ressalvar que esta é a solução para eles, pois não estão
tentando dizer a ninguém o que deve fazer.. Ení todos os outros
sentidos concedem-se mutuamente uma liberdade quãse absoluta pára
serem pessoas separadas, para agirem como quiserem, sèm tentar iih-
por nenhuma espécie de restrição. Tráta-se, evidentemente; de Um
casamento sem queixas freqüentes e importunas — brigas sim, qüei-
xas não. Seja qual for o grau de possessividadê existente no fcàsa-
mento, estão-se esforçando por eliminá-la, e não peípétuâ-la (p. 184;
Qije é possessividade? p. 186).
Em parte, sem dúvida, por ãe haver empenhado tanto è® tornar
as relações sextíiai^tãò significativas, quèr déritró, quer fora dò ca­
samento, Eric despreza os pseudo^sqfiâtiçádos que vêéhi no conví­
vio sexual apenas um meio de consegiiir “emoções”. Isso, para ele,
é extremamente infantil e a degradação dè uma experiência que,
bem o sabe, pode ser muito mais (pp. 180-181 ) H
Permitam-me tocar agora em outra seqüência importante das
observações deles. Eric descreve pitorescamente a armadilha em que
se encontra uma pessoa ao tentar ser diretamente responsável pela
vida psicológica de outra, com a qual está diretamente envolvida.
Não lhe é dado controlar nem deter a “doença mental” de Denisc
mas, como se sente diretamente responsável, é também controlado
por ela. £ um “fardo que carrega”. Não pode fazer isso nem aqui­
lo porque isso ou aquilo poderiam agravar a situação da mulher.
Estaria ela controlando inconscientemente o marido através do seu
comportamento? A esse ponto, é claro, não podemos chegar. Mui­
tos pais passam, com os filhos adolescentes, pela mesma espécie de
angústia que Eric sofreu. Sentir-se responsável mas não ter o poder
nem o controle, que são o acompanhamento natural da responsabi­
lidade, é, de fato, uma situação especialmente engenhada para pro­
vocar padecimentos (Eric e a “doença” de Denise, pp. 177-178).
A intensidade dá tensão suportada por Eric ao ver-se preso na
armadilha pode medir-se — quando ele se inteirou da força inde­
pendente de Denise — pela extensão do seu desmoronamento. Che­
gou realmente a ficar meio “pancada” e deixou que Denise assumisse
a responsabilidade por ele (p. 178).
195

A plena medida da realização de Denise como pessoa é que
ela pôde ser não apenas a companheira de Eric no mais pleno sen<-
tido como também pôde ser sua “mãe” quando ele se sentiu infantil,
irresponsável ou “louco” e pôde também deixá-lo voltar ao seu síatus
de adulto quando ele quis. Isso está muito longe da primitiva De­
nise (Às conseqüências, pp. 178-179).
Isto pode ser uma observação à parte — mas que faço questão
de frisar: “esgotamento mental”, “doença mental”, “esquizofrenia”,
etc., a não ser em casos muito çspeciais, não são doenças. As cir­
cunstâncias podem ser tão arrasadoras, os conflitos tão grandes* o
eu tão ignorado e tão fraco, que o comportamento esquisito, muitas
vezes, é a única maneira de enfrentar o mundo das relações pessoais
ou de lidar com ele. Mas isso é muito diferente da enfermidade fí­
sica. A tentativa de Denise para viver como a pessoa manufaturada
pelos pais, o conflito entre essa pessoa e a pessoa aceitável para
Eric, o seu “esgotamento nervoso”, o seu gradativo. descobrimento
da própria personalidade e a sua transformação numa mulher forte,
vigorosa, emocionante, é um clássico exemplo disso (“Posso decidir
ficar doente”, p. 176-)-.
Seja-me agora permitido focalizar um tópico muito diferente, em
que estou longe de ser um entendido. Ficou absolutamente claro
para Eric e Denise que o hábito de fumar maconha fez de Eric uma
pessoa muito mais total, permitindo-lhe apreciar os aspectos emocio­
nais do estilo de vida de Denise e enriquecer o seu casamento de
muitíssimas maneiras. Conheço outras pessoas com histórias seme­
lhantes. O uso do LSD, para Eric, parece ter sido uma experiência
potente mas, segundo ele, não teve nenhum grande efeito sobre o
casamento. O Eric friamente racional, altamente intelectual, que co­
nheci, transformou-se, por certo, numa pessoa cordial, sensível, com­
pleta. Se a maconha, de fato, foi em parte responsável por isso,
não há dúvida de que ela ajudou tanto o casamento quanto a pessoa
de Eric (O lugar das drogas, pp. 1 8 6 -1 8 8 )®
Como sinal da enorme modificação e decrescim ento operados
em seu casamento, é curioso pensar que, no entender dos dois, se
qualquer um deles viesse agora a conhecer o outro tal como era
aos dezenove e aos vinte e um anos, achá-lo-ia inteiramente desti­
tuído de atrativos. Creio que isso deve ser verdade em relação a
todo casamento que se desenvolve (A mocidade e “depois dos trinta”,
pp. 188-189).
No fim, Eric descreve o casamento como um processo, e não
uma estrutura institucional. Não posso, de maneira alguma, apri­
196

morar-lhe o enunciado e limito-me, de todo o coração, a sublinhá-lo,
dizendo “Amém!” e sugerindo que seja relido.
Penso o mesmo a respeito, do seu pronunciamento final. Um
casamento que se transforma continuamente pelo desenvolvimento
de cada cônjuge é, sem dúvida, uma das maiores fontes de firmeza
que um homem pode conhecer. A partir daí, ele se sente seguro
para aventurar-se a um comportamento arrojado, inovador, desa­
fiador, tentar livremente mudar o seu mundo, assumir riscos, porque
sabe que pode voltar ao relacionamento seguro. A própria firmeza
está na mudança e no processo, e não em algo estático. Mas uma
substância dela, que não cessa de florescer, é, para mim, o casamento,
em seu maior-brilho (O casamento como processo, pp. 189-190; A
conclusão de Eric, pp. 190-191).
197

IN D Í C I O S D E P E R M A N Ê N C I A ,
D E E N R I Q U E C I M E N T O
9
Ficou claro para m im, ao trabalhar intimamente com os materiais
tão espontaneamente fornecidos por Eric e Denise, Dick e Gail,
Roy e Sylvia, Irene, Hal e os demais, que algumas uniões “funcio­
nam” — parecem satisfatórias, enriquecedoras, capazes de desenvol­
vimento e até permanentes. Outras, que envolvem, às vezes, as mes­
mas pessoas, não funcionam e terminam em infelicidade, separação
ou divórcio. E, assim, perguntei a mim mesmó se existem indícios
que nos permitem distinguir uma da outra. Poderia eu observar numa
determinada união elementos que me dessem alguma esperança de
que ela seria significativa para ambas as partes e tenderia a con­
tinuar, ou elementos que indicassem um resultado oposto? Eu gos­
taria de partilhar çpm o leitor as minhas reflexões sobre o assunto,
de modo que ele possa tir?r as próprias conclusões, semelhantes ou
não às minhas.
DEDICAÇAO? COMPROMISSO?
O primeiro indício que vislumbro relaciona-se, de certo,<modo,
com os dois termos da epígrafe, muito embora os pontos de interro­
gação indiquem que não estou satisfeito com nenhum dos dois. Dei­
xem-me mostrar o caminho que segui ao pensar nesse tópico.
“Eu te amo”; “Nós nos amamos”. Um sem-númerp de exem­
plos neste livro mostra-nos o quanto são fundamentalmente sem
sentido essas declarações como garantia de uma uniãò' satisfatória
198

ou jluradoura — se bem descrevam perfeitamente as atitudes existen­
tes em algumas relações de natureza transitória. Não que tais de­
clarações sejam destituídas de significado — elas podem ser a ver­
dade absoluta do momento; mas já vimos— na vida de Irene, por
exemplo, no capítulo 5 — que mudam com muita facilidade para
“Eu pensei que te amava”.
WS “Cómprometo-me a zelar por você e pelo seu bem-estar”; “In­
teresso-me mais por você do que por mim”. Nobres sentimentos.
Mas vimos que redundaram em desastre no casamento de Jennifèi
e Jay (capítulo l?)i, e nas esforçadas tentativas de Hal para fazei
o que agradaria à primeira esposa (capítulo 6)|S Por mais bèla que
seja essa atitude no momento, ela pode conduzir a uma submersão
da personalidade que é fatal à união.
“Trabalharemos com afincó*pelo nossIÉ casamento”. Eis aí tam­
bém um belo propósito, mas é demasiado vago e supõe alguma coi­
sa demasiado estática. Lobrigamos algo parecido no trecho final
da história contada por Dick "e Gail (capítulo 2), embora pouco
convincente. O que eles estavam dizendo è o que isso amiúde signi­
fica é: “Faremos o possível para transformar a caixa em que estamos
numa bonita caixa”. Isso 'não ’é sufíderue. ' " ■
“Consideramos sagrada a instituição do casamento, e ela será
sagrada para nós”; “Seremos um do outro até que a morte nos
separe”. Basta um rápido olhar dirigido às estatísticas de separações,
divórcios e dissoluções de casamentos para ver que, por mais sin­
cero que seja um casal ao pronunciar esses votos, não poderá cum­
pri-los se. o casamento não for satisfatório. Se o não for, ele-s se
aviltarão, destruirão, ou romperão os vínculos — e, às vezes, fa­
rão todas essas coisas. Tenho para mim que o valor do compromisso
exterior é pouco mais do que nulo.
“Estamos destinados um ao outro; estamos ligados por laços
biológicos profundos através dos nossos filhos; estamos determina­
dos (através do condicionamento da nossa infância) a fazer durar
o nosso casamento”. Essa múltipla dedicação é expressa com muita
eloqüência por Eric e Denise (capítulo 8) e todavia, para falar com
toda a sinceridade, duvido que explique a duração do seu casa­
mento. Muitos indivíduos expressaram, com a mesma intensidade,
cada uma dessas opiniões,- apenas para ver a sua união dissolver-se
ou, o que é pior, deixar um legado de amargura e censura, tácita ou
explícita.
“Comprometo-me a trabalhar pelo processo do nosso relaciona­
mento, que representa muito para mim”. Ora, no meu entender,

estamos -chegando um pouco mais perto da essência do significado
de uma dedicação. Isso encara a união como um processo conti­
nuado, e não um contrato. O trabalho feito visa tanto à satisfação
pessoal quanto à satisfação mútua. Isso se percebe, com muita cla­
reza, no terceiro casamento de Irene (capítulo 5) em que Joe —
tranqüilamente, insistentemente, sem alarde — se devota ao processo
do seu relacionamento, ainda què Irene se recuse a aceitá-lo, a prin­
cípio. Ele nega-se a ouvir as “histórias de horror” dela — relatos
do seu trágico passado. Ele focaliza o processo do seu relacionar
mento atual e, pouco a pouco, ela vem juntar-se a ele, através da
maravilhosa conversação consigo mesma à janela. A partir desse
ponto se inicia um processo de relacionamento, um relacionamento
crescente, muito anterior a qualquer troca de votos ou a qualquer
casamento legalizado.
Vemos algo da mesma coisa em Becky, acredito eu (capítulo 6),
embora não tenhamos infelizmente as suas percepções pessoais di­
retas. Ela trabalha no processo do seu relacionamento porque ama
e escolheu Hal e, aos poucos, isso o penetra, apesar de todos os
obstáculos que ele deve ter visto num casamento entre um negro e
uma branca. Mas ela está empenhada em construir esse relacio­
namento.
Assim, 'gradativamente, e sobretudo através de um processo de
eliminação, cheguei a um pronunciamento que me satisfaz — por
enquanto. É uma tentativa para expressar em palavras = r palavras
demais, receio eu — o verdadeiro ^significado de um termo como
“dedicação” aplicado a uma união. É um pronunciamento que des­
creve, a meu ver, um dos indícios de permanência e enriquecimento
em qualquer relação duradoura. Aqui éstá ele. Cada uma de suas
palavras foi cuidadosamente ponderada e tem importância para mim.
“Nós dois nos comprometemos a cultivar juntos o-processo m ui
dável do nosso atual relacionamento, porque esse relacionamento
está enriquecendo O nosso amor e a nossa vida e nós queremos que
giifcies ^ P 'f: -r.
Isso diz tudo, no ineu entender. Qualquer explicação talvez
seja ociosa, mas não posso resistir à tentação de expor a minha. O
compromisso é individual, mas o trabalho constante, difícil, arriscado
— què tentarei descrever mais tarde — é, necessariamente, um tra­
balho de conjunto. O relacionamento só durará enquanto essa qua­
lidade duradoura existir no presente. Não se faz nenhuma tentativa
de vulto para esclarecer dificuldades passadas ou futuras, a não ser
que elas infelicitem, no momento, a vida do casal. Encara-se ô re­
lacionamento como uma corrente que flui, e não como uma estru-
200

