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O CELEIRO DO MUNDO
Quando Deus criou a Terra, serviu-se de um punhado de argila que amassou muito bem antes de a lançar
para o espaço, onde se espalhou de norte a sul e de leste a oeste. Deus utilizou a mesma técnica para criar as
estrelas, servindo-se desta vez, de bolinhas menores, que começaram a cintilar quando as projetou em todas
as direções.
Depois, aperfeiçoou a sua arte para formar o Sol e a Lua, enormes bolas de argila envolvidas numa espiral de
cobre vermelho ou branco incandescente. Terra era deserta e árida: Deus enviou-lhe a chuva para a tornar
fértil. Em seguida, uniu-se ao novo planeta para gerar os seres vivos que o povoariam. O primeiro filho foi um
chacal feroz e os seguintes foram gêmeos meio homem, meio serpentes.
Decepcionado, Deus retomou a técnica da olaria e moldou quatro homens e quatro mulheres de argila, os
quais foram enviados para a Terra. A missão dos oito primeiros seres humanos era simples: criar uma
descendência numerosa e ensinar técnicas aos homens. A vida terrestre destes antepassados devia ter sido
eterna, mas, passado algum tempo, Deus chamou-os para junto dele.
Regressaram, pois, ao Céu, onde Deus os proibiu de se encontrarem, pois receava vê-los a discutir. A fim de
poder matar a fome, deu a cada um deles sementes de oito plantas comestíveis, como o milho, o arroz e o
feijão; a última planta, a digitária, era tão pequena e tão pouco prática de preparar que o primeiro dos oito
antepassados jurou nunca comer.
Ora, acontece que todas as sementes se esgotaram, exceto uma: a minúscula digitária. O primeiro
antepassado decidiu-se, então, a consumir esta última semente. Tendo rompido o juramento, tornou-se
indigno de permanecer no Céu. Preparou, pois, o regresso à Terra.
O primeiro antepassado recordou-se então do estado miserável em que viviam os homens que abandonara à
superfície da Terra: como formigas, habitavam galerias escavadas no chão; não possuíam nenhum utensílio,
só conheciam o fogo e, além disso, teriam tido muita dificuldade em trabalhar, pois seus membros, como os
dos antepassados, eram desprovidos de articulações e moles como serpentes. Antes de abandonar o Céu,
reuniu, portanto, tudo o que considerou útil para os homens. Em primeiro lugar, um macho e uma fêmea de
espécies desconhecidas na Terra: galinhas, galos, carneiros, cabras, gatos, cães e até mesmo ratos e
ratazanas; entre os animais selvagens, escolheu os antílopes, as hienas, os gatos bravos, os macacos, os
elefantes; pensou também nas aves, nos insetos e nos peixes. Ocupou-se igualmente do mundo vegetal,
começando pelo baobá, e, naturalmente, não se esqueceu das oito sementes comestíveis que tão bem
conhecia.
Por fim, pretendia levar aos homens um fole, um martelo de madeira e uma bigorna, para os ensinar a
fabricar instrumentos. Tudo isso era pesado e volumoso, mas ele teve uma idéia. Com "terra de céu",
construiu uma pirâmide truncada, cuja base era circular e o topo quadrado. No interior, ordenou oito
compartimentos, nos quais guardou as sementes comestíveis. Nas paredes do edifício, escavou quatro
escadas, nas quais dispôs os animais e as plantas. Em seguida, espetou no cimo da pirâmide uma flecha, à
volta da qual enrolou um fio. Prendeu a outra extremidade do fia a uma segunda flecha, que enviou para a
abóboda celeste. Faltava-lhe fazer o mais perigoso: subtrair aos ferreiros do céu um pedaço de sol, a fim de
levar o fogo aos homens. Introduziu-se na oficina dos ferreiros e, utilizando uma haste encurvada, apoderou-
se de algumas brasas e de um fragmento de ferro incandescente, que ocultou no fole. Por fim, lançou seu
curioso edifício para o vazio, ao longo de um arco-íris: enquanto o fio se desenrolava como uma serpentina, o
antepassado mantinha-se de pé, pronto para se defender dos perigos do espaço.
O ataque veio do céu. Furiosos, os dois ferreiros atiraram archotes acesos sobre o ladrão de fogo, obrigando-
o a proteger-se com a pele de carneiro que envolvia o fole. Contudo, o edifício descia cada vez mais depressa,
deixando no seu rastro um feixe de estrelas... A aterragem foi violenta: o antepassado perdeu o equilíbrio, a
bigorna e o martelo quebraram-lhe os membros frágeis, criando as articulações de que tanto carecia.
Observou-se imediatamente a mesma transformação no corpo de todos os homens. O antepassado delimitou
então, o primeiro campo, construiu a primeira aldeia e a primeira forja. Em seguida, ensinou os homens a
cavar com uma enxada. Os outros sete antepassados juntaram-se-lhe, possuindo cada um deles o segredo de
várias técnicas, como o fabrico de sapatos ou de instrumentos musicais.
Fonte: Mito africano de origem Dogon citado por Ragache em A Criação do Mundo - Mitos e lendas.
http://www.emack.com.br/sao/webquest/sp/2--4/africa/processo.htm