Os primeiros Pais da Igreja, apesar de haver-se empapado do neoplatonismo da cultura em
que nadavam, desejavam separar-se dos sistemas de crença “pagã”. Ensinavam que toda a
religião pagã consistia na adoração de demônios e homens, ambos interpretados mal como
deuses. Quando são Pablo se queixava (Efesios 6, 14) da maldade nas alturas, não se referia
à corrupção do governo a não ser aos demônios, que viviam ali:
Porque nossa luta não é contra a carne e o sangue, a não ser contra os Principados, contra as
Potestades, contra os Dominadores deste mundo tenebroso, contra os Espíritos do Mal que
estão nas alturas.
Desde o começo se pretendeu que os demônios eram muito mais que uma mera metáfora
poética do mal no coração dos homens.
A são Agustín afligiam os demônios. Entrevista o pensamento pagão prevalecente em sua
época: “Os deuses ocupam as regiões mais altas, os homens as mais baixas, os demônios a
do meio... Eles possuem a imortalidade do corpo, mas têm paixões da mente em comum com
os homens.” No livro VIII da cidade de Deus (começado em 413), Agustín assimila esta antiga
tradição, substitui aos deuses Por Deus e demoniza aos demônios, argüindo que são malignos
sem exceção. Não têm virtudes que os redimam. São o manancial de todo o mal espiritual e
material. Chama-os “animais etéreos... ansiosos de infligir maus, completamente alheios à
retidão, cheios de orgulho, pálidos de inveja, sutis no engano”. Podem afirmar que levam
mensagens entre Deus e o homem disfarçando-se como anjos do Senhor, mas sua atitude é
uma armadilha para nos levar a nossa destruição. Podem assumir qualquer forma e sabem
muitas coisas —”demônio” quer dizer “conhecimento” em grego—, especialmente sobre o
mundo material. Por inteligentes que sejam, sua caridade é deficiente. Atacam “as mentes
cativas e burladas dos homens”, escreveu Tertuliano. “Moram no ar, têm às estrelas por
vizinhas e comercializam com as nuvens.”
No século XI, o influente teólogo bizantino, filosofo e turvo político Miguel Psellus, descrevia
aos demônios com estas palavras:
Esses animais existem em nossa própria vida, que está cheia de paixões, porque estão
pressentem de maneira abundante nelas e seu lugar de residência é o da matéria, como o é
sua fila e grau. Por esta razão estão também sujeitos a paixões e encadeados a elas.
Um tal Richalmus, abade do Schónthal, ao redor de 1270 cunhou um tratado inteiro sobre
demônios, cheio de experiências de primeira mão: vê (embora só quando fecha os olhos)
incontáveis demônios malevolentes, como bolinhas de pó, que revoam ao redor de sua
cabeça... e a de outros. Apesar das ondas sucessivas de pontos de vista racionalista, persa,
judeu, cristão e muçulmano, a pesar do fermento revolucionário social, político e filosófico, a
existência, grande parte do caráter e inclusive o nome dos demônios se manteve inalterável
desde o Hesíodo até as Cruzadas.
Os demônios, os “poderes do ar”, descem dos céus e mantêm prefeitura sexual ilícita com as
mulheres. Agustín acreditava que as bruxas eram fruto dessas uniões proibidas. Na Idade
Média, como na antigüidade clássica, quase todo mundo acreditava essas histórias. chamava-
se também aos demônios diabos ou anjos cansados. Os demoníacos sedutores das mulheres
recebiam o nome de íncubos; os dos homens, súcubos. Há alguns casos em que as monjas,
com certa perplexidade, declaravam um parecido assombroso entre o íncubo e o padre
confessor, ou o bispo, e ao despertar à manhã seguinte, conforme contava um cronista do
século XV, “encontravam-se poluídas como se tivessem jazido com varão”. Há relatos
similares, mas não em conventos, a não ser nos haréns da antiga a China. Eram tantas as
mulheres que denunciavam íncubos, conforme argumentava o religioso presbítero Richard