tura estátiòa que pode ser considerada incontestável. Focaliza-se me­
nos o outro indivíduo ou a própria pessoa — embora eu também
tenha de dizer depois mais alguma coisa sobre isso — do que o
j .sdiato relacionamento de amor e de vida que existe entre os dois.
E assim, ocasionalmente, o compromisso adquire a qualidade trans­
cendental que Buber descreve tão bem, e que taivez sofra abreviada.
Mas algUmas das suas sentenças têm grande significação para mim.
“A palavra essencial Eu-Tu só pode ser proferida com todo o ser...
Quando se fala Tu, o interlocutor não objetiva coisa alguma. [...]
Ele toma a sua posição em relação. [...] Tu não tem limites.
[...] (Num relacionamento Eu-Tu) Nenhum engano penetra aqui;
aqui está o berço da Vida Real” (Buber, pp. 3,4,7).
Quando se definem a dedicação e o compromisso à maneira que
finalmente formulei, acredito que constituam o berço em que pode
começar a crescer uma união verdadeira, relacionada.
COMUNICAÇÃO
Que pântano de elementos diversos e contraditórios se contém
nesta palavra! Abrange tudo o que se pode imaginar. “Passe a man­
teiga”. Isso é comunicação, e o termo não vai muito além disso
em muitos casamentos. “Minha mãe sempre disse que você é um ca­
nalha, e é mesmo!” Isso também pode ser qualificado de . comuni­
cação, e tais acusações, juízos e avaliações possivelmente prejudicam
mais as uniões do que qualquer outro fator que conheço. Ou Sylvia,
passando os seus longos cabelos amorosamente pelas costas de Roy,
sem dizer uma palavra — também é comunicação; tanto quanto o
são os olhares furibundos, ou os olhares de repugnância, ou o recuo
da primeira esposa de Hal quando èle fez menção de beijá-la. A
comunicação não verbal pode ser realmente muito vigorosa.
De modo que, se dissermos que uma união deve ser comuni­
cativa, na realidade não estaremos dizendo nada. Todos os casa­
mentos são comunicativos, verbalmente ou não, para melhor ou para
pior. Não obstante, nessa barafunda de significados encontro um
indício de enriquecimento, um indício que aumenta consideravel­
mente as oportunidades de permanência, de felicidade. Vejamos se
consigo destrinçá-lo e esclarecê-lo — talvez por meio de exemplos,
negativos e positivos.
201

Em certo sentido, o compromisso com o processo, que acabei
..tentando descrever, é básico para a melhor comunicação. Mas a co­
municação tem muitos elementos.
O sentimento persistente. Deixem-me pôr um exemplo muito
comum. O marido vê-se irritado pela aparência da esposa à mesa
do café, suja, num roupão amarrotado, e cheia de encrespadores. Se
ele deixar que isso avulte e avulte em si mesmo, explodirá algumas
vezes, geralmente numa acusação explosiva: “Por que você sempre
parece desmazelada de manhã?” Mas, se tiver consciência dos seus
sentimentos, depois de algumas repetições dessa atitude, poderá ex­
pressá-los como coisa sua, íntima: “ Sabe, não *me agrada o jeito
de você apresentar-se todas as manhãs”. Isso provocará, por força,
uma resposta, e a comunicação subseqüente talvez não seja agradá­
vel, mas cada qual aprenderá muita coisa a respeito do outro, se
cada qual continuar expressando apenas os próprios pensamentos e
não acusações. Não se trata de um truque nem de uma técnica,
e falhará completamente se for usado como tal. Mas se se basear
firmemente na atitude “Quero partilhar-me e quero partilhar meus
sentimentos com você, mesmo que não sejam todos positivos",
quase que se pode garantir um processo construtivo.
Risco: tal comunicação sempre envolve risco. Você está ex­
pondo uma faceta até então desconhecida — e portanto vulnerável
— de si mesmo. Quandó uma mulher respira fundo, decide arris­
car-se e diz ao companhéiro “Não sei por que, se isso está em
mim ou em você, mas o caso é que encontro muitò pouca satisr
fação em nossas relações sexuais” , está fazendo duas coisas. Está
pondo em risco todo o rejacionamento na tentativa de désenvolvê-lo.
Mas também está compartindo de uma parte oculta, assustadora,
de si mesma, qUe pode ser rejeitada, mál interpretada ou vista comòj
acusação — está expondo, o relacionamento sem restrições nem con­
dições. Entretanto, um pronunciamento dessa natureza não pode ser
contestado, pois só ela sabe se é verdadeiro ou não. E pode con-
verter-se num fato, que olhe de frente para os dois e estimule uma
partilha profunda.
Vimos disso exemplos sobre exemplos nos capítulos anteriores.
Dick e Gail, que se acusavam mutuamente com tanta facilidade, ex­
pressaram os próprios sentimentos em relação ao sexo e encontra­
ram o companheiro compreensivo e compassivo (capítulo 2). Irene
(capítulo S) que tentou tão desesperadamente e por tantas maneiras
transmitir uma falsa imagem de si mesma, incluindo uma imagem
falsa de orgasmo, gradativamente se descontraiu ao comunicar to­
202

das as maneiras horríveis em que se via, e acabou sendo amada por
isso»%
Existe um efeito dessa comunicação profundamente vulnerável
em que a maioria das pessoas só acredita depois que o experimenta.
E é que a partilha dos sentimentos mais profundos que alguém des­
cobre em si mesmo provoca uma partilha semelhante do outro.
Quando Peg (capítulo 1) revela tudo o que pode da sua “medonha
personalidade” ao marido, ele responde com os seus sentimentos
sobre si mesmo, e. ela descobre que ele “andara sofrendo o diabo
também”. Essa participação proporciona enorme quantidade de da­
dos sensíveis, palpitantes, que se podem manejar para melhorar a
qualidade do processo de relacionamento.
Uma das grandes vantagens do tipo de comunicação que estou
descrevendo é que ela pode ser iniciada por um membro do casal.
Isto, sem dúvida, demanda. coragem, mas é possível.
Aqui está a minha tentativa para expor, com a maior concisão
possível, os vários aspectos desse segundo indício intangível de uma
união em desenvolvimento. E também não se trata de um enunciado
meramente casual.
“Arriscar-me-ei tentando comunicar qualquer -sentimento per­
sistente, positivo ou negativo, ao meu companheiro — com a mesma
profundidade com que o percebo em mim — como uma parte pre­
sente e viva de mim. Em .seguida, arriscar-me-ei ainda mais tentando
compreender, com toda a empatia de que eu for capaz, a sua res­
posta, seja acusativa e crítica, seja compartilhante e autc-reveladora.”
Eu quisera que esse enunciado também pudesse condensar-se,
mas o meu espírito organizador insiste em tentar levar em conta to*
das as situações concebíveis. De qualquer maneira, acredito que o
leitor descubra, neste livro e nas vidas que o rodeiam, que, quando
existe, mesmo parcialmente, essa complexa qualidade de comunica­
ção participante, aventurosa e receptiva, é grande a probabilidade
de um relacionamento libertador, suscetível de desenvolvimento. Isto
se patenteia sobretudo no terceiro casamento de Irene, e no de Eric
e Denise, mas pode observar-se em todas as uniões que se encami­
nham para um relacionamento proçessual e não estático. Quanto
menos coisas escondidas houver no relacionamento atual (o que não
quer dizer que se deva escavar o passado), tanto maiores serão a
mudança e o desenvolvimento. E um dos parceiros pode pôr a bola
em movimento, posto que, se a comunicação permanecer unilateral,
as perspectivas de crescimento serão melancólicas.
203

A DISSOLUÇÃO DOS PAPÉIS
Um elemento que, segundo vimos, pode desempenhar Um papel
tanto positivo quanto negativo, conforme a posição assumida em re-j
lação a ele, é o das expectativas nascidas da cultüra ou da subcul-i3
tura. A vida pautada pelas expectativas de comportamento parecei
opor-se sistematicamente ao casamento futurosó, ao casamento em 1
vias de desenvolvimento. Quer falemos da mulher de Tepozüánfl
submissa ao marido porque a sua cultura espera que ela seja assimjl
ou de Joan, que se casou porque todas as siias amigas e seus pais'
esperavam que ela casasse com Max, ou de Dick e Gail (capítulo
2), que se viram, depois do casamento, bruscamente atirados em
caixas novas, que não tinham sido feitas por eles, estamos falando^
de uma relacionamento estático ou em plena decadência.
Assim sendo, nos únicos casamentos que parecem enriquecedo^j
res e satisfatórios, as expectativas de comportamento desempenham
um papel cada vez menor até que, como no caso de Eric e Denisc,'
praticamente desaparecem. Seguir :— mais ou menos cegamente —
as expectativas dos pais, da religião, da cultura é levar ao desastre
o processo em marcha, diferenciador, de uma união em progresso.
Isso não quer dizer que todas as expectativas sejam “más” por
si mesmas. Com efeito, a pessoa pode decidir, depois de amadu­
recida consideração, assumir uma atitude que seus pais também
julgam acertada. Mas isso porque ela decide fazê-lo, não porque
eles esperam que o faça. E aqui, como é fácil reconhecer, as coisas
se tornam enganosas. É por causa dos próprios sentimentos, dos
próprios “ritmos naturais” que a pessoa adota essa atitude, ou está-se.
iludindo a si mesma, dizendo que decidiu adotá-la? Conhecer os
próprios sentimentos não é fácil nem simples. É um esforço que
dura, às vezes, a vida inteira. Mas na medida em que podemos
atentar para o nosso organismo e mover-nos nas direções que “pa­
recem certas” para ele e para nós, desviamo-nos do comporta­
mento orientado pelas expectativas alheias. E nessa medida nos mo­
vemos para uma complexidade de união, uma riqueza de vida em
conjunto, que é muito menos simples do que viver de acordo com
as expectativas dos outros, e muito mais satisfatório. Ao meu pare­
cer, portanto, aqui está outro indício que liga as uniões convenientes.
Estas se recusam a ser moldadas por expectativas, por mais com­
pulsivas que possam parecer. “Viveremos de acordo com as nossas
opções, com a sensibilidade orgânica mais profunda de que somos
capazes, mas não seremos afeiçoados pelos desejos, pelas regras M
pelos papéis que os outros insistem em impor-nos”.
204

TORNANDO-SE UMA PERSONALIDADE SEPARADA
Numa união processual, um dos fatores mais importantes que
tendem à fprmação de um relacionamento realmente capaz de desen-
volver-se pode' parecer paradoxal. E resume-se nisto: quando cada
parceiro está progredindo no sentido de afirmar cada vez mais a
própria personalidade, a união se torna mais enriquecedora. £ quase
o mesmo que dizer .que quanto mais nos separamos, maiores são as
probabilidades de uma união vigorosa. Isso não deve ser tomado in­
teiramente ao pé da letra, pois é óbvio que pode conduzir também
ao fim. Quase todos os'exemplos contidos neste livro, porém, for­
necem provas disso. Uma união viva se compõe de duas pessoas,
cada uma das quais possui, respeita e desenvolve a própria indivi­
dualidade. E em parte alguma isso se acha tão bem ilustrado quanto
no caso de Denise e Eric. À proporção que Denise ensaia os seus
passos hesitantes no sentido de afastar-se da criatura sem nenhuma
importância que tinha sido, modelada pelos pais ou pelo marido,
o casamento cresce. À proporção que ela se torna uma personalidade
cada vez mais forte e independente, cada um dos seus passos lhes fa­
vorece a união. Mas que significa tornar-se uma personalidade? Dei-'
xem-me tentar explicá-lo.
O descobrimento de si mesmo: significa primeiro que ele/ela
(malditos pronomes!) está sempre tentando aproximar-se cada vez
mais dos seus sentimentos íntimos. Move-se no sentido de uma pro­
ximidade maior e de uma maior percepção do que quer que esteja
experimentando no próprio organismo. Joan (capítulo 1) é um breve
e patético exemplo de como aprende — demasiado tarde para o' pri­
meiro casamento — que tem sentimentos e pode confiar neles. Todo
indivíduo descobre que o que está experimentando intimamente é um
variado complexo de reações, que vão desde as mais fantásticas e
loucas até às sólidas, socialmente aprovadas.
A aceitação do eu: ele se move no sentido de aceitar toda essa
mudável complexidade como parte verdadeira de si mesmo — uma
variadíssima colcha de retalhos de que não se sente nem. precisa
sentir-se envergonhado. Começa sendo dono de si mesmo — pre­
ciosa propriedade. E quanto mais é dono. de si, tanto mais pode
ser ele mesmo. Tenho visto realizar-se esse processo com maior
freqüência na terapêutica ou em encounter groups mas poderia per­
feitamente ser produzido em nossa educação, se algum dia chegar­
mos a compreender que ajudar as pessoas, a se tornarem pessoas é
muito mais importante do que ajudá-las a tomarem-se matemáticas,
poliglotas, ou coisa que o valha.
205

Dessa maneira, se o participante de uma união encarar com
aceitação todos os aspectos medonhos,. loucos, pavorosos e ternos,
belos e competentes de sua personalidade, estár-se-á tornando*, cada
vez mais, uma pessoa com a qual se pode viver. Irene é Joe (ca­
pítulo 5) são exemplos clássicos — e a sua história merece ser
relida. Mas estudar o lento progresso de Denise (capítulo 8) ou
de Roy e Sylvia (capítulo 3) é aprender como é duro, difícil e pro­
longado esse processo — um dos elementos que confere a uma
união a sua emocinante e imprevisível beleza, assim como o seu so­
frimento. Quando duas pessoas * únicas vivem juntas íntima e par-
ticipantemente — que maravilha! -
^ |j %
Deixando cair as' máscaras: fora quase ocioso dizer que, nesse
processo, o indivíduo* se afasta das fachadas, das defesas encoura-
çadas e das simulações. Não é. uma criança imatura e assustada,
escondida por trásd a máscara de uma garota.faiscinante e sofisticada.
Ele talvez pareça» ser um exemplo vivo de machismo, de supermas-
culinidade, de força, mas pode deixar cair o disfarce;. Por dentro,
não raro, é infantil, dependente, necessitado do colo materno, como,
às vezes, ela precisa dos cuidados paternos, tão importantes para uma
menininha assustada. Cada qual pode ser temporariamente o que
é, sem medo de permanecer fundido nesse molde para sempre. Te­
nho sugerido amiúde aos outros qué devem tratar com bondade,
generosidade e desvelo a criança que sempre carregam dentro de si. E
se a minha companheira também é capaz de amar o menino que faz
parte de mim, tanto melhor, pois isso se tornará duplamente enrique-
cedor e me permitirá também ser o homem que sei que sou.
Experimentando valores: tudo isso significa que cada um dos
participantes da união está desenvolvendo o que me apraz chamar
um “centro interno de avaliação”.^ Quero dizer, o valor e o signifi­
cado de uma experiência, para nós, não são determinados pelo que
diz a nossa companheira, ou pelo qüe os nossos pais decidem, ou
pelo que preceitua a nossa igreja, ou pelo que a nossa escola ava­
lia, mas pelo modo como os “sentimos” em nosso nível mais pro­
fundo de experiência. Por exemplo, todas as influências exter­
nas que mencionei podem dizer que determinada experiência de
relação sexual em nosso casamento está certa, é legal, apro­
priada, e revela amor. Sabemos tudo isso. E, todavia, também po­
demos saber, no âmago do nosso ser, que isso não passa da utili­
zação de uma pessoa por outra, de uma simulação, de uma fraude,
e não contém o verdadeiro amor. Quando temos um centro interno
de avaliação, é neste segundo tipo de julgamento que confiamos e
pelo qual regulamos os comportamentos seguintes. 1Isso também quer
206

dizer que não somos governados pelos “deveres”- e “obrigações” que
todos os aspectos da nossa cultura se mostram tão desejosos de im­
pingir-nos, para substituir os valores que estamos descobrindo por
nós mesmos.
Quando uma pessoa está fazendo progressos, em todos os sen­
tidos que descrevi; no sentido de tornar-se uma personalidade própria
e separada, passa a ser um companheiro valioso nunca um es­
cravo ou um dono de escravo, jamais uma sombrá'ou um eco, nem
sempre um líder e nem sempre um seguidor, nem alguém que possa
ser considerado como favas contadas e, sem dúvida, como assinala
Eric, tampouco um chato.
Crescimento para ambos: finalmente, é tão recompensador ver­
se alguém envolvido no processo de converter-se numa personali­
dade própria que quase inevitavelmente permitirá ao companheiro
seguir na mesma direção, estimulando-o e regozijando-se com cada
passo que ele der. £ gostoso crescer junto, duas vidas únicas e en­
trelaçadas.
Eu acrescentaria que se esse Jipo de crescimento ocorrer ape­
nas num dos participantes da união e. não for incentivado nem fa­
vorecido pelo outro, a distância entre ambos aumentará e se tornará
aterradora, e a união, a menos que aconteça algum milagre, irá fa­
talmente por água abaixo.
“Talvez”', eu gostaria de tentar expressar este intricado indício
de reforço final em termos pessoais, como fiz com os outros. E, mais
uma vez, as palavras não foram escolhidas ao acaso.
“Eu talvez possa descobrir mais do que sou realmente em meu
íntimo e chegar mais perto disso — sentindo-me, às vezes, enco­
lerizado ou aterrado, às vezes amante e solícito, de vez em quando
belo e forte ou desordenado e medonho — sem esconder de , mim
mesmo esses sentimentos. Eu talvez possa estimar-me como a pessoa
ricamente variada que sou. Talvez possa ser espontaneamente mais
essa pessoa. Nesse caso, poderei viver de acordo com os meus pró­
prios valores experimentados, conquanto tenha consciência de todos
os códigos da sociedade. Nesse caso, poderei ser toda essa comple­
xidade de sentimentos, significados e valores com meu companheiro
— suficientemente livre para dar o amor, a raiva e a ternura que
existem em mim. Ê possível, então, que eu venha a ser um partici­
pante real de uma união, porque estou em vias de ser uma pessoa
real. E espero poder incentivar meu companheiro a seguir o seu
caminho na direção de uma personalidade única, que eu gostaria
imensamente de partilhar”.
207

SÓ QUATRO?
Eu supunha sinceramente poder descobrir muitos desses “indí­
cios” que ligam as uniões de modo enriquecedor e não . limitativo.
Mas os quatro que descrevi resumem tudo o que encontrei. Certas*
coisas são mais notáveis pela ausência do que pela presença. Tome-
se, por exemplo, a “mútua satisfação no relacionamento sexual”,
freqüentemente apresentado como condição sine qua non de uma
ligação permanente. Não creio, porém, que seja básico por si mesW
mo — pois pode ser quase seguramente desenvolvido, se os quatro in­
dícios estiverem presentes na união. Por isso omiti grande número
dos enunciados descritivos superficiais que se podem fazér com fre­
qüência sobre casamentos “bem sucedidos”, porque não explicami'
como surgiram. Tenho para mim que enumerei quatro dos elemen^
tos mais fundamentais, mais causais, mais formadores de processos,
— compromisso com o processo de relacionamento, o risco da co­
municação dos próprios sentimentos, o repúdio da existência pautada
pelas expectativas alheias e o descobrimento e a partilha da perso­
nalidade própria e separada de cada um.
Não me iludo,k porém, imaginando que a minha análise seja
correta nem, muito menos, que seja a única análise correta. Espero
que 0 leitor faça a sua.
208

E E N T Ã O ? Q U Ê FA ZEM O S?
Permita o leitor que eu me afaste um pouco do casamento e das
suas várias alternativas e encare o problema, por assim dizer, por
um novij prisma;
O laboratório experimental é um dos elementos fundamentais
da sociedade norte-americana. Médicos que trabalham afincadamente
e seus colegas técnicos gastam somas enormes investigando as cau­
sas e a cura ou a melhoria de várias falhas do organismo humano,
que o impedem de funcionar normalmente. O governo aumenta o
seu investimento no estudo do câncer. As companhias farmacêuti­
cas despendem milhões, e o governo lhes acrescenta muitos outros,
estudando novas maneiras de controlar a doença através da medi­
cação e investigando malogros e resultados desastrosos de algumas
drogas prescritas. Isto acontece porque já não consideramos uma
peste oU uma moléstia que se alastra violentamente como prova da
ira de Deus, que deve ser aceita em silêncio.
Temos laboratórios espaciais, que se dedicam aos problemas da
navegação e da existência no espaço exterior da sondagem de todas
as falhas mecânicas ou humanas. Bilhões de dólares não bastam
para sustentar esses empreendimentos exploratórios pioneiros, cujo
resultado homem algum poderá predizèr, pois eles contrariam fron-
talmente a tradição segundo a qual o homem está preso a este planeta.
Companhias de automóveis construíram laboratórios para estu­
dar cada porção do funcionamento do carro moderno, tentando me­
lhorá-lo, reduzir-lhe os enguiços, torná-lo mais seguro. Com um pou­
co de estímulo do governo, elas chegam a recolher milhares e mi­
lhares de automóveis que podem falhar, mesmo que as probabili­
dades de falha sejam apenas de uma em cem mil. Já estamos muito
longe dos gritos irônicos desferidos à passagem do automóvel: “Com-
209

pre um cavalo!” E chegamos a essa distância mediante experiências
livremente feitas em laboratório. •
Qualquer indústria moderna é julgada,;'em parte, pelo vulto
do seu investimento em P e em D — pesquisa e desenvolvimento.
Hoje se reconhece que uma companhia só triunfará se eliminar os
insucessos passados, explorar novas, possibilidades e estudar novos
materiais para os seus produtos.
£ um truísmo que a agricultura, com o seu tremendo índice de
progresso na produção de culturas, carnes, aves, etc., não poderia
ter chegado aonde chegou sem uma infinidade de laboratórios —
governamentais, comerciais, particulares — analisando os fracassos
passados e as futuras possibilidades, e sustentada por verbas sem
fim.
Não desenvolverei esse ponto. A experimentação é fundamen­
tal para todos, os nossos progressos técnicos, por mais numerosas
que sejam as tradições que ela derruba. Não somente é aceita, mas
também financiada e admirada pelo público. As mudanças que acar­
reta são conhecidas e aprovadas por quase todos. As revoluções in­
dustriais — nos serviços sanitários, na agricultura, na indústria, na
tecnologia' da guerra, na tecnologia espacial — são todas reconhe­
cidas. Sabemos que essas revoluções incrueiitas provocaram incríveis
alterações em nossos estilos de vida.
Mas tornemos agora ao assunto deste livro. O casamento e a
família conjugal representam uma instituição combalida, um estilo
combalido de vida. Ninguém contestará que ela já foi muitíssimo
bem sucedida. Precisamos de laboratórios, experiências, tentativas
párã evitar á repetição de malogros passados, e para analisar novos
enfotjues.
Acredito que, neste livro, vemos o vasto laboratório em que
essès problemas estão sendo enfrentados pelos nossos jovens. Sem
álárde e sem comemorações, pesquisas, experiências, novos tipos de
relacionamento, novos gêneros de uniões estão sendo tentados, as
pessoas estão aprendendo com os erros e aproveitando com os êxi­
tos. Estão inventando alternativas, novos futuros, para as nossas ins­
tituições mais nitidamente decadentés, o casamento e a família con­
jugal. Significará isso, acaso, que o governo sustenta esses labo­
ratórios com os seus bilhões, e os jovens são altamente respeitados
por suas experiências com novos valores e novos padrões? Que essa
tranqüila revolução sem violência está sendo vigorosamente apoiada
por um público interessado? Que tolice! Toda a gente sabe que a
verdade é exatamente o contrário. Temos tanto medo de mudança
210

nessa área que vemos um inimigo debaixo de cada cama — não, em
cada cama seria mais exato. Promulgamos leis e decretos para matar
esse laboratório incipiente e promissor. Só conseguimos apontar para
os seus malogros e estamos tão assustados que nem olhamos para os
seus êxitos. Envidamos todos os esforços para suprimir o apoio finan­
ceiro a quem quer que tenha a ousadia de tentar introduzir mudanças
na instituição do casamento. Retrocedemos — nessa área — à Idade
Média, quando o cientista — como Galileu, por exemplo — era pro­
cessado e condenado por haver feitó descobertas, e obrigado a re­
tratar-se. Ainda sustentamos que a tradição, as sanções religiosas e os
códigos de moral herdados do passado nunca devem ser quebrantados
e ai daquele cujos valores, descobrimentos & maneiras de viver infrin­
gem tais sanções.
Já é tempo, na minha opinião, de aqui * também começarmos
a viver no século XX. Já é tempo de reconhecermos, que as tran­
qüilas experiências, revolucionárias, e evolutivas, são um aspecto fe­
liz, e não. infeliz, da nossa vida cultural. Podemos, acaso, aceitar
o fato de que aqui também a mudança é fundamental e de que es­
tamos desesperadamente necessitados de uma revolução na área das
uniões vivas e da vida familial, como a que se verificou na indústria,
na agricultura, na aviação, no espaço e em todos os demais aspectos
da vida? Podemos respeitar os nossos exploradores? Essa é a grande
questão que temos. de enfrentar. E se a enfrentássemos, que fa­
ríamos?
LIBERDADE PARA FAZER EXPERIÊNCIAS
NO TERRENO DAS UNIÕES
Ao examinar a lista de nomes das pessoas que com tanta sin­
ceridade encheram este livro consigo mesmas, fascina-me. chegar à
conclusão de que a grande maioria, na lufã "por aprimorar as suas
uniões, se empenhou — já no passado, já no presente — em prá­
ticas que as leis federais, estaduais ou locais teriam classificado de
ilegais. Para chamá-las pelos nomes antigos, “viver em pecado”,
“cometer adultério", “procedimento libidinoso e lascivo”, “fornica­
ção”, “homossexualismo”, “ingestão de drogas ilegais”, e até “prosti­
tuição” — tudo isso está presente nestas páginas, embora, em se
211

tratando de atos praticados por indivíduos interessados em encontrar
nm modelo melhor de uniões, õs nomes antigos sejain ridículos.
Uma coisa que nós, como cultura, talvez pudéssemos fazer para
preservar esse valiosíssimo laboratório, essas aventuras pioneiras no
espaço dos novos relacionamentos, seria livrá-los da sombra sempre
presente da censura moral e do processo criminal.
Se tivéssemos a coragem de dizer “Não interferiremos”, já
teríamos dado um passo enorme no sentido de enfrentar a realidade.
Imaginemos que se promulgasse uma lei pela qual qualquer modelo
de união adotado por adultos mutuamente consencientes passasse
a ser legal, contanto que não fosse em claro detrimento de terceiro.
Isto favoreceria as tentativas honestas, em lugar de favorecer as clan­
destinas, e permitiria que os laboratórios de uniões operassem franca
e honestamente. Seremos, como cultura, capazes de uma atitude
assim? Mudança e liberdade, mormente quando levadas a sério, são
idéias que produzem calafrios no público norte-americano. Parece­
mos abominar a lembrança de que somos uma nação afeiçoada por
revolucionários, tanto pacíficos quanto violentos. É por isso, talvez,
qué estamos demasiado assustados para dizer aos membros de uniões
de vários gêneros: “Vocês são livres; aceitamos a inevitabilidade e
as vantagens, concebivelmente grandes, da mudança’m Mas acredito
que se tivéssemos, coletivamente, a coragem de dizer isso, teríamos
preparado o palco para uma revolução no âmbito das uniões, uma
revolução na área dos relacionamentos.
A EDUCAÇÃO PARA A INTERAÇÃO HUMANA,
PARA A COMUNICAÇÃO HUMANA
Um dos elementos que se destacam, na minha opinião, em
tantos casamentos descritos neste livro e em outros casamentos que
conheci, é a total ignorância dos jovens da maneira de viverem uma
interação pessoal, humana — a sua absoluta inexperiência da ver­
dadeira partilha pessoal na comunicação com as pessoas.|ft)hego a
pensar, às vezes, que a nossa educação visa sobretudo à^aucação
de indivíduos para viverem em gaiolas isoladas.
Dessa forma, em momentos de preocupada reflexão, pergunto
a mim mesmo se seria realmente demasiado pedir ao nosso sistema
educacional que incluísse uma nova meta entre as que já foram
212

definidas tão intelectualmente, tão precisamente. Pergunto a mim
mesmo se os nossos educadores estariam dispostos não só a acre­
ditar, mas também a provar por atos, que um dos objetivos da edu­
cação consiste em ajudar o jovem a viver, como pessoa, com outras
pessoas.
Em certos sentidos, isso me parece uma esperança modesta.
Não demandaria consideráveis gastos novos, novas verbas, novos
professores. Significaria simplesmente uma nova atitude dos pro­
fessores, uma atmosfera mudada nas salas de aula, uma tendência
modificada — talvez ò mais difícil de consegQir — dos adminis­
tradores escolares. V
Se todo o pessoal das escolas primárias, secundárias e superiores
pudesse simplesmente reconhecer e aceitar o" fato de que são psssoas
falíveis que lidam com pessoas falíveis, o nosso -sistema educacional
seria revolucionado da noite para o dia: SeFpudessem reconhecer
que a interação humana continuará durante fccta^a sjua vida e du­
rante toda a vida dos seus alunos, talvez se dispusessem a incluir
uma comunicação verdadeira, franca e partilhada como parte da
experiência educativa. Isto seria um enorme primeiro passo, uma
preparação inicial para a vida no mundo das pessoas.
Sei, todavia; que até uma sugestão dessa ordem desperta amiú­
de um medò profundo em professores e administradores. 'Pois o
professor que se torna uçia pessoa para os alunos revela-se vulne­
rável, com estados de espírito, com sentimentos, cometendo erros,
ocasionalmente inspirado. Perde a máscara segura, - imutável, infa­
lível, que é a propriedade mais apreciada de quase todo professor
(veja Dillon, Personal Teaching, 1971, onde o leitor encontrará um
relato pessoal das suas tacteantes tentativas para deixar cair esse tipo
de máscara).
Mas eu e outros, sobretudo em anos recentes, temos escrito
sobre as possibilidades humanas nas escolas e não pretendo repe­
tir-me. Portanto, se o leitor estiver interessado, leia Hogers, 1969,
Lyon, 1970, Léonard, 1968, Herndon, 1968, e muitos, muitos ou­
tros, que encontrará mencionados nesses livros.
Em lugar disso, deixem-me voltar a uma sugestão, que ainda
não encontrei em parte alguma. Quando um grupo sério de pais
deseja iniciar um “laboratório de aprendizagem” para os filhos, por
que não se lhes dá um atestado para que possam levar a cabo as
experiências? O tempo seria limitado a cinco anos, se isso satisfizesse
aos burocratas mas, de outro modo, excetuando-se tão-só as razoá­
veis precauções sanitárias, poderíamos liberar esses pais de todas
as leis estaduais que impõem restrições a currículos, requisitos, no-
213

w p m m
tas — tudo o que estropia e aprisiona. Como poderia alguém opor-
se a isso? Há' apenas duas razões: se não acreditarmos que os pais
desejam o melhor para os filhos, não o faremos; se, cotno buro­
cratas, tivermos receio de que, com o tempo, isso venha a pôr em
perigo os nossos empregos e toda a complicada estrutura da diplo-
mação dos professores, manuais necessários e a estrutura dos edu-
cadotts entrincheirados e do seu sistema, não o aprovaremos. Mas
estaríamos perdendo uma inestimável oportunidade de diversidade,
influências humanizadoras e exploração de novos caminhos. As
crianças aprendem apesar de nós, como o demonstram muitos es­
tudos, e os pais seguramente aprenderiam numa experiência dessas.
Espero que não tenhamos medo do desenvolvimento emocional, nem
da expressão sincera dos sentimentos, nem da aprendizagem refle­
tida que podem o c o ry nesses laboratórios;em ocoragr
Í IbJ
A EDUCAÇÃO PARA A UNIÃO
Faz-se um barulhão, hoje em dia, em tomo da educação sexual
nas escolas e, sem dúvida, se isso for feito deverá sê-lo em dis­
cussões livres e sinceras por pessoas reais.
Mas até mais básica, para o meu espírito, é a necessidade de
aprender a participar de uma união. Um indivíduo consegue hoje
um diploma de curso superior sem nunca ter aprendido a comu­
nicar-se, a resolver conflitos, a saber o que fazer com a raiva e
outros Sentimentos negativos. Ele ou ela talvez ignorem completa­
mente que todò homem, em parte, é feminino, dependente, infantil;
c toda mulher, em parte, é forte, independente, amadurecida — e
vice-versa.
Não se pode ler este livro sem compreender que, se bem o
casamento moderno seja um tremendo laboratório, ps seus membros,
muitas vezes, estão inteiramente despreparados para participar de
uma união. Quanto sofrimento, quantos remorsos, quantos fracas­
sos poderiam ter sido evitados se tivesse havido, pelo menos, algum
aprendizado rudimentar antes de ingressarem na união!
O leitor talvez volte a perguntar: “Como se pode conseguir
isso?” e torno a achar que uma cultura que parece èstar fazendo
progressos até no trato do smog (nevoeiro enfumaçado), poderia, sem
dúvida, fazer alguma coisa para levantar a bruma que cerca as uniões
214

incipientes. Muita coisa se conseguiria se, por exemplo, encounter
groups para professores e alunos, dirigidos pelo tipo de pessoas que
não acarretam danos psicológicos (e agora sabemos algumas coisas
a esse respeito) fizessem parte do processo de aprendizagem. A co­
municação de sentimentos reais, positivos e negativos; a resolução de
conflitos e antagonismos; o caminho para uma personalidade capaz
de aceitar-se a si mesma — tudo isso pode ser ao menos parcial­
mente conseguido (Rogers, 1970). E se se desenvolvessem os meios
para fazer um trabalho complementar inteligente e adequado, as
vantagens logradas poderiam ser preservadas.
Mas refiro-me a isso como a um caminho — deve haver mui­
tos mais. A dança criativa talvez ajudasse; a cooperação na cria­
tividade artística e literária deveria ser estimulada. Creio que é fun­
damental que a aprendizagem seja experiençial — a educação “do
pescoço para cima” não bastará a uma união viva, mudável e cres­
cente.
CASAIS E FAMÍLIAS COMO RECURSO
Mas não é apenas o nosso sistema educacional que poderia edu­
car para a união. Existem vários recursos que envolvem a própria
família.'
O mais emocionante, porque mais diretamente relacionado com
o problema, é o grupo dirigido para jovens que vão “juntar-se”, que
estão pensando em casar ou em viver juntos, ou que estão noivos.
Aqui, como já tive ocasião de constatar em minha experiência, a
oportunidade é muito grande. ‘Se um grupo dessa natureza for or­
ganizado por uma pessoa que não queira ser juiz nem dificultar as
coisas, os jovens poderão examinar abertamente as diferentes expec­
tativas em relação uns aos outros e à união, os seus propósitos e
desejos conflitantes, as suas forças independentes e o seu apoio in­
terdependente. Isso envolve comunicação num nível profundo, e
pode impedir futuras dificuldades. (Veja Rogers, 1970, sobre um
quadro geral dos grupos e seus resultados.)
Lembro-me de um jovem casal num grupo que dirigi, e dos
resultados da sua interação mais franca. Ele achava que ela era
consideravelmente inferior a ele — o que foi como que um choque
para ela ■— e cada qual descobriu que tinha expectativas muito di­
ferentes em relação ao casamento. Eles gostavam um do outro há

muito tempo, fazia algum tempo que viviam juntos e, não obstante,
nenhum dos dois confidenciara ao outro muita coisa íntima. Na­
quela ocasião me pareceu que a partilha dos seus sentimentos alta­
mente divergentes não poderia deixar de ter um resultado positivo.
Ou chegariam à conclusão de que não tinham sido feitos um para.
o outro, ou continuariam a enfrentar juntos e abertamente esses pro­
blemas. As cartas, o convite de casamento e os cartões de Natal que
me chegaram nos últimos anos indicam que a segunda alternatiya
prevaleceu.
Assim sendo, lidar diretamente com jovens que estão pensando
em formar uma união, em grupos que lhes-permitam ser francos, é
um processo importante de construir relações mais duradouras.
Em seguida, a difusão cada vez maior de 'grupos' de «asais,
em que o enfoque e a facilitação seriam semelhantes à que descrevi,
tem sido de grande auxílio para muitos. Em se tratando de um
relacionamento muito conturbado e incompatível, a experiência num
grupo dessa natureza pode conduzir a uma separação ou ao divórcio
mas, ao mesmo tempo, ajuda a grande maioria a realizar uma par­
tilha mais pessoal, maior disposição para exprimir diferenças e re­
solvê-las, maior reconhecimento do seu afeto e da sua força recí­
proca.
Outra abordagem através da família é o início de reuniões, de
grupos familiais, realizadas regularmente, em que cada qual tem o
direito de expressar plenamente as suas queixas, as suas mágoas e
os seus bons sentimentos em relação aos outros membros da famí­
lia. £ evidente que um pai, pelo menos, precisa ser capaz de rece­
ber, compreender e aceitar esses sentimentos para que tenha bom
êxito a tentativa. Mas ondé for possível manter uma atmosfera de
aceitação, não somente os pais se inteiram — muitas vezes pela pri­
meira vez — dos sentimentos mais profundos dos filhos em relação
a eles e em relação um ao outro, como também os filhos se inteiram
dos sentimentos paternos. E ainda pela primeira vez, os filhos reco­
nhecem freqüentemente que os pais são humanos — com falhas
e estados d’alma, sentimentos de amor e de crítica — e não simples
“adultos”, isto é, seres que os jovens não conseguem compreender.
Numa das séries de .cassettes enumeradas na bibliografia, uma
mãe conta os acontecimentos extremamente emocionantes que ocor­
reram ao se iniciarem, pela primeira vez, as sessões familiais, co­
meçando com silêncios constrangidos e risadinhas nervosas, mas que
acabaram revelando, pouco a pouco, sentimentos totalmente desco­
nhecidos da parte do filho mais velho. Ela narra também alguns
modos, divertidos e imprevisíveis, com que a família, trabalhando
216

como unidade solucionadora de problemas nessas reuniões, resolveu
algumas questões que eram fontes de muita irritação para um ou
mais membros da família. (Veja Rogers, Cassettes sobre ajustamento
pessoal, capítulo 1.)
Todos esses esforços desenvolvidos no círculo familiar, na mi­
nha opinião, ensinam a pais e filhos o que significa ser humano com
outra pessoa.
Permitam-me agora voltar para uma área inteiramente diversa
em que, ao .meu parecer, poderíamos dàr alguns passos mais posi­
tivos. Este é o dilema dos filhos de pais divorciados. A maneira
com que os tratamos atualmente é formalista e medieval. Na maio­
ria das vezes consiste em dividir a criança pelo meio e dar uma
parte a um pai e outra a outro. Entretanto, em. nenhuma outra oca­
sião de suas vidas terão essas crianças maior necessidade de amor
e de carinho. Elas precisam ser tratadas como .pessoas e respeitadas
como pessoas.
Como se poderia fazer isso? Estaremos dizendo, acaso, que
uma cultura capaz, através dos seus laboratórios, de arrancar-nos do
chão e projetar-nos no espaço, recua diante desse problema? De­
veria haver dúzias de tentativas diferentes, desde as versões aper­
feiçoadas dos kibbutòm até soluções ainda não sonhadas. Não é ima­
ginação que nos falta, evidentemente, senão falta.de vontade e in­
capacidade de acreditar que o desenvolvimento de uma criança real­
mente separada, expressiva, criativa, merece um enorme esforço de
imaginação, de financiamento, de seres humanos que são humanos
uns com os outros.
UMA OBSERVAÇÃO FINAL
Este capítulo tem apenas uma finalidade: fazer que as pessoas
pensem nà maneira de mudar — e até revolucionar — uma porção
da sua cultura à beira da falência — o casamento e todas as suas
ramificações e alternativas.
Quero acrescentar que o conceito de uniões — com ou sem
casamento — como vasto e promissor laboratório me foi imposto
peio que aprendi com esses casais. Não comecei com essa idéia.
Procurei escolher pessoas razoavelmente representativas. Elas não
me pareceram — nem me parecem — casais ou pessoas fora do
comum, exceto pela sua surpreendente disposição para contar a sua

vida tal como é. Somente pouco a pouco vi que há aqui uma enor­
me experiência que .s? processa à nossa volta. Qual será a' nossa
atitude diante dela?
Quanto a mim, só posso dizer que a minha experiência com
essas pessoas me. levou a um sentimento ainda mais profundo de
confiança em sua capacidade de encontrar soluções evolutivas, cura­
tivas, para os problemas da vida em comum — se lhes dermos a
necessária oportunidade. Elas representam um rico recurso para o
nosso país e sobretudo para o seu futuro, se pudermos persuadir-l
nos a aceitar a revolução seriamente significativa que está aconte­
cendo no terreno das uniões e confiar nela.
218

PARA CONTINUAR
U M A B IB L IO G R A F IA A N O T A D A
P A R A F U T U R A Í P E S Q U IS A S
Es t e l i v r o Li m i t o u-s e a ventilar tópicos de um âmbito muito ex­
tenso: variedades de casamento e divórcio; dificuldades sexuais; es­
pécies diferentes de relacionamentos conjugais; próblemas de comuni­
cações; o futuro do casamento; alguns problemas da educação dos
filhos. Muitos leitores hão de querer aprofundar-se em terrenos es­
pecíficos. Por esse motivo pedi à minha amiga, extremamente lida,
a Dr? Alice Elliott, que preparasse a seguinte bibliografia anotada,
à qual acrescentei alguns títulos. Acredito que dessa lista (e das
breves descrições, cuidadosamente escritas) o leitor possa escolher
não somente os tópicos que gostaria de continuar versando mas
também o nível de “leveza” ou de “pese” da sua leitura. Duvido
que encontre muitas respostas, mas o seu pensamento será, sem dú­
vida, enriquecido.
Diz a Dr? Elliott: “ São tantas as facetas do casamento
que decidi recomendar uns poucqs livros em cada uma das várias
categorias, que incluem perspectivas históricas, sexo, educação se­
xual, amor, comunicação, “jogos”, divórcio, vida comunal, humor,
poesia, sátira, estudos sobre o casamento e o sexo, educação de fi­
lhos, esterilidade, consciência de si mesmo, possibilidades futuras
e outros tópicos. Aos livros, acrescentei filmes e cassettes gravadas,
relacionadas com esses tópicos”.
LIVROS ^
Abbott, Elisabeth. The Fifteen Joys of Marriage. Nova Iorque, The
Orion Press, 1959.
219

Sátira, medieval 0lustrada a cores) que acautela o jovem contra
os "sofrimentos e o tormento” da vida de casado e encarece as
alegrias do celibato. . ./••« t 'ff- I jL !l I i X -'JM
Allard, William A. “The Hutterites — Plain People of the. West”;!
in National Geographic, 138, 98-125, jul. 1970.
, Um bom resumo do grupo de comunas de vida mais longa
que existe, conhecidas pelo seu pacifismo. Algumas das suas
características exercerão vigoroso fascínio sobre os jovens, e ou­
tras pessoas poderão repudiá-las, mas o feto de haverem du­
rado tanto tempo nos dá que pensar:
Armour, Richard. A Short History of Sex. Nova Iorque, McGraw-
Hill, 197°.
Armour é um mestre da sátira. Leia este livro e ria-se do prin­
cípio ao fim da história do sexo, desde Adão e Eva, passando
pelo Relatório Kinsey, até chegar ao cinema, à televisão e à
Pílula.
Augsburger, David W. Cherishable: Love and Marriage. Nova Iorque,
\ Pyramid Books, Í971.
Livro excelente, sobretudo para os jovens. Livro que desafiará
qualquer um a examinar o que significa estar casado, ser ho­
mem, ser mulher, comunicar-se, ser pai, apreciar as atividades
sexuais, tornar criativos os conflitos e ser fiel.
Bach, George R. & Deutsch, Ronald M. Pairing. Nova Iorque, Avon
Books, 1970.
* Este é um livro sobre a arte de comunicar-se e estabelecer con­
tato com os outros. Uma nova concepção da palavra "intimi­
dade”. Os autores vêem-na como elemento essencial à sobre­
vivência emocional. Novas percepções, provocativas e práticas,
do que é indispensável ao estabelecimento de relações humanas
cordiais.
Bartell, Gilbert D. Group Sex. Nova Iorque, Peter H. Wyden, 1971.
Antropologista da Northern Illinois University, o autor passou
três anos fazendo um estudo pioneiro dos swingers, isto é,
hippies. O número de pessoas nos Estados Unidos envol­
vidas nesse "sexo de grupo” foi calculado em 5 milhões. Aju­
dado pela esposa, o autor estudou mais de 280 “swingers da
classe média” sem participar de tais atividades. A s motivações
básicas dos swingers são muito complexas, mas parece haver
uma esperança implícita em que eles podem aprimorar os seus
casamentos. Uma triste história a respeito de pessoas que não
sabem estabelecer relações humanas cordiais e talvez o triste
220

resultado da importância que os meios de comunicação de massa
atribuíram ao sexo.
Beauvoir, Simone de. The Second Sex, traduzido para o inglês por
H. M. Parshley. Nova Iorque, The Modem Library, 1968.
The Patriarchal Times afirma que essa famosa mulher francesa
% acredita que a vida em nossa cultura ocidental obriga as mu­
lheres a assumir um lugar secundário na sociedade. Isto se faz
pela tradição social e pela educação, controladas pelos homens.
Enquanto tais condições não se alterarem, a mulher não po­
derá ocupar o lugar que lhe cabe por direito na sociedade com
um sentido de dignidade humana e é relegada à dependência e
à subserviência. Livro que se lê e compreende com facilidade.
Trata-se de um clássico no seu campo.
^Bernard, Jessie. The Sex Game. Englewood Cliffs, N. J. Prentice
â l j j 1*968. *
Livro notável sobre a comunicação entre os sexos. Cônscia das
diferenças biológicas e emocionais entre os sexos, Jessie Bernard
escreveu um estudo penetrante, bem documentado. A obra é
de leitura fácil e altamente interessante. Excelente bibliografia.
Berne, Eric. Games People Play• Nova Iorque, Grove Press, 1964.
Como indica o título, as pessoas estão sempre brincando em
seus relacionamentos pessoais. Trinta e seis jogos são analisados
em sete categorias, que incluem jogos conjugais e jogos sexuais.
Superficial às vezes, mas amiúde provocador. '
J3ertocci, Peter A. Sex, Love and the Person. Nova Iorque, Sheed
& ward, 1967.
Bertocci sublinha as relações, recíprocas entre o sexo, o amor e
a pessoa. Livro excelente sobre os prós e. os contras da atividade
sexual pré-conjugal, e as suas implicações para um casamento
'm S Ê È Ê
Bird, Joseph, & Bird, Lois. Marriage Is for Grownups. Garden City,
Nova Iorque, Image Books, 1971.
Análise dos problemas e diretrizes comuns do casamento, que
ajudará o leitor a conseguir um relacionamento mais significa­
tivo no casamento. Os dois autores são conselheiros matri­
moniais que suscitam questões mas não oferecem necessaria­
mente as respostas. O\primeiro capitulo, intitulado “Com que,
então, você tem um problema", expõe-lhes. as suposições. Nos
capítulos seguintes, eles discutem “os principais pontos dos pro-
blémàs”. A comunicação é enfatizada.
221

■»‘Blake, Robert R. & Mouton, Jane S. The Marriage Grid. Nova Ior­
que, McGraw-Hill, 1971.
Ambos os autores são psicologistas que trabalham numa firma de
ciência experimental denominada Scientific Methods Incorpora­
ted. Livro sobre exames pessoais.. Se o leitor estiver interessado
em aperfeiçoar o seu casamento, procure usar essa grade, que\
o ajudará a compreender, os próprios sentimentos e comporta­
mento com a finalidade de realizar o seu potencial e o.seu re­
lacionamento conjugal. Livro interessantíssimo, que se lê com
facilidade. Excelente bibliografia.
Bossard, James H., & Boll, Eleanor S. Why Marriages Go Wrong.
Nova Iorque, The Ronald Press, 1958.
Acreditam os autores que muitos dos nossos valores sociais e
crenças atuais tendam a dificultar a consecução da felicidade
no casamento. Os navegadores encontrarão cartas dos recifes
e bancos, indispensáveis a uma viagem segura. O'■ livro propor­
ciona uma carta semelhante para os que não são casados.
, X ‘
X Breasted, Mary. Oh! Sex Education! Nova Iorque, Praeger Publishers,
1970.
A autora fez uma investigação detalhada dos prós t contras do
ensino dà educação sexual nas escolas nos dias que correm. Ela
não se sente feliz com a conclusão a que chegou: nenhum dos
lados está sendo sincero com os jovens. No entanto, ela apren­
deu a compreender tanto os prós.quanto os contras. O leitor
os compreenderá também- lendo esse livro interessante e atua­
lizado sobre õ dilema da educação sexual em nossa sociedade.
Buber, Martin. I and Thou, tradução para o inglês de R. G. Smith
Edimburgo: T. & T. Clark, 1937; Nova Iorque, Charles Scrib­
ner’s Sons, 1958.
Este livro fascinará alguns leitores e será repudiado por outros.
Trata-se, essencialmente, de um grande poema em prosa, es­
crito com algo da profunda grandeza da King James Version.
Dirige-se também, finalmente, ao eterno Tu, o "integralmente
outro... o integralmente Mesmo, o integralmente Presente”,
que os homens têm, amiúde, denominado Deus. Ê um livro que
faz pensar, escrito por um homem de grande sabedoria.
Capon* Robert F. Bed and Board: Plain Talk About Marriage. Nova
Iorque, Simon & Schuster, 1965.
Padre da Igreja Episcopal, marido, pai de seis filhos, o autor
escreve com espírita s prazer sobre o casamento. Que é real­
mente o casamento? Se a cama e a mesa — o amor e a ali­
mentação — representam os seus alicerces, os seus sacramentos,
222

que mais estará envolvido nele? Diz o teólogo Reinhold Niebuhr,
que o autor arrebatou o assunto não só dos engenheiros de
ajustamento, mas também dos sexologistas preocupados com a
técnica e dos moralistas sentimentais.
Carden, Maren L. Oneida: Utopian Community to Modern Corpo­
ration. Baltimore, Md., The Johns Hopkins Press, 1969.
A história de uma das sociedades comunais mais bem sucedidas
que se fundaram na América por volta de 1800. Este livro é
o resultado de muita pesquisa de materiais colhidos na fonte.
Chapman, A. H. 'Sexual Maneuvers and Stratagems. Nova Iorque,
G. P. Putnam’s Sons, 1969.
Como o indica o título, as artimanhas sexuais são discutidas
em projundidçde, principalmente através de históricos de casos.
Interessante, esclarecedor, elucidativo e humorístico.
Chesser, Eustace. Is Chastity Outmoded? Londres, The Windmill
Press; i960.
O Dr. Chesser, conhecido psiquiatra e autor prolífico, tem es-
■ crito sobre amor, sexo e casamento. O material apareceu, pela
primeira vez, como um capítulo de um livrihho intitulado Gett­
ing Married, publicado péla British Medical Association. Cau­
sou tamanho juror que, depois de vendidos duzentos mil exem­
plares e tomada a decisão de suspender as vendas, os dois or­
ganizadores do livro (o Dr. Chesser e o Dr. Winifred de Kok)
demitiram-se da BMA. Este livro, extensão daquele capítulo,
é um trabalho excelente, realizado por um competente escritor,
que permitirá ao leitor compreender o processo de mudança de
atitudes de uma geração para outra.
# ■ * S M M M jK 9 n ' ■ MH ■ ■ ■
—^— Love and the Married Woman. Nova Iorque, G. P. Pul-
nam’s Sons, 1969.
Outro livro de valor escrito pelo mesmo autor. Cônscio da im­
portância do sexo no casamento, ele nos mostra que o conhe­
cimento por si só não basta e que o amor não pode ser feito
de acordo com regras preestabelecidas. Esse livro abrange as
relações desde a lua-de-mel até a menopausa, e afirma o Dr.
Chesser que, lido como o deve ser, o livro dará ao leitor uma
compreensão mais profunda da sua natureza sexual.
*
-----Un married Love. Nova Iorque, David McKay Company, 1965.
O título descreve muito bem o assunto tratado. Um livro enter­
necido, cujo autor acentua a responsabilidade moral de um ser
hurmno em relação a outro.
223

Ciardi, John. / Marry You. Nova Brunswick, N.J., Rutgers Uni-1
versity Press, 1958,-
Um belo livro de poesias sobre o amor entre um homem e uma
mulher, começando com o amor inicial, através de todos o s\
anos da vida de casados, com as suas realidades e vicissitudes s
e a morte inevitável.
Constantine, L., & Constantine, Joan.
Este casal está fazendo um estudo, que sé acha em pleno de-M
senvolvimento-, de casamentos de grupo e do que ele denominai
"relações multilaterais". Parte do seu > . trabalho inicial já faíí
publicada, mas as conclusões mais ricas ainda estão por apa-■]
recer — algumas delas no Journal of Sex Research. Podem ’
ser encontrados no seguinte endereço: Mohegan Road, 23, Acton,
Mass. 01720,
Cuber, John F., e Harroff, Peggy. The Significant Americans. Nova
Iorque, Appleton-Century-Crofts, 1965.
Estudo íntimo de casais norte-americanos inteligentes e das vidas \
conjugais e extraconjugais que levam. Estabeleceu um precedi
dente na época em que foi publicado., Uma das principais con­
clusões dos autores é que quase todos os arranjos conjugais
concebíveis funcionam t— em alguns casos,
Daniels, Anna K. It’s Never Too Late to Love. Nova Iorque, Py-
* ramid Books, 1956.
Famosa ginecologista dá sábios conselhos em linguagem leiga, i
Ilustrado pelos históricos de casos tratados por ela, este livro*
se ocupa essencialmente das mulheres e dos seus problemas es- '
peciais. Recomenda-se aos que desejam conseguir uma vidai
sexual e emocional mais satisfatória.
De Vinck, José, & Catoir, John T. The Challenge of Love: Practical1
Advice on Freedom of Conscience and Happiness in MarriageM
Nova Iorque, Hawthorn Books, 1969.
Este livro visa a ajudar os "católicos que pensam” a encontrar j
a felicidade e o êxito no casamento. (Conselhos práticos para
casados.)
Dillon, J. T. Personal Teaching. Columbus, Ohio: Charles E. Merrill,1
1971.
Um relato inteiramente humano e pessoal, feito por um profes-.l
sor de escola secundária, que conta as suas tentativas, muitas >
vezes desajeitadas e tacteantes, de combinar uma autêntica afei-
ção pessoal pelos alunos com a habilidade profissional. Que
224

ele descreve como “colocar no ensino a pessoa que soimos e in­
centivar os alunos a colocarem no aprendizado as pessoas que
são". O estilo é fácil e humorístico, mas qS lutas são reais.
A sua leitura aproveitaria a professores, de todos 'O^píyçts^e os
estudantes, secundários ou não, talvez se sintam animados ao
saber que alguns professores não dão provas, insistem em que
os próprios alunos dêem notas aos seus trabalhos, não exigem
freqüência, e discorrem sobre tópicos do agrado dos alunos.
Donelson, Kenneth, & Donelson, Irene. Married Today, Single To­
morrow. Garden City, Nova Iorque, Doubleday & Co., 1969.
Este livro útil expõe vários aspectos da dissolução emocional e
legal do casamento., e -ièm proveitosas sugestões para a recons-
tr ução de uma noito» víida~. •'
Duvall, Evelyn M. Love and the Facts of Life. Nova Iorque, Asso­
ciation Press, 1968?
Destinado a jóyens adolescentes, este livro procura responder
a todas as perguntas básicas, àò mesmo tempo qué leva em
■ conta a preocupação dós m oços pelo significado mais profundo
dos relacionamentos entre iím -rapaz e uma nioça,’ e do casa-
mento.
Ellis, Albert E. Sex Without ^GailU Nova Iorque, Hillman Perio-
. Y dicals, 1959.
Livro baseado em pesquisas e no material eolhido na clínica
particular-de psicoterapia e aconselhamento matrimonial do au­
tor. O' Dr. Ellis é um escfitçr fecundo sobre assuntos do sexo.
Nenhuma outra publicação^ além do Independent, daria à es­
tampa este material quando foi originalmente escrito, em vir­
tude da sua natureza controvertida.
Ellis, Havelock. Psychology of Sex. Nova Iorque, The New Ameri-
■ - ^ copyright deste livro é de 1933, e a obra se encontra agora
na sétima edição. Trata-se de um clássico no campo do sexo
e do casamento. A sua leitura é menos fácil que a de ou­
tros. Se o leitor, contudo, estiver interessado numa perspectiva
histórica de crenças e atitudes, há de querer lê-lo.
Emrich, Duncan, organizador. The Folklore of Weddings and Mar*
riages. Nova Iorque, American Heritage Press, 1970.
Costumes e tradições matrimoniais, compilados por um espe­
cialista em folclore, constituem leitura interessante e divertida.
225

Fast, Julius. The Incompatibility of Men and Women, and Hòy/ to
Overcome /f, Nova Iorque, M.. Evans & Co., 1971.,
Quais são as causas da luta entre os sexos? Depois de entre­
vistar leigos e profissionais, o autor nos aparece com algumas
perspectivas muito agradáveis de ler do que significa ser homem
ou mulher nesta cultura.
Francoeur, Robert T. Utopian Motherhood: New Trends in Human
Reproduction. Garden City,' Nova Iorque, Doubleday & Co.,
r> W M
Estamos no limiar de uma época em que seremos capazes de
controlar os processos de reprodução humana, de modo que o
homem poderá modelar a própria evolução. Se o leitor isperà
estar vivo efh 1984, leia este livro, e evite o ‘‘choque do futuro”.
Científico, mas não demasiado técnico, a sua leitura é muito
interessante. Excelente bibliografia.
Friedan, Betty. The Feminine Mystique. Nova Iorque, Dell Publish­
ing Company, 1964.H
Na época da sua publicação, .este livro foi chamado "O best
seller mais controvertido do ano”. Betty Friedan assinala as
discrepâncias existentes entre a realidade e os níveis de expecta­
tiva de conformismo das mulheres■ norte-americanas. Em sua
investigação, ela descobriu que muitas mulheres reagem esqui-
zofrenicamente à mística da nossa cultura em relação a elas.
O leitor poderá gostar deste livro ou considerá-lo superficial.
Frcmm, Erich. The Art of Loving. Nova Iorque, Harper & Row,
1956.
Embora escrito há muito, tempo, este é um livro fundamental
para se compreender exatamente o que ò título sugere — a
arte de amar.
Fromme, Allan. The Ability To Love. Nova Iorque, Pocket Books,
197.1,;
Que é amor? Há milhares de anos o homem vem tentando res­
ponder a esta pergunta. Neste livro, o autor examina os inú­
meros aspectos do amor, desde “Que é?” até “Amor sazonado”.
Não se lê de uma assentada, mas voltamos sempre a ele, à
cata de respostas que nos fazem pensar. E o nosso esforço é
bem recompensado.
Futurist, abril de 1970, iv, 2.
Contém uma seção especial de dezoito páginas com magníficos
artigos condensados sobre o futuro do casamento e da família,
226

0 que se pode esperar do casamento de grupo e da vida em
comum sem casamento, todos da autoria de escritores compe­
tentes. Estimulante e controvertido. (Futurist é publicado pela
World Future Society, caixa postal rfi 19.285, 20th Street Sta-
tion. Washington, D.C. 20036.)
Geddes, Donald P., organizador. An Analysis of the Kinsey Reports
o h Sexual' Behavior in lhe Human Male and Fenuale. Nova
Iorque, New American Library, 1959. ,■
O título deste livro engloba convenientemente o seu conteúdo.
Dezasseis autoridades em sociologia, educação, medicina, jorna-
lisrho, etc., analisam o significado desses relatórios para o leitor
e. para as gerações futuras. ;
Cordon, Thomas. Parent Effectiveness Training. O programa “no-
lose” para a educação das crianças. Nova Iorque, Peter H.
' Wyden, 1970.
O casamento supõe freqüentemente a educação dos filhos. Ain­
da não se escreveram livros em número suficiente sobre a co­
municação è os métodos eficazes de viver com os filhos e de
amá-los. Neste, todavia, encontrará o leitor uma infinidade de
idéias excelentes para os seus futuros filhos. Poderá até aju-
dá-lo agora a comunicàrse com seus pais.
Gustaitis, Rasa. Turning On. Nova Iorque, The Macmillan Company,
Relato pessoal de visitas a muitos “centros de desenvolvimento",
encounter groups, maratonas (incluindo uma cujos participan­
tes se apresentavam nus) e histórias de algumas comunas. O
capítulo 8 descreve a fase atual, de deterioração, de Mor-
ningstar Ranch, comuna completamente oposta a todos os va­
lores da nossa atual sociedade, inclusive as normas higiênicas e
sanitárias.
Hall, Elizabeth, & Poteete, Robert. “A Coriversation With Robert H.
Rimmer”, Psychology Today, janeiro de 1972, 5, 8.
Rimmer, naturalmente, é famoso por haver escrito The Harrad
Experiment, Proposition 31 c The Rebellion of Yale Marratt.
O primeiro livro descreve uma escola superior inventada pelo
autor, onde os companheiros de quarto são escolhidos pela ad­
ministração — um rapaz e uma moça em cada quarto — e as suas
histórias subseqüentes. Proposition 31 advoga o casamento de
grupo. Yale Marrat trata, entre outras coisas, de uma trinca que
“funciona". Essa entrevista atualiza Rimmer, abrangendo trin-
227

cas duradouras, casamentos de grupo, a aprovação, pela igreja,
de várias alternativas, e alguns problemas e possibilidades dos
vários arranjos. Para as pessoas não familiarizadas com a sua
obra, este trabalho serve como apresentação do homem e do
seu pensamento-,
Halloway, M. Heavens. on Eürth*' Utopian Communities in Ame­
rica, 1680-1880, 2? edição. Nova Iorque, Dover Books, 1966.
Boa bibliografia. Para os que desejam estudar as primeiras ten­
tativas comunais, sobretudo Oneida, este é um livró muito útil. ’
Hathorn, Raban, Genne, WilDam H., & BrilI, Mordeçai, organiza­
dores. Marriage: A n Interfaith Guide for All Couples. Nova
Iorque, The Association Press, 1970.
O casamento é um contrato, mas é também encarado pelos pris­
mas mais diversos, como vocação, aliança e sacramento por
grupos religiosos. Este livro único, organizado por um monge
beneditino, um ministro protestante e um rabino, é de grande
valor para casais de qualquer uma dessas crenças.
Hedgepeth, William, & Stock, Dennis. The Alternative. Londres: Col- .
lier Books, 1970.
Trazendo por subtítulo Communal Life in New America (a
vida comunal na Nova América), escrito de maneira interes­
sante e lindamente ilustrado, o livro focaliza a “nova geração”
e a sua participação em comunas, sobretudo rurais.
Herndon, James. The Way It Spozed to Be. Nova Iorque, Simon &
Schuster, 1968.
A vida dos guetos nas escolas da Área da Baía de São Fran­
cisco. Os problemas e frustrações dos alunos e professores ao
tentarem modificar as maneiras que lhes parecem erradas.
Houriet, Robert. Gétting Badc Together. Nova Iorque, Coward-:
McCann & Geoghehan 1971.
Livro fascinante, escrito por um homem que viveu em muitas
comunas diferentes, durante períodos mais longos ou mais cur­
tos, visitou outras e está agora tentando iniciar uma comuna
própria. Pela primeira vez, os problemas e alegrias da vida
comunal se apresentam num relato escrito na primeira pessoa.
Aqui também se acha representada a série dos tipos de vida
em grupo que passam por “comunas"
4- Howard, Jane. Please Touch. Nova Iorque, McGraw-Hill, 1970. Sub­
título: A Guided Tour of the Human Polenttçl Mòvement.
228

A s experiências da Srta. Howard ajudarão o leitor a compre­
ender o número cada vez maior de pessoas que têm consciência
de que o não poderem .expressar-se e não chegarem a saber
o ique realmente estão sentindo pode afetá-las, afetar-lhes o
casamento, as relações pessoais e a sociedade em geral.
Hunt Morton M. The Affair. Nova Iorque, New American Library-
Signer,^*& 3
Os “casos” são uma forma de lidar com as dificuldades con­
jugais. Este livrç é um estudo interessante dessas “viagens” ex-
tramalrimoniais. ■ Compilação, feita sem a intenção de julgar,
de uma grande variedade de tentativas para satisfazer necessi­
dades pessoais. O fator mais significativo que o autor encon­
trou em sua pesquisa foi o "grau de envolvimento”. Ele con­
vida' o leitor a pôr de lado todo e qualquer juízo e a examinar
esse fenômeno da nossa sociedade. Livro baseado em pesqui­
sas bem feitas e escrito de maneira interessante. Excelente bi­
bliografia.
------The World of the Formerly Married. Nova Iorque,'Mo-
G r ^ H i l l ^ 9 ê ^
Este livro único focaliza os "costumes, problemas e experiên­
cias de pessoas que habitam uma subcultura semi-secreta.. . ”
Os separados e divorciados são virtualmente obrigados a deixar
a vida social e familiar convencional. Como se adaptam ao
novo estado, como travam novas amizades, como encontram
novos companheiros? A s respostas são interessantes e variadas.
Huxley, Aldous. Island. Nova Iorque, Harper and Row, 1962.
A Ilha é a história da vida ideal na Ilha fictícia de Pala, tal
ccmo é vista por um jornalista inglês. Os insulanos praticam
a hipnose, a eugenia e empregam métodos interessantes de edu­
cação dos filhos, além .de utilizar a arte da percepção. Este
livro é tão vigoroso quanto Admirável Mundo Novoy com mui­
tas possibilidades de soluções para os problemas do mundo de
hoje. O sistema de valores de A Ilha merece ser examinado.
Ibsen, Henrik. A Doll’s House, tradução para 0 inglês de Peter Watts.
Baltimore, Md., Penguin Boóks, 1965.
Há cem anos, ao concluir-se a peça de Ibsen, Casa de Bo­
necas, Nora batia uma porta. O conceito de uma mulher
que tinha um dever para consigo mesma, como tinha para com
o marido e para com os filhos, era tão surpreendente para o
público quanto a batida da porta. Esta é a história das ilusões
229

frustradas de Nora e do Imenso papel que a ausência de comu­
nicação desempenhou em seu casamento.
Kantor, Rosabeth M. “Communes” Psychology Today, julho de
1970, 4, 3& *'
Boa análise dos muitos motivos e razões diferentes para a vida
comunal. A autora mostra-se particularmente interessada por tudo
o que favorece a permanência e inclui fatos extraídos do seu
estudo anterior das comunidades utópicas do século passado.
Kaufman, Sherwin A. New Hope for the Childless Couple. Nova
iocqUe*r Simòn & Schustej^ 1$7& f':?.
Todos os aspectos de esterilidade são discutidos por esse espe­
cialista médico* $
Klcck, Frank. Apes and Husbands. Alhambra, Calif., Borden Publish-
, ing Company, 1970.
Um olhar emocionante e bem documentado dirigido ao homem
desde os primitivos registros dos relacionamentos domésticos até
agora. O autor está planejando escrever óutro livro sobre o
seu “assunto favorito — as mulheres". Depois de ler Apes and
Husbands, o leitor aguardará com interesse a publicação do se­
guinte. Uma perspectiva histórica que o elucidará, mas que tam­
bém o fará maravilhar-se do progresso do homem.
Landis, Judson T., & Landis, Mary G. Building a Successful Marriage.
Englewood Cliffs, N. J.: Prentice-Hall, 1968.
Esta é a quinta edição do livro, usado com freqüência como
texto oficialmente adotado em aulas de “vida familiar" porque
abrange de maneira completa os aspectos das relações em cada
fase do ciclo vital — namoro, casamento, paternidade e os anos
subseqüentes. Engloba também a administração do dinheiro, os
problemas jurídicos, a adoção, o seguro, etc.
Larson, Cloyte M., organizador. Marriage Across the Color Lines.
Chicago, III., Johnson Publishing Company, 1965
Baseado em resumos e históricos de casos, o livro é uma ava­
liação de casamentos inter-raciais, especialmente entre brancos
e negros, e das dificuldades, tensões e forças das uniões dessa
natureza.
Lash, Joseph P. Eleanor and Franklin. Nova Iorque, W. W. Norton,
1971.
História reveladora, que conta mais uma vez o processo pelo
qual Eleanor Roosevelt se transformou, de uni verdadeiro "pa­
230

\
tinho feio”, numa das mulheres mais famosas do. mundo. Re­
correndo muito aos seus escritos e documentos pessoais, narra-
lhe o relacionamento e as dificuldades com o glorioso marido,
e as suas tentativas para influenciá-lo — às vezes com êxito, às
vezes não. Consegue focalizar os dois, sendo o mundo político
e o mundo do tempo .da guerrà simples panos de fundo. Como
registro de um desenvolvimento é insuperável. Leitura muito
amena. '
Lederer, William J., & Jackson, Don D. Mirages of Marriage. Nova
Iorque, W. W. Norton, 1968.
Está o casamento, nos Estados Unidos de hoje, ancorado em
anacronismos?. Os autores acham que sim, mas é gostoso en­
contrar um livro com prescrições e sugestões sobre como fazer
vingar um casamento. Discute suposições falsas, técnicas para
avaliar um enlace, técnicas de comunicação para melhorá-lo e
os prós e contras do aconselhamento matrimonial. Leitura fá­
cil, excelente. Magnífica bibliografia.
Leonard, George B. Education and Ecstasy. Nova Iorqué, Delacorte
Press, 1968.
Se o leitor estiver interessado numa opinião sobre o que se pode
fazer no terreno da educação, há de querer ler este livro, cheio
de idéias revolucionárias, para os alunos et õ currículo. .
Lewis, C. S. The Four Loves. Londres, Collins, Fontana Books,
1960.
Um tratado filosófico sobre a afeição, a amizade, Eros e a
caridade e sobre a maneira com que cada um se funde no outro.
Ateu durante muitos anos, esse distinto humanista de Oxford
tornou-se um dos mais influentes humanistas cristãos. Este li-
vrinho bem merece ser lido.
Lewis, Oscar. Tepoztlán: Village in Mexico. Nova Iorque, Holt, Ri-
nehart & Winston, 1960.
Este livrinho (apenas 104 páginas) é uma condensação dos dois
estudos levados a efeito pelo autor em 1943-48 e em 1956-57.
Proporciona_Mma boa imagem global da vida na aldeia, mas os
capítulos sobre a família e o ciclo vital, desde a gravidez e o
casamento até a velhice e a morte, serão provavelmente os mais
interessantes.
Liswood, Rebecca. First Aid for the Happy Marriage. Nova Iorque,
Pocket Books, 1971.
231

Descreve se este livro como.‘'um livro que se destina exata­
mente òi‘ pessoas que julgam precisar menos dele”. Abrange
todos os aspectos do casamento e constitui excelente obra de
consulta.
Loomis, Mildred J. Go Ahead and Live. Nova Iorque, Philosophical
' Library, 1965.
Quando e como um jovem casal deixará o círculo vicioso e se
juntará à Revolução Verde? Ron e Laura Baker não ingressa­
ram numa comuna, porém numa comunidade onde puderam ter
seu próprio pedaço de terra, conservar o seu casamento sem
qualquer experimentação sexual de grupo, cultivar grande parte
dos seus alimentos e educar seus filhos.
Lyon, Harold C., Jr. Learning to Feel: Feeling to Learn. Columbus,
Ohio, Charles E. Merrill, 1971.
Toda uma série de métodos vitais pelos quais o professor de uma
classe pode fazer do aprendizado uma viagem emocionante de
descobrimentos. A sua filosofia desenvolveu-se a partir de uma
carreira variadíssima e o seu relato não mede as palavras, não
poupa detalhes e dá nome aos bois. Ê uma leitura proveitosa
para qítem se interesse pela educação do homem em sua tota­
lidade — que sente, pensa e aprende nas duas áreas.
Mindley, Carol. The Divorced. Mother. Nova Iorque, McGraw-Hill,
Esse "guia para o reajustamento”, escrito por uma mãe de dois
filhos, fornece as informações, sugestões e ajuda de que pre­
cisa toda divorciada em potencial que tenha filhos.
O’Neill, Nena, & O’Neill, George. Open Marriage. Filadélfia, Pa.,
Lippincott, 1 9 7 l|g
Acreditam os O’Neills que o casamento deve e pode enriquecer
a vida e abri-la. O resultado será o desenvolvimento e a reno­
vação, mas é preciso que estes se baseiem num relacionamento
sincero e comunicativo,- em expectativas realísticas e na cons­
ciência da importância da personalidade.
Packard, Vance. The Sexual Wilderness. The Contemporary Uphea­
val in Male-Female Relationships. Nova Iorque, David McKay
Company, 1968.
Muito conhecido pelas suas análises sociais, o autor passou qua­
tro anos realizando pesquisas em grande parte do mundo oci­
dental, conferenciou com mais de trezentos especialistas — mé­
dicos, sociólogos, psicologistas, etc. — e submeteu mais de duas
232

mil respostas a um questionário seu à análise de um grupo de
cientistas sociais de uma universidade. O livro revela como são
. "caóticos e conflitantes" ds crenças geralmente aceitas e o com­
portamento geral adotado com respeito ao relacionamento entre
o homem e a mulher. A última parte do livro propõe novos '
códigos sexuais e conjugais. Quer concordemos ou não com
as suas idéias, a leitura do livro é estimulante.
Perls, Frederick S. Gestalt Therapy Verbatim. Lafayette, Cal., The
Real People Press, 1969.
Ajirma o Dr. Perls que “Sojrer a própria morte e renascer não
é fácil". Cristo disse: “Deveis nascer de novo”. A tarefa de
tornar-se alguém verdadeiramente humano é ilustrada neste li­
vro, que narra as relações pessoais do Dr. Perls com aqueles
cujos sofrimentos vêm historiados nos Seminários do Sonho,
incluídos no livro.
------In and Out of the Garbage Pail. Lafayette, Cal., The Real
^ People Press, 1969.
A autobiografia do finado Dr. Perls. Relato autêntico da luta
de um indivíduo pela auto-realização. Delicioso, sincero e pro­
fundo. Para responder à pergunta "Quem sou eu?” é vital que
a pessoa tenha consciência da própria personalidade nas relações
pessoais. O livro em tela ajudará o leitor nesse processo.
Rogers, Cari R., Cari Rogers On Encounter Groups. Nova Iorque,
Harper & Row, 1970.MI
Podemos aprender muita coisa sobre comunicação bem, como
sobre os encounter groups com este livro, que discute o proces­
so, o adestramento e as junções do facilitador, e as muitas mu­
danças pessoais e de relacionamento que emergem da expe­
riência. De acordo com Philip Slater, o notável sociólogo: “Fi­
nalmente. .. se escreveu um livro de verdade sobre os encoun­
ter groups. * Claro, lúcido, simples, evocativo..."
------ Freedom to Learn.- Columbus, Ohio, Charles E. Merril, 1969.
^ O tema deste livro é a liberdade e a confiança. Embora o livro
se. dirija às mudanças que precisam ser introduzidas na educa­
ção, o seu enjoque da aprendizagem, da avaliação e da con­
fiança em todas as relações pessoais ajudará o leitor na procura
de relacionamentos duradouros e de uma intensificada cons­
ciência de si mesmo,

-----------. “Interpersonal Relationships: USA 2000”, Journal of
Applied Behaviorál Science, 1968, 4, 3: 265-280.
233

Esse artigo suscita primeiro a questão da rapidez com que o
homem ‘pode adaptar-se ao ritmo sempre crescente da mudança.
A seguir, projeta as possibilidades positivas e negativas na aglo­
meração urbana, na comunicação pessoal, nas relações entre o
homem e a mulher e entre os pais e os filhos, na educação, na
indústria, na - religião, nos grupos minoritários, no início do
século vindouro.
- — On Becoming a Person. Boston, Houghton Mifflin, 1961;
edição em brochura da Sentry Edition, também publicada por
Houghton Mifflin, 1970.
Conquanto apenas um capitulo se refira diretamente ao casa­
mento e à vida familiar, o livro abunda em material relacio­
nado com o descobrimento de si mesmo, e nos modos, com
que podemos aprender a comunicar-nos. ^
Saxton, Lloyd. The Individual, Marriage, and the Family. Belmont,
Cal., Wadsworth Publishing Co., 2? edição, 1972.
Livro excelente em todos os sentidos. Abarrotado de fatos, es­
crito de forma interessante. Abrange tudo', desde o namoro até
os meios específicos de prevenção da gravidez; desde os as­
pectos fisiológicos do sexo e do orgasmo até o conflito con­
jugal e o divórcio. A autoria é de um experimentado conse­
lheiro matrimonial, que também dá cursos sobre o casamento
e a família a estudantes.
Shedd, Charlie W. Letter to Philip (sobre como tratar uma mulher)
Garden City, Nova Iorque, Doubleday.A Co., 1968.
Escrito a pedido do filho, este é um maravilhoso livro de con­
selhos cujo autor, um ministro, acredita que na família se en­
contra a chave do futuro da nossa sociedade. Outro livro en­
cantador é Letters to Karen, escrito a instâncias da filha antes
do seu casamento. Os jovens amam esses livros. Os pais des­
cobrirão que o Reverendo Shedd disse muitas coisas que eles
gostariam de dizer a seus filhos.
Shostrom, Everçtt, & Kavanaugh, James. Between Man and Woman.
The Dynamics of Intersexual Relationships. Los Angeles, Cal.,
Nash Publishing Co., 1971.
Os autores analisam a "representação de papéis” que ocorre no
que denominam o "Carrossel do Casamento”. Acentuam que
o desenvolvimento pessoal é penoso, mas que pode verificar-se
no relacionamento conjugal entre um homem e uma mulher se
estes compreenderem que é possível estabelecer um relaciona-
234

mento rítmico". O livro mostra como acabar com as brinca­
deiras e a representação de papéis e descobrir o verdadeiro
sentido da intimidade no casamento. Às vezes acadêmico, às
vezes muito pessoal, é um tanto irregular, mas útil:
SIECUS '.Conselho de Informação e Educação Sexual dos Estados .
Unidos), organizadores.. Sexuality and Man, introdução pela
Dr? Mary S. Calderone. Nova Iorque, Charles Scribner’s Sons,
B s l
Em linguagem despojada de termos técnicos e juízos críticos, este
livro elucida uma ampla série de tópicos e è extremamente
proveitoso para os pais e para os que trabalham com crianças e
jovens. Os três últimos capítulos discutem a educação sexual,
a ciência e a maneira com que os valores morais podem ser
examinados, determinados ou avaliados. O apêndice oferece inú­
meros rècursos para os programas de educação sexual, incluin­
do uma lista de filmes disponíveis.
Smith, Gerald W. Me and You and Us. Nova Iorque, Peter H.
Wyden,rri9% '■
Este livro agradará principalmente aos que gostam de manuais
de instruções e conselhos práticos. Contém quarenta e sete exer­
cícios utilizados pelo autor com casais em Esalen e alhures.
Num deles, muito revelador, o casal planeja fazer qualquer coisa
em conjunto — como passar uma tarde de domingo, por exem­
plo. Na sua opinião, isso revela a maneira por que o casal
lida com o poder, quem assume a direção, e pode até .mostrar
a natureza do seu relacionamento sexual, bem como a quali­
dade da sua comunicação. Esta última é um assunto essencial
do liv ro ji^tt
Tenenbaum, Samuel A. A Psychologist Looks at Marriage. Nova
Iorque, A. S. Barnes & Co., 1968.
Acredita o Dr. Tenenbaum que, num bom casamento, os in­
divíduos dão um ao outro a coragem para viver e para ser.
A maturidade e a capacidade de amor e sacrifício são essenciais,
e este livro, que se lê com facilidade, ajudará o leitor a atingir
essas metas. Um bom capítulo sobre comunicação.
Thorp, Roderick, & Blake, Robert. Wives: An Investigation. Fila­
délfia, Pa., Lippincott, 1971^S
Um estudo único de esposas, ricas e pobres, cultas e incultas, cuja
idade vai desde os vinte e quatro até os cinqüenta e dois anos,
235

que revelam as próprias lutas• para fazer vingar o casamento.
A sua leitura aproveitará aos homens que quiserem saber como
se avêm essas esposas, bem como às mulheres que abrigam em
segredo os temores, frustrações e solidão existentes em muitos
casamentos.
Toffler, Alvin. Future Shock. Nova Iorque, Random House, 1970.
A mudança é inevitável. Como é que ela o afeta? Será você
esmagado à medida que as mudanças se sucederem, cada vez
mais rápidas? Como influirão elas nos seus padrões de amor,
amizade, casamento, etc.? Ey finalmente, como influirão no seu
poder de decisão racional e na sua saúde? O autor desacredita
uma sérié de chavões ao sondar o futuro para ajudar-nos agora.
Van de Velde, .Theodor H.- Ideal Marriage. Its Physiology and
•f< Technique. Nova Iorque, Random House, 1965.
Escrito por um. ginecologista holandês internacionalmente fa­
moso, traduzido para muitas línguas, entusiasticamente rece­
bido tanto pela classe médica quanto pelo público leigo, este
livro, o primeiro de uma trilogia, visa a aumentar as forças de
atração mútua no casamento. Muito mais que um manual de
conselhos práticos, inclui deliciosas citações e referências• li­
terárias e a própria filosofia do autor. Teve inúmeras impres­
sões desde a sua primeira publicação, há uns quarenta anos, e
tornou-se um clássico. A edição de 1965 foi revista para in­
cluir informações sobre prevenção da gravidez, fecundidade, etc.
Viorst, Judith. lt’s Hard to Be Hip Over Thirty and Other Trage-
dies of Married Life. Nova Iorque, New American Library,
1968. .
Deliciosa poesia humorística. Os problemas domésticos são me­
tidos a riso com grande discernimento.
Williams, Mary McGee. Marriage for Beginners. Nova Iorque, The
Macmillan Company, 1967.
Escrito para jovens casais de noivós, o livro se divide em três
partes — O seu Amor, A sua Vida, O seu Lar — e é um
manual completo e sensato. Quer discuta a preparação para
o casamento, o modo de lidar com os inevitáveis e variados
problemas, quer explique a maneira mais eficiente de limpar
a casa, a autora é afetuosa e útil.
Wyse, Lois. I Love You Better Now. Cleveland, Ohio, Garrett Press,
1970.
236

A autora de Love Poems for the Very Married e Are You Sure
You Love Me? entre outros, escreveu mais um livro encanta­
dor de poemas sobre o amor e o casamento.
Yablonsky, Lewis. The Tunnel Back: Synanon. Nova Iorque, The
Macmillan Company, 1965; e também numa edição em bro­
chure, P elican ^■ *..»
Possivelmente o melhor relato de todo o movimento de Syna­
non para lidar com os casos graves de toxicomania. Iniciado
na frente de uma loja por Check Biedrich, seu líder, transfor­
mou-se numa vasta empresa com muitas casas, criando o “Syna­
non” para tratar dos problemas que surgem entre os toxicôma­
nos. Apresenta alto coeficiente de êxito quando a pessoa fica.
CASSETES
Cada uma delas constitui uma-série de cassettes, que se podem
encontrar na Instructional Dynamics, Inc., 166 East Superior Street,
Chicago, Illinois, 6o6u. Os preços variam de acordo com o nú­
mero de cassettes de cada série.
Bach, George R. How to Fight Fair: Understanding Aggression.
O Dr. George Bach mostra como todos nós podemos lidar cria­
tivamente com os desconcertantes problemas da raiva e da vio­
lência humanas. Advoga a liberação da agressão que muitos de
nós receamos exprimir.jfl|
Rogers, Carl R .'How to Use Encounter Group Concepts.
O Dr. Rogers fala sobre o processo, a prática e os métodos uti­
lizados nos encounter groups, às vezes dialogando com outrai
pessoas. Discute o que realmente acontece num encounter
group, à significação social desses grupos, os sinais de perigo
e o adestramento dos facilitadores. Muito informativo.
------Personal adjustment.
O Dr. Rogers fala direta e intimamente, como o faria numa con­
versa entre duas pessoas. Discute a importância de sermos a
pessoa que somos. A série visa a aumentar a compreensão de
nós mesmos e a capacidade de sermos.
Whitaker, Carl. What’s New in Husband-Wife Counseling?
O Dr. Whitaker discute a psicologia e a mecânica do casa­
mento desde os tempos em que se fazia a corte até o tempo em
que as crianças crescidas estão prontas para sair de casa. Ex­
plica o que está envolvido em tudo isso, a fim de assegurar um
duradouro elo físico e emocional no casamento.
237

FILMES
A Doll's House.
Èste filme da grande peça de Ibsen, escrita há quase um século,
mostra o papel que a ausência de comunicação representa num
casamento. Distribuído através da Encyclopaedia Britannica
Educational Corporation.
Because That’s My Way.
Um grupo que contém um agente de narcóticos, jovens toxicô­
manos e não toxicômanos — negros e brancos — e um trafi­
cante de tóxicos condenado pela justiça. Facilitado pelos Drs.
Carl Rogers e Anthony Rose. Filme colorido, de sessenta mi­
nutos, produzido por W. H. McGaw e a Estação WQED, Pitts­
burgh, Pa.. Fornecido pela Great Plains Instructional Television
Library, da Universidade de Nebraska, Lincoln, Nebraska. O
filme indica como indivíduos hostis podem construir relaciona­
mentos.
Games people play: The practice; Games people play: The theory.
Uma série de entrevistas com Eric Berne, autor do livro Games
People Play. Em duas partes de trinta minutos cada uma. Cow-
segue-se por intermédio do NET Film Service A. V. Center,
Universidade de Indiana, Bloomington, Indiana 47401.
Journey into Self
Experiência com um encounter group, em que Carl Rogers e
Richard Farson se apresentam como facilitadores. O. filme, que
venceu o Prêmio da Academia, foi produzido. por W. H. Mc­
Gaw. Fornecido pelo Wester Behavioral Sciences Institute,
1150 Silverado, La Jolla, Califórnia 92037.
Mother Love
Um filme de vinte e seis minutos acerca dos estudos do Dr.
Harry Harlow sobte macacos e a importância dá comunicação
táctil (CBS, Nova Iorque).
Self-Actualization
O Dr. Abraham H. Maslow. enfatiza e ilustra os aspectos da.
auto-realização qué Sublinhou em seus escritos. Sessenta mi­
nutos. Colorido. Pôde Ser solicitado à Psychological Films,
Inc., 205 West 20ih Street, Santa Ana, Califórnia.
Sessions In Gestalt Therapy.
O Dr. Frederick Peris ilustra e discute os seus métodos de co­
municação e percepção. Media-Psych. Corp., Caixa Postal
7.707, San Diego, Califórnia 92107.
238

Seme Personal Learnings About Interpersonal Relationships.
Uma conferência filmada do Dr. Carl Rogers. 16 mm preto e
branco, 33 minutos. O título do filme indica o tema da con­
ferência. Desenvolvido pelo Dr. Charles K. Ferguson, UCLA,
distribuído pelo Extension Media Center da Universidade da
Califórnia, Berkeley, Califórnia 94720.
Three Approaches to Psichotherapy. ■
Os Drs. Carl R. Rogers, Fritz Peris e Albert Ellis entrevistam
sucessivamente a mesma mulher, Gloria, durante o dia, utili­
zando enfoques muito diferentes de um relacionamento provei­
toso. Os problemas de Gloria giram em torno do relaciona­
mento entre o homem e a mulher e entre mãe e filhos, assim
como da compreensão de si mesma.‘ Cada entrevista dura 45
minutosi . Os pedidos devem ser endereçados à Psychological
Films, Inc.,. 205 West 20th Street, Santa Ana, Califórnia.
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